DONA TEREZINHA E O INÍCIO DA PASSAGEM PARA O PLANO ESPIRITUAL

A cidade onde nasci, Areia, na Paraíba do Norte, é território de mulheres fortes. Nas pontas de rua, como é chamada a periferia e seus arredores, mulheres valentes criaram seus filhos e filhas, seus netos e netas, seus agregados e agregadas, amigos e parentes. 

A vida, em um tempo não muito longe, nem estranho, era a vida em comunidade. As mães teciam uma rede de apoio e solidariedade tão bem nutrida que cada uma sabia das carências das outras, dos intermináveis problemas de uma vida de necessidades.

Quando minha mãe chegou na Rua do Bode, me carregando a tiracolo, encontrou guarida no seio daquela comunidade.  Crescemos como todas as crianças dali cresciam: abrigados e cuidados por dezenas de mães solidárias. Dona Terezinha morava um pouco mais abaixo de nossa casa na ladeira do bode. Ela e Seu Tião eram moradores mais antigos e referência de sensibilidade e gentileza. Abriam as portas de sua casa nós. Nos tratavam como tratavam seus filhos. Repartiam sua comida conosco, no trato de nos preparar para a vida.

Hoje, Dona Terezinha iniciou sua passagem para o plano celestial. Levou consigo as alegrias de uma vida dedicada ao próximo. Guardou consigo todas as dores que uma mãe pode esconder dentro do seu coração. Alguns de seus amores foram arrancados de si sem pena nem permissão. Seus olhos choraram de dor, sua alma, firme e serena, avançou sobre os vales sombrios. Dona Terezinha sustentou as intempéries. Dona Terezinha não abandonou o posto. Dona Terezinha fortaleceu seu abraço.

Estou vivo, e já disse tantas vezes, por conta de sua percepção. Ela sabia que, no mais longe tempo de minha infância, eu estava com fome. E me acolheu com comida repartida do prato de seus filhos. Comemos no mesmo prato até. Lambemos os dedos. Sobrevivemos, homens e mulheres donos de nosso presente.

 Choro por vê-la ali, como se dormisse. Me alegro por ter recebido o abraço mais apertado, o afago mais longo, a palavra mais fértil, o olhar mais amável. Junto com seus filhos e filhas e netos e netas, agradecemos tão profícuo coração. Dona Terezinha é daquelas que não precisam pedir licença para entrar no céu. Tem parte com a Divindade.

Texto: professor mestre doutor Aderaldo Luciano

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