Raimundo Aniceto, tocador da Banda Cabaçal do Crato tá doente, tá sem tocar, sem dançar, sem pular, tá sem alegria

Numa conversa com o amigo escritor, professor Aderaldo Luciano, ouvi a promessa que será colocado em um poema certeza que Deus era um tocador de pife e foi soprando nele, num pife feito de taboca, que deu vida ao Homem com seu sopro fiel. 

Nesta madrugada não me saiu da "cabeça" o sentimento da falta de respeito que é tratado nossos mestres da Cultura. 

A Banda Cabaçal dos Irmãos Aniceto do Crato, Ceará tem no tempo uma vereda de espinho e esperança, brilho das estrelas que não mudam de lugar, a peleja entre a fome e a fartura. Este ano a Banda completa 201 anos de Fundação.

Em 2015 a Banda perdeu o mais antigo dos integrantes, Antonio Aniceto, o responsável por abrir o caminho para os mais novos. A

Banda já está na terceira geração, com os filhos de Adriano, Cícero e Jeová, filhos de Antônio e João, netos de José Aniceto e ousam em desafiar a "industria capitalista avassaladora". Valorizam a história e a tradição. 

Mais uma fez a dor qual espinho massacrando a pele, a ferir os sentimentos mais nobres traz uma situação de desconforto: Seu Raimundo Aniceto, 86 anos sofreu um AVC, perdeu a voz. O braço está paralisado, já não toca! Por telefone a filha de Raimundo, a Socorro Aniceto conta com voz baixinha: a situação carece de muita preocupação.

Raimundo Aniceto é Mestre da Cultura, oficialmente reconhecido pelo Governo do Estado do Ceará. É Patrimônio da Cultura mais Brasileira.

A história conta que tudo começou com o índio kariri José Lourenço da Silva, que com suas cabaças resolveu criar um grupo musical surgida em 1815. Toda a família se envolveu no trabalho, e a tradição foi passada por três gerações.

Os irmãos Aniceto lançaram três discos: o primeiro em 1978, patrocinado pelo Ministério da Educação e Cultura; o segundo em 1999, produzido pela Cariri Discos em parceria com a Equatorial Produções; e o último em 2004, intitulado “Forró no Cariri”. Também lançaram um DVD, gravado em 2008, no Theatro José de Alencar, registrando a histórica apresentação da Banda Cabaçal em conjunto com a Orquestra de Câmara Eleazar de Carvalho.

O nome da banda vem do tempo de José Lourenço, o Aniceto. Na época, a zabumba era feita da cabaça da roça. A terra natal dos Irmãos Aniceto é o Crato, mas a cultura da família já é conhecida em todo o Brasil e até na Europa. O grupo resiste...

A professora Elídia Clara Aguiar Veríssimo, da Universidade Estadual do Ceará (Uece), que em 2002 defendeu tese de mestrado sobre o som produzido pelo quinteto explica que os componentes da Banda se diferenciam das demais bandas cabaçais do Cariri pela temática de suas músicas. Usam os sons e o comportamento observado na natureza.

"Aí nascem os baiões e forrós que ninguém mais produz, trazendo o cotidiano da roça para o palco”, avaliou Elídia. Também fazem parte do repertório situações vividas por alguns integrantes. É o caso da música da Luta do Severino Brabo. Mestre Raimundo contou que esse personagem realmente existiu e fez parte de sua infância. O tal homem assustava a todos andando com dois facões na cintura e tentando arrumar briga por onde passava.

“Eu ficava olhando, aprendi alguns movimentos com ele e coloquei isso na banda”. Nesse caso, impressiona o som emitido pelas facas que acompanham a música.

Seu Raimundo era o responsável pela coreografia, ele dançava, pulava e arriscava até um salto mortal na apresentação. Na foto ele está com o então ministro da Cultura, Gilberto Gil.


Apesar da solidão e olhar triste Seu Raimundo em nome da Banda Cabaçal Irmãos Anicetos já recebeu a Honra do Mérito Cultural, concedido pelos relevantes serviços prestados a cultura.

A pesquisa de Elídia também mostra que, apesar de não possuírem formação acadêmica em música, os Aniceto têm ouvido para sons que músicos profissionais não têm. O mesmo ocorre com a habilidade em tocar seus instrumentos musicais.

Por tudo isto nesta madrugada eu penso com mais Fé: Deus dai-me forças e tende compaixão de nós neste vale de lágrimas! Não deixe o som do Pife parar!



Nenhum comentário

Por Aderaldo Luciano: Rádio nas ondas da Amplitude Modulada (Am). A verdadeira comunicação

Recebi texto do amigo paraibano, morador universal, professor, doutor em ciência da literatura. Transcrevo: 
"Durante todo o tempo em que me entendo por gente vi surgir e consolidar-se dentro de mim o amor e o respeito pelo rádio. Ainda criança, meu irmão Cacuruta presenteou-me com um rádio Semp à válvula. Curioso menino da Rua do Bode retirei a caixa e vislumbrei aquele coração cheio de elementos que me pareciam uma usina com suas torres e luzes. Apagando as lâmpadas e ficando no escuro aquilo resplandecia e tomava conta de toda minha imaginação. Tornei-me notívago, navegando no dial, buscando emissores de longe, locutores que me falariam de cidades e acontecimentos que eu planejava vivenciar.

Durante o dia me via rodeado pelas rádios locais, pelas ondas que vinham de Campina Grande e suas três rádios AM: Caturité, Cariri e Borborema. Nomes fortes, direto de nossas raízes. O tempo e os homens insanos mudaram os nomes das rádios Cariri e Borborema que, em um período de tempo, aquela chamou-se Rádio Sociedade, e esta, hoje, Rádio Clube. A loucura dos homens se traduz nesses assaltos. Foi na programação das rádios campinenses que aprendi a viver a brasilidade. Retalhos do Sertão, Bom dia Nordeste (com Zé Bezerra) cuja abertura era um jingle sensacional de João Gonçalves, o Rei da Cacofonia, as Sentinelas RB, os Filmes do Dia e Jogo Duro com Humberto de Campos (figura imponente do time Estudantes), esses todos na Borborema.

Na Cariri encontrei ao meio-dia Genival Lacerda com o forró de Seu Vavá. Encontrei também a estreia de Capilé que era a grande promessa artística da terra, cantando ao vivo, violão certo, voz correta e boa comunicação. A Caturité pela manhã trazia Antonio Cardoso Show, aquele que organizava caravanas de cantores para os bailes nas redondezas. Depois dos programas esportivos vinha o Postal Sonoro com belas "páginas musicais". Foi nesse programa que escutei pela primeira vez dobrados militares da Banda do 14º R.I. Mas entendi o gosto musical de nosso povo com extensa programação com Carlos Alexandre, José Ribeiro, Evaldo Braga, Elino Julião, Genival Santos.

Vi nascer as rádios de Guarabira: Cultura e Rural. A Cultura quando surgiu trazia em sua fase experimental uma trilha sonora cheia de novidades. Também testemunhei em Bananeiras a Rádio Integração do Brejo. Todavia na adolescência passei a acompanhar a programação das rádios do Recife: Rádio Clube, Jornal do Comércio, Tamandaré, Olinda e Rádio Globo. Algumas vezes entrava a Rádio Capibaribe (Jovem Cap). Nesse tempo passei a sonhar com a possibilidade de ir morar na capital pernambucana, a matriz cultural do frevo, maracatu e ciranda. Acordava cedinho para ouvir Elias Lourenço. A Tamandaré trazia uma programação mais pop e um som aproximado ao som das FMs.

Paralelamente a essas escutas, ia descobrindo as emissoras de ondas curtas internacionais que transmitiam em português. Assim entrava pelo meu ouvido a Voz da América (EUA), a Paz e Progresso (Russa), a Rádio China Internacional, a Rádio Netherland (Holanda), a Deutsch Welle (Alemanha), a Rádio França Internacional, a rádio da Albania (direto de Tirana) e a BBC. As ondas curtas eram um grande oceano de novidades sonoras. A Voz dos Andes me falava de irmãos americanos falando espanhol. Agora, a noite era o grande passeio pela faixa AM quando acompanhava as rádios do Rio de Janeiro e em especial a Rádio Globo. E como a Globo tinha uma programação sem retoques. A partir das 23 horas era uma viagem com o Panorama Esportivo, O Seu Redator Chefe e Adelzom Alves.

A Rádio Sociedade da Bahia, a Rádio Capital de São Paulo, a Rádio Tupi do Rio foram minhas companheiras durante as noites longas e frias de Areia, Paraíba. Aí, um dia, me vi do lado de dentro na Rádio Serrana de Araruna com os amigos Ney Vital Guedes, Pedro Freire e Ednaldo da Silva. Era um programa semanal chamado Suíte Nordestina. Ficamos um bom tempo no ar. Depois aportei na Rádio Cidade de Esperança. Ainda na Rádio Serrana de Ararura criei, junto com o saudosíssimo José Avelino, o programa Noite de Lua, um programa de saudade. Avelino nos ensinou muito sobre a música brasileira.

Para minha alegria, hoje estou na Rádio Globo do Rio, em um pequeno quadro semanal no programa Sa-ba-da-ba-dooo, com Mário Esteves, todos os sábados entre 5 e 9 horas da manhã. O nosso Cordel de Notícias também vai ao ar na Rádio Globo de São Paulo, ainda aos sábados com Rony Magrini, entre 6 e 9 da manhã. O rádio está vivo, a faixa AM está viva, querem matá-la no Brasil, mas ela ainda representa uma enorme atividade pelo interior dos Brasis. Amo o rádio, Sinto-me parte dele, Sou um guardião, embora tanta coisa ruim aconteça aos seus microfones. Mas uma coisa é o Rádio, a outra, seus donos e vozes".

Fonte: Aderaldo Luciano-professor. Pós-doutorando.
Nenhum comentário

Irmãs Nordestinas guardam até os dias de hoje a sanfona branca, um presente de Luiz Gonzaga

Maria de Lourdes Batista e Socorro. As Irmãs Nordestinas nos ano 70 conheceram Luiz Gonzaga, Rei do Baião e este ao contemplar a desenvoltura de uma interpretação de um choro sentenciou: "Vou lhe presentear com uma sanfona branca".

Elas contam que não foi executado um choro fácil. "Escolhi um difícil e Luiz Gonzaga logo disse que menina para fazer a sanfona falar, tocar bonito".  Tudo isto numa sanfona de 80 baixos.

A palavra do Rei foi cumprida em 1984 quando Maria de Lourdes esteve em Exu e ganhou das mãos de Luiz Gonzaga, a sanfona branca. "E ainda ganhei um disco autografado", revela a sanfoneira "Lourdinha" como é conhecida em Petrolina.

As Irmãs Nordestinas nasceram em São José do Egito, Pernambuco.  Não foi por acaso que Luiz Gonzaga viu logo  a agilidade e habilidade, talento e ousadia ao puxar a sanfona de 80 baixos, pois Lourdinha é filha do melhor sanfoneiro de São José de Egito, Pedro Bentinho, homenageado com Medalha de Honra ao Mério-Centenário de São José do Egito.

As Irmãs Nordestinas ainda fazem shows. "Sempre faço apresentações é só chamar que a gente faz a sanfona roncar neste Nordeste afora"
Nenhum comentário

João do Vale: o Poeta do Povo, autor da música Carcará, Estrela Miúda, Peba na Pimenta e Pisa na Fulô

João do Vale é o autor da música Carcará, imortalizada na voz de Maria Betanea. 

As poesias de João do Vale são entoadas por esse Brasil afora e a maioria não imagina a autoria das músicas. João do Vale é mais um típico caso de grande artista brasileiro totalmente desvalorizado, pobre, semi-analfabeto, preto e nordestino, uma combinação infelizmente cruel para quem nasce nessas terras.

Na voz de Luiz Gonzaga é da autoria de João do Vale os baiões Meninas do Grotão, Fogo do Paraná, de Terezina a São Luiz.

João do Vale  veio ao mundo como o quinto filho de um casal de camponeses pobres e que se tornou, com suas mais de 200 músicas, um dos mais talentosos compositores da música brasileira.

João Batista Vale nasceu na cidade de Pedreiras, Rua da Golada, no Estado do Maranhão. Negro e pobre sofreu todo tipo de discriminação. Hoje João do Vale", através do trabalho do crítico carioca Marcio Paschoal, além de imortalizado na voz dos grandes cantores de Luiz Gonzaga a Chico Buarque, Clara Nunes e Maria Betanea,  Caetano Veloso a Fagner, ele está também na biografia Pisa na Fulô, mas não maltrata o Carcará - Vida e Obra do compositor João do Vale, o Poeta do Povo.

João do Vale se tornou compositor para ajudar os pais na lida com os outros irmãos, vendia bombons e doces feitos pela mãe. Apesar do trabalho, estudava com prazer na escola primária do lugar até um incidente tirá-lo dos estudos.

"Na época em que cursava o primário, foi nomeado um coletor novo para Pedreiras. Ele levou um filho em idade escolar. Na escola tinha uns trezentos alunos, mas escolheram logo eu para dar lugar ao filho do homem. E eu senti, é claro! Resolvi nunca mais ir estudar", relembrava ele.

Depois disso, a família se mudou para São Luís e o menino, de apenas 14 anos, fugiu de lá para Teresina junto com um circo. Tinha o sonho de morar no Sul e ter uma vida melhor. Foi ajudante de caminhão no Nordeste e, ao conseguir chegar no Rio de Janeiro, arranjou serviço também como ajudante - dessa vez de pedreiro.

Trabalhava e dormia na construção; à noite percorria as Rádios na esperança de se aproximar de algum artista. O primeiro a que teve acesso foi Zé Gonzaga, que a princípio não quis ouvir suas músicas. A resistência durou pouco. O cantor ficou encantado pelas composições de João do Vale e gravou Cesário Pinto, que fez sucesso no Nordeste.

Luís Vieira foi o segundo que João procurou; conseguiu que Marlene gravasse Estrela Miúda (de autoria dos dois). Embora não tenha sido fácil, o início da carreira de João do Vale foi rápido. Apenas um ano após chegar no Rio de Janeiro, suas músicas já começaram a ser gravadas. Quando, em 1952, foi receber os direitos autorais da venda de suas composições pela primeira vez, surpreendeu-se com a quantia: 200 cruzeiros. Uma fortuna para quem suava na construção por 5 cruzeiros mensais.

"Tudo o que nasce de João do Vale tem verdade e tem chão", disse Clara Nunes, cantora que recheia a já grande lista dos que gravaram composições do maranhense.

 Com sua simpatia e humanidade, o músico conviveu com uma centena de personalidades de destaque como artistas, políticos e escritores. Maria Bethanea gravou Carcará.

João teve três derrames cerebrais e morreu em 1996 aos 63 anos. Ele era de uma simplicidade contrastante com a época e o meio em que viveu. A biografia escrita por Marcio Paschoal, de 295 páginas, é um apanhado de mais de 40 fotos, cópias de contratos de edição e de partituras originais, discografia, musicografia e depoimentos dos artistas.

Fonte: Jornal do Commercio/Livro Marcio Pascolal
Nenhum comentário

Adeus a Antonio da Mulatinha. Agricultor, tocador de pandeiro, vendedor de cordel

Chorei! A morte esta danada "Caetana" sempre me faz chorar! 

Chorei pela falta do último abraço, a distância não permitiu: resta a lembrança do cantador, embolador Antonio da Mulatinha.

 Nascido no municipio de Esperança-Paraíba, Antonio Patrício aos 22 de outubro de 1927, irmão do também genial Dedé da Mulatinha (José Patrício) e outros nove irmãos

O motivo do sentimento é que durante quase 10 anos frenquentava a feira de Campina Grande, Paraíba e lá ainda jovem eu encontrava o vendedor de cordel Antonio da Mulatinha. Com ele aprendi os mais bonitos pensamentos, palavras e ações a favor da cultura brasileira.

Antonio da Mulatinha aprendeu apenas as primeiras letras do ABC. No entanto, estas lhe foram suficientes para ganhar o mundo e a fama, e em especial, a cultura.

Começou a cantar coco em 1940 e em 45 já publicava seu primeiro cordel: “A Viagem Sagrada”, seguindo-se outros oitenta e tantos títulos.

Campina Grande foi o lugar escolhido para viver, o bairro de Santo Antonio. Gravou dezenas de disco vinil-Lps.

Pai de dez filhos. Realizou centenas de viagens pelo Brasil afora  com seu irmão Dedé. Em 2014, Toinho da Mulatinha com então 89 anos foi homenageado pelo Museu de Arte Popular (MAPP) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), pelos seus mais de 60 anos de atuação na cultura, como cordelista e embolador de coco. No dia do evento, Toinho falou sobre sua vida e trabalho artístico.

Os seus versos, por muitos já fora elogiado. Eis aqui um pequeno exemplo da sua versatilidade:

“Em Sodoma tão falada/
Passei uma hora só/
Lá vi a mulher de Ló/
Numa pedra transformada/
Dei uma talagada/
Com caldo de mocotó/
E saí batendo o pó/
Adiante vi Simeão/
Tomando café com pão/
Na barraca de Jacó”.

São da autoria de Antonio da Mulatinha os seguintes títulos: Morte de Rosil Cavalcanti, Almanaque pernambucano brasileiro para o ano de 1957, Campina Grande, a viola e as belezas do nordeste, O casamento de Bernardo com Maria do Saguím ou o rapaz que casou-se e correu com medo da mulher, A Paixão de Cristo, As missões de Frei Damião em Bom Jardim e a tempestade em Limoeiro, As missões de Frei Damião em Soledade e os castigos de um amancebado, O povo chora com pena do frade Frei Damião, O desastre de ônibus que atropelou uma procissão e matou vinte e três pessoas em Currais Novos, A História do desastre da Lagoa do Parque Solon de Lucena em João Pessoa, entre outros.

Abraço meu amigo...deixaste este vale de sofrimentos!
Nenhum comentário

Dominguinhos: uma imensidão de ritmo, hamonia e melodias, saudade, paixões e amores, sol, lua, solidão e silêncio

"Que saudade matadeira eu sinto no meu peito. Faço tudo para esquecer, mas não tem jeito." Este é um dos muitos versos que Dominguinhos cantou e tocou com sua sanfona, transformando-a em um instrumento da saudade, sentimento que persiste no coração de todos nós que convivemos com o cantor, compositor e instrumentista desde sua morte em 23 de julho de 2013.

Hoje 12 de fevereiro se fisicamente estivesse entre nós Dominguinhos completaria 75 anos.

Hoje convidado que fui para participar de Programas de Rádio na região do Vale do São Francisco destaquei a genialidade, simplicidade, humildade do mestre Dominguinhos. Em especial a gratidão que o discípulo tinha por Luiz Gonzaga.

Destaquei dois filmes que fala sobre vida e obra de Dominguinhos: primeiro o documentário "O milagre de Santa Luzia" (2008), de Sergio Roizenblit, no qual o instrumentista viaja pelo Brasil para mostrar as diferentes formas regionais de se tocar sanfona e os principais sanfoneiros do país.

E aquele que mais me toca: O longa metragem webserie "+Dominghinhos". Neste filme é mostrado “Um Dominguinhos que pouca gente conhece: jazzista, improvisador, seu refinamento musical, sua universalidade.

Assim era Dominguinhos. Grande, muito grande. Simples, muito simples.

Aos 6 anos, José Domingos de Morais, O Dominguinhos ganhou a primeira sanfona do pai, o mestre Chicão. Aos 8, já se apresentava com os irmãos, Morais e Valdomiro, em feiras livres e portas de hotel de Garanhuns (PE), onde nasceu em 12 fevereiro de 1941.

Dominguinhos foi nome dado por Luiz Gonzaga, com quem gravou, em 1957, Moça de Feira. “O menino chegou de um ambiente diferente e começou a viver num mundo glamourizado. Mas foi sempre na dele, sempre com esse jeitão sertanejo”, diz Gilberto Gil no primeiro episódio da web série +Dominguinhos.

A riqueza dessa história levou os músicos Mariana Aydar, Duani e Eduardo Nazarian a se associar à produtora bigBonsai para pesquisar e promover encontros entre o sanfoneiro e parceiros, antigos e jovens que tocam e contam histórias vividas nos palcos da vida.

Em uma delas, Gil lembra do tour do álbum Refazenda (1975), em que viajaram juntos mais de 20 mil quilômetros. Em certo momento, Dominguinhos pergunta: “Isso é reggae, é?”. Quando o amigo responde que sim, ele rebate: “Que reggae nada, isso aí é um xotezinho sem-vergonha”.

"Seu Domingos" é grande demais para um filme. Se o Rei do Baião levou o sertão nas costas para que um País inteiro conhecesse, Dominguinhos fez com que cada homem, nascido no canto que fosse, encontrasse o sertão que havia no próprio peito.

Antes de começar a luta contra o câncer que o submeteria a uma injustiça do destino vivida em um quarto do Hospital Sírio Libanês, convalescendo na dor física e da alma que sofria sob desavenças de familiares, Domingos recebeu uma equipe de jovens cineastas. Estavam ali para colocar a água do Rio São Francisco em uma garrafa. Ou, se fosse preciso, em duas.

Ao lado de Djavan, Domingos chorou. Estava visivelmente abatido pela doença, mais magro do que em outras cenas, e parecia sentir as próprias notas em dobro. Ali, foi dureza. Havia as vozes de Djavan e de Mayra Andrade na belíssima toada Retrato da Vida, mais o violão de Yamandú Costa e o bandolim de Hamilton de Holanda.

Seu Domingos tirou a água dos olhos e pediu a Djavan um favor com uma humildade de estraçalhar os técnicos do estúdio. "Se você tivesse trazido seu violão, eu ia pedir pra tocar uma música pra mim".

O São Francisco transbordou e os produtores, amparados perceberam que Dominguinhos precisava de mais. O que seria um filme ganhou formato de websérie e o nome de Domingos +. Dividida em oito capítulos.

No filme Um pião gira no chão de terra até que aparecem os primeiros ruídos. Um boiadeiro canta, uma ave bate as asas. O pião retorna. É uma imensidão de sol e silêncio que abrem o documentário sobre Dominguinhos. Uma solidão que ficou com ele até o final da vida, estivesse na festa dos vitoriosos que levam prêmios Grammy para casa e na colheita do feijão com o pai, nas terras de Garanhuns.

Quando a música aparece, ela vem em turbilhão. Um Dominguinhos de cabeça baixa, de pé, à frente de um grupo, tocando sua sanfona como se estivesse em transe. De olhos fechados, transpassa dedos uns sobre os outros como se tivessem vida própria, como se nem dos comandos do cérebro precisassem.

É o próprio músico quem narra sua história. Seu Domingos fala do pai que já tocava na roça, lembra de sua sanfoninha de 8 baixos e do primeiro grupo que formou com dois irmãos no Nordeste, quando tinha 8 anos. Conta das brincadeiras e dos passatempos. "Eu não matava nem passarinho, por pena." A mãe, alagoana filha de índios como o pai, teve 16 filhos, muitos dos quais "iam morrendo" e sendo enterrados em caixõezinhos que o pai já construía como um especialista.

Seu Luiz, Luiz Gonzaga, já era rei quando viu o menino pelos anos de 1946, 1947. Como fazia quando apostava em um pirralho com jeito de gente, deu a ele 300 mil réis e sua bênção. "Passamos três ou quatro meses com esse dinheiro", lembra Domingos. Logo, é Domingos, pouco tempo depois de aposentar o apelido Nenê, quem está acompanhando o próprio Gonzaga. "O caminho de todo sanfoneiro era Luiz Gonzaga, não tinha outro." Dominguinhos o segue no sucesso, e aparece em programas de TV desafiando o mestre nas mãos e nos pés, com um duelo de xaxado.

O sanfoneiro chega ao Rio de Janeiro de Garanhuns depois de uma saga de 11 dias na carroça de um caminhão.

A história segue na voz do sanfoneiro e nas imagens de encontros em estúdios, alguns dos quais aproveitados de registros para a da websérie feita antes do documentário. Nana Caymmi não consegue cantar afinada Contrato de Separação. Em frente a um Dominguinhos debilitado, ela chora sem se conter, mas segue em frente.

Dominguinhos, estudado em escolas de jazz, esmiuçado por músicos eruditos, jamais estudou partitura. Tentou fazer isso, mas abandonou as aulas "porque os livros não tinha figurinhas." 

Já consagrado, fora da sombra do Rei do Baião, foi com Gal Costa fazer shows pelo país por dois anos, acompanhado por Toninho Horta na guitarra e Robertinho Silva na bateria. "Eu já estava me sentindo um sanfoneiro pop, já estava com o cabelão black." Quando chegou 1978, veio morar em São Paulo e sentiu aflorar a solidão do sertão que havia em seu peito. Dominguinhos era um solitário, como ele mesmo diz.

Seus olhos se enchiam de água depressa, sobretudo depois que ele começou seu tratamento contra o câncer. Em uma noite, deixou o quarto do hospital com seu chapéu de vaqueiro, apertou o botão do elevador e fez o nome do pai.

Momento de emoção no filme quando Dominguinhos chega ao teatro no qual a Orquestra Jazz Sinfônica o esperava e sentou-se para tocar De Volta pro Aconchego. Quando sentiu os arranjos sinfônicos atravessando seu peito, não se conteve e chorou uma lágrima graúda, como se soubesse que, ali, era a hora de se despedir.

Levantou a cabeça, tirou o chapéu e chorou...
Nenhum comentário

Dominguinhos: deixou mais ricos os céus e a terra e mais emotivamente misteriosa a razão de haver estrelas e gente

Dia 12 fevereiro: Dominguinhos completaria 75 anos.

Dominguinhos encantou o Brasil com sua sanfona e voz, simplicidade e humildade.  Dominguinhos tornou-se um cantador que melhor soube interpretar a alma brasileira e vive na boca do povo, no puxado da sanfona em todos os recantos desse Brasil.

Garanhuns agreste de Pernambuco é o lugar onde nasceu Dominguinhos e a cidade através da Prefeitura realiza o Festival Viva Dominguinhos, este ano em sua III Edição.

O evento cria a oportunidade para discutir a Política Cultural no mundo globalizado e mais torna Garanhuns uma vitrine de atração de desenvolvimento econômico e social.

Garanhuns nesse sentido consolida um calendário que já é um dos principais acontecimentos do Nordeste.  Garanhuns firma com o Festival Viva Dominguinhos o incentivo e valorização da cultura e arte, um festival ancorado na alma e no profissionalismo do filho mais ilustre da música brasileira.

Garanhuns ao valorizar a arte, vida e obra de Dominguinhos abastece todo o Brasil, Estado, através da impressionante riqueza de ritmos, do cordel aos cantadores de viola, do aboio ao frevo, do armorial ao maracatu, do baião ao xote e xaxado,  as múltiplas variações da música nordestina/brasileira presentes na sanfona, triangulo e zabumba, “uma autêntica orquestra”, na definição de Luiz Gonzaga.

O professor paraibano, radicado no Rio de Janeiro, doutor em ciência da literatura Aderaldo Luciano, sempre me lembrou que Luiz Gonzaga foi pedra angular, referência -mor do forró, mas o Rei do Baião, não trilhava sozinho. Havia por trás de si, uma constelação de compositores, músicos, além de profícuos conhecedores do seu trabalho, amigos talhados de sol, nascidos do barro vermelho, com almas tatuadas por xique-xiques e mandacarus.

E por isto Garanhuns é o local apropriado para ser o palco capaz de reunir milhares de admiradores, com sede e fome de ouvir, cantar, silenciar, transformar e aplaudir em noites e nuances do céu estrelado sanfonado do mestre Dominguinhos, o discípulo que inovou a arte do mestre Luiz Gonzaga.

Garanhuns vai proporcionar no próximo mês de abril com o Festival Viva Dominguinhos a oportunidade de conhecermos e ampliar o debate sobre compositores, músicos, artistas que sabem divisar o Cruzeiro do Sul do Sete Estrelo e muito além disso discutir e como lidar com a máquina capitalista avassaladora dominante hoje da “indústria musical”.

Dominguinhos Vive. Garanhuns é agora um pedaço de terra de todos nós brasileiros. Dominguinhos, qual Luiz Gonzaga tornou-se uma estrela luminosa a brilhar. Como disse Fernando Pessoa, “quem, morrendo, deixa escrito um belo verso, deixou mais ricos os céus e a terra, e mais emotivamente misteriosa a razão de haver estrelas e gente”.

Viva Garanhuns. Viva o Nordeste. Viva Petrucio Amorim, Xico Bizerra, Três do Nordeste, Jorge de Altinho, Elba Ramalho, Anastácia, Paulo Vanderley, Luiz Ceará,  Quinteto Violado, Flávio Leandro, Cezinha, Flávio José, Viva o Fole de Oito Baixos, Targino Gondim... Viva o Festival Dominguinhos.
Nenhum comentário

Gibão e Chapeu de couro do Mestre Aprigio, de Ouricuri destaque na Vila Isabel

A Escola de Samba Vila Isabel desfilou na Sapucaí do Rio de Janeiro contando a vida de Miguel Arraes, político cearense, nascido no Crato, três vezes governador de Pernambuco. A escola retomou uma tradição de enredos políticos, com forte cunho social.

A comissão de frente de Jaime Arôxa trouxe um cortejo fúnebre nordestino, com corpos carregados em redes. "Não é a morte física.
É a morte pela falta da cultura, da educação. E combina com o carnaval, porque a vida retoma com a chegada da cultura", explicou Arôxa.

Para homenagear o centenário de Miguel Arraes, as mazelas sociais que ele enfrentou foram lembradas na avenida: a seca, as moradias sobre palafitas, as dificuldades dos cortadores de cana, o analfabetismo. Esses temas vieram ao lado de ícones culturais de Pernambuco, como o frevo e o bloco carnavalesco Galo da Madrugada, que mereceu um enorme carro ao fim do desfile.
 

O cantor Martinho da Vila encarnava um cangaceiro. O sambista se emocionou do começo ao fim da passagem da escola, da qual é presidente de honra e símbolo maior. Detalhe: o chapeu de couro e o gibão é confecção do artesão Mestre Aprigio.

Mestre Aprigio está em plena atividade em Ouricuri. Mestre Aprigio nasceu em Exu no dia 25 de maio de 1941. “Mestre Aprigio”, José Aprigio Lopes confecciona couro e sem nenhuma pretensão ou arrogância conta que conhece bem o repertório de Luiz Gonzaga. Ele confeccionou a partir de 1955 os chapéus de couro usados por Luiz Gonzaga.

 “Meus chapéus serviram de coroa para os dois grandes reis que conheci, veja só que privilégio, Luiz Gonzaga e Dominguinhos”, diz o Mestre Aprigio.

Nas músicas cantadas Luiz Gonzaga uma das marcas é a exaltação ao chapéu de couro e gibão. Uma das homenagens mais bonitas é  "Aquela Sanfona Branca, de Benito de Paula que foi dedicado ao Rei do Baião:

“Aquela sanfona branca
Aquele chapéu de couro
É quem meu povo proclama
Luiz Gonzaga é de ouro
Aquele tom nordestino
A voz sai do coração
É ele o rei do baião, é Luiz
É cantador do sertão
É filho de Januário
É quem canta o Juazeiro
É festa, é povo, Luiz alegria
Luiz Gonzaga é poesia”...
Nenhum comentário

Deus era um tocador de pife e foi soprando nele, num pife feito de taboca que deu vida ao homem

Minhas mais remotas lembranças de uma banda de pífanos levam-me às margens do Rio São Francisco, em Propriá, no Sergipe. Ali onde o calor entra pela boca do rio e desce sobre os viventes, devagar e sempre.

O São Francisco foi o primeiro rio que vi de verdade. Nessa primeira vez, passei sobre ele por volta das 4 da manhã. Viajava num velho ônibus da São Geraldo que vinha de Natal, no Rio Grande do Norte, passava em Campina Grande, descia por Caruaru, se mandava para dentro das Alagoas, parava em São Miguel dos Campos e caminhava para Aracaju. Antes de Aracaju, deixou-me na entrada de Propriá. Não havia ninguém me esperando. Com minha mochila, caminhei a pé por mais ou menos dois quilômetros até à Rua Japaratuba, à procura da Fraternidade Marista. Em lá chegando, sentei praça sob o comando do Irmão Salatiel.

Pois bem, desse tempo passado no Sergipe conheci todo o sertão e as cidades para baixo de Propriá. Lembro bem de Brejo Grande, onde me batizei nas curvas do rio, e de Neópolis, onde atravessei para Penedo, numa balsa barulhenta com medo de ser arrastado pelas águas.

Nessas minhas viagens, tinha eu 17 anos, escutei uma banda de pífano, banda cabaçal, zabumba, como queiram. A Briga do Cachorro Com a Onça e O Besouro Mangagá foram minha primeira aula. E ainda não ouvira falar da Banda de Pífanos de Caruaru. Aquilo arrebatou-me de tal forma que fiquei como metido em um transe. O casamento dos pífanos, um na melodia, outro numa espécie de contracanto, a zabumba marcando num compasso diferente de tudo que eu ouvira, uma caixa malassombrada marcando um xaxeado e um par de pratos como um enxame de chuveirinhos juninos.

Nunca mais parei de ouvir. Depois encontrei com João do Pife, em Caruaru e, com seus discos debaixo do braço, fui fazer uma comparação com Zé da Flauta, nos discos de Alceu Valença. Olhem bem, desculpem-me vocês aí da Bossa Nova, mas o pife é nosso. O pife é o sopro da vida, é o bicho escondido rosnando enfezado.

Tenho certeza, e vou colocar isso em um poema, viu Beto Brito, tenho certeza que Deus era um tocador de pife e foi soprando nele, num pife feito de taboca, que deu vida ao Homem com seu sopro fiel. Foi mesmo. E vou mais além em meu sonho de jeca: a trilha sonora do Universo, viu Stephen Hawking, é da Banda de Pífanos de Caruaru: é a Briga do Cachorro Com A Onça!

Fonte: Texto professor doutor em Ciencia da Literatura Aderaldo Luciano-facebook
Nenhum comentário

Aderaldo Luciano: os 10 livros livres que li

"Por volta do ano de 1972, com 8 anos, lembro-me bem que se iniciaria aí minha sina de leitor. Li avidamente durante 10 anos, sem horário para parar, nem para iniciar. Fiquei conhecido em minha cidade como o menino que não dormia e que, todos os dias, à meia-noite, fazia uma ronda pelas ruas mal assombradas. Acordava tarde, por ter adormecido mais tarde ainda.

Diziam e muitos ainda dizem que eu não gostava de trabalhar. E é verdade: eu gostava de ler. Passei à cidade a figura de um “cabra” preguiçoso. E ninguém nunca me elogiou por conta dos livros que eu lia".


Este pedaço de história é do hoje professor Aderaldo Luciano, Pós-doutorando. Fatos que merecem ser transformados em filme. Estou preparando o roteiro:

Em 1972 Aderaldo era um ajudante de feira. Um daqueles meninos que ficava por ali, aos sábados, com um balaio esperando que alguma senhora passasse e me chamasse para carregar a sua feira. Era o dia todo com balaios pesadíssimos e algum dinheiro no final do dia. Esse dinheiro servia-me para três coisas: ir ao cinema todos os dias do final de semana; fazer um lanche depois do cinema na lanchonete de Zé Nunes (onde tomei minha primeira coca-cola e detestei); e comprar gibis e revistas na banca de Seu Carneiro. Um dia, nesse mesmo ano, essa constância foi quebrada pela presença, na feira, de um homem cantando e vendendo folhetos de cordel.

Desse homem comprei o primeiro cordel: Vicente, O Rei dos Ladrões, de Manoel D’Almeida Filho. E esse foi o primeiro livro que determinou muita coisa em minha vida. A ele sou grato por tornar-me um estudioso dessa arte literária. Digo mesmo sem falsa modéstia: sou um estudioso. Não sou um curioso ou alguém que se autodetermina pesquisador. Carreguei para dentro dos meus estudos de graduação, de mestrado, de doutorado e de pós-doutorado e expandi para a vida meu deslumbramento com o cordel brasileiro, graças a esse primeiro encontro. Para mim, Vicente, O Rei dos Ladrões é o livro mais importante de minha existência como leitor.

Esse encontro se deu na infância. Ainda nessa época descobri a biblioteca do Centro Social Pio XII, pertencente à Paróquia, sob a direção do Padre Ruy. Foi meu paraíso. Todas as noites da semana, a partir das 19 horas, eu estava lá. Naquelas mesas enormes li pela primeira vez: 20 Mil Léguas Submarinas, de Júlio Verne. A aventura do Capitão Nemo, o Nautilus, Ned Land e todas as maravilhas de um mar que ficava longe de onde eu morava, mas que me seduzia de maneira estranha abriram-me a escotilha do sonho e da esperança. Li a obra completa de Júlio Verne, mas a chave mestra foi 20 Mil Léguas e sua continuação A Ilha Misteriosa. Foi o segundo livro mais importante de minha vida.

Naquela mesma biblioteca descobri a coleção completa das obras de Jorge Amado e Jubiabá marcou-me tão abruptamente que não consegui parar de ler até terminar. Pedi à moça que tomava conta da biblioteca que me deixasse levar aquele livro para casa. E secretamente ela me concedeu, contanto que eu o trouxesse de volta no outro dia para que ninguém notasse a falta do exemplar na estante. Foi a noite mais gostosa de minha vida. Ainda hoje quando vou a Salvador procuro os lugares citados pelo velho Jorge: a ladeira do Taboão, o elevador, a Barra. Portanto, Jubiabá completava a Regência Trina de meus dias como leitor. Não preciso dizer que entrei no mundo de Jorge Amado e fiquei decepcionado quando, na Faculdade, notei que ninguém estudava a obra do bom baiano.

Mas ali, no meio das estantes amarrotadas de coisas sensacionais, passeando o olhar, descobri, com o dorso voltado para dentro, como se alguém o quisesse esconder, um antigo exemplar de Zé Limeira, Poeta do Absurdo, de Orlando Tejo. Minhas mãos tremiam sacudidas pela ansiedade. Segurei aquele livro como uma joia que fosse feita de maizena, não podia esfarelar, nem deformar-se. Sentei e li, do começo, do prefácio, cada capítulo, cada verso, cada título, cada pormenor. Causou-me tamanho impacto que, trinta e poucos anos depois eu publicaria algo inspirado nele: O Auto de Zé Limeira, que transformou-se em música, em canto jogral, em trilha de minissérie na Globo, em livro, dizem, cult.

Fui orientando minhas leituras para as noites, cada vez mais aprofundadas porque o dia ficava, metade para a escola, metade para brincar. Ganhei muitas vezes o prêmio de melhor aluno. Não, eu nunca fui um aluno estudioso, nunca estudei em casa, nunca fiz exercícios, resolvia tudo, sempre, nos minutos anteriores às aulas e muita coisa entrava mesmo durante elas. Eu gostava mesmo era de ler. Me divertia. Havia uma leitura básica e outras leituras mais amenas, gibis e revistas, fotonovelas e livros de bolso (da CEDIBRA ou da Monterrey), fossem de faroeste ou ficção ou espionagem. Quando migrei da biblioteca do Padre para a Biblioteca Municipal, descobri o livro esquisito de um certo Edgar A. Poe: Histórias Extraordinárias. O Barril de Amontilado, O Poço e o Pêndulo, A Queda da Casa de Usher e todo o universo noturno como eu.

Foi arrebatador. Todos os dias lembro de Poe.

Alinhados, na mesma estante de aço, estavam Poe e Balzac. Meu Deus!? Depois de Poe entrou-me A Comédia Humana. Agradeço todos os dias ao filho da mãe que não sabendo o que fazer com os livros, com a biblioteca, amontoou-a naquele prédio da Rua do Sertão. Livros velhos, poeirentos, cheios de ácaros e que eu descobri enfileirados. Estava o sistema, muito mais que literário, balzaquiano. Sonhei dias e noites e sóis e luas com Paris. Vasculhei cada centímetro daquela coleção da antiga Editora Globo, de Porto Alegre. Foi perdido por aí que, acho, encontrei o texto A Procura do Absoluto. 


Essa novela de Balzac trucidou-me. Mas o pior que poderia me acontecer é que na cidade não havia ninguém com quem eu pudesse trocar ideias a respeito. Solitariamente eu sofria por conta de minhas leituras, sem ter com quem falar de minhas inquietações. Foi foda. Virei o menino estranho, preguiçoso e que não dormia de noite.

Já avisei aos amigos, por diversas vezes, que a cidade onde nasci, por opção de minha mãe, chama-se Areia, na Paraíba do Norte. Na biblioteca, agora meu refúgio, ao lado de Poe e Balzac, não foi difícil chegar a Borges. Estava na mesma estante aquele estranho Ficções. Caralho, meus amigos, caralho, como diria Bukowiski, num acesso furioso. 

Que coisa mais louca para minha frágil cabeça adolescente, mas que magnetismo me suspendia do chão mortal. O Milagre Secreto, O Jardim de Veredas Que se Bifurcam, As Ruínas Circulares, O Fim: que plantação mais poderosa de cravos e de rosas. Foi Borges o responsável por tudo. E fui lendo. Por essa época conheci Sebá. Agora, eu tinha com quem conversar. O que ele descobria passava para mim, o que eu descobria passava para ele.

Caminhando não sei para onde, trocava passos vagarosos. Nesse mesmo período, e parece que esses livros que nos mudam ou nos completam, vão se sucedendo assim num mesmo tempo, um tempo conspirador, aguardavam meus olhos um exemplar da primeira edição do EU, de Augusto dos Anjos. Ainda com as páginas coladas. Parece que ninguém se deixara seduzir por aquele grosso e amarelado volume. Com uma régua fui rasgando as dobraduras e de dentro delas foram saltando os sonetos mais contundentes que pude ler em toda minha vida. A poesia e a biografia do poeta raquítico faziam mais um refém. 

Decorei vários poemas e, já com um violão a tiracolo e tendo conhecido a cachaça brejeira, aliados a uma represa que queria explodir, fui acrescentando adjetivos à minha existência areense. Agora eu era o louco. Eu já estava no ensino médio. Estava me preparando para o vestibular. E aconteceu uma ruptura. Uma oportunidade de mudar de cidade, sonho que sempre acalentei. No último ano resolvi, com 16 anos, que entraria na Fraternidade Marista, em Lagoa Seca, perto de Campina Grande, e faria a experiência que me ofertaria a possibilidade de ver o outro lado do mundo. 

Fui estudar no Colégio Diocesano Pio XI, na Presidente Vargas, perto do Cine Avenida, em Campina. Eu queria fazer Comunicação Social, mas foi Adoniran, professor de História, quem, durante uma aula, falou de História da Riqueza do Homem, de Leo Huberman. Eita, piula. Saía do mundo literário, da ficção, do cordel, das aventuras, da poesia, para a reflexão histórico-social e no final do ano, nem vestibular, nem Campina. Fui-me embora para Propriá, no Sergipe, viver a vida das comunidades eclesiais de base e a Teologia da Libertação.

O Irmão Salatiel, meu superior, era assinante do Círculo do Livro, todo mês entrava livro novo em nossa casa da Rua Japaratuba. Até que, naquele dia, eu peguei Não Verás País Nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão. Esse livro fecha a lista daqueles que muito me influenciaram e que transformaram minha vida. Este em especial por conta de eu ter me sentido durante toda a minha existência como um homem marcado: um homem com um furo na mão, uma marca que, por mais que eu tente esconder, ela grita. 

A maldição que me persegue me faz ser irmão de muitos outros homens que, neste momento, estão tentando entender sua existência. Homens que se acham especiais, mas que precisam comprar pão para comer. Homens que amam a humanidade, mas que se sentem enojados com as merdas que ela produz. Homens cheios de esperança, mas que em algum momento têm coragem de se matar. Homens que não agridem uma borboleta, mas passam ao largo de um mendigo e podem até agredi-lo. Há uma marca em nós: a marca da letra, a marca da besta, a marca do sonho, a marca do zorro. São esses meus dez livros, livres.


Fonte: Aderaldo Luciano-Professor. Pos doutorando.
Nenhum comentário

Na Serra do Araripe Pernambuco Ceará saudade da Barraca Verifique e os atuas vendedores de frutas

Quem viaja do Exu, Pernambuco para o Crato, Juazeiro do Ceará, guarda sempre na lembrança, hoje apenas recordação da "Barraca Verifique", onde Luiz Gonzaga, tomava uma bicada/lapada de Catuaba. Neste caminho duas músicas tocam: Vou pro Crato e Barraca Verifique:
"Descendo aquela ladeira,
nunca mais vou esquecer
Pedaço de chão gostoso,
na barraca verifique catuaba vou beber
Se passo por lá, tenho que parar
Pra ver seu Zé, sua mão apertar Eita catuaba boa vou correndo to à toa,
quero no Crato chegar. 

Haja o que houver sei que chego lá. Nem que eu passe o dia inteiro
eu chego no Juazeiro
pra meu padrinho visitar.



O caminho/a estrada que liga Exu ao Crato  é a via das maravilhas. As paisagens agem e ardem em eco. Quais mãos trabalharam na confecção desse origami? A planície sem fim, cada casinha perdida ao lado de um cajueiro. Estradas de terra vicinais, plantações de abacaxis, um pedaço da mata atlântica. Barraquinhas de frutas e seus sitiantes. São os vendedores de frutas na beira da
estrada.

E lembrei que Cada poeta tenta exprimir as qualidades de um determinado fruto em sextilhas, para testar o poder de concisão do verso criando uma enciclopédia dos frutos do Brasil.

Eis alguns:
Jaca
A casca é dura e furante.
o bago, doce e macio.
O caroço tem segredos,
O talo parece um rio
represando visgo e seivas
como uma mulher no cio.

Sapoti, puro desejo
Perfumoso e sensual
Mais doce do que o mel
Uma geléia real
De muitos frutos comi
Garanto não tem igual


Com carne de sol, então,
Dá "sustança" e dá calor!
Você fica em condição
Pros embates do amor!
Outra delícia, trem bão,
É fazer, dele, o licor!

O Pequi dá lá no alto,
Já me disse o chapadeiro!
Colhido, vem pro asfalto,
Com seu gosto, com seu cheiro!
De ir buscá-lo, não falto,
Todo mês de fevereiro!

O seu pé, o pequizeiro
É uma árvore bonita!
Se a seca é um braseiro
Ele não seca e não frita!
Contando, meu companheiro,
A gente nem acredita!

Por isso, meus companheiros
Com alegria, venho aqui,
Conclamar os violeiros,
Cujo talento eu já vi:
Sejamos bons brasileiros
E vamos comer Pequi!
Nenhum comentário

Luiz Gonzaga e a sanfona escultura de curva da mulher amada

O arquiteto Oscar Niemeyer gostava de falar sobre sua paixão pelo trabalho e pelas obras que construiu pelo país.

Uma das definições mais extraordinárias do amor ao trabalho foi ele dizer que a maior atração era a curva livre e sensual. "A curva que encontro nas montanhas. No curso sinuoso dos sentidos, nas nuvens do céu. No corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo."

A partir deste conceito analiso o significado da Mulher no universo sempre apaixonante que encontramos nos versos cantados por Luiz Gonzaga.

Luiz Gonzaga acariciava a sanfona, como se deve tocar a mulher amada. Provocava prazer percorrendo o corpo imaginado sem pressa dos 8 aos 120 baixos, dedos leves em cada nota, acorde, acordes de tal forma que antes do fim da nota, a mulher preferida,  já se encontre em pleno êxtase...suspirando, querendo mais de tanto prazer.
 

Na música "Morena Cor de Canela constitui um roteiro da mulher bonita e sensual, enumerando suas qualidades e perigos, culminando num jogo plurissignificativo.

Vejamos: "Olha o jeito dela, morena cor de canela pode morrer de paixão quem olhar nos olhos dela...corpo esculturado, beleza que Deus Criou
Cabelos anelados, boca cor de jambo
ela vai envenenando qualquer homem que lhe ver
sua cintura bem fininha, afinadinha
vai descendo, enlarguecendo
nos quadris, que tentação
as suas pernas torneadas, tão bonitas
pois qualquer homem fica com ela no coração
sai da janela, caminha requebrando
a gente vai olhando, vai ficando na ilusão...
não faz assim comigo não...

É a pura valorização da mulher. Já em "Vem Morena", Luiz Gonzaga na composição de Zé Dantas dispensa comentários: 

"Vem, morena, pros meus braços
Vem, morena, vem dançar
Quero ver tu requebrando
Quero ver tu requebrar
Quero ver tu remexendo
No Resfulego” da sanfona
“Inté” que o sol raiar
Esse teu fungado quente
Bem no pé do meu pescoço
Arrepia o corpo da gente
Faz o “véio” ficar moço
E o coração de repente
Bota o sangue em “arvoroço”

Esse teu suor salgado
É gostoso e tem sabor
Pois o teu corpo suado
Com esse cheiro de “fulô”
Tem um gosto temperado
Dos tempero do amor
Vem, morena, pros meus braços"...
Nenhum comentário

Sanfona e Trio Elétrico: um Estado chamado Bahia

Este ano, entre os dias 22 a 24, a organização do Carnaval de Juazeiro valorizou mais uma vez os sanfoneiros. Flávio Baião, Silas França, acompanhou Bell Marques (sempre Chiclete com Banana) e Luiz Caldas contou a história da música brasileira, trio elétrico e carnaval.
 
O sanfoneiro, compositor e cantor, Targino Gondim puxou a sanfona, discípulo de Luiz Gonzaga cantou o mestre naquele que foi na minha opinião, a melhor apresentação do
evento.

Em tempos de tanta música ruim, onde a porcaria musical impera, foi uma riqueza ouvir Targino Gondim e sua sanfona. Cabe aqui citar que a identidade cultural no mundo globalizado é fator de atração turística. O forró, baião, xaxado sempre será um fator de desenvolvimento econômico e social.

Louvável a atitude da Prefeitura de Juazeiro-Bahia  ter na programação sanfoneiros. Meu incentivo para que todos os eventos isto seja repetido na busca de repensar as relações entre cultura e discurso oficial. A atitude foi um exercício da cidadania cultural.

Luiz Gonzaga, diga-se, poucos sabem,  na década de 40 e 50 derrubava todas as atitudes já "cristalizadas" pelo tempo e puxava sua sanfona em pleno carnaval. Em 1947 o maior sucesso do carnaval foi "Quer ir mais eu?", frevo regravado até os dias de hoje.

Também na sanfona de Luiz Gonzaga foram gravados para o carnaval "Bia no Frevo", Ao Mestre Capiba, Arrasta Frevo.

No carnaval da Bahia, décade de 80,  o Brasil e o mundo tomou conhecimento do primeiro forró trio eletrizado:  "Instrumento Bom", autoria de Morais Moreira na voz de Luiz Gonzaga,  gravado com Trio Eletrico de Armandinho, Dôdo e Osmar. O Brasil canta até hoje...

Portanto, Targino Gondim, Luiz Gonzaga e o trio eletrico podem e devem ser considerados arte, show espetacular e é necessário criar uma expectativa de reorganização da política cultural, mesmo com a descrença no aparelhamento público(o Estado ainda é necessário quando a serviço da coletividade).

Tenho dito: Viva o Nordeste. Viva o carnaval com sanfona!Viva o forró!

*Ney Vital-Jornalista, pesquisador. Apresentador do Programa Nas Asas da Asa Branca-Viva Luiz Gonzaga. Pos-Graduado em Ensino de Comunicação Social - Uneb--UFRN
Nenhum comentário

Lucy Alves guardiã da compreensão inegociável da legitima música brasileira

Analisar o grupo Clã Brasil é fugir da metáfora sem destrancar-nos da poesia. Realidade cristalina, as meninas que formam esse núcleo de sublime construção musical são ao mesmo tempo doces, amorosas e guerreiras. São flores que têm lá seus espinhos guardiões da sua compreensão musical: a defesa inegociável das legítimas tradições estéticas oriundas de mestres como Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Antônio Barros, Jacinto Silva, Gordurinha, Elino Julião, entre outros.

Levemos em conta também o fato de que o quarteto fantástico não caiu na pauta musical de pára-quedas. As quatro garotas são estudiosas, freqüentam os bancos acadêmicos e têm plena noção de teoria e prática na arte que escolheram por empunhar como suas espadas de peso justo. Não devemos ouvi-las com mas-mas e nem poréns. Devemo-las sagrar como realidade, conscientes de que é uma realidade que ainda evoluirá bastante, e que, excetuando mudança de ventos, será uma realidade nacional e, quiçá, internacional.

Jovens, sim, jovens. Mas não as tratemos como menininhas prodígios que merecem atenção apenas pela pouca idade. Poucos são os marmanjos que tocam como elas, hoje em dia.

Louvemo-las como grandes artistas desabrochadas e bafejadas pelo plenilúnio criativo. Elas sempre me emocionam. Seja no forró seja no chorinho o Clã Brasil é a fortuna musical que o Nordeste esperava para negar definitivamente as falsas bandas de forró. O diálogo musical aqui está em outro nível, as meninas catam inspiração nas nuvens alvas divinais. Não são mercenárias e nem se deslumbram. A música é Paixão e Sacerdócio para elas. E ninguém mais as represará. Porque, sem a menor dúvida, Deus está tocando com elas. E elas são tocadas por Deus.

Fonte: Ricardo Anísio-Crítico musical, poeta e produtor
Nenhum comentário

A cachaça, paixão de brasileiro, Chico Cesár e por onde andará Maria da Paixão do Amor Maior

Sou apreciador de uma dose (lapada) de uma boa cachaça. Deixo bem claro aqui que principalmente Valorizo o consumo moderado e inteligente da cachaça (e de qualquer outra bebida alcoólica). O objetivo aqui é apresentar a cachaça como identidade cultural do povo brasileiro. A primeira destilação de cachaça data de 1532.

O imaginário é tão importante que todo o dia 13 de setembro se comemora o “Dia Nacional da Cachaça” como uma forma de relembrarmos os tempos de um Brasil colonial, quando a cachaça era símbolo de resistência contra a dominação portuguesa.

Por tudo isto na cidade de Salinas a 631 quilômetros de Belo Horizonte, a cachaça é uma das principais bases econômicas. Para homenagear a importância do destilado na região foi inaugurado o Museu da Cachaça de Salinas. Detalhe: 21 de maio é dia da Cachaça Mineira

Em Salinas está a mais saborosa e marcante cachaça: a centenária Havana cuja garrafa chega a custar até 900 reais. Salinas é o único lugar do Brasil que oferece curso de nível superior relacionado a Cachaça.

Todavia, quando o assunto é cachaça meu paladar bate mesmo é pelas cachaças lá da Paraíba...Jorge de Altinho, num de seus versos musicado diz que tem um segredo que a gente  guarda calado, tem amor que a gente guarda no pensamento, tem carinho que guardamos no peito e tem um beijo mais gostoso que os demais e tem moça que endoida qualquer poeta...boêmio cachaceiro!

Pois bem, não guardo sigilo. Minha cachaça preferida é a Serra Limpa. Garrafa com uma produção limitada e orgânica. Já visitei a propriedade do Engenho Imaculada Conceição, na cidade de Duas Estradas onde é feita a cachaça Serra Limpa.

Cá prá nós, é a cachaça preferida do ex-presidente Lula. E mais o meu amigo Antonio Inácio, proprietário do Engenho, presenteou o Papa Bento XVI. É a cachaça preferida do meu amigo vaqueiro aboiador Antonio Joventino e da bela, belissima flor de formosura Maria da Paixão do Amor Maior.

E você Maria por onde andas?
Estou pensando em você...
Será que vela como eu ?
Será que chama como eu ?
Será que pergunta por mim ?
Se a voz da noite responder
Onde estou eu, onde está você
Estamos cá dentro de nós
Sós...

Nenhum comentário

Cariri do Ceará: Crenças e Mitologias. Imaginário e Cores. Romeiros e Sanfona

Ano passado participei da Mostra Cariri de Culturas, evento que está consolidado com um dos mais importantes movimentos da cultura cearense e de valorização de intercambio de conhecimentos nas mais diversas dimensões cultural, social e econômico.

Ali pensamos e suamos cultura! Andando no Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha analisei a relação com a sociedade. Conversei nas calçadas, nos bares. Visitei igrejas e vi romeiros do Padre Cícero.

A jornalista Camila Holanda escreveu que nas entranhas do Cariri foi emergido uma versatilidade de ícones que, entrelaçados povoam o imaginário cultural que habita a região.

Ali ouvi uma das mais belas histórias. Resumo: o teatrólogo, pesquisador cultural Oswaldo Barroso, ressalta um dos mais valiosos símbolos, a vigorosa força mítica e religiosa. Oswaldo que hoje é cidadão honorário de Juazeiro do Norte, diz que a primeira vez que esteve no Cariri foi nos anos 70 e a experiência fez com que suas crenças e certezas de ateu fossem desconstruídas e reconstruidas com bases nos sentimentos das novas experiências e epifanias vividas.

"Desde o início, não acreditava em nada de Deus. Mas quando fiz a primeira viagem ao Horto do Juazeiro do Norte, foi que eu compreendi o que era Deus. Isso mudou minha vida completamente", revelou Oswaldo.

Um outra narrativa importante encontrei na mitologia dos Indios Kariris. Nela a região é tratada como sagrada, centro do mundo, onde no final dos tempos, vai abrir um portal que ligará o Cariri  para a dimensão do divino.

A estátua do Padre Cícero encontra-se no topo da Colina. Muitos romeiros percorrem a Trilha do Santo Sepulcro. A pé eles percorrem às 14 estações trajeto marcado por frases e conselhos ambientais do Padre Cícero, que já alertava naquela época para os muitos desequilibrios ambientais e impactos da agressão humana na natureza.

E foi neste clima de respeito, fé e gratidão que ao som da sanfona do Jadson e turma dos gonzagueanos de Belo Jardim e Arcoverde que fomos cantar lá aos pés do Padre Cícero.

No dia 13 dezembro, mesmo dia que nasceu Luiz Gonzaga, o bispo da diocese de Crato, dom Fernando Panico, divulgou  durante missa na Catedral, que o Padre Cícero Romão Batista foi perdoado pelo Vaticano das punições impostas pela igreja Católica entre 1892 a 1916. A reconciliação é um passo definitivo para a reabilitação de padre Cícero na Igreja Católica. 

"Hoje, quero anunciar com alegria, à querida Diocese de Crato e aos romeiros e romeiras do Juazeiro do Norte, um gesto concreto de misericórdia, de atenção e de carinho por parte do Papa Francisco para nós: a igreja Católica se reconcilia historicamente com o padre Cícero Romão Batista", disse Dom Fernando.

E nós os gonzagueanos, vencendo o cansaço dos festejos dos 103 anos de Luiz Gonzaga (1912-1989), Gonzaga que era devoto de Padim Ciço louvamos! Sua Benção Padim Cícero para todo e sempre pedimos Paz e Saúde.
Nenhum comentário

← Postagens mais recentes Postagens mais antigas → Página inicial