A Flor do Mocambo: Apolonio Cardoso espreme as últimas gotas de emoção do coração de poeta

A Flor do Mocambo é uma das mais belas canções do nosso cancioneiro caboclo. Originalmente composta por Apolônio Cardoso, morto em 2014, teve várias interpretações entre os cantadores. Apolônio foi o mestre das canções, ensinou-nos a poética mais delicada, mais ligada à alma. Parece-me que, ao compor a canção, estava espremendo as últimas gotas de emoção do seu coração de poeta.

Foi no programa Retalhos do Sertão, Rádio Borborema de Campina Grande, Paraíba,  que conheci Apolônio, primeiro a voz, depois o homem. Naquele dia, quando se falava no primeiro Congresso de Violeiros de Campina Grande, eu tinha apenas 10 anos e poder ver e ouvir o poeta foi como ganhar o mais desejado presente. Foi meu irmão Cacuruta quem me levou. Ele trabalhava como marceneiro numa serraria local e chamou-me para passar um dia conhecendo o trabalho, para ver se me conseguia uma chance de ajudante. Naquele tempo, para uma criança, trabalhar era a honra suprema.

Meu tio João era embolador de coco, mas cantava apenas nas festas de casa. Falava-me muito de um tio que nunca conheci que era repentista em Juazeiro do Norte, Ceará. Minha mãe tinha o cordel dentro de si, cantava as histórias que me fizeram pessoa. Esses encontros com a poética tradicional criaram em mim a superação. Quando sintonizei a Rádio Borborema pela primeira vez, foi nesse programa Retalhos do Sertão. A voz inconfundível dos cantadores abrilhantou meus dias.

Quatro canções foram muito importantes em minha vida. Abriram o horizonte para as belezas da arte da terra: O Velhinho do Roçado, Serenata na Montanha, Uirapuru da Saudade e A Flor do Mocambo. Todavia foi a Flor quem primeiro ouvi, a que primeiro mexeu com meus centros emocionais, que me fez, criança, chorar sem saber porque.

A canção conseguira transpor sua metáfora sonora, transformando-se em elemento etéreo, monumento indecifrável de emoções. Obrigado ao poeta Apolônio Cardoso, a quem todos as saudações são poucas.

Fonte: Aderaldo Luciano-escritor-professor mestre e doutor em Ciencia da Literatura
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