O SENHOR DE ESCRAVOS EM NÓS: O VINHO AMARGO DA HISTÓRIA PÁTRIA

Há um senhor de escravos habitando a subjetividade de muitos brasileiros. Há um desejo de escravização do outro, do considerado inferior, transmitido pela educação de gerações, no país que foi o último a abolir o vergonhoso comércio de carne humana, cujas elites intelectuais produziram uma visão idealizada e adocicada do martírio cotidiano de milhões de homens e mulheres pretos. 

Habita nosso inconsciente coletivo a fantasia senhorial do poder desabrido e sem peias sobre o corpo do outro, a vontade de servidão e de serviço sem limites daqueles considerados diferentes, fracos, subumanos. 

Uma boa parcela dos brasileiros que se consideram brancos e, por isso, superiores, acalentam sonhos, muitas vezes não explicitados, de ter a sua disposição um outro em quem possa descarregar suas frustrações, seus ressentimentos, suas raivas, seus ódios. Alguém de pele escura, de pele parda a sua disposição para descarregar as suas pulsões de morte, a sua agressividade, os seus desejos destrutivos.

Quando Gilberto Freyre, um dos intelectuais que edulcoraram a escravidão e que tinha por ela uma indisfarçável nostalgia, utiliza o par de categorias psicanalíticas sadismo e masoquismo para pensar as relações entre senhores e escravizados, ele acerta, por um lado, ao descrever o desejo sádico dos senhores e senhoras, que gozavam infligindo humilhação, dor e sofrimento públicos a seus escravizados e erra ao atribuir a eles o desejo masoquista, como se eles se submetessem a sevícia dos senhores e senhoras de forma voluntaria e disso retirassem prazer. 

DURVAL MUNIZ DE ALBUQUERQUE JR Professor da UFPE e UFRN. Autor do livro “A Invenção do Nordeste”. Análises históricas e questões regionais. Escreve às terças no Diário do Nordeste

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