Sivuca, tocador de sanfona. Poeta do Som

Em João Pessoa, Paraíba, assisti a última apresentação de Sivuca, Severino Dias de Oliveira. Na época Sivuca estava lutando bravamente contra um câncer. Naquela noite vi um dos mais internacionais músicos brasileiros de todos os tempos, Sivuca, o sanfoneiro albino, o gênio da Paraíba.

Noite que me marcou! Ali vi Sivuca desbravar recursos e sons inimagináveis para os acordeonistas.

Sorrindo Sivuca descreveu as características da sanfona brasileira, a de saber fazer o ritmo, a pulsação no próprio instrumento, seja tocando o choro ou o forró. O "pai" dessa escola é Luiz Gonzaga, que explorou não só o baião como o choro. A linha do choro teve outros dois instrumentistas clássicos, Chiquinho do Acordeon e Orlando Silveira. Sivuca andou pelos dois trilhos do acordeom.

Sabia todos os presentes naquela noite que ali ele estava se despedindo. Chorei...Era a hora do Adeus de Sivuca! Com a voz cansada o mestre pediu também que não deixassem o forró morrer! O público aplaudiu...Sivuca abraçou a sanfona e chorou...

Se Luiz Gonzaga redimensionou e popularizou o instrumento ao colocá-lo na condução de seu invento, o baião, Sivuca o expandiu, contribuindo significadamente para seu enriquecimento, bem como o da música brasileira em geral, com o requinte de seus arranjos a beleza de suas melodias e a versatilidade de instrumentista, transitando com desenvoltura entre o erudito e o popular, o jazz o choro e os ritmos nordestinos.

O acordeonista francês Richard Galliano, um de seus vários discípulos, comentou: "Um dia, Sivuca me disse: é uma coisa louca, parece que toda minha energia vem de Luiz Gonzaga". "É um gênio, abre os horizontes"

Severino Dias de Oliveira, Sivuca morreu aos 76 anos, em 2006. Nossa energia agora é de Luiz Gonzaga, Sivuca e Dominguinhos.

Sivuca nasceu em Itabaiana, a 80 quilômetros de João Pessoa, em 26 de maio de 1930, filho de agricultor. Os irmãos eram sapateiros. Aos nove anos conheceu a sanfona. Aos 15 anos teve as primeiras aulas de teoria musical com o clarinetista da orquestra, Lourival de Oliveira, estreou em um programa de calouros da Rádio Clube de Pernambuco, cujo responsável era o grande maestro Nelson Ferreira.

Permaneceu em Recife, em 1948 teve aulas com Guerra Peixe que o iniciou na arte da orquestração. Dois anos depois decidiu descer para o sul, convidado por Camélia Alves para tocar na Rádio Record com a grande Orquestra Record, dirigida por Gabriel Migliori.

Naquele ano, já plenamente enturmado com o grupo que criara o movimento da música nordestina ancorado no baião, gravou seu primeiro disco com Humberto Teixeira. Nele, o clássico "Adeus, Maria Fulô", dele e Humberto.

Em 1957 participou da famosa caravana de Humberto Teixeira que foi tocar na Europa. Entre outros, integravam a caravana o clarinetista Abel Ferreira, o Trio Irakitã, o maestro Guio de Moraes, o trombonista Antonio José da Silva Norato, o baterista Edson Machado, Waldir Azevedo. Quando o ouviu, na excursão, o maior clarinetista da história, Benny Goodman, quis levá-lo para os Estados Unidos.

Em 1964 foi convidado a tocar nos Estados Unidos, acompanhando a grande Carmen Costa. Descoberto pela cantora sul-africana Mirian Makeba, que fez enorme sucesso na segunda metade dos anos 60, acabou ficando 13 anos por lá. Conquistou Mirian ao acompanhar o ritmo em que ela cantava. Era o mesmo balaio, que tocava no nordeste. Seu arranjo de "Pata Pata", um dos hits dos anos 60, projetou-o internacionalmente.

Em sua temporada americana, limitou-se à guitarra. Uma vez, resolveu tocar acordeon em um show e recebeu a seguinte carta de um músico americano: "Finalmente encontrei alguém que me fizesse fazer as pazes com esse maldito instrumento que se chama acorden". O músico era Miles Davis.

Em 1975, Sivuca gravou um disco com a violonista Rosinha de Valença e casou-se com Glorinha Gadelha, cantora e compositora. Com ela compôs um clássico definitivo do forró, "Feira de Mangaio". O disco com Rosinha entrou em uma dessas relações americanas dos cem melhores álbuns do século 20.

De Chico Buarque colocou uma letra inesquecível na valsa "João e Maria", que Sivuca havia composto em 1947. A partir dali os letristas o redescobriram definitivamente. Compôs "No Tempo dos Pardais" com Paulinho Tapajós, "Homenagem à Velha Guarda", um dos clássicos do choro, gravado originalmente em 1956, que recebeu letras de Paulo Sérgio Pinheiro.

E por tudo isto eu pergunto, cativo de paixão, porque a Política Cultural do Brasil ainda nao construiu o Memorial Sivuca?
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