CANUDOS: 120 ANOS DO FIM DO MASSACRE

Na próxima quinta-feira (23), no plenário da Assembleia Legislativa da Bahia, às 14h, a Sessão Especial que recorda os 120 anos do fim da Guerra de Canudos. A cerimônia foi proposta pelos deputados estaduais Rosemberg Pinto e Fátima Nunes, ambos do PT.

A Guerra de Canudos é tido como um dos mais importantes vultos da história do Brasil e ocorreu no interior da Bahia entre os anos de 1896 e 1897.

“É uma iniciativa legítima. Canudos representa a luta do povo baiano por dias melhores, ao contrário do que se possa definir como guerra, entendemos que ali aconteceu um massacre”, afirmou Rosemberg.

Canudos, no sertão baiano, localizado a cerca de 400 km de Salvador, originou de uma pequena aldeia durante o século 18, às margens do rio Vaza-Barris, mas só cresceu após a chegada do beato Antônio Conselheiro, no ano de 1893. Em pouco tempo, a localidade, que passou a receber desabrigados do sertão e vítimas da seca contava com uma população de cerca de 25 mil habitantes.

Antônio Vicente Mendes Maciel ou Antônio Conselheiro foi um líder religioso e social, nasceu em 13 de março de 1830 na cidade de Quixeramobim, no Ceará, e morreu em 22 de setembro de 1897, em Canudos, considerado como um revolucionário, agitador pelas autoridades locais.

Sob a liderança de Conselheiro, Canudos passou a incomodar as autoridades religiosas e políticas da região. Em novembro de 1896, uma tropa de soldados da polícia baiana atacou os seguidores do beato, mas acabaram derrotados. A guerra chega ao fim quando 12 mil soldados de 17 regiões do Brasil realizam o que é considerado por muitos como o maior massacre em território nacional, provocando a morte de pelo menos 25 mil pessoas e destruindo mais de 5 mil casebres a fogo. 

O corpo de Antônio Conselheiro foi exumado e teve sua cabeça decapitada para estudos, mas acabou queimada em um incêndio na antiga Faculdade de Medicina, no Terreiro de Jesus, em Salvador, onde estava preservada.

Ainda em homenagem ao acontecimento, os parlamentares indicaram ao governador Rui Costa (PT) que a Estação do Metrô de Lauro de Freitas, prevista para ser inaugurada em março do próximo ano, seja batizada como Estação Antônio Conselheiro.
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JOQUINHA GONZAGA E TARGINO GONDIM PARTICIPAM DO FÓRUM NACIONAL DOS FORROZEIROS EM JOAO PESSOA, PARAÍBA

A possibilidade da cultura do forró ser reconhecida como patrimônio imaterial brasileiro é tema de debate na audiência pública da Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo (CDR) nesta segunda-feira (20), em João Pessoa, na Paraíba. 

A audiência acontece na Sala de Concerto Maestro José Siqueira do Espaço Cultural José Lins do Rego. A abertura solene da programação do Encontro Nacional de Forrozeiros será às 20hs e vai até o dia 22. O secretário de Estado da Cultura da Paraíba, Lau Siqueira, ressaltA que “preservar as matrizes do forró é importante para que a gente não se distancie da identidade cultural nordestina”.

O Fórum Nacional de Forró de Raiz é o resultado de uma articulação entre profissionais envolvidos com a cadeira produtiva do forró, pesquisadores e agentes culturais, que desde 2011 discutem formas de preservação das matrizes do forró, bem como o registro do ritmo musical enquanto patrimônio cultural imaterial do Brasil.

O evento faz parte da programação do Encontro Nacional de Forrozeiros, que acontecerá entre os dias 20 e 22 de novembro na capital paraibana. O forum reúne artistas, gestores culturais, pesquisadores e autoridades políticas de vários estados do Nordeste, bem como Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal.

A ideia é elaborar uma Carta de Diretrizes voltada para o planejamento da instrução técnica de registro que será enviada ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Segundo a coordenadora do Fórum, Joana Alves da Silva, artistas como Targino Gondim, Joquinha Gonzaga, Alcymar Monteiro, Santanna, Nando Cordel, Genival Lacerda, Cezzinha, Chambinho do Acordeon, entre outros, já confirmaram a participação no evento.
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DONA FLOR 2017: O RISO COMO UMA ARMA CRUEL. E O CINEMA QUE DELEITA, MASSIFICA E ALIENA

*Texto: Professora doutora-Clarissa Loureiro

A problemática da tradução semiótica é um dos temas mais instigantes quando se pensa a relação entre literatura e cinema. Até onde um roteiro cinematográfico silencia romances ou reiventa-os? Isso depende de como os fatores produção, direção e encenação são usados nos filmes. O certo é que é sempre um recorte que, por si só, é uma transcrição de linguagens. 

No filme " Dona flor" de 2017, a problemática do luto feminino e a crise de ser mulher constantes no romance são substituídos pelo humor da circunstância de uma mulher conciliar duas realidades inconciliáveis para as esposas criadas numa comovisão patriarcal: o prazer sexual fornecido pelo marido morto e os cuidados cotidianos recebidos pelo marido vivo. O foco é se brincar com circunstâncias de convivência numa mesma casa de dois homens que não podiam conviver segundo os padrões católicos, já que o corpo de uma mulher honrada só podia ser de um único marido. 

Mas se o defunto veio antes, quem trai ou traiu quem? O certo é que o filme desmistifica o próprio conceito de traição feminina. Dona Flor se trai quando aceita ser agredida pelas traições do primeiro marido, suas ausências em casa, suas agressões. Dona Flor se trai quando aceita a relação sexual mecânica do segundo marido, onde o gozo dele é estipulado em dias e horários certos. Por que aceita se trair? Porque é criada para isso: ser mulher de alguém. E quando concilia os dois na mesma cama não foge à esse parâmetro. 

Todavia é a esposa que serve a si mesma. A imagem clássica de Vadinho apertando as suas nádegas nu, enquanto Teodoro a segura pelos braços expressa bem isso: tenho a estabilidade e tenho o prazer. O único erro é que no filme essa balança não é igualitária. A repetição constante do trecho musical: " estou com saudade de tu meu desejo. Estou com saudade do beijo e do mel" exalta a saudade do corpo nu de Vadinho em oposição ao corpo de pijama e educado de Teodoro, o qual pouco se sabe, pouco se envolve. E quando é apresentado é com o humor próprio de Leandro Hassan, desvendando o ridículo que há em se ser politicamente correto demais. 

Celebra-se então a picardia do malandro que pouco cuida, que pouco nos olha, além do atrativo de nossas ancas e seios: " eu vou comer a sua bucetinha e você vai me dar", Vadinho repete diante de uma Flor que parece não resistir ao desejo de ceder ao desejo do outro, tornando-lhe objeto de toda as posições sexuais possíveis. Mas a pergunta que fica: será que " dá" sem ser vista ou existida no outro, por si só, não é um estupro de si mesma? 

A conciliação resolvida por Flor é uma falácia cruel pois fragmenta o sentimento feminino, masculinizando-a. No final, ela se espelha no Vadinho para ser feliz. " minha filha, tenha os dois". Sabemos que não não podemos nem nos ter a nós mesmos. E Flor segue em 2017 ensinando subterfúgios equivocados para as mulheres descobrirem seus corpos, usando o riso como uma arma cruel. E o cinema deleita, massifica, aliena.
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MARÇO DE 2018: 100 ANOS DO PAI DO CORDEL, LEANDRO GOMES DE BARROS

No dia 4 de março de 2018, o calendário nos contará dos 100 anos de morte do Pai do Cordel Brasileiro, considerado o "primeiro sem segundo". Seu nome é Leandro Gomes de Barros, paraibano, nascido no sertão, na cidade de Pombal, no sítio Melancia. Sua passagem pela Terra se dará, como ícone da poesia brasileira, na cidade do Recife e seu embarque para o rio da eternidade acontecerá nesse mesmo torrão.

Não nos resta dúvidas desse feito leandrino. Porque o cordel não é apenas uma forma fixa da poesia universal, além da única forma poética genuinamente brasileira. O cordel é também um sistema literário, na concepção de Antonio Candido, nosso crítico e teórico da literatura mais respeitado, aquele que nos apresenta a literatura como um direito essencial da humanidade.

É esse sistema que nos mostrará a verdadeira face do criador do cordel brasileiro: a presença de um autor, de um editor, de um vendedor e de um leitor, visto que Leandro foi insistente nessas práticas, lendo e corrigindo seus próprios folhetos e opinando sobre outros. A codificação cordelística, a sistematização de sua produção, a observação na confecção gráfica dos folhetos, a estratégia de vendas e a atuação social como principal poeta de bancada de sua geração, transformaram-no, nos tempos em que não se chamava o cordel de cordel, em personificação da própria poesia do povo.

Leandro dialoga em sua importância com os fundadores da poesia nacional: conversa com os cronistas, quando se lança sobre as delícias e mazelas da terra; afina-se com Gregório de Matos em sua crítica de costumes e pena ferina na descrição da cidade do Recife; conluia-se com Gonçalves Dias, ao buscar liricamente a descrição telúrica de sua gente; abraça-se a Castro Alves na forma e na técnica; envereda por elementos dos estilos de época de nossa literatura.

Leandro desenvolveu o cordel brasileiro quando as correntes literárias nacionais eram regidas pelas diretrizes do Realismo, do Naturalismo e do Parnasianismo. E deles herdará vários elementos constitutivos. Do Realismo abraçará os temas e a reflexão sobre as turbulências sociais, as denúncias, os costumes, a notícia, as paródias, todos os embates entre as classes. Do Naturalismo trará o debate das ideias, a discussão entre personagens que simbolizam o aparecimento das novas tendências nacionais (temas religiosos, discussões esotéricas, observação cotidiana pautada pelo debate e pelas pelejas, sinais do fim do mundo, profecias).

O cordel leandrino, como a literatura brasileira da época, ambientará suas histórias sobre o tema regional, sobre a terra, sobre o sertão e seus viventes, mas também sobre a transição de uma vida rural para um tempo de fundação da urbanidade. Nota-se, nele, o aparecimento dos romances, mas também o vasto material de crítica aos costumes. 

O Parnasianismo ofertará ao cordel de Leandro sua forma fixa, a observação do verso de métrica perfeita, mas o poeta, o gênio, optará pelo verso de sete sílabas, o verso do povo, o verso da respiração.

O chamamento é para que não se deixe apagar, nem sofregar, a chama cordelística. Para que a unidade seja regida para o fortalecimento da causa, mesmo com as diferenças latentes no corpo. As vaidades serão virtudes quando servirem para melhorar as obras e serão venenosas quando ferramentas para a própria destruição do cordel. O debate é e será sempre uma pauta. O deboche será sempre uma fenda. Como se disse há anos: poetas cordelísticos de todo o Brasil a hora é agora. Uni-vos!
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ALAN CLEBER: O INTÉRPRETE E A GRANDEZA DE MOSTRAR A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA BREGA NA HISTÓRIA DA CULTURA

Nascido em Juazeiro, Bahia, no dia 03 de fevereiro. Não é por acaso que Alan Cleber traz a energia musical no corpo e na alma.  Alan conta que o impulso da carreira artística começou no teatro, na época dos grandes festivais de Juazeiro. "No primeiro festival Edésio Santos da Canção eu fui convidado para interpretar apenas uma música. Foi uma canção de Cássio Lucena que se chama “A travessia do Mar Vermelho”. 

Ali, ele ganhou o primeiro lugar de melhor intérprete. E interpretar é uma das grandezas de Alan Cleber. No repertório Maria Bethania, Roberto Carlos, Ney Matogrosso...do forró ao tropicalismo, do frevo ao maracatu. É Alan Cleber um vendaval, no melhor sentido de inventar o ritmo da vida na paz do cantar. É um rio caudaloso de talento musical e presença de palco.

Um dos shows mais expressivos de Alan  Cleber é  "Foi tudo culpa do Amor". Aliás, desde que vi este espetáculo, onde ele mostra um dos melhores lados da Música Brasileira e quebra preconceitos, lembro do jornalista e historiador Paulo Cesar de Araújo.  Paulo César é também o autor da biografia “proibida” do “Rei” Roberto Carlos – leitura obrigatória para quem conseguir encontrar algum exemplar do livro censurado. Paulo pesquisou durante sete anos a história da chamada música brega entre 1968 e 1978 – os anos de chumbo da ditadura militar no Brasil. 

O livro mostra que os cantores Odair José, Benito Di Paula, Diana Pequeno, Barto Galeno, Evaldo Braga, Fernando Mendes, Agnaldo Timóteo foram ignorados por estudos e pesquisas sobre o período e marginalizados na história cultural do país. É preciso saber: os cantores (chamados) bregas, embalavam as massas, foram quase tão vitimados pela censura quanto Chico Buarque, Caetano Veloso. Foram massacrados pela industria cultural. No livro Eu Não Sou Cachorro, Não, título extraído de um grande sucesso de Waldick Soriano, o historiador tenta fazer justiça a esses ídolos populares.

Odair José, por exemplo, teve  música proibida por ter sido lançada quando o governo fazia programas de incentivo ao controle de natalidade entre as populações pobres, apesar da posição católica contrária ao uso de anticoncepcionais. Para os censores, a canção de Odair José representava uma conclamação à desobediência civil e uma referência explícita à sexualidade.

'A maioria dos trabalhos sobre música brasileira trata da tradição, como o folclore nordestino, e da modernidade, como o tropicalismo', diz o escritor. 'O brega não é nem uma coisa, nem outra. Caiu no limbo. 'A idéia é mostrar que os bregas também tiveram importância na história de nossa cultura'.

Então tenho dito: viva a Alan Cleber...Tudo foi e é por culpa do amor...Viva a música brasileira!




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O RIO DAS MORTES CORRE A TRITURAR CORAÇÕES ABRAÇADO A ETERNIDADE



Dois são os rios das Mortes: um no Mato Grosso, na bacia do Araguaia, outro em Minas Gerais, na bacia do Rio Grande. A foto é do primeiro e ilustra meu sentimento diante da própria Morte, o extenso e ancestral rio no qual a Vida deságua, o verdadeiro Rio das Mortes. A última semana de outubro e a primeira de novembro carreou para mim a viagem derradeira de três chegados.

Um dia depois do lançamento do meu livro, na cidade onde nasci, Areia, na Paraíba do Norte, quando eu já estava me preparando para dormir, hospedado na casa de meu dileto Beto Brito, soube da partida repentina, e pelas próprias mãos, de um amigo, jovem e novo, vida e olhar para a frente, vencido por forças interiores tão estranhas quanto avassaladoras. Partiu, mas nos legou a memória e a continuidade em dois rebentos com nomes de santo.

O triturador de corações, a assombrosa lâmina, o intangível manto do que se resolveu chamar Depressão, em todas as suas formas e roupas cênicas, atua silenciosamente, em alguns casos, noutros se pronuncia com protuberantes intervenções. Nosso amigo, rasgado o peito e as vísceras em chama, repousa no éter, abraçado à eternidade. Será presença viva em nossos penhorados corações. Nos tatuou a existência. Estamos marcados.

Logo depois, assim como quem vai ali na padaria, nas terras piauienses, outro amigo, sóbrio e decidido, despido de medo e interventor, pegou o trem eterno, debilitado, com alguma idade e um filho recém nascido, saído das prensas, rodado em papel, com o nome estranho de O Terno E O Frango, memórias. Foi-se embora e deixou-me com uma resenha inacabada, uma foto que não foi enviada, um hiato robusto entre Oeiras e Rio de Janeiro.

Foi Soahd, amiga também, quem nos singrou a notícia. Egberto e Francisco devem ter tomado o susto, como eu tomei. O sorriso, as fotografias, o pensamento e a letra fizeram morada nele. Edmar foi quem nos apresentou. Cruzou o Brasil e elevou-se incógnito, perfurou o firmamento e encantou-se lá para as bandas do Sete Estrelo. E o rio continuou correndo, catando seres numa outra margem.

Domingo passado, na manhã baiana, alguém também foi-se embora. Aproveitou que Tia Florinda nos visitava e nem disse adeus. Com seus muitos mais que anos, vitimada por um AVC, evento tão presente nos brasileiros, mas tão pouco comentado, já acamada há dois anos, com os reflexos físicos em câmera mais que lenta, desfez-se das sondas, afastou os cobertores, ignorou o leito e foi encontrar Seu Flodoaldo, pai santo, postado em sua cabana do lado de lá.

A personalidade de Tia Mariinha era o próprio ferro bruto. Era sua a ordem, era sua a última palavra, era seu o desejo e era sua a vontade. Elegia e condenava, abria as portas a parentes, fechava os ouvidos aos mais próximos, presenteava e cruzava a casa do Tororó como a rainha. E foi assim que partiu: fazendo valer a própria vontade, sem negociar com o rio, domando-o ao seu querer.

O Rio das Mortes é uma paragem irremovível. Nadaremos em suas piscinas, mergulharemos, pela manhã, em águas geladas, pela tarde, em águas mornas. À noite, com estrelas ou sem a lua; na madrugada, com todo o silêncio. Procurei algum topônimo que se chamasse Rio das Vidas. Não há. Mesmo assim, estamos nele, todos nós, em suas corredeiras e quedas d'água, sendo levados, a reboque, para o Rio das Mortes. Um dia seremos saudade!

Fonte: Aderaldo Luciano
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RAQUEL DE QUEIROZ, A DAMA DO SERTÃO

Há 107 anos, no dia 17 de novembro de 1910, no antigo nº 86 da Rua Senador Pompeu, em Fortaleza, nascia Rachel de Queiroz. Descendia, pelo lado materno, da estirpe dos Alencar, parente, portanto, do ilustre autor de O Guarani, pelo lado paterno, dos Queiroz, família de raízes profundamente lançadas no Quixadá e Beberibe. Essa ancestralidade e o decisivo apoio de seus pais indiscutivelmente seriam, sem dúvida, os responsáveis pelo desabrochar de seu talento literário, ainda em tenra idade, e pelo imenso amor que nutria pelo Sertão nordestino ao longo de sua vida de escritora.

Falar de Rachel de Queiroz é falar de literatura, mas é impossível fazer qualquer referência à Grande Dama do Sertão sem mencionar sua paixão pela política. Talvez por isso, em suas crônicas, tenha se deixado arrastar pelo jornalismo, posto que sempre fez questão de se proclamar como jornalista, e não como ficcionista.

Faço aqui um parêntese para lembrar o que dizia Joaquim Nabuco no seu discurso de posse como secretário-geral da Academia Brasileira. Dizia Nabuco: “Nós não podemos matar no literato, no artista, o patriota, porque sem a pátria, sem a nação, não há escritor, e com ela há forçosamente o político”.

Admiradora de Churchill – “o homem que encheu o século”, como o qualifica em O caçador de tatu, e a quem considerava um profundo conhecedor da natureza humana –, dizia que o grande político é “o homem de ação, que sabe fazer valer as ideias inovadoras e consolidar valores culturais e melhorias sociais significativas para o seu povo”.

Antigetulista convicta, Rachel ingressou no Partido Comunista Brasileiro, o então PCB, em 1931, de onde saiu pouco tempo depois, por não permitir que a ideologia política interferisse em sua liberdade como escritora. Em 1932, havia escrito João Miguel e submetido o romance à aprovação da hierarquia partidária. Para tal, Rachel teria de mudar o destino de 30 personagens, fazendo o operário matar o coronel e a mocinha se prostituir, o que ela, terminantemente, recusou-se a fazer. Por isso, deixou o partido.

Embora fosse prima do presidente Castello Branco, com quem tinha ótimo relacionamento, e mantivesse contato com diversas personalidades políticas, entre as quais se incluem os presidentes José Sarney, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, o máximo a que se permitiu foi aceitar um cargo no Conselho Federal de Cultura, órgão que integrou desde sua fundação, nos idos de 1967, até sua extinção, em 1989. Participou também Rachel de Queiroz da 21ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, em 1966, na condição de delegada do Brasil.

O presidente Jânio Quadros chegou a convidá-la para ser ministra da Educação, ao que respondeu: “Presidente, colaboro no que for preciso, mas sem cargo oficial. Não posso pôr em risco minha independência intelectual, nem nasci para viver em cortes palacianas”.

Se esses dois lados de Rachel de Queiroz – o literário e o político – são de tal forma fascinantes, a eles vem se somar o lado profundamente humano da autora de O Quinze, pedra basilar de sua literatura e de seu interesse pela política. Dizia Rachel de Queiroz: “Na realidade, o de que eu gosto é da vida e das pessoas com suas contradições, paixões e afetividades. A criatura humana me fascina muito, me fascina e também me comove. Quando escrevo, tenho o ser humano como objeto de minha narrativa. Eu tenho paixão é pelo ser humano”.

Foi a primeira mulher cearense a se candidatar ao Legislativo estadual, em 1934, herdando o pioneirismo de Bárbara de Alencar, sua quinta avó, primeira presa política do Brasil. Foi também a primeira mulher a receber o Prêmio Camões e a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras, antecipando-se à Academia Francesa, que somente quatro anos mais tarde, em 1981, escolheria Margarite Youcenar como a primeira mulher a integrar o seu panteão de imortais.

Possuía uma profunda ligação com a sua terra, sobretudo com a aridez de Quixadá, com a aridez das secas dos nordestinos que tanto conhecemos. Costumava dizer que “ser nordestino é um privilégio que eu não específico para não fazer inveja aos que não gozam dessa felicidade”.

Lutou Rachel de Queiroz com determinação, para que fosse criado o Parque Nacional dos Serrotes, do Quixadá, com o objetivo de proteger os inselbergs daquela região, onde popularmente são designados como serrotes.

Rachel fez da sua vida uma arte e transformou a arte em vida! Relembro, por isso, as palavras utilizadas por Adonias Filho no discurso com o qual recepcionou Rachel de Queiroz na Academia Brasileira de Letras: “O vosso lugar nesta casa, pois, não é apenas vosso. É também e, sobretudo, da literatura brasileira, porque ninguém a serviu melhor que vós, senhora Rachel de Queiroz, com talento e amor, respeito e dignidade”.

Fonte: Marco Maciel
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