Promotora de Justiça lança cartilha para jovens sobre relacionamento abusivo

Nos últimos anos, o termo relacionamento abusivo ganhou grande visibilidade. Trata-se de condutas de dominação sobre o outro que podem causar danos, tanto psicológicos quanto físicos. 

Quem enfrenta a situação, normalmente tem dificuldade em notar os primeiros sinais de abusos porque muitos deles são considerados normais na sociedade.

Com o objetivo de orientar jovens a perceberem atitudes abusivas do companheiro, a promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo Valéria Scarance produziu a cartilha “Namoro Legal”, que contém dicas práticas de como perceber se uma relação está se tornando tóxica.

“Nós, que trabalhamos com a luta pela igualdade de gênero, percebemos a necessidade de conversar com as jovens de um jeito diferente. E a cartilha surgiu dessa forma”, explica Valéria à Revista Claudia.

Sem usar as palavras “violência”, “vítima” e “agressor”, a cartilha é didática e fornece sete dicas sobre namoro. A ideia é que meninas que estejam passando por relacionamentos abusivos, mas ainda não perceberam a situação, se interessem pelo assunto e passem a reconhecer condutas dominadoras do parceiro.

“Essas dicas, embora sejam leves e práticas, trazem uma mensagem muito poderosa e importante”, afirma Valéria. “O objetivo é que ela [cartilha] seja um importante instrumento de prevenção a relacionamentos abusivos e ajude a jovem mulher a refletir sobre suas relações e a impor limites para que os abusos não evoluam para um caso mais grave como a violência física”.

Segundo a pesquisa ‘Visível e Invisível 2019’, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 42% das mulheres entre 16 e 24 anos sofreram violência em 2018 no Brasil. Na opinião da promotora, isso acontece devido à inexperiência dessas jovens mulheres.

“Se as mulheres já estão sujeitas ao controle e à dominação, o perigo é ainda maior para as jovens e adolescentes porque elas estão iniciando essa fase da vida e não sabem como identificar as condutas abusivas”, defende Valéria. “Elas cedem mais rapidamente a um relacionamento abusivo por conta da idade e inexperiência”, completa.

De acordo com a pesquisa “O Jovem Está Ligado”, do Instituto Avon, atitudes como não aprovar que a parceira saia sozinha ou beba em bares, forçar relação sexual sem preservativo e forçar o fornecimento da senha das redes sociais são sinais de alerta.

A cartilha “Namoro Legal” já está disponível no site no Ministério Público e pode ser acessada por qualquer pessoa. “A ideia é compartilhar essa cartilha em grupos, nas redes sociais, para que elas cheguem ao conhecimento das jovens e sirva como um instrumento de prevenção ao relacionamento abusivo”, explica a promotora.

Além do material, o projeto, que foi feito em parceira com a Microsoft, contará também com o lançamento da MAIA (Minha Amiga Inteligência Artificial). Trata-se de uma robô virtual que conversa com jovens e adolescentes, pelo Messenger, com base nas dicas da cartilha. Assim, ajuda as jovens a identificar comportamentos abusivos.

 “O objetivo é que seja um instrumento de fácil acesso”, afirma Valéria.

Fonte: MPSP
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Meio Ambiente: Cabrobó é uma das cidades mais atingidas pela desertificação

O dia 17 de junho foi instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Mundial de Combate à Desertificação. 

O momento é de refletir sobre os prejuízos e, principalmente, de pensar em alternativas para minimizar os efeitos desse fenômeno que vem avançando a cada ano.

Calcula-se que uma área de 230 mil km², na região Nordeste, já esteja em processo de desertificação. As cidades mais atingidas seriam Irauçuba (CE), Gilbués (PI), Seridó (RN e PB) e Cabrobó (PE), que somam 18.177 km² e afetam 399 mil pessoas.

O termo desertificação remete à imagem de um "mar" de areia, sem planta alguma a compor a paisagem, de poucas chuvas em períodos muito breves do ano, e onde não se pratica agricultura – salvo em alguns poucos oásis. 

A Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos das Secas - UNCCD (sigla em Inglês) emprega o termo desertificação para caracterizar realidades de degradação extrema e se aplica à terra, à cobertura vegetal e à biodiversidade e está associada à perda da capacidade produtiva nas regiões áridas, semiáridas e subúmidas secas.

Para o pesquisador da Embrapa Semiárido Iêdo Bezerra Sá, "conciliar o desenvolvimento econômico com o respeito ao meio ambiente somente é possível com tecnologia e informação. Para isso, são necessárias políticas públicas que incentivem a adoção de tecnologias que minimizem o avanço dos processos de desertificação".

Nos últimos anos, a seca prolongada na região tornou evidente as consequências derivadas da ação humana. É significativo, ainda, observar que, nas áreas em processos de desertificação, é elevada a incidência de pobres e de indigentes, em proporções significativamente maiores que a média nacional.

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PRF inicia operação São João na quinta-feira nas rodovias da Bahia; ação tem restrições no tráfego

A Polícia Rodoviária Federal (PRF) começa a operação Festejos Juninos na quinta-feira (20), que também é feriado de Corpus Christi.  A ação, que que visa reforçar o policiamento preventivo em locais e horários de maior incidência de acidentes graves e de criminalidade, vai até a terça-feira (25).

No ano passado, foram registrados 22 acidentes e seis mortes nas rodovias federais que cortam a Bahia, durante o São João.

Conforme a PRF, com o final de semana prolongado pelo feriado na quinta e na segunda (24) será marcado pelo aumento do fluxo de veículos e usuários circulando pelas rodovias federais para os mais diversos destinos, principalmente, em razão das festividades juninas.

Ainda de acordo com a Polícia Rodoviária Federal, o período junino representa a época de maior fluxo de veículos que cortam as principais rodovias federais da Bahia, principalmente, em direção as cidades localizadas em trechos das BR's 101, 116, 324 e 407.

Entre os focos dos policiais que vão atuar na operação estão o uso do cinto de segurança, do capacete, além de fiscalizações específicas de motocicletas e condições de conservação dos veículos e também o enfrentamento à criminalidade.

Haverá ainda o uso do bafômetro passivo para evitar que condutores alcoolizados trafeguem nas rodovias. Dirigir sob influência de álcool é uma infração gravíssima punida com detenção, de seis meses a três anos, multa de R$ 2.934,70, sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

O valor da multa dobra se o caso for de reincidência nos últimos doze meses. Se o índice verificado no ‘bafômetro’ for superior a 0,33mg/l, o condutor será encaminhado à delegacia para responder criminalmente.

Além do patrulhamento ostensivo, a PRF vai promover ações educativas para o trânsito, buscando aumentar a conscientização dos usuários das rodovias. Para os dias chuvosos, a PRF orienta aos motoristas transitar com velocidade moderada, sempre à direita da via, acender os faróis (baixo), manter distância segura do outro veículo que segue a sua frente, evitar manobras e freadas bruscas.

Dicas para uma viagem segura:
Segundo a PRF, é importante o condutor checar alguns itens para garantir a segurança na viagem ainda que seja para uma distância mais curta. O motorista deve checar, por exemplo, faróis acesos para ver e ser visto; pneus calibrados e em bom estado; motor revisado, com óleo e nível da água do radiador em dia. Não esquecer de verificar a presença e estado dos equipamentos obrigatório, principalmente pneu estepe, macaco, triângulo e chave de roda, além dos limpadores de parabrisa e luzes do veículo.

A PRF também orienta que, em viagens mais longas, o condutor deve programar paradas a cada 3 horas, pois "quem se expõe a muitas horas dirigindo fica sujeito ao fenômeno da ‘hipnose rodoviária’, na qual se mantém de olhos abertos, mas sem percepção da realidade à sua volta". Ela vem acompanhada de sonolência, perda de reflexos e de força motora.

Também é importante procurar se informar sobre as condições do tempo nos lugares por onde vai passar, observar as placas que indicam os limites de velocidade e as condições de ultrapassagem, além de usar o cinto de segurança.
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Luiz Gonzaga: Sanfona, Triangulo e Zabumba. Forró Xote Baião e Exu, Serra do Araripe

Sanfona, triângulo e zabumba. É praticamente impossível imaginar os festejos juninos sem a “tríade” de instrumentos musicais que faz todo mundo dançar forró. Entretanto, nem sempre foi assim. De acordo com o pesquisador, e professor do Conservatório Pernambucano de Música e da pós-graduação em Música da Universidade Federal de Pernambuco, Climério de Oliveira, essa formatação dos trios, ao que todas as pesquisas indicam, foi criada pelo rei do Baião, Luiz Gonzaga.

Ele explica que até meados da década de 1940, o forró sequer era chamado por esse nome. “O termo forrobodó era usado para festas populares, um termo considerado pejorativo, tinha uma conotação de furdunço, definia uma festa realizada pelas pessoas de classes desfavorecidas”, aponta o professor.

“O forró virou a narrativa desse tipo de baile, o Gonzaga começou a chamar as músicas que narram esse tipo de festa de forró. Outra pessoa que fez muito isso também foi Jackson do Pandeiro”, acrescenta.

O festejo de São João, até então, era musicado de acordo com a disponibilidade daqueles que faziam a festa. “Era utilizado qualquer agrupamento de instrumentos acessíveis à população, podia ser pandeiro, clarineta, violão, qualquer coisa. O que aconteceu foi que Gonzaga saiu de Exú, na Serra do Araripe, e aportou no Rio de Janeiro quase dez anos depois, em 1939”, explica Climério.

A viagem de Luiz Gonzaga tinha como objetivo a fama por meio da música. Inicialmente, ele tentou a sorte tocando e cantando ritmo como samba, bolero e foxtrote, mas ao levar a música que cantava no Sertão, Gonzaga começou a ficar conhecido e ganhar fama sobretudo na comunidade de migrantes nordestinos.

 “As pessoas que estão em outras cidades querem ouvir coisa da sua terra, ele começou a preparar isso para agradar ao público, ele vivia de rodar o chapéu. Até que em um programa de calouros ele decidiu mudar, tocou o que ele preparava para a comunidade nordestina e ganhou o programa”, aponta o professor.

Abraçado pelas gravadoras, o baião de Gonzaga se multiplicou por meio de outros artistas e passou, aos poucos a ser chamado de forró, como é conhecido hoje. Ao longo do tempo, começou a ganhar corpo, com forte atuação de Gonzaga na associação mais que bem-sucedida do ritmo ao mês de junho, que faz o “arrastapé” tomar conta do São João.

“O forró que a gente escuta é uma mistura do que era feito com o que passou a ser feito. Quando Gonzaga foi ao Rio, ele buscou fazer sucesso com as cantigas do jeito que eram, ainda sem o instrumento dos oito baixos, em formato de canção. Ele depois se adapta ao padrão da indústria, que hoje temos como muito tradicional, mas é recente, é da década de 1940”, destaca.

Fonte: Diário de Pernambuco

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Socioeducandos da Funase vencem 49ª edição das Olimpíadas Estudantis de Petrolina

Sete adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas venceram a 49ª edição das Olimpíadas Estudantis de Petrolina, no Sertão de Pernambuco. 

O evento, promovido pela prefeitura, mobilizou estudantes de instituições de ensino públicas e particulares do município. Os participantes foram divididos em categorias de 12 a 14 anos e de 15 a 17 anos. Equipes masculinas e femininas jogaram partidas de handebol, basquete, vôlei, futsal, futebol de 7 e futebol de campo, essa última, a modalidade disputada pelos socioeducandos. Com a vitória, o grupo passa para a etapa regional, que abre caminho para o título estadual.

Os socioeducandos jogaram pelo time da Escola Estadual de Alternância, que tem um anexo dentro do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) Petrolina. Cinco deles cumprem medida socioeducativa nessa unidade, e outros dois, na Casa de Semiliberdade (Casem) Petrolina. Ambas são vinculadas à Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase). Toda a competição foi acompanhada por integrantes das equipes técnicas que atendem os adolescentes e por agentes socioeducativos. 

A vitória foi construída com um alto saldo de bolas na rede ao longo das Olimpíadas. Somente até a semifinal, quando já tinha disputado quatro jogos, o time marcou 24 gols e sofreu apenas quatro. A etapa final ocorreu nesta semana, contra a equipe do Instituto Federal do Sertão Pernambucano (IF Sertão-PE). 

Os jovens da Funase venceram por 3 a 1 e se sagraram campeões. Os socioeducandos foram treinados pelo professor de educação física Romilson Wladson, com o auxílio do agente socioeducativo Cícero Brito. A próxima fase, regional, que deve ter jogos em Petrolina, envolverá os times vencedores de outros municípios.

“A nossa equipe teve grande destaque entre os times de estudantes de Petrolina. Teve jovens do Case, da Casem e outros alunos da Escola de Alternância, com um bom treinamento. Eles estão muito felizes com o troféu e empolgados para a regional. Temos plena confiança de que também terão um bom resultado”, afirma a coordenadora geral do Case Petrolina, Nídia Alencar, acrescentando que, além de funcionários da unidade, outros 30 socioeducandos foram levados para o jogo final como espectadores.

Fonte: Funase
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A noite é de São João. A história tece com a força da própria vida

Mês de junho! A última apresentação em vida de Luiz Gonzaga foi realizado em 6 de junho de 1989, no Teatro Guararapes do Centro de Convenções de Recife. Na oportunidade já cansado e muito doente Luiz Gonzaga chorou e pediu "prá não deixar o forró morrer".

Lembrei que estive em Exu, no período junino. Não vi os olhos raros que enxergam além dos que veem. Na terra onde nasceu Luiz Gonzaga, a mensagem não se fez ouvir.


Joquinha Gonzaga, neto de Januário e sobrinho do Luiz Gonzaga, lamenta a injustiça de em plena noite de São João não haver em Exu, Pernambuco, um forró pra lembrar o inventor do Baião, aquele que um dia deixou o seu pé de serra e embrenhou-se pelos emaranhados da busca e do sonho e que foi o começo de uma grande empreitada e de uma desafiadora lição de vida e vivência.

Mas a vida é realizada nos extremos. O  amor e o ódio. O real e o fantástico, a dor e o prazer, a amizade e a covardia, o breu da incerteza e a luminosidade da esperança, o medo e a ousadia, o erro e a redenção, o pecado e o perdão, a fé e a crendice, a tristeza e a festa.

Na Serra do Araripe, divisa com o Ceará, o passado ainda está presente, e o presente simboliza o futuro. Luiz Gonzaga vive!

Na fazenda Araripe um dos mais valiosos símbolos da obra e vida de Luiz Gonzaga, a família Alencar guarda construções que marcaram a vida de Luiz Gonzaga. A casa onde morou os pais do Rei do Baião, Januário e Santana, a igreja de São João Batista, a residência do Barão de Exu...a terra, o fogo, o ar e água tudo ali lembra Luiz Gonzaga.

Na Chácara Frei Damião, distante 26 km do Crato-Ceará, próximo a Exu, "Seu Cosme e dona Maria Cavalcante de Souza" entregam-se a essencia da alma e faz da noite junina um sentimento mais humano.

A família, amigos e vizinhos, medem palmo a palmo a vastidão do imaginário popular e desvendam a perfeição dos sonhos e anseios, a fé e as várias conquistas.

Na casa da família Cavalcante Souza havia mesa fartura de pamonha feita com manteiga da terra. A buchada e a cachaça, a galinha de capoeira. O milho, a rapadura e a fogueira, a manifestação plena da essencia humana e grandiosidade da noite de junho.

No alpendre da casa escuto a professora Antonia Ladislau de Sousa, no balançar da rede, contar fatos que são ao mesmo tempo belos e misteriosamente encantados. Professora Antonia me faz compreender as figuras humanas mais humanas, a criaturas belas, mais belas, a natureza das pegas de bois, as origens de Cocaci, os Inhamuns-Ceará.

Professora Antonia ao falar, os olhos faíscam de astros a escuridão da noite humana e se faz perceber entre vaga lumes e querubins a essência que reluz do que havia se perdido e ali encontrava as respostas para a própria razão de sonhar e viver.

Seu Cosme acompanhado de seu Zé Lira me levou ao sitio Salva Vidas. Nome sugestivo quando vi o povo a rezar a Novena de joelhos. Havia ali a Capela São Francisco e escutei histórias de muitos que vieram ao mundo pelas mãos da parteira do local.

Tudo isto me fez lembrar da profecia do professor, danado e cantador, quase vidente, Aderaldo Luciano quando diz que o Nordeste continuaria existindo caso Luiz Gonzaga não tivesse aterrissado nestas paisagens há mais de cem anos.

O Nordeste teria e seria o mesmo complexo de gentes e regiões. Comportaria os mesmos cenários de pedras e areias, plantas e rios, mares e florestas, caatingas e sertões.

Luiz Gonzaga, mais que ninguém, brindou-nos com uma moldura indelével, uma corrente sonora diferente, recheada de suspiros, ritmos coronários, estalidos metálicos. Luiz Gonzaga plantou a sanfona entre nós, estampou a zabumba em nossos corpos, trancafiou-nos dentro de um triângulo e imortalizou-nos no registro de sua voz.

Vi em Exu, Chácara Frei Damião, Sitio Salva Vidas, Crato, Vi galos anunciando o dia, sabiás acalentando as horas, acauãs premeditando as tristezas, assuns-pretos assobiando as dores, vens-vens prenunciando amores.

Enfim, compreendi que a história vem se tecendo com a força da própria vida. E por isto, disse o cantador Virgilio Siqueira: daí não ser possível guardar na própria alma a transbordante força de uma causa. Daí não ser possível retornar, afinal, a gente nem sabe ao certo se de fato partiu algum dia...

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Legião Urbana é uma tapa na cara de nossa geração que permitiu que o mundo piorasse nos valores, nos preconceitos

Valter Hugo Mãe talvez seja o mais importante escritor de língua portuguesa da atualidade. Ele é animado por um sentimento de profundo humanismo ao abordar as situações mais dramáticas de nosso tempo nas ficções Desumanização, Apocalipse dos trabalhadores, Homens imprudentemente poéticos ou O paraíso são os outros. Neste último, por exemplo, ele polemiza com a célebre frase do filósofo francês Jean-Paul Sartre: “O inferno são os outros”.

Em Desumanização, Valter já confrontava Sartre. Lá, a personagem de outra menina diz: “O inferno não são os outros, pequena Halla. Eles são o paraíso, porque um homem sozinho é apenas um animal. A humanidade começa nos que te rodeiam, e não exatamente em ti”.

Valter veio ao Brasil para uma maratona de palestras, debates e homenagens. A principal delas é a participação na Fliaraxá. Ele aproveita para lançar três livros, pela Coleção Azul, da editora Globo: O nosso reino, romance de estreia; Contos de cães e maus lobos, e As mais belas coisas do mundo.

Ele sempre diz as palavras essenciais. Valter tem uma conexão inesperada com Brasília: ele é fã da Legião Urbana e se comove profundamente quando ouve a canção Tempo Perdido: “Legião Urbana, para mim, é uma acusação”, diz Valter em entrevista ao Correio, por e-mail. “Um tapa na cara de nossa geração que, como poucas, permitiu que o mundo piorasse nos valores, nos preconceitos. Sim, comove demasiado”.

E, nesta entrevista, ele fala de Legião Urbana, de poesia, de humanismo, da polêmica com Sartre, do poder da leitura, da gentileza e da boa fé como resistência humana.

*Você já mencionou a importância que teve a Legião Urbana em sua vida. Mas peço a gentileza de contar essa linda história para os brasilienses. É verdade que você se comove sempre que escuta Tempo perdido? O que te toca na música e na poesia da Legião?
Na verdade, julgo que me toca a evidência de estar perto dos 48 anos e não ter conseguido salvar o mundo como acreditei ser possível quando tinha 18. Essa canção significa muito tempo passado, muita esperança repensada, a covardia e a absoluta normalidade. Alguma coisa me obrigou a ser normal. Eu preferia ter seguido acreditando num mundo de conquista terna, onde as pessoas mudariam de conduta à medida do conhecimento, da aprendizagem. Mas nós, as pessoas de quase 48 anos, já sabemos que isso não acontece. 

As pessoas raramente mudam de conduta depois de conhecerem como fazer melhor. E as pessoas raramente querem saber fazer melhor. Envelhecemos como quem exige o direito de não saber mais nada. Legião Urbana, para mim, é uma acusação. Um tapa na cara de nossa geração que, como poucas, permitiu que o mundo piorasse nos valores, nos preconceitos. Sim, comove demasiado. É uma bela canção acerca de termos entregue o ouro a quem conseguiu nos convencer que era prova de amizade.

**Você começou escrevendo poesia e, quando passou para a ficção, impregnou as narrativas de força poética. Qual a relevância da poesia em sua formação de escritor e o poder que ela ainda tem de tocar as pessoas?
A poesia é um sentimento. Não significa menos do que isso. Quem não se abeira dela não sente por completo, como se nunca experimentasse a alegria ou a tristeza, a ansiedade ou a frustração. Serve para que nos completemos no conhecimento de nós mesmos e do mundo. É instrumento de revelação. Sem o poder da palavra poética estamos algo diminutos na construção de nosso pensamento, de nossa identidade. Sigo convencido de que é na poesia que reside a maior força de que sou capaz. É meu tremendismo.

***Em O paraíso são os outros, você polemiza com o filósofo Jean-Paul Sartre, autor da célebre frase: “O inferno são os outros”. Você acha que, mesmo em um mundo tão movido por uma agenda do ódio, o paraíso ainda são os outros?
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Penso, sim. Somos justificados pela existência dos outros. Sem eles, não ascenderíamos acima da condição de bicho. É a alteridade que burila a humanidade. A relação e a expectativa da relação vão dirimindo argumentos para que, como seria bom, nos depuremos. O problema está em que melhorar o mundo inteiro é um ofício praticamente impossível, mas piorar o mundo inteiro é fácil, está ao alcance de qualquer imbecil.

****Você acredita que os livros ainda têm lugar no mundo mediatizado pelas relações virtuais? Em que medida os livros escolhem os leitores e entregam mais a uns do que a outros, como afirma no conto O rapaz que habitava livros?
Vão ter sempre lugar. Não acredito que seja um conhecimento de que a humanidade possa abdicar. Claro que enfrentamos um tempo de criação de gigantes rebanhos, padronizações agudas que desvirtuam as pessoas de cidadania e as reduz ao consumo. No entanto, sempre haverá resiliência. Há muita gente que se recusa a compactuar com a fácil manipulação das massas e, na verdade, não considero que as massas sejam estúpidas. Podem ser lentas e tender para a covardia, mas no seu íntimo sabem perfeitamente o que é certo e o que é errado. As elites precisam ser melhores, ter outro brio, e servir de diapasão para inspirar a movimentação benigna das comunidades em geral.

*****As suas narrativas abordam, muitas vezes, situações dramáticas do nosso tempo, mas sempre com um olhar humanista. Você acredita que a literatura ainda é capaz ser um espaço de resistência do humanismo em um mundo cada vez mais mecanizado e pós-humano?
Eu não poderia escrever de outro modo, minhas convicções são quem sou. Uso os livros para aprender. Descubro que escrevo para ser capaz de decidir melhor. É exatamente a questão da cidadania de que falava acima. Escrevo livros sobre o que me agride e preciso de entender. Talvez seja um cidadão mais consciente depois de os escrever. Isso significa que, a ser chamado à opinião ou ao voto, que é um pouco a mesma coisa, estarei mais bem preparado para decidir em que acredito, o que, de boa fé, desejo para a sociedade. Interessa-me profundamente a questão da boa fé. Manter a boa fé, por maior agressão ou desilusão. Ela é a resiliência mais profunda e mais bela.

******Machado de Assis é o homenageado do festival literário do qual você participará em Minas Gerais. Qual o seu olhar sobre Machado e como viu a polêmica entre Machado e Eça de Queiroz?
Polêmica nenhuma diminui Machado ou Eça, apenas aumenta. São dois escritores estruturais. Nossas literaturas são instruídas pelo que descobriram, pelo que entenderam. Machado é brilhante na criação de narradores que não merecem confiança. São ardilosos, espíritos paradoxais e com grande habilidade retórica, sempre denunciando falhas no senso comum. Ele joga com nossa percepção. Inverte o jogo constantemente, mostra como, exatamente iguais às pessoas, as personagens são também inclassificáveis, oblíquas constantemente, para usar um termo seu.

*******Nelson Rodrigues dizia que os humanos estão se maquinizando e as máquinas estão se humanizando. O amor é a única força capaz de resistir à maquinização humana em tempos de globalização e de desumanização?
O afeto e a paz foram sempre os sinais de humanidade. Através deles aferimos a qualidade de cada pessoa. Foi assim, é assim, vai ser assim. O amor para com as pessoas próximas, aquelas que simbolizam toda a gente nas nossas vidas. A paz com as outras pessoas. As que nem sabemos que existem, que são estatísticas. Seremos humanos se lhes oferecermos nossa cordialidade e promessa de tempos gentis. O tempo gentil, a paz.

********Você já declarou que o Brasil é o melhor que Portugal criou. O que lhe interessa e lhe sensibiliza no Brasil?
Preciso de esclarecer que essa ideia é do filósofo português, que viveu longamente no Brasil, Agostinho da Silva. Cresci impressionado com a cultura brasileira, fascinado com sua música e literatura, com sua televisão, cinema e pintura. Não tive escolha. O Brasil estava na arte, entre a arte de que mais gostei sempre. Através desse fascínio eu cheguei ao país, visitando pelas ideias e, depois, concretamente, encontrando um povo de festa fácil, abraço abundante, num esforço trememdo para criar redenção, não sucumbir à pobreza ou à violência. 

Admiro muito que num desafio tão grande, com tanta ditadura, inflação, corrupção, homicídio, ainda estejamos no país do Carnaval, essa alegria intensa, incontrolável, que arrebata o mundo inteiro. Eu, que sou tímido, não tenho jeito para Carnaval, mas admiro como sendo a festa mais avassaladora do mundo inteiro. Nada se lhe compara em esforço e beleza, em profunda liberdade e catarse. Abençoado Heitor Villa-Lobos que soube classificar o Carnaval para esse instante de irresistível comunhão entre todos, de todas as classes, de todas as sensibilidades. Esse é o Brasil que ausculto, aquele que resiste de sorriso franco, pé de dança, como melhor arma contra toda a opressão, contra toda a tristeza.
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