OCASO E ESCURIDÃO: IMPACTOS DE ARIETE NA EPIDERME DO DIA

Poderia utilizar como epígrafe para esse bate-papo, como indicador apenas ilustrativo, ou como parte essencial do contexto, ou apenas como visão, produto do surto e do estado de nervos, duas lembranças tênues e vagas, ecos de leituras remotas que empreendi por alguma obrigação acadêmica. A primeira diz respeito ao Dilema do Jacaré, citado talvez por Zenão de Aléia ou Sêneca ou Tirésias:

1. Conta-se que um magistrado teve sua única filha raptada por um jacaré. Procurando-o, ouviu do raptor a seguinte proposta: — Para ter tua filha de volta terás que me dizer acertadamente o que farei com ela: se vou devorá-la ou se vou devolvê-la. Se errares já sabeis o seu destino.

A segunda citada por Tom Zé, nunca por Roberto Carlos ou Julio Iglesias:

2. Conta-se que Euclides da Cunha chegando a Salvador para a cobertura da Guerra dos Canudos deparou-se com o seguinte quadro: uma criança, detida nos arredores de Remanso, estava sendo interrogada por um delegado de polícia sobre a organização do povo de Canudos e a ideologia do Conselheiro, ao que pergunta ou pergunta-se: —...mas Deus está de que lado?

Sejam essas duas reminiscências os nossos arautos: o dilema entre o acerto e o erro. Pois no caso do jacaré tanto o acerto como o erro levarão à dor. Instaura-se o mal-estar, suspende-se o tempo, aumenta-se o incômodo gerado por aquele velho sentimento de impotência, regente da orquestra das lágrimas. Esse imbróglio interior não tem, ou tem, como causa o mundo conhecido. Mesmo se sabendo que um jacaré jamais raptará alguém, o pacto para um caminho ideal de reflexão, sobre essa hipotética encruzilhada, é costurado entre nós desta sala, extensão do Universo, e o texto daquela ante-sala, extensão da Mente.

 É típica dos gregos a formulação do enigma, o edificar a esfinge, o especular sobre o destino. E essa esfinge, o jacaré, e esse Édipo avesso, o magistrado, se embrulham por duas figuras apenas citadas e que não podem ser vistas: a filha raptada e o ato final do raptor. O magistrado diante do despenhadeiro do erro, pois se acertar, perde, e se errar, perde também, espreme o seu peito contra o desconhecido, que ele não vê, no âmago do jacaré, transformando este mesmo jacaré em seu pesadelo acordado, sem apocalipse, sem revelação.

Pensemos agora na criança interrogada, perdendo a inocência ao especular sobre o desconhecido partido tomado por Deus, meio a desgraça de seu povo. O delegado, parente daquele jacaré, do dilema, é uma intrusão em sua simples meta de seguir a construção de um vilarejo pobre e miserável sob a pregação da austeridade e do sofrimento como ferramentas para a divinização. Ela, a criança, é o próprio seqüestrado, cuja formulação do dilema colocará por terra o seu seqüestrador que, se responder sobre qual dos lados repousa a benção de Deus, ferirá fatalmente toda a tradição cristã, desfigurando assim a empreitada das forças federais e fundamentando o sentimento messiânico do seqüestrado.

Gostaríamos, a muito custo, mas não ilegitimamente, de unificar os dois dilemas numa proposição que una a tristeza por não se poder entender aquilo que se vê, o medo por se entender aquilo que se vê e a angústia por não se poder nem ver nem entender. Minha argonave partiu da Grécia e aportou na fundação do Brasil, na Bahia do Monte Pascoal, no Nordeste insular e paradoxal. Senão, vejamos.

A música popular regional nordestina, essa que facilmente se chama forró, em todas as suas dimensões, assenta-se sobre dois pilares: Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. O primeiro revela aos olhos da nação as agruras do espaço físico, geográfico, das secas e cheias, de rios efêmeros e fomes perenes, bem como o ambiente político com seus coronéis e padres, o poder paralelo dos cangaceiros e as mortes por vingança, o enxoval do vaqueiro e as festas populares. O outro nos apresenta os cabarés e as umbigadas, a ginga da peixeira e as aventuras dos forrozeiros, o amor putânico e o rala-coxa, mais alegre e urbano, enquanto o primeiro é predominantemente rural. Resumem, portanto, ou melhor, sintetizam a mitologia nordestina.

 Temos falado até agora no par semiológico ver/não ver, luz/trevas. Antes, porém, do avanço, relato uma conversa partilhada com o professor Eduardo Portella quando afirmava ele que o povo dos cafundós (sim, lá também existem os cafundós!) da Europa do Leste, dos interiores tchecos, sérvios, húngaros, bósnios e além, sofrem de uma predisposição para a angústia. Tentei inserir uma certa angústia do homem nordestino, mas a conversa não evoluiu. Fiquei inseminado pelo tema e saí perseguindo meus murmúrios. 

Deságua aqui nesta Baía, no coração do Leblon, a minha inquietação. Situações circunstanciais de opressão pelo meio ao que parece podem fomentar uma certa ponta de angústia. Pensei, assim, na aridez da vida dos miseráveis de Canudos que não sabiam, ou não conheciam, ou não viam motivo para tanta guerra. Alastrei meu olhar para os desdentados dos vales profundos, viventes-plantas cujas unhas dos pés nunca arranharam um pedaço de pão quente saído do forno ainda há pouco. Vi alguns migrantes caídos na Cinelândia. Abismando-me com essas paisagens distantes e essas outras presentes, calei. Ver dói, não ver, idem. Isso que senti aportou em Gonzaga e Jackson.

A música mais conhecida de Gonzaga é Asa Branca. Qualquer funkeiro ou rapper, rockeiro ou erudito conhece seus acordes simples, sua letra grave e sua estrutura quadrada. Mas olhemos para a letra com mais demora. Deixemo-la irrigar-nos.

 Quando olhei a terra ardendo

Qual fogueira de São João

Eu perguntei a Deus do céu, ai

Por que tamanha judiação

Que braseiro, que fornalha

Nem um pé de plantação

Por falta d'água perdi meu gado

Morreu de sede meu alazão

Até mesmo o asa branca

Bateu asas do sertão

Então eu disse adeus Rosinha

Guarda contigo meu coração

Quando o verde dos teus olhos

Se espalhar na plantação

Eu te asseguro não chores não, viu

Que eu voltarei, viu meu coração.

 Agora vejamos essa outra canção:

 Assum preto

Tudo em vorta é só beleza

Sol de Abril e a mata em frô

Mas Assum Preto, cego dos óio

Num vendo a luz, ai, canta de dor .

Tarvez por ignorança

Ou mardade das pió

Furaro os óio do Assum Preto

Pra ele assim, ai, cantá de mió

Assum Preto veve sorto

Mas num pode avuá

Mil vezes a sina de uma gaiola

Desde que o céu, ai, pudesse oiá

Assum Preto, o meu cantá

É tão triste como o teu

Também roubaro o meu amor

Que era a luz, ai, dos óios meu

 Muito bem, as duas são de Gonzaga e Humberto Teixeira. Pensemos em nossos dilemas epigráficos: sofrer por ver e sofrer por não ver, em suas leituras livres. E, agora, volvamos um olhar sobre o título atribuído a esse roteiro: ocaso e escuridão. Se em Asa Branca o ato de ver causa o desespero, porque não dizer a angústia, por poder observar que tudo está sendo devorado e que o dilema se instaura (partir ou morrer), em Assum Preto dá-se o contrário: não ver proporcionará o cantar mais lindo. A reflexão vai bem mais além quando se prefere trocar a luz dos olhos pelas grades da prisão. Agora intelectualizemos o par opositivo: diante da luz, a angústia, longe da luz, o belo. Parece-me o paradoxo ditado e vivido por Homero, em si próprio, fundando toda a literatura universal, inclusive a metamorfose coleóptera de Gregor Samsa. Agora pairemos sobre esta outra canção cantada por Jackson:

 Lamento cego

Irmão, que está me escutando

Preste bem atenção.

Já vi um cego contando

Sua história num rojão.

Quem vê a luz deste mundo

Não sabe o que é sofrer.

Que sofrimento profundo

Querer ver e não poder.

Irmão, mais triste eu fico

Com tanta ingratidão

Dois gravetos de angico

Me tiraram a visão.

Por isso nós tamo aqui

Eu e minha viola.

Por Jesus vamos pedir

Meu irmão, me dê uma esmola

Que Deus recompense então

A sua caridade

E lhe dê sempre a visão

Saúde e felicidade.

 É uma composição de Jackson e Nivaldo Lima. Se em Asa Branca ver é tomar consciência das próprias catástrofes e ser obrigado a optar sobre um dilema, em Assum Preto, não ver é proporcionar a manifestação do Belo. Aqui neste lamento há o maldizer por não poder enxergar ou como diz a letra “que sofrimento profundo querer ver e não poder.” 

Mas, afinal, que sofrimento é esse? Qual o seu nome? Onde se instala? Nossa sociedade globalizada é de alma visual. A visão sobrepõe-se ao tato e ao metafísico. O fim do pensar. A velocidade. A banalização da sexo, da violência e da literatura são ferramentas poderosas no processo de massificação e homogeneização cultural. As nossas empresas de telefonia celular sabem disso. Suas máquinas não mais só falam, elas fotografam, elas transmitem ao vivo.

 O cego de Jackson sofre por miseravelmente não poder ver, não sentir-se inserido nas cores. Roga a esmola e em contrapartida oferece como paga a recompensa de Deus com a visão eterna, com a saúde e com a felicidade. Contraditoriamente, já que estamos dialogando sobre dilemas, o fim das promessas do progresso e do bem-estar oferecido pela tecnologia e pela técnica, as benesses do paraíso, o leite e o mel, esses dons assinados pelo mesmo Deus, não nos presenteiam mais com saúde e felicidade. 

Veja-se o colapso da saúde nos países periféricos e a escassez do emprego em todo o mundo. O dilema de Hamlet passaria de ser ou não ser a ver ou não ver. A angústia da Europa Oriental não é maior lá ou cá. Não há predisposição deste ou daquele povo. Se há algum tempo a Ilustração nos ofereceu a Luz, a pós-modernidade nos apresenta a conta e a Light, extensão do Mundo-Capital-Consumo, foi privatizada.

Ainda nos resta o diálogo dos dois cegos citados por Leonardo Mota em seu Cantadores. Diz o primeiro:

 Tenham pena deste cego,

Filhos da Virge Maria;

Eu sou cego de nascença,

Nunca vi a luz do dia!

 Ao que o outro respondeu:

 Quem nasceu cego da vista

E dela não se lucrou,

Não sente tanto ser cego

Como quem viu e cegou!

Um embate sobre a maior miséria. Agora ouçamos: perguntei a um desses policiais que participaram do massacre do Carandiru qual jacaré seqüestrara minha lâmpada de Aladim. Veio-me a resposta como uma bala: surda, certeira e devastadora extraída do poema de Drummond:

 Nesse país é proibido sonhar.

 Findo, senhores, com uma canção do Cego Aderaldo, um parvo cuja angústia foi ver demais:

 As três lágrimas

Eu ainda era pequeno

mas me lembro bem

de ver minha pobre Mãe

em negra viuvez.

Meu pai jazia morto

Estendido em um caixão

 E eu chorei então

Pela primeira vez!

 E a pobre minha Mãe

Daquilo estremeceu:

De uma moléstia forte

A minha mãe morreu.

Fiquei coberto em luto

E tudo se desfez

 E eu chorei então

Pela segunda vez.

 Então, o Deus da Glória,

O mais sublime artista,

Decretou lá do Céu,

Perdi a minha vista.

Fiquei na escuridão,

Ceguei com rapidez

 E eu chorei então

Pela terceira vez.

Meus prantos se enxugaram.

Das lágrimas que corriam

Chegou-me a poesia

E eu me consolei.

Sem pai, sem mãe, sem vista,

Meus olhos se apagaram;

Tristonhos se fecharam

 E eu nunca mais chorei.

  ADERALDO LUCIANO, além de músico, poeta e cangaceiro urbano é professor doutor em Ciencia da Literatura

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SÉTIMA EDIÇÃO DO ENCONTRO SABERES DA CAATINGA ACONTECE ENTRE OS DIAS 03 A 09 DE JULHO

O campus de Crato do IFCE receberá, de 3 a 9 de julho, a sétima edição do Encontro de Saberes da Caatinga, evento que tem como objetivo promover troca de saberes entre raizeiros(as), meizinheiras, benzedeiros(as) e parteiras da região da Chapada do Araripe, contribuindo para o fortalecimento do papel cultural da sabedoria tradicional nos processos de cuidado e cura. 

Este ano o encontro tem como tema: O CANTO QUE NO MUNDO ECOA, NO CORPO RESSOA

De acordo com o site Saberes da Caatinga, essa é uma atividade promovida com amor por diferentes voluntári@s, movimentos sociais, instituições não governamentais e governamentais, unides para propagação dos saberes de cura.

BIOMA CAATINGA-O Bioma Caatinga é um ecossistema único e diversificado que enfrenta vários desafios, incluindo desmatamento, desertificação e mudanças climáticas. É importante não só pelo seu valor ecológico e cultural, mas também pelo seu significado econômico e social. A região fornece recursos e serviços valiosos para as comunidades locais, como alimentos, água, remédios e combustível. Portanto, é essencial adotar uma abordagem holística e sustentável para sua gestão e desenvolvimento.

Um dos principais desafios para o bioma Caatinga é o rápido e extenso desmatamento, causado principalmente por atividades humanas como agricultura, pecuária e extração de lenha. Para resolver este problema, práticas sustentáveis de uso da terra que combinem objetivos de conservação e produção devem ser promovidas. Por exemplo, sistemas agroflorestais que integram cultivos, árvores e animais podem proporcionar múltiplos benefícios, como fertilidade do solo, conservação da biodiversidade e geração de renda.

A mudança climática é outro desafio para o bioma Caatinga, que deve aumentar a frequência e intensidade de secas, enchentes e outros eventos extremos. Para enfrentar esse problema, estratégias de adaptação e mitigação que sejam específicas ao contexto e participativas precisam ser desenvolvidas, envolvendo o conhecimento e as preferências locais. Por exemplo, a restauração de áreas degradadas e a promoção de técnicas de coleta de água podem ajudar a aumentar a resiliência do ecossistema e os meios de subsistência da comunidade.

A pesquisa e a inovação desempenham um papel crucial na compreensão da dinâmica e das funções do bioma Caatinga e no desenvolvimento de novas tecnologias e práticas para seu manejo e restauração. Eles também podem fornecer insights e soluções valiosas para os desafios e oportunidades da região da Caatinga, não apenas em termos de conservação ambiental, mas também em termos de desenvolvimento econômico e social.

Finalmente, a pesquisa e a inovação podem contribuir para o empoderamento e participação das comunidades locais, proporcionando-lhes acesso a conhecimentos, recursos e tecnologias que podem melhorar sua qualidade de vida e bem-estar. Eles também podem ajudar a promover o reconhecimento e respeito pelos saberes e práticas tradicionais das comunidades locais, alcançando uma abordagem mais inclusiva e diversificada para a gestão e desenvolvimento do bioma Caatinga.

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PROJETO TODOS CANTAM ONILDO ALMEIDA SERÁ REALIZADO NESTA QUINTA (29), EM CARUARU

As comemorações de São João seguem em Caruaru, no Agreste pernambucano e, nesta quinta-feira (29), a programação reserva uma noite especial para o público. O Polo Azulão receberá, a partir das 20h, artistas renomados da região para o "Todos cantam Onildo Almeida", projeto com o objetivo de homenagear o cantor e compositor caruaruense conhecido nacionalmente.

Dentre as atrações, alguns grandes nomes da música nordestina se apresentam, como Almério, Erisson Porto, Josildo Sá, Maestro Spok, Nena Queiroga, Rogeria Dera, Isabela Moraes, Yngrid Bittencourt e Riah, com participações especiais de Mariana Aydar e Marcelo Jeneci.

Onildo Almeida é conhecido nacionalmente principalmente por suas composições, muitas delas interpretadas pelo "Rei do Baião", Luiz Gonzaga. Sua música mais famosa é "A Feira de Caruaru", que alcançou sucesso internacional e foi gravada em 34 países. O artista, inclusive, chegou a receber o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal de Pernambuco, uma honraria exclusiva para um artista de Caruaru.

Além da homenagem aos 95 anos de Onildo Almeida, o objetivo do evento é proporcionar a chance de novos artistas da cena caruaruense mostrarem o seu trabalho para o público.

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EXPOSIÇÃO VIDA, POESIA E ENCANTAMENTO COMEMORA OS 145 ANOS DE NASCIMENTO DO POETA CEGO ADERALDO

O mês de junho, a Casa de Saberes, localizada em Quixadá, Ceará,  programou as comemorações do aniversário de 145 anos do poeta Cego Aderaldo. Com a temática “Vida, Poesia e Encantamento”, o evento celebrou na semana passada,  o legado das artes e saberes tradicionais. 

Ao longo de quatro dias, entre 21 a 24 de junho, aconteceu debates, mesa-redonda, formações, oficinas, sarau e apresentações que foram realizadas, valorizando as expressões culturais tradicionais através da história e memória do poeta.

Na casa dos Saberes acontece a exposição “O Sertão Múltiplo De Cego Aderaldo”, com curadoria de Alênio Alencar e Lorena Patrício. 

Segundo a coordenadora executiva da Casa de Saberes Cego Aderaldo, Michelle Maciel, “celebrar o aniversário de 145 anos do poeta Cego Aderaldo é manter viva a chama da cultura popular, a poesia de cordel, a cultura de viola, a exibição de cinema nas comunidades mais longínquas do sertão, o poeta nos faz enxergar a vida com muita arte. Sua memória está sendo comemorada a partir da Casa de Saberes Cego Aderaldo, equipamento de cultura do governo do Estado, gerido pelo o Instituto Dragão do Mar que leva o seu nome, os seus saberes e encanta os sertões com seu legado. A programação faz o encontro dos múltiplos saberes do poeta, que envolve música, poesia, cinema e a presença de Mestres e Mestras da Cultura do Estado do Ceará.

Aderaldo Ferreira de Araújo, conhecido como Cego Aderaldo, foi um poeta popular, nascido em 24 de junho de 1878, na cidade de Crato. Ainda criança, mudou-se para Quixadá, fugindo de uma grande seca.

A HISTÓRIA: Aderaldo Ferreira de Araújo, conhecido como Cego Aderaldo, foi um poeta popular que se transformou numa das maiores expressões culturais do Nordeste. Nasceu em 24 de junho de 1878, na cidade de Crato, mas veio para Quixadá ainda criança, com a família, fugindo de uma grande seca. 

Aos 18 anos de idade, trabalhava alimentando uma fornalha em uma fábrica de algodão do proprietário Daniel de Moura, em Quixadá, quando sofreu um acidente que o fez perder a visão. É esse fato marcante que o faz poeta e cantador. “Três Lágrimas” é o título de uma das canções mais marcantes de sua carreira: a primeira lágrima foi a morte do pai, a segunda aconteceu com a morte da mãe, e a terceira e última foi quando ele perdeu a visão e o grande amor da sua vida, Angelina Coelho de Moraes. 

Cego e sozinho, Aderaldo decide ganhar o mundo e refazer a sua vida, através das cantorias. Nunca se casou, mas, durante as suas longas viagens pelos sertões, chegou a adotar 26 filhos, criando e educando todos eles. Foram mais de 70 anos dedicados à poesia e à cantoria nordestina. Formou uma orquestra com os filhos, modernizou a cantoria, introduziu o cinema no sertão e foi também comerciante, atravessando sertões e florestas, indo até a Amazônia. 

Cego Aderaldo Construiu um legado coletivo de artes e saberes e suas contribuições são tesouros das artes populares ainda hoje. Foi Cego Aderaldo quem tirou o baião da viola, orquestrando-o e influenciando grandes artistas como Luiz Gonzaga. Na sua longa e aventurosa vida, conheceu grandes personalidades, entre elas, Padre Cícero, Rachel de Queiroz e Lampião, com as quais compartilhou a sua arte e o seu encantamento. 

Vencendo todos os obstáculos e desafios, Cego Aderaldo tornou-se um exemplo de talento, coragem e superação. De tão grande, fez-se um mito do sertão e um tesouro cultural do povo brasileiro. Cercado dos filhos, parentes, amigos e admiradores, morreu no dia 29 de junho de 1967, em Fortaleza.

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LIVRO PELAS RUAS QUE ANDEI REÚNE VIDA E OBRA DO CANTOR E COMPOSITOR ALCEU VALENÇA

“Ele jamais abriu mão da própria identidade durante toda a carreira”. A avaliação é a do jornalista carioca Julio Moura, autor do livro Pelas ruas que andei - Uma biografia de Alceu Valença (Cepe Editora), de 562 páginas. A obra sobre o artista de múltiplas influências será lançada nesta terça-feira (27), às 19h, no Paço do Frevo, no Recife.  

O evento terá a presença do biógrafo e do biografado, com acesso livre. Alceu, que vai completar 77 anos de idade na semana que vem (dia 1º), tem carreira marcada pela resistência e manutenção das raízes nordestinas. Ele é aclamado em todo o país e internacionalmente.

 A missão de contar uma história de vida e de mais de 50 anos de carreira ficou para o jornalista, que é assessor de imprensa do artista desde 2009. “Posso dizer que, desde então, penso em fazer a biografia sobre ele”, confessa Julio. 

Ele garante que Alceu deixou o escritor à vontade para fazer um mergulho independente e distanciado. “Não pediu para ler nada antes”, disse o escritor em entrevista à Agência Brasil. 

Julio explica que queria evitar um “livro de memórias”. Por isso, tinha certeza de que precisaria de certo afastamento em prol da qualidade do livro.  Foram dois anos de escrita, principalmente durante a pandemia. 

A investigação da história de Alceu foi antes de escrever e ganhou fôlego pelas conversas frequentes, pelas viagens a São Bento do Una (PE), cidade em que o artista nasceu, e para Garanhuns (PE) e Recife para traçar o complexo mosaico de influências musicais e de vida. 

“Eu tive impressões confirmadas. Ele sempre teve uma obstinação e determinação muito grandes. Por exemplo, ele participou de festivais de música importantes e não ganhou. Mas não desistiu”, revela o escritor.

Outra face menos comentada do artista e que, segundo Júlio, ilustra a obstinação de Alceu, foi a realização do filme A luneta do tempo. “Foi um filme que Alceu escreveu durante 10 anos e filmou no agreste de Pernambuco por três anos. Uma história do circo e cangaço e eu participei intensivamente”, recorda.

Julio testemunha que Alceu não para nunca. “Ele é muito intenso”, diz. Como um carnaval permanente. Influenciado pelas raízes do violeiro, da banda de pífano, do caboclinho, do baião, do frevo no Recife, do maracatu. “Ele é um dos artistas que melhor representa essa diversidade que o Nordeste tem”, acredita o biógrafo. Ele diz, ainda, que faltam biografias sobre artistas nordestinos da geração de Valença.

O saber de Alceu gera efeitos artísticos em diferentes campos. “A música Anunciação, por exemplo, é ouvida e cantada desde 1983 (há 40 anos)”. Foi cantada em momentos marcantes, como do pedido pelas Diretas Já, a partir de 1984, em que o artista se engajou. A música virou também um hino informal das jogadoras da Seleção Brasileira Feminina de Futebol, que vai disputar a Copa do Mundo.

Não são apenas pelos meios tradicionais que Alceu consegue repercussão. O escritor verificou que a internet auxiliou a garantir visibilidade para a obra do  compositor. “A música La belle de jour tem mais de 140 milhões de visualizações no Youtube. É impressionante. Não encontramos isso nem no Paul McCartney, ou Freddie Mercury, ou Stevie Wonder”, observa.

Pelas ruas que andei, nome da canção que é o título do livro, é para Júlio a música mais marcante. Funciona como metáfora de toda a caminhada do artista no Nordeste e depois no Rio de Janeiro. 

Para Alceu Valença, Julio Moura era a pessoa mais indicada para escrever a biografia. O artista garante que deixou o escritor e amigo muito à vontade para poder fazer o livro. 

“Mesmo porque era a pessoa mesmo mais indicada para isso. Há muito tempo em que ele trabalha com a gente, que viaja comigo e conheceu tudo o que aconteceu na minha vida”, afirmou Alceu em entrevista à Agência Brasil. “Ele conheceu a casa onde eu morei, parentes meus. Ele conheceu a feira de São Bento do Uma, que serviu de base para a minha música, do xote, do xaxado, do baião”.

Alceu destaca que Julio esmiuçou as influências das outras cidades brasileiras em que ele viveu, como Garanhuns, Recife, Olinda e Rio de Janeiro.

O cantor destaca que a biografia revela formação prioritária dele, que é de São Bento do Una e da Fazenda Riachão, onde nasceu. “A cultura do sertão profundo é a cultura que inspirou e fez com que existisse o Gonzagão. Eu sou da mesma cultura influenciado também por Gonzagão”,  opina. 

No Recife, Alceu viveu na rua dos Palmares, um verdadeiro caldeirão cultural de influências para ele. Moravam lá o compositor Carlos Pena Filho e o grande Nelson Ferreira (o maestro e compositor de frevo). “Por lá, passavam os maracatus de origem africana. E os blocos indígenas, os caboclinhos. O frevo de bloco, o frevo de rua, o frevo canção”. 

Alceu Valença destaca que o escritor conheceu todos os amigos dele de Olinda. “Ele tem uma memória incrível. Cada vez que eu passava por Olinda, eu ia me lembrando de alguma coisa. E ele cuidou para estar tudo ali no livro”, observa.

Além do lançamento desta terça-feira, estão programados outros dois lançamentos, um no Rio de Janeiro (Livraria Travessa do Shopping Leblon), no dia 25 de julho, e em São Paulo (Itaú Cultural) no dia 27 do mês que vem. 

A obra tem versões impressa, digital e audiolivro (disponível em audiolivro.art.br), adaptado como condições de acessibilidade e recursos extras para os fãs do formato. 

Serviço-Lançamento do livro Pelas ruas que andei - Uma biografia de Alceu Valença (Cepe Editora)

Preço: R$ 70 (livro impresso); R$ 35 (e-book); 49,90 (compra do audiolivro); R$ 20 (assinatura do audiolivro)

Recife-Quando: 27 de junho

Onde: Paço do Frevo (Praça do Arsenal da Marinha, s/n, Recife)

Horário: 19h Acesso gratuito

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IFSERTÃO/PE LANÇA EDITAL PARA O FESTIVAL DE ARTE, CULTURA E TURISMO. LUIZ GONZAGA SERÁ HOMENAGEADO

O Instituto Federal do Sertão Pernambucano (IFSertãoPE) anunciou, nesta quinta-feira (22), o lançamento do edital n.º 50/2023, destinado à seleção de atividades a serem desenvolvidas durante o Festival de Arte, Cultura e Turismo. Com o tema “Lazer, cultura e turismo: construções histórico-sociais no contexto do sertão pernambucano”, o evento é uma iniciativa Pró-Reitoria de Extensão e Cultura (Proext) e será realizado nos dias 1 e 2 de dezembro de 2023, no município de Petrolina (PE). Nesta primeira edição do festival, será homenageado o músico pernambucano Luiz Gonzaga.

Para além da realização de um concurso artístico-cultural, organizado em sete categorias (música, artes visuais, artes cênicas, dança, cordel, gastronomia e criação de sorvetes), o edital pretende selecionar até 20 expositores para participação na feira de artesanato e produtos regionais, bem como propostas de cursos, oficinas e palestras, que integrarão a programação científica do festival. O evento contará, ainda, com uma mostra das Regiões Turísticas do Sertão de Pernambuco, que será organizada pelos coordenadores de Extensão do IFSertãoPE.

O festival é aberto à participação das comunidades interna – estudantes, servidores e profissionais contratados do IFSertãoPE – e externa, que poderão participar como ouvintes ou submeter suas propostas de atividades no período de 24 de junho a 24 de agosto de 2023. Para se inscrever, os interessados deverão preencher o formulário eletrônico e anexar a documentação necessária, conforme instruções do item 8.

Todas as informações sobre o Festival de Arte, Cultura e Turismo do IFSertãoPE, como atividades previstas e formas de participação no evento, estão disponíveis no edital n.º 50/2023, acessível nesta página.

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AUDIÊNCIA PÚBLICA DEBATE PROPOSTA DA PREFEITURA JUAZEIRO REDUZIR TAMANHO DA ÁREA PRESERVAÇÃO PERMANENTE DO RIO SÃO FRANCISCO

Movimentos sociais estão anunciando no próximo dia 28 no auditório da Univasf – Universidade Federal do Vale do São Francisco a audiência pública que vai discutir o projeto de Lei (PL), que prevê a redução do tamanho da Área de Preservação Permanente (APP) do Rio São Francisco nas áreas urbanas de Juazeiro.

Segundo o Coletivo Enxame a proposta versa sobre regulamentação de medida de 100 ou até 15 metros de margem do rio no trecho que vai desde a comunidade Quilombola de Barrinha da Conceição até a região da antiga Fazenda Mariad.

O ponto central da discussão é que, ao tempo em que o PL fala de proteger as margens – que em muitos trechos já não possui 100 metros preservados - prevê também construções e empreendimentos nessa área, os quais podem ser licenciados pela gestão municipal.

A população tem avaliado que se trata de interesses econômicos a partir da especulação imobiliária. Ou seja, em vez de reparar o erro histórico de construir condomínios e privatizar as margens dos rios, Juazeiro quer regulamentar esse crime ambiental em lei.

“Você quer mais condomínios em Juazeiro no lugar da mata ciliar do Rio São Francisco? A prefeitura quer favorecer a especulação imobiliária e para isso planeja aprovar um Projeto de Lei para reduzir a APP de 500 para 100 metros. Convidamos a população de Juazeiro a debater este assunto em audiência popular dia 28. Compareça! Divulgue e ajude a chamar mais gente!” revela a convocação dos movimentos sociais.

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