MADALENA, CEARÁ GANHA MUSEU LUIZ GONZAGA

Certa feita o apresentador Carneiro Portela, criador do Ceará Caboclo, fez um programa especial em homenagem a Luiz Gonzaga, onde afirmava que a música do Rei do Baião representa a alma do Nordeste e, para enfatizar ainda mais a sua teoria, concluiu do seguinte modo: “ Se, por uma fatalidade, o Nordeste fosse destruído por uma hecatombe, seria possível reconstruir a sua história a partir das canções de Gonzagão e seus parceiros. Está tudo ali  o lavrador, o vaqueiro, o cangaceiro, a parteira, o tropeiro, a fauna, a flora, os costumes, a casa de farinha, o engenho, as festas juninas, os animais domésticos.” É interessante notar que em todas as canções, sem exceção, está presente a marca da cultura e das tradições do povo Nordestino. 

Por esta razão, em 2012  ano do centenário de nascimento de Luiz Gonzaga do Nascimento , o vereador Gilvan Sales, de Madalena-Ceará, fã “gonzagueano” desde a adolescência, implanta naquele município o museu LUIZ GONZAGA E O SERTÃO, onde disponibilizará um vasto e precioso acervo composto de discos de cera e vinil, CD's, livros, revistas, cartazes, recortes de jornal e objetos relacionados com a fulgurante carreira do Rei do Baião. Afora esse material, o museu reunirá também centenas de objetos do Nordeste de outrora, muitos já em desuso, como bolandeiras, objetos de cerâmica, artesanato em couro e madeira, além de apetrechos da agricultura e da pecuária que remetem ao sertão cearense dos séculos XIX e XX. Gilvan adquiriu também aviamentos de casa de farinha e um engenho para fabricação de mel e rapadura.

“Inicialmente eu me interessava apenas pela música e passei a adquirir todos os LP's de Gonzaga, dando preferência aos originais, embora não descartasse os relançamentos. Depois disso passei a comprar discos de cera, LP's de 10 polegadas, CD's e outras mídias contendo a obra do Rei do Baião. Sertanejo que sou, filho, neto e bisneto de fazendeiros da região de Madalena e Quixeramobim, sempre me interessei por esse universo e quando nasceu a idéia de criar o museu, passei a adquirir outros objetos que reforçam essa ligação da música de Gonzaga com o sertão”, conta Gilvan Sales.

Ele relembra que, em meados da década de 1960, Luiz Gonzaga esteve em Madalena, a convite do vigário de então, Padre Gotardo Lemos, lançando o livro “O sanfoneiro do Riacho da Brígida” do escritor Sinval Sá. Padre Gotardo é autor da canção “Obrigado João Paulo II”, feita por ocasião da primeira visita do Santo Padre ao Brasil, gravada por Luiz Gonzaga em compacto RCA, no ano de 1980.

Por outro lado, Madalena é berço de grandes sanfoneiros, com destaque para as famílias Araújo (Mário, Nelson, João, Gilberto, Edmundo e Pedrinho), e Carloto (do patriarca Carloto Costa, pai de Raimundo Carloto, Valnir e seus manos), além do conhecido Zé do Norte, instrumentista respeitado e produtor de artistas consagrados, do chamado forró pé de serra.

O pesquisador Reginaldo Silva, que foi secretário particular de Luiz Gonzaga por quase duas décadas, já esteve visitando as instalações do museu, ainda em construção, e orientou Gilvan Sales acerca da catalogação do acervo. O próprio Reginaldo tem uma exposição itinerante sobre a vida e a obra de Luiz Gonzaga, que vem percorrendo o Brasil inteiro, em especial os Estados da Região Nordeste, onde se concentra a maior parte da legião de admiradores do sanfoneiro do Araripe. 

Fonte: Folha do Povo -Canindé-Ceará
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GARANHUNS: FESTIVAL VIVA DOMINGUINHOS TERÁ AULA ESPETÁCULO COM O COMPOSITOR ONILDO ALMEIDA

O Festival Viva Dominguinhos, que será realizado em Garanhuns entre os dias 19 a 21 de abril, terá mais uma novidade para abrilhantar ainda mais as homenagens feitas à trajetória do músico garanhuense. Trata-se do recém criado projeto itinerante ‘Aproveita Gente’, que levará até a cidade o compositor Onildo Almeida, de 89 anos, com uma aula espetáculo, no Centro Cultural Alfredo Leite, no dia 21 de abril, às 19h. 

Durante aproximadamente 90 minutos, ele mostrará curiosidades de bastidores da parceria que firmou a vida inteira com Luiz Gonzaga, circunstâncias nas quais foram compostas algumas obras, além de cantar alguns desses sucessos imortalizados na voz do Lua, que tanto contribuiu para a formação musical e artística de José Domingos de Moraes. 

Onildo é autor de sucessos eternizados na voz de Luiz Gonzaga, como : ‘A Feira de Caruaru’, ‘A Hora do Adeus’, ‘Aproveita Gente’, ‘É Noite de São João’, ‘Sanfoneiro Macho’, ‘Só Xote’ e entre tantas outras, a música que homenageia Garanhuns ‘Onde o Nordeste Garoa’. Inclusive, o compositor, natural de Caruaru, já recebeu da Câmara Municipal de Garanhuns o título de ‘Cidadão de Honorário’. 

A realização do ‘Aproveita Gente’ é do Inordecom (Instituto do Nordeste em Defesa do Consumidor), presidido por Kaic Rannys e que tem Eva Gomes como diretora Executiva. O programa de rádio e o ‘Falando com o Agreste’ são parceiros do evento, que também conta com o apoio da Prefeitura de Garanhuns.
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RÁDIO: LEI QUE FLEXIBILIZA HORÁRIO DE A VOZ DO BRASIL PASSA A VALER NESTA QUINTA (5)

O programa A Voz do Brasil, que está há mais de 80 anos no ar, poderá ser veiculado pelas emissoras de rádio no intervalo das 19h às 22h e não mais obrigatoriamente das 19h às 20h. A lei que flexibiliza o horário foi sancionada hoje (4) pelo presidente Michel Temer, em cerimônia no Palácio do Planalto.

O programa transmite as ações dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário federais. As informações vão ao ar de segunda a sexta-feira, exceto nos feriados. O material referente ao Executivo é produzido pela Empresa Brasil de Comunicação (EBC).

O projeto de lei tramitou no Congresso durante cinco anos. O texto aprovado mantém o atual horário de transmissão para as emissoras educativas. Prevê ainda que o Poder Executivo regulamente casos excepcionais de flexibilização e dispensa de retransmissão do programa.

O texto ainda determina que as emissoras de rádio informem aos ouvintes, às 19h, o horário em que vão transmitir A Voz do Brasil.

Temer lembrou que o programa foi criado à época do Estado Novo e que hoje a realidade do acesso à informação é outra. Segundo o presidente, a flexibilização é também um gesto de modernização. “A imprensa livre no nosso país é uma coisa fundamental. A Voz do Brasil é importantíssima, mas não poderíamos impedir que as emissoras de rádio tivessem a liberdade de localizar no melhor horário, dentro daquilo que foi definido”, disse.

Para o presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Paulo Tonet, a flexibilização representa um avanço para as emissoras de rádio e vai dar à população o direito de escolher em que horário prefere ouvir o programa. “A partir de agora, esse direito será exercido de fato. Flexibilizar A Voz do Brasil é também dar às rádios a chance de conquistar mais ouvintes e anunciantes”, disse Tonet no discurso. Durante a cerimônia, o presidente Temer assinou decreto que atualiza a regulamentação da profissão de radialista.

Durante a tramitação no Congresso Nacional, a proposta de flexibilização provocou muita discussão. Os defensores da manutenção do horário de veiculação afirmaram que a flexibilização significa o enfraquecimento de A Voz do Brasil, que traz informações sobre políticas públicas. Já favoráveis argumentaram que o programa não vai acabar, apenas permitir que as rádios veiculem outras transmissões, como informações de trânsito, entre as 19h e as 20h.

Programa de rádio mais antigo do país e do Hemisfério Sul ainda em execução, A Voz do Brasil completa 83 anos em 2018. Começou em 1935, na época do Estado Novo, da Era Vargas. Inicialmente, chamava Programa Nacional. Em 1938, a veiculação passou a ser obrigatória nas rádios, com o horário fixo das 19h às 20h, e o nome mudou para A Hora do Brasil.

O nome A Voz do Brasil foi adotado a partir de 1971. Ao longo dos anos, passou por reformulações. Em 1998, por exemplo, foi incluída uma voz feminina na locução. Dados de 2016 apontam que A Voz do Brasil alcançava cerca de 60 milhões de brasileiros e era transmitida em todas as emissoras de rádio do país.

Em 1995, A Voz do Brasil entrou para o Guinness Book como o programa de rádio mais antigo do país.

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NOA: UMA VOZ, UM VIOLINO PARA SE OUVIR COM A ALMA

NOA significa “descanso”, “repouso”, “consolação”, “de longa vida”. 

Noa é um nome bíblico que  surge a partir da forma No'ah, o qual decorre da palavra noach, que significa "descanso", “repouso”, de modo que esse nome predominantemente feminino carrega consigo o sentimento de alívio. O nome está presente nas Escrituras Sagradas.

Conheci o trabalho artístico de Noa numa viagem a Recife-Pernambuco. Noa é o nome artístico de Lia Gesta, a mesma pessoa demarcada por um nome que resguarda a essência de quem a cria. Noa possui uma voz única e na companhia do violino é a própria luz do sentimento, talento e humanidade.

O jornalista Mário Tavares definiu que Noa respira música e cultura. Noa é cantora e violonista. Noa é quem dá voz e alma ao que se passa no interior da Lia. É quem traz para o dia o que é gerado na noite da Lia. É quem dá à luz o que a Lia concebeu. Aos 6 anos ingressou no ballet clássico onde aos 16 anos terminou o Curso pela Royal Academy of Dancing.

O gosto pelas artes fez caminhar para concluir Mestrado de Estética Literária. Nas entrevistas costuma dizer que não sabe ao certo qual o seu gênero musical, visto as influências que surgiram de vários aspectos musicais e atemporais.

Amante da música brasileira e jazz clássico recentemente Noa esteve com o sanfoneiro cantor e compositor Targino Gondim. Aliás, que sentimento quando o violino de Noa encontra a sanfona do Targino Gondim e juntos mostram a harmonia, ritmo e melodia da canção Esperando na Janela.

Noa gravou a música "De Volta pro meu aconchego", um clássico interpretado por Dominguinhos, Elba Ramalho, para citar os dois nomes da música brasileira.
"
Sim, é de emoções que falamos porque todos as vivemos de uma forma ou de outra: o desapego, o “ir embora”, a saudade, o “voltar”, a paixão, o amor… são estas situações que unem quem canta e quem ouve", revela Noa.

Noa gravou Cicatriz. É o segundo álbum materialização das marcas gravadas pela vida. São músicas cicatrizadas ou talvez não. No cd Cicatriz você vai ouvir temas sempre ternos em reverência a autores supremos da cultura brasileira, portuguesa e chilena.

Uma cicatriz universal, pois, é possível partilhar sentimentos e vontades ao ouvir a voz de Noa, cantando o que há muito foi cantado por outros onde a poesia de um é eco, grito, silêncio do outro.

Cicatriz surge neste 2018 com um escavar ainda mais profundo revelando um cruzamento entre o fado e a música brasileira, universal.

Noa é para se ouvir com a Alma.
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O CANTO JOVEM DE LUIZ GONZAGA

Luiz Gonzaga plantou a sanfona entre nós, estampou a zabumba em nossos corpos, trancafiou-nos dentro de um triângulo e imortalizou-nos no registro de sua voz.

Dentro do seu matulão convivemos, bichos e coisas, aves e paisagens. Pela manhã, do seu chapéu, saltaram galos anunciando o dia, sabiás acalentando as horas, acauãs premeditando as tristezas, assuns-pretos assobiando as dores, vens-vens prenunciando amores.


O seu peito abrigava o canto dolente e retorno dos vaqueiros mortos e a pabulagem dos boiadeiros vivos. As ladainhas e os benditos aninhavam-se por ali buscando eternidade. 

Porque ainda estamos em tempos forrozais, vou recontar esse momento. Enquanto descia de Santa Teresa com Beto Quirino, Chico Salles Araujo e Ivamberto Albuquerque, eu imaginava o disco gonzagueano no qual o Rei do Baião encantara para a eternidade suas versões para canções completamente estranhas ao seu repertório tradicional. 

O Canto Jovem de Luiz Gonzaga veio e vem, de certa forma, contrapor-se ao discurso segregador. Procurando um melisma que também beirasse o dissonante, a sanfona e a voz do bardo encaixaram-se com certa delicadeza, mastigando mansamente as notas quase deslocadas da bossa nova e do tropicalismo. 

Não queiram arranjos sertanejos, rascantes, severos. Há um diálogo com o que se chamava, na época, de novo, de jovem. Gonzaga teve coragem, enfrentou. A célebre Caminho de Pedra, de Tom e Vinícius, é um ponto a se prestar bem atenção. Em Asa Branca, com alguma novidade no arranjo, a participação de Gonzaguinha marcará o reencontro de pai e filho. 

Seguem-se os Nelson Mota, Dori Caymmi, Antonio Carlos e Jocafi, Capinan e Edu Lobo, presentes. Note-se a fotografia de capa tendo como cenário o Edifício Avenida Central, no Largo da Carioca. Note-se, ainda, a pose e o figurino atualizado à cidade e à moda bossanovidadosa. As faixas:

01 Chuculatera (Jocafi – Antônio Carlos)
02 Procissão (Gilberto Gil)
03 Morena (Gonzaguinha)
04 Cirandeiro (Capinan – Edu Lobo)
05 Caminho de Pedra (Tom Jobim – Vinicius de Moraes)
06 Asa Branca (Luiz Gonzaga – Humberto Teixeira)
07 Vida ruim (Catulo de Paula)
08 O milagre (Nonato Buzar)
09 No dia que eu vim me embora (Caetano Veloso – Gilberto Gil)
10 Fica mal com Deus (Geraldo Vandré)
11 O cantador (Nelson Motta – Dori Caymmi)
12 Bicho, eu vou voltar (Humberto Teixeira)

Fonte: Aderaldo Luciano-Professor doutor em ciência da literatura
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SERRA TALHADA FESTEJARÁ O DIA INTERNACIONAL DA DANÇA

Em comemoração ao dia Internacional da Dança, festejado no dia 29 de abril, data de nascimento do mestre francês Jean-George Noverre (1727) e instituída pelo CID (Comitê Internacional da Dança) da UNESCO no ano de 1982, Serra Talhada promove o projeto “No Quintal do Museu”, que traz uma agenda de encontros e atividades envolvendo artistas e grupos de dança no Museu do Cangaço, em Serra Talhada.

“Somos zelosos com as raízes que nos sustentam. As novas gerações nunca apagaram da memória os versos dos antigos cantadores, nas calçadas das igrejas e  nos grupos de jovens jamais deixaram de existir os brincantes de  dança e teatro,  os recitais e as loas, as cantigas de rodas  e modinhas, nas  noites enluaradas, que manifestam  a alegria de nossa gente e continuam vivas e em movimento.  E é essa mistura do  passado e as recriações do presente que fazem do Sertão um verdadeiro celeiro de novos  talentos”, afirma Anildomá Souza, presidente da Fundação Cultural de Serra Talhada.

O projeto “No Quintal do Museu” é promovido pela Fundação Cultural Cabras de Lampião, com incentivo do Funcultura/ Fundarpe / Secretaria de Cultura / Governo de Pernambuco e apoio da Prefeitura de Serra Talhada por meio da Fundação Cultural de Serra Talhada e Secretaria de Educação, Sesc Triunfo e Agência Cultural de Criação e Produção.
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LEO RUGERO: SEU JANUÁRIO, TOCADOR DE OITO BAIXOS, PAI DE LUIZ GONZAGA

Pouco sabemos a respeito de Seu Januário, pai de Luiz Gonzaga e “vovô do baião”. José Januário dos Santos nasceu em Floresta, sertão de Pernambuco, no dia 25 de setembro de 1888, ano da Abolição da Escravatura. Alguns dizem que Januário não teria nascido em Floresta, mas em algum outro município dos arredores. Também não se sabe, ao certo, em que ano Januário chegou à Fazenda Araripe, nas terras pertences ao Coronel Manuel Aires de Alencar, filho de Gauder Maximiliano Alencar de Araripe, o Barão de Exu. 

Pelo que conta a história oral, esta palavra homônima do orixá africano, é uma corruptela de Ansú (?), grupo indígena que habitava a Serra do Araripe. Daí o nome daquele latifúndio pertencente ao Barão ter sido posteriormente batizado de Exu.

Januário trabalhava como agricultor e na confecção de couro. Não se sabe como Januário teria aprendido a tocar e afinar sanfona de oito baixos. Teria sido sozinho, isolado no sertão pernambucano? Alguns dizem que ele teria conhecido um mascate judeu na Chapada do Araripe.

Nas recordações de infância de Luiz Gonzaga, seu pai aparece como um sanfoneiro respeitado das redondezas. De forma mítica, Januário é apontado como o pioneiro da sanfona nordestina. Com certeza, haviam outros sanfoneiros, com seus solos de sanfona que talvez tenham sido levados para sempre no vento que sopra nas catingas, a espera de que alguma fotografia ou lembrança familiar seja encontrada para que a história possa ser reescrita. 

Se sabemos algo mais sobre Januário, isso se deve à Luiz Gonzaga. Graças às letras e narrativas de Gonzaga, conhecemos tão bem certos personagens e detalhes daquela região que muito provavelmente estariam esquecidos, ou, ao menos, escondidos por trás da espessa mato do cerrado.

A atuação profissional de Januário no contexto fonográfico foi errática, tendo ocorrido em 1955, na gravadora RCA-Victor, quando gravou dois discos de 78 rotações, acompanhado de sua prole. No selo dos discos, o velho sanfoneiro era apresentado como “Januário, seus filhos e sua sanfona de oito baixos”. Nestas gravações, podemos ouvir a “sanfona abençoada”, tal como se refere Luiz Gonzaga no xote “Januário vai tocar”. 

A letra autobiográfica, discursa sobre o papel social do sanfoneiro nos bailes interioranos e reforça a relação deste instrumento com o passado rural e as populações menos favorecidas economicamente: “a cidade te acha ruim, mas eu não acho".

Ai, ai, sanfona de oito baixos,
Do tempo que eu tocava na beira do riacho.
Ai, ai, sanfona de oito baixos,
A cidade te acha ruim, mas eu não acho

Lá na Taboca, no Baixio, lá no Granito,
Quando um cabra dá o grito: - Januário vai tocar!
Acaba feira, acaba jogo, acaba tudo,
Zé Carvalho Carrancudo tira a cota pra dançar.

Outra música gravada por Januário é o solo instrumental “Calango do Irineu”, que pode nos revelar um pouco da técnica e do estilo pessoal de Januário. Neste baião, está presente a 7a menor da escala maior, tão característica da música trazida por Luiz Gonzaga. Também estão as 3as paralelas e consecutivas, segundo o maestro Guerra-Peixe, uma reminiscência do gymel, uma técnica de harmonização medieval surgida na Inglaterra tão presente na música brasileira. Acima de tudo, nesta música encontramos aquele “tempero” que torna peculiar o estilo nordestino de tocar sanfona, que é facilmente perceptível ao primeiro toque, embora difícil de ser descrito em palavras.

Alguns anos antes, em 1950, Januário seria apresentado ao grande público, através do disco e do rádio, por seu filho, Luiz Gonzaga e o parceiro Humberto Teixeira, com o xote “Respeita Januário”. Numa narrativa metalingüística, Gonzaga descreve seu deslocamento de Exu, foragido de uma briga, da qual foi ameaçado de morte, e a longa epopéia que culmina com o retorno ao berço natal, já consagrado como Rei do Baião no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. 

Escrito com tinturas épicas de uma saga nordestina, o relato de Gonzaga tornou-se maior e mais real do que a história literal, onde personagens ganham vida em diálogos que teriam sido inventados, mas que acabaram tomando vida própria e se eternizando de forma mítica na imaginação popular. Muito provavelmente, pela primeira vez, na história da canção popular urbana, se versava sobre a sanfona de oito baixos e o papel social do sanfoneiro no sertão nordestino. Outro aspecto salientado pela letra desta canção é a relação de constante recusa e desafio entre pai e filho que permeia a transmissão da herança cultural, que não é ensinada, mas é aprendida.

No ano de 1952, Luiz Gonzaga reuniu seu pai e seus irmãos, formando o conjunto “Os Sete Gonzagas”, que realizou apresentações inesquecíveis nas rádios Tupi, Tamoio e Nacional. Por sorte, estas gravações foram registradas em áudio, e podemos ouvir as performance de Januário ao vivo.

No entanto, Januário poderia ser aquele personagem da letra de Gilberto Gil para a melodia “Lamento Sertanejo” de Dominguinhos. Avesso à cidade grande, “por ser de lá do sertão, lá do roçado, lá do interior do mato, da catinga e do roçado”. Januário não se adaptou ao sitio dos Gonzaga em Santa Cruz da Serra, no Rio de Janeiro. Preferiu voltar a Serra do Araripe, entre a catinga e o roçado, na lavoura, tocando sanfona de oito baixos na beira do riacho.

No entanto, a despeito de sua atuação profissional em música ter sido tão breve e fugaz, sua herança foi transmitida através dos filhos; Luiz Gonzaga, Zé Gonzaga, Severino Januário e Chiquinha Gonzaga. Através deles, a música do velho Januário foi ressignificada ao contexto fonográfico, se entranhando na alma nordestina, como se fizesse parte da paisagem sertaneja, traduzindo em contornos melódicos a poética do sertão.

Januário veio a falecer aos 90 anos, em 11 de junho de 1978, em Exu. Salve Januário, pai de Luiz Gonzaga e pioneiro da sanfona de oito baixos na região Nordeste.

Fonte: Leo Rugero. Bacharel em violão clássico pelo Conservatório Brasileiro de Música e Mestre em Musicologia pela Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Léo Rugero, é hoje uma referência no Brasil quando o assunto é sanfona de oito baixos
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