PRFESSOR MAIADSON VIEIRA: O SILENCIAMENTO E ESQUECIMENTO DA MEMÓRIA DE LUIZ GONZAGA TEM PROVOCADO MARCAS PROFUNDAS

 Com o pouco público registrado na Missa da Saudade, celebrada em Exu. Pernambuco, Parque Aza Branca, para celebrar os 35 anos de morte de Luiz Gonzaga, o professor Maiadson Vieira, responsável pela disciplina batizada de Cultura Gonzagueana, alerta para o que ele denomina de "Apagão Cultural, o esquecimento da Cultura". quando tô estudando sobre cultura, política e sociedade, um dos pontos mais fortes é justamente esse que você muito bem citou:

"Cultura é feita pelo povo e para o povo, os governos/secretarias de cultura tem a função de fomento, para que os artistas/produtores de cultura popular continuem mantendo essas manifestações vivas. Acontece justamente o contrário, as secretarias\governos decidem quem produzirá e quem não produzirá, colocam sua logomarca e deixam perecer todas aquelas que eles não aprovarem, tiram fotos e postam nas redes fakes de valorização da cultura, quando o ano inteiro eles nem sequer visitam esses artistas pra saber se ele tá conseguindo manter a manifestação cultural dele. Um evento cultural nasce, e outros perecem por falta de suporte de gestão".

Maiadson Vieira que nasceu em Exu, e atualmente é professor no município de Santa Cruz da Venerada, proporcionou no ano de 2022, aos Estudantes do 1º ano do ensino médio da Escola Estadual São Vicente de Paula, em Exu, no Sertão de Pernambuco, a oportunidade de aprender mais sobre o cantor e compositor Luiz Gonzaga. Batizada de ‘Cultura Gonzagueana’, a disciplina optativa pretendia levar aos educandos conhecimento sobre a cultura e história local, tendo como base a vida e carreira do maior ícone do município, o Rei do Baião.

“Seguimos na luta, porque agir não precisa ser combinado com o silenciar. Da pra protestar, dá pra lutar e ao mesmo tempo agir. Uma coisa não impede a outra e vice versa. Iniciativas como esta eletiva proporcionam a manutenção da cultura e da história local, valorizando as temáticas abordadas na obra do pernambucano do século, gerando assim, o sentimento de pertencimento dos alunos para com a cultura e a história local, promovendo ainda a democratização cultural e uma educação cultural efetiva para os educandos”, afirma o professor Maiadson Vieira, responsável pela disciplina.

Mesmo a disciplina ‘Cultura Gonzagueana’ não sendo obrigatória, o professor considera uma grande conquista aproximar os estudantes de Luiz Gonzaga. “Apesar de ser uma disciplina eletiva, ela quebrou os muros da escola e introduz em sala de aula o autêntico poder da cultura popular”, avalia.

Maiadson Vieira recebeu o título de Moção de Aplausos concedido pela Câmara de Vereadores de Petrolina, autoria do então vereador Cesar Durando.

O advogado Jaiminho de Exu, cantor e compositor, em conversa com a REDEGN, disse que as manifestações pela passagem dos 35 anos de partida do nosso querido Luiz Gonzaga mais uma vez passou em branco sob a ótica dos governos municipal, estadual e federal na sua terra natal Exu".

"Se não fosse uma reunião feita por amigos gonzagueanos sanfoneiros e simpatizando organizado por voluntários e a Ong Parque Aza Branca o dia 02 de agosto teria passado em branco na terra do rei. Mais um ano sem nenhum fomento, apoio e atenção dos órgãos públicos ao maior artista brasileiro principalmente no seu torrão Natal", finalizou Jaiminho.

CONFIRA TEXTO PROFESSOR MAIADSON VIEIRA: Eu acredito que o que está acontecendo na cidade de Exu, Pernambuco já é um problema muito antigo, posto que, a ausência de educação cultural por parte dos governantes, acarreta na ignorância cultural de seu povo. A minha formação cultural se deve ao meu professor do fundamental I, pois, o Estado de Pernambuco fornecia as disciplinas de Cultura Pernambucana e Geografia de Pernambuco, e isso pra mim era inspirador. Meu professor da 2ª e 3ª série, fez questão de naturalizar em sala de aula a vida e obra de Luiz Gonzaga, e sempre nos levava pra ter aulas nos terreiros mais importantes da cultura popular pernambucana; o Parque Aza Branca.

Lembro que inúmeros artistas da terra sempre estavam dentro das salas de aula e a gente mesmo sem saber o que era cultura, tinha vivências com ela. Naquele período havia investimento em cultura! Coisa que não se tem mais. Cultura deixou de ser prioridade! É Inadimissivel completarmos 35 anos de ausência de Luiz Gonzaga e não termos um evento público alusivo a ele. Em contra partida, inúmeros outros eventos privados o homenagearam de maneira mais tímida. É necessário que o poder público comece a dirigir energia a salvaguardar e proteger em sua própria cidade Luiz Gonzaga, que nos compreende, nos representa e que dá sentido a nossa caminhada como conterrâneos dele e amantes dele.

Quando eu criei a eletiva de Cultura Gonzagueana, eu me inspirei no meu professor do ensino fundamental Moisés Lopes, posto que, os artistas populares devem invadir as escolas e as salas de aula, para que possamos preservar a nossa memória e a nossa cultura. Eu sempre costumo dizer que quando educadores se unem em prol da cultura e da poesia popular, a gente consegue popularizar o ato de ser sensível. E é disso que Exu precisa, de sensibilidade cultural para a nossa história. Foi isso o que eu tentei, apesar de ter encontrado inúmeras barreiras na cidade, por exemplo, no período da disciplina Cultura Gonzagueana, nós ganhamos Moção de Aplausos na Câmara de vereadores de Petrolina, enquanto fomos esquecidos na nossa própria cidade. O que tem acontecido aqui é inexplicável, não há valorização pelos que ainda são fazedores de cultura, artistas populares e amantes da cultura que, não havendo suporte e dignidade pra os seus trabalhos acontecerem, acabam desistimulando de continuarem perpetuando a cultura e a memória local.

Se não existirem medidas urgentes para salvaguardar, estruturar e fomentar a manutenção da memória e da história do povo exuense, do povo pernambucano e do povo nordestino, aos poucos vamos perdendo aquilo que há de mais precioso: nossa cultura. Uma vez eu li que pra se apagar um povo, primeiro faz-se necessário apagar a sua cultura, a sua memória e a sua história, e em Exu, esse apagamento, silenciamento e esquecimento da memória de Luiz Gonzaga tem feito marcas profundas em seu povo.

Quando se fala em cultura, além das tradições e  e da reparação histórica pela memória de Luiz Gonzaga, a gente também fala sobre renda na mesa dos artistas, de todo o comércio local e de todo o povo. Ter uma cultura ativa, e um local que acolhe bem os visitantes, também é necessário! Mas como acolher bem os visitantes, se a cidade ainda não consegue acolher nem o seu povo? Luiz Gonzaga nunca foi bem acolhido em Exu, e a prova disso é como andam as atividades que celebram sua memória e existência. É desesperador como estamos sofrendo com a falta de compromisso com a obra de quem tanto colaborou para sermos quem somos hoje. Essa semana nós tivemos mais um dia 02 de agosto em que a cidade esvaziou-se da memória do Luiz Gonzaga e o setor público nada fez. Comemoramos nas iniciativas privadas... Não deveríamos estar mendigando cultura dentro da cidade do maior ícone dela, não é verdade?

Enfim, tenho esperanças de que algum dia Luiz Gonzaga seja de fato rei dentro de sua própria cidade, porque no mundo inteiro ele já é homenageado, amado, querido e celebrado! Nós temos uma dívida histórica com seu legado, resta saber quando conseguiremos pagar. Por enquanto, resta doer o peito, limpar as lágrimas e fazer o trabalho de formiguinha de lutar pelo que é nosso, pois quando se trata de Gonzaga, ele apenas nasceu em Exu e se compôs, mas, ele pertence a todo o povo nordestino que o celebra e o ama.

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LIVRO ANALISA A NATUREZA NA OBRA DE GUIMARÃES ROSA

A relação simbiótica da obra de João Guimarães Rosa com o mundo natural é o objeto de estudo da bióloga e professora mineira Mônica Meyer. Fruto de tese de doutorado apresentada na Universidade Estadual de Campinas em 1998, o livro “Ser-tão natureza: a natureza em Guimarães Rosa” foi publicado pela Editora UFMG em 2008 e teve duas reimpressões (a mais recente é de 2019). Na apresentação, Meyer narra a emoção ao consultar o Arquivo Guimarães Rosa, sob guarda do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, e ter acesso aos originais então inéditos de “A boiada”, com as anotações do autor sobre sua viagem ao sertão mineiro em 1952. “Coração de mineira disparava em sístoles e diástoles, semelhante ao voo do pica-pau descrito no diário de viagem”, compara. “Me sentia coletando pedras preciosas das Minas Gerais, distante geograficamente, mas tão pertin, naquele momento mágico, do coração.”

Dividido em quatro capítulos, o livro de Mônica Meyer oferece minuciosa e preciosa análise sobre a forma pela qual o autor incorporava o mundo natural em suas obras. “A natureza para Guimarães Rosa não se apresenta como um espetáculo ou uma coleção de aspectos naturais compondo um cenário ou um palco, onde se desenrola a aventura da viagem. O ambiente/sertão não está separado das pessoas, dos bichos, das plantas, e sim dentro de cada um, caracterizando o jeito de ser e de viver”, destaca a professora.

Para Mônica Meyer, as paisagens em “Grande sertão: veredas” são vivas e mutáveis, reconstruídas e recriadas internamente pelo narrador, Riobaldo, com conhecimento e sentimento. Ela afirma que a paixão de Guimarães Rosa pelo mundo natural se revela na forma poética de citar e descrever plantas, animais, rios, morros... “O espaço é esquadrinhado em quatro dimensões ligando os elementos do céu, da terra, da água e do fogo.” Flores, cores (o amarelo traduz a paixão do autor pelo cerrado, afirma Meyer), passarinhos, bois, até os tipos de capim que compõem a paisagem nos escritos do mineiro são descritos e analisados pela professora aposentada da Faculdade de Educação da UFMG.

Ao visitar a região, em 1993, ela chegou a entrevistar Manuelzão, um dos integrantes da comitiva de Rosa, e incluiu no livro um depoimento do vaqueiro que já chamava a atenção para as transformações no ecossistema.

“Hoje tudo é eucalipto (...). Aqui é a Vereda Grande. Na vereda tem só água que nasce na vereda. Mas assim mesmo, a areia daqui deste lugar vem com o trator limpa a vereda, limpa o eucalipto. A água da enxurrada carrega areia prá veredas vai entupindo as vereda. Vai indo até que as veredas acaba secando. Mas hoje não encontra quase nada, não. No meio do eucalipto não tem nada. Nem marimbondo gosta de eucalipto.”

Mônica Meyer lembra que ela e Manuelzão chegaram a se perder em meio aos eucaliptos perfilados “como um gigante”. “Em três décadas observo o avanço desenfreado e galopante do eucaliptal, a instalação do agronegócio com o uso de pivôs, a pulverização de agrotóxicos, a diminuição, assoreamento e morte das veredas”, lamenta. Mas ela também guarda boas recordações. “Me causou impacto a beleza das veredas ornada com buritizais de variadas tonalidades, orquestrada pelo som dos ventos, das araras, das maritacas, das águas: exercitei o olhar e descobri ‘buritis meninos’, ‘folhas que se dedeiam’”, lembra.

 Leia, a seguir, a entrevista da autora de “Ser-tão natureza” ao Estado de Minas.

O que diferencia Guimarães Rosa de outros autores brasileiros do século 20 na representação do mundo natural?

A natureza é descrita em arranjo caprichado, transformada em personagem viva, dinâmica e animada rebrilhando na luz e na escuridão plena de significados e recados. Guimarães Rosa ultrapassa uma concepção reducionista, estreita e imediatista que concebe a natureza apenas como cenário, recurso natural e mercadoria. A proximidade, intimidade e aprendizado do sertanejo com mundo natural resultam um processo de integração entre cultura e natureza, que atravessa o ser-tão. O escritor se ocupa em revelar em sua obra que o sertão não é apenas um espaço biogeográfico, de uma riqueza extraordinária em cultura popular, de um patrimônio natural ancestral e exuberante. O ser-tão é também metafísico, traduz a linguagem animada dos seres vivos, dos ventos, das águas, da terra. A natureza concebida e representada como um ritual de passagem para alcançar a espiritualidade e a transcendência.

O que é mais notável na forma que Guimarães Rosa representa a natureza em “Grande sertão: veredas”? João Guimarães Rosa apresenta uma cartela de cores, cheiros, sons, luzes e sombras do cerrado, bioma presente em grande parte do Brasil. “Grande sertão: veredas” traduz perfeitamente essa natureza “belimbeleza”, viva e pulsante. O escritor descreve a diversidade da flora e fauna irmanada, imbricada, integrada aos rios, mares de montanhas, morros, serras, chapadas, grotas, céu de nuvens e constelações. A narrativa flui com melodia e delicadeza filosófica, estética e poética que transporta o leitor para um uni-verso móvel, sinestésico, que o faz sentir e imaginar aquele microcosmo sertanejo criado, ruminado de recordações, experiências, conhecimento e sentimento em puras misturas. A presença de onomatopeias é recorrente e a leitura em voz alta traz encantamento e facilita a compreensão do texto.

Como as percepções e impressões da viagem de Guimarães Rosa acompanhando uma boiada no início dos anos 1950, anotadas em cadernetas, se refletiram em “Grande sertão: veredas”?

 As anotações da viagem ao sertão de Minas em 1952, acompanhando a Boiada, foram recriadas no romance “Grande sertão: veredas” e principalmente em “Corpo de baile”, publicado também em 1956. Há múltiplas e distintas referências aos bois, paixão do escritor. Os passarinhos e as aves em geral ganham um destaque especial em refinados detalhes, assim como os insetos. Os lugares por onde a Boiada passou pousou são representados. Por exemplo: o encontro emblemático entre Riobaldo e Reinaldo no porto do Rio-de-janeiro, afluente do Rio São Francisco. A descrição das canoas, os sacos de arroz atados com folha nova de buriti e o pau d’óleo confere com as notas do dia 14 de maio de 1952, registradas durante a permanência na Fazenda da Sirga. Outra fazenda, a Santa Catarina, localizada em Andrequicé e pouso da comitiva da Boiada em 21 de maio de 1952, adquire relevância no romance, pois marca o encontro amoroso entre Riobaldo e Otacília. A identificação da flor caeté, de cor branca perfumosa, metaforicamente representa e sela um compromisso entre eles. O expressivo, e significativo, apelido de casa-comigo é a resposta que Otacília dá a flor. Em “Grande sertão: veredas”, o tempo e as ações transcorrem em sintonia com o calendário ecológico, as estórias e o saber tradicional do sertanejo se entrelaçam na trama do texto.

O livro chama atenção para o fato de Guimarães Rosa revelar, em suas anotações no início dos anos 1950, preocupação com desmatamento. Poderia citar como o escritor explicitou essa e outras questões ambientais?

 Antes de chegar à Fazenda da Sirga, de onde saiu a Boiada, Guimarães Rosa observa o desmatamento em marcha e a presença de eucalipto. Ele manifesta sensibilidade e preocupação pela destruição depredatória que avança sem interesse em conhecer a biossociodiversidade do cerrado. Retoma o tema no conto “As margens da alegria” que conta, pelo olhar de uma criança, as impressões sobre a construção de uma grande cidade, que mesmo não nomeada sabemos se tratar de Brasília. O escritor se ocupa principalmente em revelar e exaltar em sua obra literária a natureza entrelaçada com a cultura popular. O sertão não é um deserto, árido, inóspito e violento, essa visão estereotipada que predomina no senso comum. Os gerais, esse sertão móvel regido pelo calendário da natureza com seus ciclos de seca e chuva, de sons e silêncios, beleza e pobreza, cheio de contrastes, de vida e embates. O escritor nos convida a sair de uma inércia mental, do óbvio e do senso comum para o exercício da observação, da aprendizagem, de uma viagem pelo sertão físico e metafísico, a fazer uma travessia. (Fonte Jornal Estado de Minas)

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MISSA CELEBRA 35 ANOS DE SAUDADES DO REI DO BAIÃO, LUIZ GONZAGA

O Brasil celebra no próximo 02 de agosto, sexta-feira, os trinta e cinco anos da morte do cantor e compositor Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.

Para lembrar a memória do filho mais ilustre, será realizada no domingo (04), a MISSA DA SAUDADE, a partir das 11hs, no Parque Aza Branca. (Asa com Z na grafia usada por Luiz Gonzaga).

O ex-secretário de Educação e Cultura de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo, Roberto Pereira, avalia que o nome de Luiz Gonzaga é daqueles que, quanto mais se afasta no tempo, mais se vai da lei da morte se libertando.

De acordo com Roberto Pereira, a vida e obra de Luiz Gonzaga deixaram o legado da nordestinidade, colimando-se com os maiores da música brasileira, cantando o forró e o baião. 

"Da economia criativa quando se interligou ao artesanato de couro no chapéu, no gibão, nas alpercatas. Da gastronomia em seu repertório, ênfase para a Feira de Caruaru e Ovo de Codorna, dentre outras composições suas e de parceiros, a exemplo de Zé Dantas e Humberto Teixeira. Os seus ritmos ainda - e sempre! - animam a musicalidade nordestina e brasileira", finalizou Roberto Pereira.

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GOVERNO FEDERAL PERCORRE BIOMAS DO BRASIL PARA DISCUTIR EMERGÊNCIA CLIMÁTICA

De 30 de julho a 15 de agosto, oito cidades brasileiras vão sediar as plenárias do Plano Clima Participativo, encontros presenciais com o intuito engajar a sociedade civil no envio de propostas, tirar dúvidas sobre o processo e informar sobre as etapas da elaboração da estratégia que vai guiar a política climática do país até 2035. É também um espaço para apresentar e defender contribuições, além de incentivar reuniões para debater e elaborar novas propostas. 

A elaboração do Plano Clima é conduzida pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), integrado por representantes de 22 ministérios, pela Rede Clima e pelo Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, e tem dois pilares principais: a redução das emissões de gases de efeito estufa e a adaptação de cidades e ambientes naturais às mudanças do clima. 

O lançamento das plenárias será em Brasília, nesta terça-feira, 30 de julho, no Palácio Itamaraty, das 15h às 17h. Os demais sete encontros ocorrerão em cidades diferentes, cada um representando um bioma específico: em Recife (PE), Costeiro-Marinho; em Teresina (PI), Caatinga; em Macapá (AP), Amazônia; em Imperatriz (MA), Cerrado; em Campo Grande (MS), Pantanal; em São Paulo (SP), Mata Atlântica; e em Porto Alegre (RS), Pampa. 

A ampla participação da sociedade, em espaços presenciais e digitais, consultas diretas à população e debates com especialistas em meio ambiente, organizações da sociedade civil, conselhos de políticas públicas, movimentos sociais e sindicais, será liderada pelos ministros Marina Silva (Meio Ambiente) e Márcio Macêdo (Secretaria-Geral da Presidência da República), que estarão presentes em todos os encontros. Em Brasília, nesta terça, também estarão presentes os ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Mauro Vieira (Relações Exteriores).

Das plenárias sairão propostas que poderão ser incluídas na primeira versão do documento, que será apresentado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na COP 29, no Azerbaijão, em novembro. 

PARTICIPAÇÃO SOCIAL — Cerca de 6,3 mil participantes já interagiram com o processo no site do Brasil Participativo. Ao todo, foram 439 propostas, com 698 comentários e 11.232 votos.

O modelo usado para o Plano Clima é o mesmo do PPA Participativo (Plano Plurianual 2024-2027) realizado no ano passado. Com metodologia de participação presencial e digital, o processo resultou na maior participação social da história do Governo Federal. 

INSCRIÇÕES — Para participar dos eventos, é necessário fazer inscrição clicando neste link (https://www.even3.com.br/planoclima/). Basta escolher a cidade da plenária, clicar na opção “Quero participar das atividades” e fazer login para se cadastrar.

PLANO CLIMA — A última fase de elaboração do Plano Clima será em 2025, com a formulação de planos setoriais e a realização da 5ª Conferência Nacional de Meio Ambiente e Mudança do Clima em maio. A partir do texto, o Governo Federal deve propor outras mudanças na legislação ambiental do país.

Todo o processo de formulação de instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima, com participação direta da população, será apresentado na 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que acontece no Brasil, em Belém (PA), em novembro de 2025.

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PROGRAMA A VOZ DO BRASIL COMPLETA 89 ANOS

Duas músicas dominam a noite da Rádio Comunitária Mumbaça FM: uma rádio do povo (104,9). Primeiro, às 19h, O Guarani, de Carlos Gomes, anuncia o início de A Voz do Brasil, programa que completa nesta segunda-feira (22), 89 anos de transmissão.

A outra música que mexe com a comunidade quilombola Mumbaça, na cidade de Traipú (AL), é o Hino à Negritude, que toca às 20h, assim que o histórico programa acaba. Fora as músicas, a emissora leva informação às 400 famílias que moram no lugar.

“A Voz do Brasil tem uma importância para a gente por conta da notícia”, diz o agricultor Manoel Oliveira, de 53 anos. Como ele é administrador da associação de moradores da comunidade, também trabalha na rádio.

“É assim que sabemos o que acontece nos ministérios, no Congresso e na Justiça. O agricultor faz questão de acompanhar”. No local, praticam agricultura de subsistência principalmente com mandioca, milho, feijão, inhame e amendoim. “Eu acompanho A Voz do Brasil sempre aqui na rádio”.

Alternativa unificada-O programa ainda tem transmissão obrigatória no país, mas teve o horário flexibilizado. Segundo avalia a professora e pesquisadora em comunicação Nelia Del Bianco, da Universidade de Brasília (UnB), A Voz do Brasil cumpre o papel da comunicação de governo de dar ciência à população de realizações de interesse público.

“Não se presta, portanto, a propaganda, mas à qualificação da informação para pessoas que precisam saber como é a aplicação dos impostos que paga direta ou indiretamente.”

Para o professor Luiz Artur Ferraretto, responsável pelo Núcleo de Estudos de Rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o programa de rádio acaba oferecendo uma alternativa mais unificada de comunicação pública, em vista, inclusive, de respeitar espaços para os poderes e partidos políticos com distribuição dos conteúdos de maneira mais equilibrada:

“Eu acho que é muito relevante porque chega a todos os brasileiros e a todas as brasileiras que queiram receber essa informação. Basta sintonizar em determinados horários a emissora de rádio mais próxima de si mesmo”.

A notícia-Também liderança, da comunidade quilombola Armada, José Alex Borges Mendes, de 47 anos, no município de Canguçu (RS), diz que o rádio é um veículo que chega a todos já que há menos o hábito de ler notícias. Ele entende que A Voz do Brasil ajuda a compreender os programas sociais e as leis.

“Acho que é muito importante ter esse mecanismo para poder dar conta de informar essa população que tem uma carência da informação”. Ele acompanha o programa no radinho de pilha de casa. A comunidade Armada tem 60 famílias.

“A gente espera, ansioso, que consiga ter nossas titulações no nosso território. Mas, pelo outro lado, a gente sabe que tem um conflito entre sociedade civil e os grandes empresários para devolver o nosso território”.

Estratégia-Segundo avaliam os pesquisadores, o rádio continua sendo um veículo estratégico para o país, inclusive por ser uma meio de integração e instrumento de informação em dias de desastres, como ocorreu no Rio Grande do Sul neste ano. A professora Nélia Del Bianco afirma que a audiência de rádio no país ainda é significativa.

“O interesse por notícias alcança 45% da audiência de rádio”, diz a professora da UnB. Ela cita que, em média, uma pessoa escuta de três a quatro horas de rádio, tempo médio que pode ser superior no interior do país. “Em emergências resiste diante da falta de energia, porque pode ser ouvido em rádio a pilhas. É o último a ficar mudo diante da adversidade”.

O professor da UFRGS, Luiz Ferraretto, explica que regiões do seu Estado ficaram sem veículos locais. “Nesse tipo de região, evidencia-se a necessidade de uma atuação dos poderes públicos. Nesse sentido, A Voz do Brasil se torna muito relevante para essas regiões”.

Marina Silva lembra que seu pai, borracheiro, era ouvinte assíduo do programa. Em maio, ela foi entrevistada por A Voz do Brasil - Juca Varella/Agência Brasil

As histórias de comunidades fazem lembrar as funções que historicamente A Voz do Brasil cumpriu no interior do País. Uma delas é lembrada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

Ela recorda da imagem do pai seringueiro aguardando o programa começar… Segundo relata, tudo poderia mudar a depender das notícias que seriam trazidas. Ela diz que pelo rádio, as pessoas poderiam entender mais sobre sua comunidade, que está ligado a uma cidade, um estado e um país.

“Tive experiências muito fortes. Eu me lembro que meu pai, quando assumiu o [presidente Emílio] Garrastazu Médici (1969), na época da ditadura, com o ouvido colado n'A Voz do Brasil (...). Olhou para a minha mãe e disse: não falou nada que vai aumentar o preço da borracha”, recordou a ministra em entrevista à Rádio Nacional, da EBC, em setembro do ano passado.

“Ele ouvia A Voz do Brasil, a BBC, de Londres, e A Rádio Tirana, da Albânia. Tudo porque ele ficava mudando de notícia em notícia”. (Agencia Brasil)

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PADRE CICERO 90 ANOS DE SAUDADES

Milagres, guerra e política marcaram a vida de Padre Cícero Romão, considerado um dos personagens mais importantes da história do Brasil. Este sábado (20) marca os 90 anos de morte do sacerdote, que ainda hoje mobiliza centenas de milhares de pessoas a Juazeiro do Norte (CE) todos os anos.

Nascido em 1844, no Crato (CE), sertão cearense, Padre Cícero (mais conhecido como Padim Ciço) é considerado santo por uma multidão de devotos e Juazeiro do Norte é tido como um local sagrado.

A cozinheira e costureira Marinez Pereira do Nascimento, de 58 anos, que é mestra de cultura popular, relatou a devoção que tem à Padre Cícero e à Maria de Araújo, beata que protagonizou os famosos milagres das hóstias.   

“Minhas letras [de músicas de coco] falam muito sobre o Padre Cícero porque, para mim, ele é santo. O Padre Cícero veio para transformar Juazeiro. Ele é um enviado de Deus para a região do Cariri. Se não fosse o Padre Cícero, não existia Juazeiro, não existia romaria. A beata Maria de Araújo, para mim, faz e fez o mesmo papel que Nossa Senhora”, explicou.

A santificação dada pelo povo ao Padre Cícero e à Maria do Araújo tem origem nos chamados milagres das hóstias. Conta-se que as hóstias ministradas pelo Padre viraram sangue na boca da beata Maria de Araújo.

O suposto milagre - rejeitado pela Igreja Católica, que chegou a excomungar o sacerdote e proibir que ele realizasse missas - levou multidões para Juazeiro, criando um dos maiores movimentos populares e religiosos da história do país.

Da religião para política-O historiador e professor Régis Lopes, da Universidade Federal do Ceará (UFC), ressalta que a partir do trabalho religioso, Padre Cícero se tornou um importante político do seu tempo.

“O político é uma consequência do religioso. O prestígio que ele tem em relação aos devotos, às notícias sobre os milagres e toda essa repercussão que vai entrar em choque com a Igreja e em sintonia com essas tradições sertanejas transforma o Padre Cícero em um santo vivo. Então, tudo decorre daí. O prestígio político dele vem daí”, explicou.

O religioso foi prefeito de Juazeiro por sucessivos mandatos, chegando a ocupar o cargo de vice-governador do Ceará.

Visão equivocada-Filho de romeiros, o professor, escritor e memorialista Renato Dantas, de 75 anos, critica a visão que considera equivocada de parte da academia e que intelectuais têm de Juazeiro e dos romeiros, retratados muitas vezes como “fanáticos”.

“Comecei a estudar para saber até que ponto nós poderíamos ser fanáticos ou guardadores de uma memória da religiosidade popular. Cheguei à conclusão de que Juazeiro é o repositório dessa memória e que os romeiros e as romeiras consideram aqui um espaço sagrado”, explicou.

Para o juazeirense, o sonho que Padre Cícero teria tido - no qual Jesus teria orientado ele a “tomar de conta” daquele povo - os milagres das hóstias e a guerra de 1914 do Ceará são os três elementos que constroem essa religiosidade.

“A forma como o Juazeiro foi se construindo nesse local sagrado foi um sonho, um milagre e uma guerra. Para mim, são os três aspectos que consolidam a posição de Padre Cícero no Juazeiro, da compreensão romeira a respeito de Juazeiro”, defendeu Dantas.

Revolta de Juazeiro-Em 1914, ocorreu a chamada Revolta ou Sedição de Juazeiro. O governo do Ceará mandou cercar a cidade na tentativa de desarticular o poder que Padre Cícero exercia na região. A resistência armada popular conseguiu não apenas romper o cerco, mas marchar até Fortaleza e derrubar o então governo local de Franco Rabelo.

“O fato é que Juazeiro só consegue se revoltar por conta da força de atração do Padre Cícero em Juazeiro. Ele chama mesmo as pessoas para defender Juazeiro. Se não houvesse esse prestígio, não teria acontecido nada porque Juazeiro era uma cidade pequena, não tinha como construir um batalhão”, contou o professor Régis Lopes.

Anos antes, em 1911, a atuação de Padre Cícero levou à autonomia política de Juazeiro do Norte, que até então era um distrito do Crato. Apesar do envolvimento político, o historiador Régis Lopes diz que o Padre dedicava seu tempo e energia para questões religiosas, deixando as articulações políticas para o aliado Floro Bartolomeu.

“Para muita gente, o Floro era o prefeito de Juazeiro porque na prática ele era quem fazia mesmo essa articulação. As preocupações do Padre Cícero eram outras. A documentação escrita do Padre Cícero mostra que a vida dele, o gosto dele, era em relação a ser padre da Igreja”, acrescentou o historiador.

Santo popular-Padim Ciço morreu rompido com o Vaticano. Em 2015, a Igreja se reconciliou com o religioso e, em 2022, foi anunciado o início do processo para a sua beatificação. Em outubro de 2023, Padre Cícero foi incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria do Brasil por Lei sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva.

O historiador Régis Lopes, da UFC, defendeu que, do ponto de vista sociológico, Padre Cícero é santo, ainda que não reconhecido oficialmente pelo Vaticano. “Só existe santo se tem devoto. Essa é a lógica básica de qualquer romaria. Tem que ter uma base social que vai construindo essa ideia de santidade”, explicou.

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BILIU DE CAMPINA

Não vou seguir sem deixar aqui umas linhas sobre meu amigo Biliu de Campina, que dias atrás bateu-o-31, para usar uma expressão bem de Campina Grande, da cidade que era a cara dele, a cidade onde nasceu. E onde escolheu viver: por afeto, destino, missão, comodidade e esperteza. 

 Não imagino Biliu morando em outra cidade senão a “Rainha da Borborema”. Mesmo que alguma loteria improvável o transformasse em milionário, ele nunca iria morar numa ilha do Caribe. O mais provável é que montasse um cabaré chamado “Rosa de Acapulco” e fosse morar nos fundos. 

 Digo um cabaré, mas não pensem que estou fazendo apologia do lenocínio. Longe disso. É que a palavra cabaré me evoca música, antes de qualquer outra coisa. Cabaré é um lugar onde se vai para ouvir música ao vivo, conversar, dançar, aproveitar a vida. Suave é a noite, enquanto se tem no mesmo recinto Jaime Seixas ao piano, Apolo na bateria, um crooner de voz encorpada arrastando um bolero pelos cabelos, e a cerveja é gelada, e a felicidade é uma arma quente. 

 Esse ambiente de música pela música, sem gêneros, sem fronteiras, une os músicos da noite, aproximando as pontas extremas do ofício, o profissionalismo e a boemia. Biliu celebrizou-se como forrozeiro e defensor do forró, mas seu conhecimento e sua vivência musical puxavam raízes genéticas desde as antigas jazz-bands da Campina de cem anos atrás, dos blocos de carnaval, das orquestras que tocavam nas tertúlias dos clubes aristocráticos. (Campina só tem um, o Campinense; e basta.) 

 Viramos amigos aos vinte e poucos anos, porque eu já era amigo de seu irmão João Xavier, o famoso Lanka que fabricava os melhores pandeiros do Nordeste. (Uma voz moleca me atanaza: “Do Brasil! Diz que é do Brasil!...”.  Não precisa.) 

 Lanka era mais velho do que a gente e era uma espécie de líder informal de um grupo de boêmios, e aí talvez não valha a palavra “líder”, e sim “puxador de cordão”. Todos os fins de semana, os “Originais do Samba” se encontravam a partir da sexta à noite ou sábado de manhã, na casa de alguém. Eram quatro, cinco, seis carros cheios de gente: homem, mulher, menino, todos convergindo para um terraço ou um fundo de quintal, cada qual trazendo seu violão, seu cavaquinho, sua tumbadora, seu afruchê, seu pandeiro, sua flauta, sua sanfona. 

Falei, um pouco acima, dos músicos profissionais que tocavam nos cabarés (todos eles exímios instrumentistas).  Sua contrapartida amadora eram esses agrupamentos informais, que não viviam da música: um era gráfico, outro trabalhava em oficina, este era bancário, o outro pequeno comerciante, três ou quatro eram estudantes, tinha Fulano radialista, tinha Sicrano de ocupações incertas e não-sabidas. 

 Falei nos estudantes, não foi? Pois é, nesse tempo Biliu estava fazendo o curso de Direito (em que se formou), Elba Ramalho estudava Economia e eu Ciências Sociais, na UFPB; Tadeu Mathias, que era talvez o mais novo e uma espécie de mascote da turma, devia estar no segundo grau.  O importante é que todos tinham outra ocupação, nenhum deles vivia da música: viviam para a música. 

Era a Batucada de Lanka, o nome informal que a cidade conhecia. Mal saía o elepê com os sambas-enredos do Carnaval carioca do ano seguinte, e todo mundo já comprava e esses sambas viravam a trilha sonora obrigatória de todos os fins de semana. Cantava-se de tudo, de Moreira da Silva a Ataulfo Alves, da MPB de Chico-Caetano-Gil até os forrós de Jackson e Gonzagão.   

 Isso era nos anos 1970, e muita água ainda iria chover no Açude Velho antes que Biliu gravasse seu primeiro disco, entrasse no circuito profissional de rádio, palco e estúdio, e adotasse o cognome “Biliu de Campina”, com que se celebrizou fora do circuito Praça da Bandeira / Parque do Povo / Calçadão. Compondo suas canções irreverentes, cantando Rosil Cavalcanti, Zito Borborema, Manezinho Silva, Jacinto Silva, Geraldo Correia, Gordurinha, João Gonçalves...   

 Uma coisa curiosa nos tempos de hoje é o modo como a música – o ato de cantar e tocar instrumentos – se confunde, na cabeça das pessoas, com a profissão de músico. Como se o objetivo de toda pessoa que gosta de tocar e cantar fosse virar cantor profissional. Pode ser um sintoma da monetização geral da vida, da existência. Tudo que fazemos pode se tornar fonte de renda, pode se tornar uma profissão, pode se tornar um bilhete informal na grande loteria da fama e da fortuna. 

 A música (e não só ela) já foi um fim em si, está virando cada vez mais um artifício para ganhar dinheiro. (Não sou contra isto – sou compositor profissional e já ganhei a vida com música, em diferentes fases da minha vida.) Mas vai ser um profissional muito insosso e muito desbotado aquele que só vê na música o ganho. O profissional que liga mais para o borderô do que para o repertório. O cara que não reconhece uma clave de sol mas sabe muito bem o que quer dizer um cifrão. 

 Toda profissão que mexe com as artes precisa ter essa consciência de que se trabalha para o público, para as platéias, para as pessoas em geral, e se trabalha tanto de forma amadora quanto de forma profissional. Um indivíduo pode ser enfermeiro profissional e músico amador, pode ser um engenheiro / motorista / médico / jornalista / advogado / contabilista / alfaiate / lavrador de profissão... e músico amador. 

 Essas pessoas criam uma espécie de Música Invisível Brasileira, que não é captada pelas pesquisas nem monetizada pelo mercado. É a música que está fora dos estúdios e dos palcos, mas que está viva no cotidiano de gente rica, gente pobre, gente média, independente de idade ou cor ou classe social. A música que é feita e fruída pelo simples prazer de fazer música, de participar delas, de se deixar levar pela correnteza das melodias e dos ritmos. Música é isso. O resto é consequência. 

Não importa que tipo de música. Rock de garagem. Samba de fundo de quintal. Quarteto de câmara na sala de um apartamento. Piano de happy-hour em uisqueria. Hip-hop em palco de festa. Seresta de tiozões num restaurante à beira-mar. Canto gregoriano de mosteiro. Forró de latada. Chacundun de churrascaria. Bolero de cabaré. 

Surgem grandes talentos no meio dessa música invisível, e muitos deles tornam-se nomes conhecidos no país inteiro, saem na revista, aparecem na TV, viram atratores nas redes sociais. Nada contra. O erro é quando pensamos que este é o objetivo principal de fazer música: ser “um dos melhores” e ganhar muito dinheiro. Não é. O objetivo da música é colorir a vida e destilar as emoções.  É educar nosso espírito, transmitir um senso de harmonia, de proporção, de estrutura, a capacidade de reconhecer coisas complexas quando traduzidas em estímulos sensoriais. E, por cima disto, ensinar a telepatia da criação coletiva, em que mentes diferentes e corpos diferentes deixam-se levar em uníssono por uma melodia, um ritmo, e nesse momento deixa de haver separação entre a mente e o corpo, entre o indivíduo e o grupo. Torna-se tudo uma coisa só. 

 A Música Fonográfica é apenas o cocoruto desse imenso iceberg. A que é visível, o que sai na imprensa, o que tem fã-clubes e seguidores de redes sociais. A que movimenta dinheiro, e portanto interessa a todos os grupos que lucram alguma coisa quando dinheiro é movimentado. Todos nós precisamos de dinheiro, e assim como é legítimo um barbeiro tocar violão também é legítimo ele querer largar a barbearia e ganhar a vida com o violão dele. Não se pode legislar escolhas-de-vida pessoais. 

E assim voltamos ao meu velho Biliu de Campina, ranzinza, popeiro, rival de Seu Lunga, irreverente, trocadilhista, língua ferina, falava mal de todo mundo e nunca fez o mal a ninguém. Biliu do pavio curto e da conversa comprida, Biliu do ouvido afiado, que pegava tom ouvindo buzina de carro e “plin” de celular. Que passou mais de quarenta anos de vida impedindo que a Paraíba se esquecesse de Jackson do Pandeiro. Que pirateava os próprios discos quando o disco estava vendendo pouco. 

 Que defendia os artistas da terra, “porque os de Marte ou de Saturno não precisam de defesa”. Que implicava com a expressão “forró pé de serra”, porque no alto da Serra o forró é melhor ainda. Que cantava no Parque do Povo, depois de um show alheio que puxou 20 mil pessoas, e ele entrava no palco e cantava duas horas de coco sem parar, para 300 pirangueiros embaixo de chuva, que berravam palavrões com ele e ele dava a resposta no mesmo tom. 

 Chamo a isso de Música Invisível Brasileira porque, no curioso mundo de fantasia eletrônica em que existimos hoje, a gente só vê o que é feito de pixels eletrônicos (seja num celular, numa TV ou num computador), e não enxerga o que é feito de carne e osso. (Texto Braulio Tavares-Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), 

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