MARIANA, O REI DO BAIÃO E O AMOR POR MINAS GERAIS

De 1980 a 1991 – ano em que faleceu – o cantor e compositor Gonzaguinha viveu em Belo Horizonte onde se casou com Louise Martins, a Lelete, e teve uma filha, Mariana. Foi na capital mineira também que o artista criado no Morro do São Carlos, no Rio de Janeiro, se inspirou para criar clássicos de seu cancioneiro como Lindo lago do amor, em homenagem à Lagoa da Pampulha, e O que é o que é.

Essa história é bastante conhecida. O que pouca gente sabe é que seu pai, Gonzagão - que se estivesse vivo teria 105 anos - também passou uma temporada em BH. Aliás, duas. Uma no começo de sua vida e a outra, no final. A primeira vez que Luiz Gonzaga pisou na capital mineira foi em 1931, quando ainda estava longe de se tornar o Rei do Baião. O artista nascido em Exu, no sertão de Pernambuco, servia o Exército como corneteiro. Belo Horizonte ainda fervilhava com a Revolução de 30. Mas, por aqui, Luiz Gonzaga só ficou por quatro meses e logo foi destacado para servir em outras cidades mineiras, Juiz de Fora, Ouro Fino e São João del-Rei.

Quando ficou famoso, o Velho Lua, como também era conhecido, veio em várias ocasiões para se apresentar nos palcos belo-horizontinos. Mas foi em 1988 que ele pode se aprofundar mais no cotidiano da cidade e de seus habitantes. Com um olho direito já atrofiado – em 1961 ele sofreu um acidente ao lado do filho e perdeu a visão – e com o esquerdo sofrendo de catarata, Gonzagão estava praticamente cego. “A gente teve que pegar ele no laço e trazê-lo para BH para ele se tratar. Seu Luiz sempre inventava uma desculpa para não vir, mas aí fomos lá buscá-lo”, recorda a nora Lelete.

Durante quase um ano, Luiz Gonzaga ia a consultas médicas e em agosto de 1988 finalmente se submeteu a uma cirurgia. Quem o operou foi o oftalmologista mineiro Nassim Calixto, que até meados de 2017 ainda clinicava. Hoje com 90 anos, o médico conta que foi um colega dos tempos de faculdade, o ortopedista Márcio Ibrahim de Carvalho que o recomendou ao pai de Gonzaguinha. Ibrahim de Carvalho estava tratando da osteoporose de Gonzagão. “A primeira consulta foi em julho e no mês seguinte nós o operamos. Mesmo naquela época já era uma cirurgia tranquila. Implantamos uma lente e prontamente ele voltou a enxergar”, conta o dr. Nassim Calixto.

O oftalmologista não se esquece de uma cena no pós-operatório no Hospital São Geraldo, na Avenida Alfredo Balena. Gonzagão estava com um tampão no olho, e o médico perguntou: “Está tudo bem? O senhor está enxergando, seu Luiz?”. “Estou, sim”, respondeu o forrozeiro. “E o que o senhor está vendo?”. “Estou vendo um santo”, declarou o Rei do Baião. Como forma de agradecimento, Luiz Gonzaga presenteou o médico com um LP com a seguinte dedicatória: “Ao meu santo Dr. Nassim Calixto, com a gratidão do Gonzagão. Belo Horizonte, 14/11/88”. “Ele era muito cordial, simples, afável e bem espirituoso. Foi um episódio que marcou a minha vida profissional”, afirma o médico.

A cirurgia realmente deu uma sobrevida ao pernambucano. Lelete não se esquece de um comentário que ele fez, assim que teve alta: “Nossa, Lelete, você é muito mais bonita do que eu imaginava. Gonzaguinha, você, que é o poeta da família, também deveria fazer essa cirurgia para se inspirar. É um turbilhão de cores”.

Mesmo passados 30 anos, a presença de Gonzagão na casa de Lelete e Gonzaguinha na Pampulha é forte. Alguns objetos dele ainda estão pelos cômodos, como fotos, chapéus de couro com dedicatórias para a família, roupas, um gravador em que registrava suas conversas com o filho, um dos seus relógios e até o seu último carro, um Monza com placa de sua cidade natal, Exu. 

“O carro era do seu Luiz e ficava em Recife para ele poder se deslocar para o sertão, já que Exu fica a 600 quilômetros de Recife. Quando ele morreu, o Gonzaga herdou o carro e depois eu herdei. Fui lá em Recife e vim dirigindo o carro até BH. O motor ainda funciona, mas a gente não sai com ele. Virou uma relíquia”, comenta Lelete. Uma das lembranças mais marcantes daquele período era de Gonzagão cantarolando pelos corredores, já que estava produzindo seu último disco, Vou te matar de cheiro. “Ele usava o gravador também para ouvir as fitas que artistas do Brasil inteiro mandavam pra ele”, acrescenta.

Apesar de ter apenas 5 anos na época em que o avô ficou hospedado em sua casa, Mariana – hoje com 35 – diz que a recordação mais nítida que tem do ‘Vôvô Lua’ era de estar sentada em seu colo, na cozinha de casa, e ouvi-lo tocando seu acordeom durante horas. Foi nessa época que ele compôs, ao lado de Gonzaguinha, a música em homenagem à garota, Mariana (Eu vou pra ver Mariana/ Mariana sorrir e dançar/Mariana brincando na vida, tô correndo pra lá/ E vou levando a sanfona, mode a gente cantar/Ei, garota, pirritota, Mariana, Mariana).

“Eu ficava quietinha ouvindo ele cantar e tocar. Acho que ele vivenciou comigo bastante essa coisa de ser avô. Sempre achou que nós éramos muito parecidos, sobretudo a boca”, comenta. Mariana diz que o avô era muito carinhoso e não media esforços em agradá-la. “Quando a gente saía, eu não podia apontar para nada que ele comprava pra mim. Eu nem era uma criança pidona, mas ele queria me agradar o tempo todo. Não me esqueço de um urso de pelúcia marrom que ele me deu e era maior do que eu.”

A neta costumava também passar as férias quando criança em Exu e não se esquece do seu ‘primeiro emprego’, como guia do museu criado em vida pelo avô. “Eu acordava cedinho e ia para lá. Adorava; sabia tudo do vovô. Exu era uma cidade muito importante para ele, e ele fez questão de retribuir. Levou rodovia, posto de gasolina, Banco do Brasil. Vovô tinha orgulhoso disso”, pontua.

Ana Clara Brant-Jornal Estado de Minas
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