CHUVAS ESCANCARAM QUE ESTE ATUAL MODELO ECONÔMICO NÃO SERVE

Texto: Francisco Figueiredo Francisco de Figueiredo Monteiro, estudante de economia, comunicador digital e divulgador científico.

Estamos vivendo uma nova realidade, a da crise climática, e ainda não sabemos exatamente como ela funciona e nem quanto ela custará aos cofres públicos. Tudo indica que eventos climáticos extremos aumentarão sua ocorrência e sua intensidade de forma exponencial, e precisamos de cidades adaptadas a isso, de hábitos e costumes adaptados a isso e de uma economia adaptada a isso. Se nosso modelo econômico restringe os gastos que são necessários com adaptação das cidades e com respostas a desastres, esse modelo não é compatível com a realidade que vivemos. 

Para que futuros eventos climáticos extremos não causem o dano que as chuvas no Rio Grande do Sul causaram, o Brasil precisa de um grande plano de adaptação climática, que deve ser executado o mais rápido possível. Este plano custa caro, e talvez o teto de gastos impeça sua execução. Como expliquei em outra coluna publicada, intitulada “política econômica do governo não condiz com política climática”, alguns gastos do governo têm regras próprias de crescimento, e a soma do crescimento do gasto primário tem que ser igual a 70% do crescimento da receita. Acontece que nestes gastos com regras próprias de crescimento estão incluídos, por exemplo, saúde e educação, que crescem 100% do crescimento da receita, e aposentadoria, que cresce conforme cresce o salário mínimo e o número de aposentados. 

Estes gastos somados representam grande parte do orçamento primário do governo, e como eles crescem mais que os 70% do crescimento da receita permitidos, eles acabam achatando os outros gastos, que precisam dividir espaço com, por exemplo, o novo PAC, que representará grande parcela dos gastos com investimento nos próximos anos. No PAC é previsto cerca de 20 bilhões de reais para adaptação das cidades, sendo, de acordo com uma análise do instituto Talanoa, uma parcela de R$ 8,3 bilhões dos investimentos para  urbanização de favelas e redução de riscos de desastres em territórios ditos periféricos, e outra  parcela de R$ 10,5 bilhões destinada a prevenção de riscos e desastres, principalmente para obras de drenagem e contenção de encostas. Entretanto, não há plano de adaptação emergencial em curso. 

O resultado é terrível: O Talanoa analisou também o orçamento climático de 2024, e concluiu que seu valor é de 13,4 bilhões de reais, sendo 10 bilhões da emissão dos “títulos verdes”, que representam dívida em dólar para o Brasil. O programa de gestão de riscos a desastres, onde estão as principais verbas para adaptação das cidades, conta com apenas 1,9 bilhões de reais. 

Ficamos constantemente presos ao debate do financiamento climático internacional, para que países desenvolvidos deem dinheiro para a adaptação de países em desenvolvimento. Porém, a UNEP alerta que as necessidades financeiras de países em desenvolvimento para adaptação climática são de 10 a 18 vezes maiores do que os fluxos das finanças públicas internacionais disponibilizadas atualmente. Me parece estranho pensarem ser mais racional depender de doações, fundos internacionais e dívidas em dólar para adaptar as cidades do que pensar uma mudança no modelo econômico. Encaramos o modelo neoliberal de austeridade fiscal como quase uma lei natural da sociedade, algo biológico do ser humano, de modo que escolhemos por ele em troca de vidas humanas.

Não pode ser normal que crises como a do Rio Grande do Sul sejam resolvidas pela sociedade civil através de doações materiais e financeiras. O Pix não é um instrumento de política econômica, não é política de contenção de crises e não podemos depender de caridade da sociedade civil e nem da filantropia de entidades e governos internacionais para nos prevenir de ou responder a desastres. 

Para isso, é preciso primeiro reconhecer que estamos em crise. As mudanças climáticas não podem mais ser interpretadas como um simples problema que no futuro nos causará alguns danos. Ela já mostra seu potencial destrutivo, e causará diariamente óbitos ao redor do mundo. O reconhecimento dessa crise significa, talvez, a expansão dos gastos do governo além do teto, assim como foi feito na época da crise da COVID-19, pois épocas de crise exigem medidas excepcionais. Foi essa a linha que Marina Silva seguiu ao propor exceções fiscais para conter os danos de eventos climáticos extremos. 

O passivo ambiental presente é o passivo fiscal futuro. Ou seja: não fazer nada agora, esperar um evento extremo ocorrer para só então gastar dinheiro remediando uma crise que poderia ser prevenida, aumenta tanto os custos humanos quanto os financeiros. Mesmo que a vida humana seja completamente descartada, que só os gastos financeiros sejam contabilizados (como faz o modelo neoliberal de austeridade fiscal), a decisão de não gastar o suficiente com adaptação às mudanças climáticas hoje para cumprir o teto de gastos é irracional e inconsequente, já que o gasto futuro com a resposta à desastres será um múltiplo do gasto que seria despendido com adaptação. 

Ignorar relatórios que apontam a fragilidade dos territórios a extremos climáticos, alterar o código ambiental que mantém a resiliência dos territórios e reduzir verba para a defesa civil é a fórmula da potencialização do desastre climático, e foi exatamente o que o governo do Rio Grande do Sul fez. E é, também, em certa medida, o que o governo federal vem fazendo com suas diversas contradições na pauta ambiental. Enquanto se lamenta o desastre em um estado, se leiloam poços de petróleo em muitos outros. Será que agora a pauta climática será tratada transversalmente pelo governo federal? Será que os governos estaduais e municipais entenderão que sua população pode estar correndo risco? Eu, infelizmente, acredito que não. 

Precisamos de um modelo econômico que comporte os gastos demandados pela realidade das mudanças climáticas, que não dependa de doações para sanar esses problemas. Para adaptar as cidades à crise climática precisamos, antes de tudo, adaptar a economia à crise climática. Enquanto essa mudança não acontece, é reconfortante ver a capacidade de mobilização da sociedade e o volume de doações destinadas ao Sul. 

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