Gitana Pimentel: uma paraibana universal

"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida". O verso é de Vinicius de Moraes e durante o Festival Internacional da Sanfona, a vida me fez encontrar a cantora Gitana Pimentel.

Gitana Pimentel é cantora e compositora. Uma conhecedora dos valores mais ricos da música mais brasileira que encontramos em Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Assisão, Os três do Nordeste.
Na conversa Gitana me trouxe as boas lembranças de Campina Grande, Paraíba e dos amigos mais caros, exemplo de dignidade na função de professor: Sebastião Andrade e Giseli Sampaio.

Natural de Patos, no Sertão paraibano, Gitana já concorreu ao prêmio Multishow, da Rede Globo, com a música 'Pra cima de mim', na categoria de melhor canção.

Gitana inquieta busca o conhecimento como forma de libertação. Comprometida com os valores mais humanos. Toca piano e violão. Canta também em espanhol e francês.

No ano de 2014 defendeu o trabalho de Conclusão do Curso de Comunicação Social: Lapada na rachada: estigmas e sexismo no forró "eletrônico". 2014. 60f. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Comunicação Social) – Universidade Estadual da Paraíba, Centro de Ciências Sociais Aplicadas.

O trabalho mostra que o forró eletrônico é um estilo musical no qual a abordagem da sexualidade é recorrente. A produção atual do gênero no Brasil acentua as referências ao sexo e destaca a vulgarização feminina como forma de reafirmar a virilidade masculina.

O trabalho abordou o quanto a influência da mídia contribui na difusão dessa música entre determinada parcela da sociedade e como a Indústria Cultural possibilita que o gênero ganhe destaque ao banalizar o exercício da sexualidade das mulheres através da mídia.

Gitana Pimentel fez uma análise de conteúdo, buscando explicar e interpretar os múltiplos sentidos latentes nas letras das canções.

Por tudo isto é Gitana Pimentel uma cantora nascida na Paraíba e com uma visão universal.

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Sivuca, tocador de sanfona. Poeta do Som

Em João Pessoa, Paraíba, assisti a última apresentação de Sivuca, Severino Dias de Oliveira. Na época Sivuca estava lutando bravamente contra um câncer. Naquela noite vi um dos mais internacionais músicos brasileiros de todos os tempos, Sivuca, o sanfoneiro albino, o gênio da Paraíba.

Noite que me marcou! Ali vi Sivuca desbravar recursos e sons inimagináveis para os acordeonistas.

Sorrindo Sivuca descreveu as características da sanfona brasileira, a de saber fazer o ritmo, a pulsação no próprio instrumento, seja tocando o choro ou o forró. O "pai" dessa escola é Luiz Gonzaga, que explorou não só o baião como o choro. A linha do choro teve outros dois instrumentistas clássicos, Chiquinho do Acordeon e Orlando Silveira. Sivuca andou pelos dois trilhos do acordeom.

Sabia todos os presentes naquela noite que ali ele estava se despedindo. Chorei...Era a hora do Adeus de Sivuca! Com a voz cansada o mestre pediu também que não deixassem o forró morrer! O público aplaudiu...Sivuca abraçou a sanfona e chorou...

Se Luiz Gonzaga redimensionou e popularizou o instrumento ao colocá-lo na condução de seu invento, o baião, Sivuca o expandiu, contribuindo significadamente para seu enriquecimento, bem como o da música brasileira em geral, com o requinte de seus arranjos a beleza de suas melodias e a versatilidade de instrumentista, transitando com desenvoltura entre o erudito e o popular, o jazz o choro e os ritmos nordestinos.

O acordeonista francês Richard Galliano, um de seus vários discípulos, comentou: "Um dia, Sivuca me disse: é uma coisa louca, parece que toda minha energia vem de Luiz Gonzaga". "É um gênio, abre os horizontes"

Severino Dias de Oliveira, Sivuca morreu aos 76 anos, em 2006. Nossa energia agora é de Luiz Gonzaga, Sivuca e Dominguinhos.

Sivuca nasceu em Itabaiana, a 80 quilômetros de João Pessoa, em 26 de maio de 1930, filho de agricultor. Os irmãos eram sapateiros. Aos nove anos conheceu a sanfona. Aos 15 anos teve as primeiras aulas de teoria musical com o clarinetista da orquestra, Lourival de Oliveira, estreou em um programa de calouros da Rádio Clube de Pernambuco, cujo responsável era o grande maestro Nelson Ferreira.

Permaneceu em Recife, em 1948 teve aulas com Guerra Peixe que o iniciou na arte da orquestração. Dois anos depois decidiu descer para o sul, convidado por Camélia Alves para tocar na Rádio Record com a grande Orquestra Record, dirigida por Gabriel Migliori.

Naquele ano, já plenamente enturmado com o grupo que criara o movimento da música nordestina ancorado no baião, gravou seu primeiro disco com Humberto Teixeira. Nele, o clássico "Adeus, Maria Fulô", dele e Humberto.

Em 1957 participou da famosa caravana de Humberto Teixeira que foi tocar na Europa. Entre outros, integravam a caravana o clarinetista Abel Ferreira, o Trio Irakitã, o maestro Guio de Moraes, o trombonista Antonio José da Silva Norato, o baterista Edson Machado, Waldir Azevedo. Quando o ouviu, na excursão, o maior clarinetista da história, Benny Goodman, quis levá-lo para os Estados Unidos.

Em 1964 foi convidado a tocar nos Estados Unidos, acompanhando a grande Carmen Costa. Descoberto pela cantora sul-africana Mirian Makeba, que fez enorme sucesso na segunda metade dos anos 60, acabou ficando 13 anos por lá. Conquistou Mirian ao acompanhar o ritmo em que ela cantava. Era o mesmo balaio, que tocava no nordeste. Seu arranjo de "Pata Pata", um dos hits dos anos 60, projetou-o internacionalmente.

Em sua temporada americana, limitou-se à guitarra. Uma vez, resolveu tocar acordeon em um show e recebeu a seguinte carta de um músico americano: "Finalmente encontrei alguém que me fizesse fazer as pazes com esse maldito instrumento que se chama acorden". O músico era Miles Davis.

Em 1975, Sivuca gravou um disco com a violonista Rosinha de Valença e casou-se com Glorinha Gadelha, cantora e compositora. Com ela compôs um clássico definitivo do forró, "Feira de Mangaio". O disco com Rosinha entrou em uma dessas relações americanas dos cem melhores álbuns do século 20.

De Chico Buarque colocou uma letra inesquecível na valsa "João e Maria", que Sivuca havia composto em 1947. A partir dali os letristas o redescobriram definitivamente. Compôs "No Tempo dos Pardais" com Paulinho Tapajós, "Homenagem à Velha Guarda", um dos clássicos do choro, gravado originalmente em 1956, que recebeu letras de Paulo Sérgio Pinheiro.

E por tudo isto eu pergunto, cativo de paixão, porque a Política Cultural do Brasil ainda nao construiu o Memorial Sivuca?
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10 de julho de 1968 morre Rosil Cavalcanti e no dia 10 de julho de 1982 morria Jackson doo Pandeiro

As semelhanças não são poucas. Nasceram em regiões dominadas pela cultura da cana-de-açúcar e pela colonização negra. Quando adultos, foram casados, mas não tiveram filhos. E as coincidências não se restringem à vida. Em anos diferentes, morreram de infarto no mesmo dia e mês: 10 de julho. Rosil Cavalcanti (1915 – 1968) e Jackson do Pandeiro (1919 – 1982) tiveram uma relação que muito além de 'Sebastiana'. Muito antes de ser proclamado o rei do ritmo, Jackson já convivia com o talento musical de Rosil.

De família tradicional na política de Pernambuco, Rosil de Assis Cavalcanti trabalhou durante toda sua vida como funcionário público. Seu primo de segundo grau, Joaquim Francisco chegou a ser governador do estado. Em 1943, com pouco mais de 20 anos, outro parente de Rosil assumiu a prefeitura da cidade de Macaparana, que continua sob influência da família, pois Maviael Cavalcanti (DEM) é o atual prefeito da cidade. Mas a paixão de Rosil era outra.

Em João Pessoa, no ano de 1947, Rosil deu seus primeiros passos no rádio, participando em programas noturnos na Rádio Tabajara. Nesta ocasião, formou a dupla caipira ‘Café com Leite’ com um rapaz conhecido como Jack, que mais tarde seria o famoso Jackson do Pandeiro. O nome fazia alusão à aparência dos dois. Jackson, cafuzo de pele escura, era o café. Rosil, branco, era o leite. Tocando emboladas, a dupla alcançou um grande sucesso, garantido também pelas tiradas cômicas que faziam os ouvintes darem gargalhadas no auditório.

Quando a dupla se desfez, Jackson levou debaixo do braço várias músicas de Rosil. Uma delas seria o grande destaque do carnaval de 1953. Era o coco 'Sebastiana', que foi originalmente lançado em um disco pelo selo Copacabana e posteriormente regravado por Gal Costa. Por sua vez, Rosil ganhou destaque dez anos depois com o programa ‘Forró de Zé Lagoa’, que teve grande repercussão em Campina Grande.

Apresentado diariamente na Rádio Borborema, que transmitia em ondas médias e tropicais, a atração era uma mescla de notícias com brincadeiras, onde Rosil encenava o papel do capitão Zé Lagoa e contracenava com os soldados Jaca Mole e Jaca Dura. Entre uma piada e outra, muitos repentistas e cantores passaram por lá, como Genival Lacerda, Zé Calixto, Marinês e Abdias.

Mas, mesmo antes de Sebastiana, Rosil já havia composto uma música gravada comercialmente. Apresentada à cantora Dilú Melo, a canção se chama ‘Meu Cariri’ e foi interpretada por Ademilde Fonseca e Marinês, na sua versão mais famosa. Porém, Rosil não guardava boas recordações de sua estréia nas vitrolas. Apesar de ter composto música e letra, os créditos do disco apontavam Dilú como parceira de Rosil. Mas não faltariam oportunidades futuras para o devido reconhecimento.

Ao todo, Rosil teve mais de vinte músicas gravadas por Jackson do Pandeiro, como 'Cabo Tenório', 'Lei da Compensação', 'Quadro Negro', 'Forró na Gafieira' e 'Na Base da Chinela'. Feita em parceria com o rei do ritmo, esta última foi regravada posteriormente por Elba Ramalho.

Na voz de Marinês destacam-se Saudade de Campina Grande e Aquarela Nordestina, que foi também interpretada por Luiz Gonzaga/ Rosil teve ainda canções gravadas pelo Trio Nordestino, Zé Calixto, Genival Lacerda, Anastácia, Ary Lobo, entre muitos outros. Ao contrário de Dilú, todos deram sua contribuição para inscrever o nome de Rosil Cavalcanti na história da música popular nordestina.

Fonte: Rômulo Nóbrega e José Batista Alves
Revista de História da Biblioteca Nacional
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Comunicação e educação: diálogos possíveis

O livro "Comunicação e educação: diálogos possíveis", é uma dica de leitura que produz aprendizado. Organizado pelos professores Sandra Mara de Oliveira Souza e Sebastião Faustino Pereira Filho, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), e Márcia Barbosa da Silva, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG).

A ideia do livro surgiu a partir dos encontros e muitas conversas realizadas entre pesquisadores da UFRN, UEPG, Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Universidad Nacional de Cuyo, na Argentina (UNCUYO). Os pesquisadores compõem um grupo de estudos interinstitucional com a perspectiva de contribuir com a construção de uma teia de pensamento sobre a interseção dos campos da Comunicação e Educação. A publicação é da Editora da UFRN (EDUFRN).

Sandra Mara em sua tese de doutorado, aponta que o diálogo figura como condição essencial para a plena efetivação da Comunicação. "Em Paulo Freire, encontramos uma concepção de diálogo que se expressa, fundamentalmente, em duas dimensões: por um lado, no encontro de subjetividades; por outro, na ação. O diálogo não seria, portanto, um pensar para , mas, um pensar com", explica Sandra.

De acordo com Sandra, a idéia de comunicação dialógica de Paulo Freire, baseia-se no respeito pelo outro, não visa acomodação ou ajustamento, mas enfatiza a integração que torna o homem sujeito de suas ações e o afasta da condição de objeto, do dominado, sem vez e voz.

Sandra Mara é jornalista. Mestre e doutora em educação. Roteirista e diretora de programas educativos e culturais. Atuou como diretora da FM Universitária do Rio Grande do Norte.


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Seu Raimundo e dona Rosa: revelações dos caminhos da Alma

O caminho, a estrada, rodovia que liga Exu-Pernambuco ao Crato-Ceará é a via das maravilhas. As paisagens agem e ardem em eco.

Ao caminhar, ao subir a Serra do Araripe, a sensação é de ser criança que não pode enumerar nem definir as belezas do caminho. Sou conduzido por minutos sem exclamações de qualquer natureza, extasiado embora com as magnificências da paisagem.

Na Chácara Frei Damião, um pedaço de Exu, acreditei ver constelações acima: sagitário, o cruzeiro do sul, ursa maior, as três marias ou o cinturão de órion.

Era a primeira vez que estava ali, mas havia a sensação de já ter percorrido aquela estrada, o caminho das almas e sabia detalhe a detalhe, como se já tivesse vivido um longo processo de aperfeiçoamento espiritual.

A sensação era das dúvidas já vividas dos caminhos do coração!

Na noite de sábado, 25 de junho, conheci seu Raimundo de Souza Sobrinho e dona Rosa Joaquina. Ouvi muito e recolhi-me ao silêncio da simpatia e gratidão por aquele encontro. Autêntico aprendizado de uma companhia que só transmitiu riquezas.

Entre os fatos vividos consta uma "dança de forró ao som da sanfona dO 8 Baixos tocado pelo pai de Luiz Gonzaga, seu Januário". Seu Januário morreu em 1978.

A idade de Rosa e Raimundo revela 170 anos de vida. Numa conversa curta aprendi que a vida é um grande sertão e possui um trajeto antes do mar imenso ser atingido.

Meditei nos problemas dos caminhos humanos e refleti sobre o interesse de seu Raimundo pela música de Luiz Gonzaga.

A vida é uma cópia da expressão da alma e a alma percorre caminhos mais variáveis e etapas diversas. Dessa vez alcancei o ensinamento da espiritualidade. Seu Raimundo e Dona Rosa são operários da Vida...irrigaram minha alma. Irrigaram minha Fé e Força!


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Fazenda Araripe, Chácara Frei Damião, Sitio Salva Vidas. A noite é de São João

Mês de junho! Lembrei que a última apresentação em vida de Luiz Gonzaga foi realizado em 6 de junho de 1989, no Teatro Guararapes do Centro de Convenções de Recife. Na oportunidade já cansado e muito doente Luiz Gonzaga chorou e pediu "prá não deixar o forró morrer".

Estive em Exu, no período de 22 a 25 de Junho. Não vi os olhos raros que enxergam além do que veem. Na terra onde nasceu Luiz Gonzaga, a mensagem não se fez ouvir.

Joquinha Gonzaga, neto de Januário e sobrinho do Luiz Gonzaga, lamenta a injustiça de em plena noite de São João não haver em Exu, Pernambuco, um forró pra lembrar o inventor do Baião, aquele que um dia deixou o seu pé de serra e embrenhou-se pelos emaranhados da busca e do sonho e que foi o começo de uma grande empreitada e de uma desafiadora lição de vida e vivência.

Mas a vida é realizada nos extremos. O  amor e o ódio. O real e o fantástico, a dor e o prazer, a amizade e a covardia, o breu da incerteza e a luminosidade da esperança, o medo e a ousadia, o erro e a redenção, o pecado e o perdão, a fé e a crendice, a tristeza e a festa.

Na Serra do Araripe, divisa com o Ceará, o passado ainda está presente, e o presente simboliza o futuro. Luiz Gonzaga vive!

Na fazenda Araripe um dos mais valiosos símbolos da obra e vida de Luiz Gonzaga, a família Alencar guarda construções que marcaram a vida de Luiz Gonzaga. A casa onde morou os pais do Rei do Baião, Januário e Santana, a igreja de São João Batista, a residência do Barão de Exu...a terra, o fogo, o ar e água tudo ali lembra Luiz Gonzaga.

Na Chácara Frei Damião, distante 26 quilometros do Crato-Ceará, próximo a Exu, "Seu" Cosme e dona Maria Mimosa Cavalcante de Souza entregam-se a essencia da alma e faz da noite junina um sentimento mais humano.

A família, amigos e vizinhos, medem palmo a palmo a vastidão do imaginário popular e desvendam a perfeição dos sonhos inatingiveis e amalgam anseios, a fé e as várias conquistas. Naquela noite estávamos todos reunidos através dos sons quase mágicos de uma sanfona de 80 baixos.

Na casa da família Cavalcante Souza havia mesa fartura de pamonha feita com manteiga da terra. A buchada e a cachaça, a galinha de capoeira. O milho, a rapadura e a fogueira, a manifestação plena da essencia humana e grandiosidade da noite de junho.

No alpendre da casa escuto a professora Antonia, no balançar da rede, contar fatos que são ao mesmo tempo belos e misteriosamente encantados. Professora Antonia me faz compreender as figuras humanas mais humanas, a criaturas belas, mais belas, a natureza das pegas de bois, as origens de Cocaci, os Inhamuns-Ceará.

Professora Antonia ao falar, os olhos faiscam de astros a escuridão da noite humana e fazia-se perceber entre vaga lumes e querubins a essencia que reluz do que havia se perdido e ali encontrava as respostas para a própria razão de sonhar e viver.

Seu Cosme acompanhado de seu Zé Lira me levou ao sitio Salva Vidas. Nome sugestivo quando vi o povo a rezar a Novena de joelhos. Havia ali a Capela São Francisco e escutei histórias de muitos que vieram ao mundo pelas mãos da parteira do local.

Tudo isto me fez lembrar da profecia do professor, danado e cantador, quase vidente, Aderaldo Luciano quando diz que o Nordeste continuaria existindo caso Luiz Gonzaga não tivesse aterrissado nestas paisagens há mais de cem anos.

O Nordeste teria e seria o mesmo complexo de gentes e regiões. Comportaria os mesmos cenários de pedras e areias, plantas e rios, mares e florestas, caatingas e sertões.

Luiz Gonzaga, mais que ninguém, brindou-nos com uma moldura indelével, uma corrente sonora diferente, recheada de suspiros, ritmos coronários, estalidos metálicos. Luiz Gonzaga plantou a sanfona entre nós, estampou a zabumba em nossos corpos, trancafiou-nos dentro de um triângulo e imortalizou-nos no registro de sua voz.

Entre os dias 22 a 25 de junho, vi em Exu, Chácara Frei Damião, Sitio Salva Vidas, Crato, Vi galos anunciando o dia, sabiás acalentando as horas, acauãs premeditando as tristezas, assuns-pretos assobiando as dores, vens-vens prenunciando amores.

Enfim, compreendi que a história vem se tecendo com a força da própria vida. E por isto, disse o cantador Virgilio Siqueira, daí não ser possível guardar na própria alma a transbordante força de uma causa. Daí não ser possivel retornar, afinal, a gente nem sabe ao certo se de fato partiu algum dia...



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Fazenda Araripe em Exu viverá Novenas de São Joao Batista

Em tempos de forró eletrônico e quadrilhas estilizadas, a melhor tradição junina sobrevive
em um lugarejo escondido do Sertão. A Fazenda Araripe, berço do sanfoneiro Luiz Gonzaga, luta para manter as comemorações em homenagem ao padroeiro São João Batista, nos moldes de antigamente.

Numa festa onde o sagrado mistura-se ao profano, a impressão reinante é de que o tempo não passou,
apesar dos 148 anos decorridos desde que a imagem de "São João do Carneirinho", como é docemente conhecida no lugar, chegou da França, cumprindo uma curiosa promessa.

Por volta de 1850, quando uma epidemia de cólera alastrava-se, assolando as cidades vizinhas, o Barão de Exu e então proprietário da Fazenda Araripe, Gualter Martiniano de Alencar, apavorado pela perspectiva de ver a moléstia dizimar seu povo, fez um apelo a São João Batista: se no seu município ninguém fosse vitimado pelo cólera, ele ergueria um templo ao santo, onde o padroeiro seria cultuado com toda dignidade até a quinta geração da família Alencar.

Coincidência ou não, o fato é que a doença, que liquidou a população de Granito, ao sul de Exu, e boa parte da de Crato, ao norte, "não desceu a serra do Araripe", como costumam dizer os narradores da história. O barão preparou-se, então, para cumprir a promessa.

Em 1867, acompanhada dos três reis magos e de uma artística caixa de música, chega da França a imagem de São João Batista, para ocupar a capela que já estava quase concluída. Talhada em madeira , a estátua de um metro de altura. 

No ano seguinte, começariam oficialmente os festejos juninos no lugar. Mas as novenas ainda seguem o antigo ritual, embora não ecoem mais pelo interior da capela as vozes possantes de Santana Gonzaga, mãe do rei do baião, e de Sinharinha dos Canários, personagem de suas músicas.

Os hinos, entoados por um pequeno coral do lugar, e a ladainha, que conta a trágica história do santo decapitado por ordem do rei Herodes, ainda são os mesmos de 148 anos atrás. Encerrada a novena, tem início o forró, patrocinado cada noite por um membro da família Alencar, tocado e dançado
como antigamente.

Em um local no centro da fazenda, conhecido como "latada", uma sanfona, um triângulo e um pandeiro demonstram, na prática, o que significa "forró de pé-de-serra" para uma platéia que é mestre no assunto. Em cada casa da vila, que não tem mais que 100 habitantes, uma fogueira esquenta a festa isenta de preconceitos.

 "No São João do Araripe, todo mundo é igual: preto e branco, rico e pobre. As diferenças acabam na latada", afirma a professora Neide Carvalho, que desde a infância é uma freqüentadora assídua da festa e está escrevendo suas memórias sobre o assunto.

Durante nove dias, a fazenda sobrevive "na base da chinela". "Creio que o Araripe é o último reduto de São João tradicional na região, apesar de não ser uma festa divulgada", diz Neide Carvalho.

E nem poderia ser diferente. Afinal, com os recursos e escassos nesses tempos de seca, somente uma promessa firmada em um passado longínquo, aliada à veneração dispensada ao padroeiro e ao fato de que ali nasceu e viveu o rei do baião, são capazes de manter acesa a fogueira de São João
do Carneirinho para iluminar a vila durante nove dias por ano.

Fonte: Facebook Fazenda Araripe
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