Repentistas e violeiros do Sertão do Pajeú estrelam quatro documentários inéditos

Há uma explicação lógica, baseada na antropologia, sociologia e na história, para a profusão de repentistas, cantadores e violeiros no Sertão do Pajeú. Segundo a crença de muitos moradores da região, no entanto, o fato de aquele ser um celeiro de poetas extraordinários, competentes tanto na escrita quanto nos versos improvisados, é uma espécie de bênção ou magia transcendental.

Difícil não concordar com ambas as versões para o mesmo fenômeno social. “Meca” dessas manifestações culturais, o município de São José do Egito impressiona pela maneira como a poesia está entranhada no cotidiano de pessoas de todas as idades. Tal qual pagadores de promessas, cineastas nordestinos têm dado atenção especial a esse universo, ao direcionar as lentes para o Pajeú, cuja vocação poética estará presente em quatro documentários de uma nova safra de filmes.

O primeiro deles a ganhar as telas será Bom dia, poeta!, dirigido por Alexandre Alencar e centrado na figura de Lourival Batista, ou Louro do Pajeú, um dos maiores expoentes da tradição repentista. O filme cumprirá o circuito de festivais cinematográficos e será negociado para veiculação em canais da tevê paga e talvez disponibilizado na internet.

Com 52 minutos, o filme é entremeado por declamações, cantorias e depoimentos de poetas de várias gerações. Ponto alto é a participação do escritor e dramaturgo Ariano Suassuna, falecido em 2014. Apontado como um grande incentivador da arte dos repentistas, ele próprio relembra episódio ocorrido quando tinha 20 anos e era estudante de direito. Durante as férias da universidade, Ariano foi visitar um primo no sertão do Ceará e teve a chance de ver apresentações de Dimas Batista, outro artista popular bastante lembrado. “Fiquei boquiaberto, encantado”, exclama.

Conforme explica Alexandre Alencar, o filme foi feito com o cuidado de não lançar sobre os poetas um olhar paternalista, como se fosse algo inusitado, curioso. A figura de Louro foi escolhida como fio condutor, segundo o cineasta, não somente por se tratar de um expoente, mas por traduzir um modo de vida. “Representa a essência daquela região, a opção de largar tudo para ser poeta, cantador. Na época em que ele fez isso, principalmente, a decisão gerava uma série de consequências, inclusive financeiras. Louro viveu da poesia, da viola, e o estilo de vida dele era centrado nisso”.

De tão emblemático para a arte da cantoria, Lourival Batista vai dar nome a um festival de cinema voltado para temáticas poéticas, atualmente em fase de planejamento. O Cine Louro será realizado anualmente, no Sertão do Pajeú, e fomentar tanto a produção quanto a exibição de filmes sobre diferentes manifestações da poesia.

Para o escritor e pesquisador Bráulio Tavares, a despeito da profusão de filmes sobre cantorias, o poeta Ivanildo Vila Nova está correto quando aponta uma proporção estável entre a o público da cantoria e o total da população. “Esse público não se expande, mas é fiel e se renova, passa de pai para filho. Crianças acompanham e aprendem poesias desde cedo, leem folhetos de cordel, assistem a cantorias desde muito cedo. Quem gosta, tem isso como uma das coisas mais importantes da vida”, comenta Bráulio, co-roteirista de Bom dia, poeta!

O silêncio da noite é que tem sido testemunha das minhas amarguras
O longo título do filme dirigido pelo cineasta Petrônio é a apropriação de um mote (estrofe utilizada como ponto de partida para um repente). Em produção desde 2010, o longa-metragem será inspirado na figura da poetisa Severina Branca, lembrada por criar motes considerados inteligentes e fazer a cabeça de vários cantadores das décadas de 1950 e 1960. A partir dela, o diretor amplia a temática. “O poeta que eu busco é a lembrança dos poetas antigos que se dedicavam 24 horas por dia à poesia. Esse tipo de poeta ainda estão por aí, e sempre reverenciam os mais antigos”. A obra deve ser finalizada em junho e estrear no segundo semestre de 2017.

Saudade
Projeto audiovisual liderado por Paulo Caldas, já acumula mais de 70 horas de depoimentos sobre o sentimento de saudade. Quando concluído, vai dar origem a duas obras, um longa de 90 minutos e uma série de TV de oito episódios, cada um com uma hora. Com filmagens em diversos países, o projeto foi buscar o olhar de São José do Egito sobre o tema. “Lá, a poesia se utiliza muito da palavra saudade. Um dos desafios é justamente encontrar maneiras de descrever a saudade de um jeito diferente das maneiras que já foram usadas. Os cantadores fazem isso com profundidade”, diz o diretor. A série e o longa devem ser concluídos no fim deste ano.

Ouro velho
Com direção de Lírio Ferreira e Cláudio Assis, o filme é “ciceroneado” pelo cantor  Lira (Lirinha), natural de Arcoverde. No longa, em fase de montagem, é feito uma espécie de mapeamento dos poetas do Pajeú. “O desejo foi depois que fui convidado pelos idealizadores do Cais do Sertão para fazer o curta 4 kordel. Teve a participação de Lirinha e a produção de Cláudio. Quando a gente viu a pesquisa, percebeu que era uma coisa muito rica. Pensamos em fazer uma minissérie, mas quando vi, estávamos fazendo um filme”. Ainda em fase de filmagens, o longa deve ser finalizado até o final do ano, e exibido em 2017.

Fonte: Instituro Lourival Batista/Felipe Torres/Diário Pernambuco
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