A obra de Marcus Accioly está viva e eterna, diz o escritor Raimundo Carrero

Devo este artigo faz tempo. Não exatamente por causa do lançamento, em que se reviveu a força, a fidalguia e os amores do autor, no auditório da Academia Pernambucana de Letras, mas por causa da amizade de vida inteira, nas viagens ao Sertão a São Paulo, Rio de Janeiro e Paraíba, sempre revestidas de sucesso, conquistas e boas farras neste mundo de meu Deus, a celebrar o bom uísque e a festiva cerveja, com macarronadas e saborosos filés ao molho madeira .

Por tudo isso e mais isso o livro não poderia ser outro senão Don Juan – Don Giovanni, que é, a seu modo, uma espécie de autobiografia sentimental-amorosa deste que foi um poeta sempre encantado pelas mulheres e conquistado por elas, embora sempre leal e correto, ainda quando guardando os princípios sociais da conquista.

Na quarta capa do volume, a Cepe Editora , magnífica no lançamento de grandes obras de autores pernambucano, destaca que “este livro de Marcus Accioly foi escrito à exaustão pelo poeta, que já o imaginara como sua última obra. Nele, percebe-se a grandeza épica e trágica – a par com o burlesco – de grande beleza verbal, característica marcante de sua poesia, que recorre com frequência os mitos.”

“Aqui resgata a figura de Don Juan, cujos jogos de erotismo e sedução em embates com mulheres e com o diabo, revelam as inconsistências da condição humana, a recusa e a atração da morte”, completa a nota que poderia acrescentar ter sido esta uma das constantes da vida do escritor de Nazaré, muitas vezes retirado humildemente na casa de Itamaracá.

Destaque-se, ainda, o mito de que Marcus Accioly não bebia. Sim, bebia à larga nas conquistas e aventuras, nas noitadas com amigos, mantendo-se abstêmio nas ocasiões que lhe favorecia. Lembro-me das noitadas em Arcoverde, no Portal do Sertão, onde vencíamos as horas ao som de violões e de cantares, sempre com uma mão feminina pelos escaninhos do corpo e do desejo.

Saúdo com alegria e festa a publicação deste livro póstumo. A Cepe realiza assim a construção de uma brilhante biblioteca de autores pernambucanos, tornados imprescindíveis para a literatura brasileira, num momento em que se anuncia tanto a falência do livro. Além disso, a obra de Marcus está viva e eterna. Enfim, ad eternum.

Raimundo Carrero-escritor
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Zé Dantas: o amor que sobreviveu à morte

* 27/2/1921 - Carnaíba de Flores (PE) 
+ 11/3/1962 - Rio de Janeiro (RJ)
José Dantas de Souza Filho, carismático, elegante, brincalhão, Zé Dantas, como o chamavam, era filho de seu Zeca Dantas, um abastado comerciante e fazendeiro de Flores de Carnaíba (da qual foi prefeito duas vezes). 

Zé Dantas também gostava de festas, de música, já compunha algumas, baseadas no folclore e histórias de sua região, ou da sua própria imaginação. Mais tarde, ele faria várias canções para Yolanda, a primeira das quais, Fulô ingrata, composta em 1949, permanecia inédita até ser cedida por ela, no mês passado, ao violonista Cláudio Almeida, que a incluiu no CD Noites brasileiras – A música de Zé Dantas, Dominguinhos é quem canta “Fulô ingrata” no CD do violonista. 

Até o casamento, em 1954, foram quatro anos e meio entre namoro e noivado: “Ele terminou medicina e foi fazer residência no Hospital dos Servidores, no Rio. Durante este tempo trocamos muitas cartas, várias vinham com letras de músicas. Sabiá foi uma das que ele fez para mim”. “Na folha de papel na qual Zé Dantas (que se assinava Zédantas) datilografou a letra, lê-se o oferecimento: ‘Para minha querida Yolanda, por quem pergunto todo dia ao sabiá’”.

Zé Dantas faleceu precocemente aos 41 anos, em 1962, no dia 11 de março, de insuficiência renal.

“Tomava cortisona importada. Ele se sentiu mal, depois de cantar O parto de Sá Juvita, na fazenda Califórnia, em Miguel Pereira, no interior do Rio”, relembra dona Yolanda.

Embora curta, a carreira artística de Zé Dantas (que chegou a participar de programas na Rádio Jornal do Commercio, quando ainda estudava no Recife) é das mais consistentes entre os compositores pernambucanos. 

Mais do que isso. Em quantidade de composições, ela perde para autores de vida mais longeva, como Capiba, Nelson Ferreira ou o próprio Alceu Valença. No entanto em clássicos deixados para MPB, é imbatível. 

Com o cearense Humberto Teixeira formou os dois pilares no qual se sustentou a obra de Luiz Gonzaga nos anos 50, sua fase de maior sucesso popular (e fundamentou o que seria chamado de forró). 

São de Zé Dantas, entre outras, Xote das meninas, Algodão, Riacho do Navio, Vem morena, Siri jogando bola, Noites brasileiras, Forró de Mané Vito, Paulo Afonso, Vozes da seca, Cintura fina, Acauã, A volta da asa branca.

Gonzaga e Dantas conheceram-se no final da década de 40, quando ele era ainda acadêmico de medicina (especializou-se em obstetrícia). 

O desinibido estudante foi ao hotel onde Gonzaga (já um ídolo nacional) estava hospedado e mostrou-lhe algumas de suas composições. 

“Quando conheceu Luiz Gonzaga, Zé já havia composto muita coisa. A primeira que Luiz Gonzaga gravou foi Vem morena, que tinha outro título, No resfolego da sanfona. Zé cedia as parcerias, no começo, nem queria que Luiz Gonzaga colocasse o nome dele, com medo do pai saber e cortar a mesada. 

Quando era estudante, Zé vivia muito bem como rapaz rico, elegante”, revela dona Yolanda. Luiz Gonzaga, a contragosto de Zé Dantas, colocou o nome do “parceiro” nos discos. No início o nome do cantor vinha na frente para chamar menos atenção. A sólida obra de Zé Dantas é formada por cerca de 80 músicas, umas poucas ainda inéditas.

Embora tenha sido Luiz Gonzaga seu maior intérprete, ele foi gravado por muitos nomes famosos do rádio (e, aí, a parceria com Gonzaga está fora da maioria). Carlos Galhardo, por exemplo, gravou Ai, ai, meu bem, os Quatro Ases e um Coringa lançaram O machucado, Ivon Cury fez sucesso com Farinhada, e Marinês com Corina. 

Dona Yolanda conserva todos estes discos e sabe da história por trás de cada música do marido. “Imbalança ele fez quando a gente passava uns dias em Brejo da Madre de Deus. Zé vinha sempre à cidade dele, ia para a fazenda do pai, reunia o pessoal para ouvir histórias, poesias e voltava sempre com material para novas músicas. Xote da meninas se chamava Mandacaru e Cintura fina era Cintura de pilão”.

Dele ela conserva também poemas (um bem longo sobre o cangaço), um argumento cinematográfico, cartas de amigos, como uma do jornalista e poeta Rogaciano Leite pedindo que ele lhe mande textos. Quando é indagada se nestes anos todos ela não perdeu alguma peça importante do marido, ela responde incisiva: “Não. A única coisa que perdi foi ele”.

Dona Yolanda faleceu em janeiro de 2017.

Fonte: José Teles/ teles@jc.com.br

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Huberto Cabral, radialista recebe o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Regional do Cariri

O reconhecimento a uma das personalidades históricas do Crato e do Cariri ocorreu na última sexta-feira, 8, com a entrega do Título de Doutor Honoris Causa ao jornalista e cerimonialista, Huberto Cabral, considerado uma ‘enciclopédia viva’ da história regional. Aprovado por unanimidade pelo Conselho Superior da Universidade Regional do Cariri (URCA), a outorga ocorreu em solenidade presidida pelo Reitor da Instituição, José Patrício Pereira Melo.

Durante a cerimônia, Huberto Cabral também recebeu a Comenda Bárbara de Alencar, a maior do Município do Crato, entregue pelo prefeito do Município, José Airton Brasil, além dos diplomas da Câmara Municipal do Crato, Mérito Legislativo e Jornalista João Brígido dos Santos, e a Comenda Irineu Pinheiro, do Instituto Cultural do Cariri – ICC. 

A solenidade contou com a presença de autoridades como o vice-reitor da URCA, Francisco do Ó Lima Júnior, Bispo Diocesano, dom Gilberto Pastana, além do prefeito de Juazeiro do Norte, Arnon Bezerra, familiares, amigos e intelectuais da região, jornalistas e convidados.

O título foi sugerido pelo artista, cantor e escritor Luiz Carlos Salatiel, com reunião do Consuni presidida pelo vice-reitor da URCA. A apresentação do outorgado foi realizada pelo proponente, professor da URCA e historiador, Carlos Rafael.

A abertura e condução da solenidade foi realizada pelo jornalista Antônio Vicelmo, colega de rádio de Cabral, que destacou um pouco da trajetória do comunicador, além historiador e cronista. “O seu trabalho constituiu o resgate das efemérides históricas, políticas e educacionais do Crato e do Cariri”, afirmou.

Huberto Cabral foi lembrado em suas funções, quando esteve à frente da assessoria de comunicação da URCA, prefeitura do Crato e Diocese, entre outras atividades desenvolvidas em grande parte de forma voluntária, sem remuneração, em prol do fortalecimento e divulgação das instituições e do Cariri.

As saudações ao agraciado foram realizadas pelo médico e escritor, José Flávio Vieira, integrante do Instituto Cultural do Cariri. Ele destacou a importância da preservação da história pela universidade, ao citar o relevante trabalho desenvolvido por Huberto Cabral, concedendo o título de doutor a uma das mentes mais privilegiadas nascidas ao sopé da Chapada do Araripe.

Ele pontuou que Cabral foi figura presente nos grandes acontecimentos do Crato, nos últimos 60 anos. “A URCA hoje não reverencia apenas o mais importante repórter de nossa história, o mais importante memorialista, uma testemunha viva da história dos últimos 60 anos, mas oficializou-se um grau de doutor, que já lhe tinha sido outorgado pelos intelectuais e pela população mais humilde deste vale”, disse ele.

O escritor José Flávio utilizou-se do humor refinado em seu discurso, ao destacar, no auge dos 82 anos de vida do homenageado, que o Geopark Araripe acabou de descobrir o fóssil raro de pterossauro, o Humbertossauro Cabralis, destacando a relevância do novo doutor da universidade.

O proponente do título, professor Carlos Rafael, estimulado pela solicitação do artista Luiz Carlos Salatiel, destacou na trajetória profissional, importantes momentos da história do Cariri vivenciados por Huberto Cabral, incluindo a sua relevância para a comunicação do Crato e da região do Cariri, presente na instalação dos meios de comunicação da região, incluindo a primeira rádio dos Diários Associados inaugurada no interior do Estado, a Rádio Araripe do Crato, com a presença do magnata da comunicação brasileira, o paraibano Assis Chateaubriand, dono de um dos maiores conglomerados de veículos de comunicação da história do Brasil.

Ela ainda salientou que o título, ao lado de outras honraras recebidas por Cabral, refletem o brilhantismo de sua história, devotado à causa pública e ao progresso cultural e intelectual de nossa região.

O Reitor Patrício Melo, ao conceder o título de Doutor Honoris Causa em Ciências Humanas a Huberto Cabral, relatou a aprovação por unanimidade em 21 de novembro de 2018, em reconhecimento aos seus importantes serviços prestados à comunidade caririense, ao Estado do Ceará e à URCA, nas áreas da história, comunicação e cidadania.

Ao destacar a surpresa de saber do título e a emoção de estar na solenidade de entrega da honraria, o outorgado agradeceu a proposição do Departamento de História. “Ao tomar conhecimento da honraria, fiquei pensando a razão e a causa desta honra”, disse ele.

O novo doutor da universidade destacou que em toda a sua vida, nunca tinha visto uma formatura tão rápida. “Entrei nesse salão de atos com muita pompa, portando apenas o meu diploma de formado na faculdade de ciências ocultas e letras apagadas da universidade da vida, e vou sair como Doutor Honoris Causa, sem vestibular. Figurando, ainda, na galeria de honra das mais importantes personalidades já agraciadas com a honrosa comenda, considerando assim a maior desta universidade”, afirmou.
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Monitoramento da qualidade de água ao longo do Rio Paraopeba, Afluente do Rio São Francisco será ampliado

O Governo de Minas ampliou o monitoramento da qualidade da água ao longo do Rio Paraopeba. A informação foi divulgada pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), que informou que o controle vai ser feito em áreas mais próximas ao Rio São Francisco. 

Além dos 11 pontos já em operação, mais quatro estações de amostragem foram instaladas. O trabalho esta sendo feito desde o dia seguinte ao desastre na Mina Córrego de Feijão, em 25 de janeiro.

Somados com os quatro novos pontos, já chegam a 24 os locais de monitoramento ao longo do Paraopeba, que continua com a utilização de água bruta proibida no trecho à montante até a cidade de Pompéu, na região Central de Minas. 

De acordo com o instituto, três das novas estações de amostragem foram instaladas dentro do reservatório da Usina Hidrelétrica (UTE) de Três Marias, assim localizadas: em Felixlândia, Abaeté e Três Marias. 

A princípio, a frequência de amostragem foi definida como semanal, na localizada no remanso do reservatório, próximo a Felixlândia, e mensal nas duas últimas estações de amostragem. O quarto ponto está situado antes da UHE Retiro Baixo, no remanso da Usina.

“Existe a possibilidade de que parte do material que estava depositado na Barragem 1 possa alcançar o reservatório de Três Marias, sobretudo as partículas mais finas do rejeito. Entretanto não é possível afirmar se irá chegar e quando isso vai ocorrer. Tudo vai depender da dinâmica de transporte de sedimentos do rio, que varia de acordo com a quantidade e intensidade de chuva, tempo de detenção do reservatório de Retiro Baixo e da granulometria do rejeito”, afirmou, por meio do site do Igam, o diretor de Operações e Eventos Críticos do Igam, Heitor Soares Moreira.Continua depois da publicidade

A coleta e a análise da qualidade da água e de sedimentos no Rio Paraopeba estão sendo feitas pelo Igam desde o dia seguinte ao desastre na Mina Córrego de Feijão. O trabalho tem o objetivo de avaliar o grau de interferência dos rejeitos nos recursos hídricos afetados.

Entre os parâmetros de qualidade da água avaliados pelo Igam diariamente estão a condutividade elétrica, oxigênio dissolvido, pH, temperatura, turbidez, sólidos totais, sólidos dissolvidos totais, sólidos em suspensão totais, bem como os metais: alumínio dissolvido, ferro dissolvido e manganês total. Também foram analisados os seguintes contaminantes: arsênio total, cádmio total, chumbo total, cobre dissolvido, cromo total, mercúrio total, níquel total, zinco total e selênio total. 

A ação do Igam tem a parceria da Companhia de Saneamento do Estado de Minas Gerais (Copasa), Agência Nacional de Águas (ANA) e da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM). 
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Os saberes da Caatinga: mulheres sertanejas preservam as práticas de orações, cantos, raízes e garrafadas

Da terra de Padre Cícero à terra de Luiz Gonzaga leva-se menos de uma hora de carro por uma estrada que atravessa a linda Chapada do Araripe e divide o  Ceará de Pernambuco...A pernambucana Exu tem pouco mais de 30 mil habitantes e é bem mais pacata que a cearense Juazeiro do Norte, do Padim Ciço, que já soma mais de 270 mil almas.

Da praça da matriz ao Sítio Baixio do Meio, onde mora a parteira Nazaré, são 17 quilômetros por uma estrada de chão cheia de pedras. “Ô de casa!” Chamamos por Nazaré, e logo ela aparece, emoldurada pela janela da casinha de taipa, com um sorriso tímido no rosto, desconfiada com a visita inesperada.

Sentamos à sombra de um umbuzeiro para conversar. Cabelos grisalhos, miudinha, 63 anos, Maria Nazaré de Jesus conta que já “pegou” 12 meninos. O primeiro, homem feito, já tem de 18 a 20 anos.

*Como você virou parteira?
Minha mãe era parteira e eu via ela conversando. Ela dizia tudo como era, como se cortava o umbigo, como ajeitava a barriga da muié. Ela fez muitos partos, ia pra todo canto, o povo vinha buscar de cavalo, de bicicleta, de tudo. Ela fez os partos das minhas filhas, de cinco delas, só não fez da derradeira porque a mãe morreu antes, quando eu estava com três meses de gravidez. 

Graças a Deus, todos os partos foram normais. Se o menino está atravessado, se está sentado, aí corre logo para um hospital. Eu até posso ir, se me chamarem, pra fazer um chá enquanto arrumam um carro, mas não mexo, não. Também sou curandeira. mas só de ferida de boca, que outras coisa eu não aprendi não.

Nazaré tem dez filhos. Quantos netos? Ela não sabe botar na mente, não. Mas tenho quatro bisnetos. Não sou casada, mas o pai dos meus filhos taí, ela diz apontando uma casa. Não queira saber a minha vivência, que é longa. Já pedi esmola no Bodocó, no Ouricuri, pra criar meus filhos. Eu vendo rosário de coco-catulé, umbu, milho, maxixe, o que tiver. Planto, vou buscar no mato e vendo. Faço uns remédios também. Cozinho jatobá e imburana-de-cheiro, cebola e alho. Acaba com a gripe.

No Sítio São Raimundo, Maria do Socorro Silva Moreira, devota de São João Batista, tinha acabado de voltar do mato com as mãos vazias. Eiiita, a seca matou tudo. Com sete anos de seca, não tem raiz que não morra, até a batata-de-teiú.

A caminho da casa de Dona Socorro, na zona rural de Exu, a gente passa pela histórica igreja de São João Batista do Araripe, que completou 150 anos em junho do ano passado.

A igreja foi construída pelo Barão de Exu como pagamento de uma promessa ao santo. Em 1863, uma epidemia de cólera atingiu o Crato, cidade vizinha, e Gualter Martiniano de Alencar Araripe, o barão, proprietário das fazendas Araripe e Caiçara, fez uma promessa a São João Batista: se a doença poupasse Exu, ele iria à França buscar uma imagem do santo e construiria uma igreja para abrigá-la. 

A bisavó do Rei do Baião se abrigou na Fazenda Caiçara durante a peste de cólera.

Socorro é raizeira e prepara as famosas garrafadas, populares em todo o Nordeste. Não se sabe exatamente a origem das garrafadas, preparadas com raízes e plantas medicinais, mas alguns pesquisadores acreditam que elas possam ser derivadas de formulações feitas pelos jesuítas no século XVI, conhecidas como Triaga Brasilica, à base de vinho, mel e ingredientes secretos. As garrafadas também estão presentes na medicina indígena e nos ritos afro-brasileiros.

O teiú é um lagarto que vive no sertão. Quando picado por cobra, ele busca se curar do veneno mascando uma batata. O tubérculo é usado pelas curandeiras para tratamento de inflamação.

Socorro só busca suas plantas na mata. Não adianta plantar. As plantas que os outros veem não servem pra nada, diz. Elas têm de ser nativas. Tiú, cipó-de-vaqueiro, manjerioba, jurema-branca, jurema-preta.

Curioso, eu penso: a alquimia dos jesuítas também tinha essa dimensão sagrada, secreta. Quem te ensinou a fazer garrafadas?

Ninguém ensina nada a gente, não. A gente já nasce ensinado. Desde pequena eu já tinha visão de fazer remédio. 

*Como você escolhe as raízes?
É intuição que vem da minha cabeça. Quando chego na mata eu converso com as plantas. Olho pra elas, aliso e digo olha, eu tenho tanta dó, mas eu vou pedir a vocês uma casca, uma plantinha só. Eu não estou enricando, não tenho ganância por nada. Eu só quero que uma pessoa fique boa, tem uma pessoa sofrendo tanto, uma doença comprida. Eu posso tirar uma casca? Eu sei que você não é minha, não lhe plantei. Eu prometo que não lhe mato.

AS REZADEIRAS: Uma espada branca de madeira é o principal instrumento da rezadeira no congá. Ela coloca a espada de São Jorge e Santa Bárbara na testa da pessoa. Sempre eu tive visão das coisas, só que eu não entendia o porquê dessa sabedoria que Deus estava me dando. Eu peço ajuda aos guias da mata.

Às terças e quartas-feiras, é dia de reza na casa de Maria Anunciação Barros, a Dona Neta, de 61 anos, na rua Eufrazio de Alencar, no centro de Exu. No congá (altar) de Neta há imagens de São Jerônimo, do Doutor Tarcio, um médico da cidade que morreu nos anos 70, e da Santa Joana Darc, santa padroeira da França e uma das chefes militares da Guerra dos Cem Anos.

Eu não incorporo, eu rezo e peço iluminação. Os guias encostam em mim e me dão poder. Isso aqui é um sofrimento. Pra receber os poderes dos guias da mata, não posso pecar, tenho de ser como uma criança de 10 anos.

No topo da Serra do Arapuá, no município de Carnaubeira da Penha, Pernambuco, a mestre Joaquina, de 97 anos, canta suas toantes, uma das tradições do povo Pankará. Ela já perdeu a conta de quantas crianças nasceram em seus braços (dizem que cerca de 800), inclusive netos e tataranetos.

Eu não sou mestre, eu não sou nada. Sou um viajeiro errante nessa estrada, canta Joaquina, que é a mais idosa detentora dos saberes ancestrais da tradição Pankará. Parteira, rezadeira, benzedeira e raizeira, ela atribui seus feitos aos “encantadores da natureza”. 

Reverenciada pelos quase 4 mil indígenas que vivem naquela serra, ela é conhecida como a “mãe de todos”. Joaquina durante muitos anos foi tachada de feiticeira e macumbeira pelos brancos e obrigada a praticar seus rituais às escondidas. Hoje, muitos vão à serra procurar ajuda da curandeira indígena.

Os médicos nordestinos são os primeiros a reconhecer a importância das parteiras para o Sertão. O obstetra Zé Dantas, parceiro de Luiz Gonzaga, dedicou às comadres uma de suas mais lindas e longas canções. A versão completa de “Samarica parteira”, com dez minutos de duração, foi gravada em 1973 por Luiz Gonzaga.

Capitão Barbino, apavorado com a dô de menino de sua mulher, Juvita, manda seu peão Lula montar na bestinha melada e riscar ligeiro para buscar a parteira. Quando ele já ia riscando, Barbino ainda ameaça: olha, Lula, vou cuspi no chão, hein! Tu tem que vortá antes do cuspe secá!

E lá se vai Lula atrás de Samarica, abrindo cancelas, atravessando lagoas, sapecando a pobre égua, na maior carreira, até chegar à casa da parteira. Samarica, é Lula... Capitão Barbino mandou vê a senhora que Dona Juvita tá com dô de menino.

E risca de volta, com a parteira, à fazenda. Piriri tic tic piriri tic tic piriri tic tic nheeeiim... pá! Piriri tic tic piriri tic tic bluu oi oi bluu oi, uu, uu. Patateco teco teco, patateco teco teco, patateco teco teco.

Samarica chegou, ele grita para o Capitão. Samarica sartou do cavalo véi, cumprimentou o Capitão, entrou prá camarinha, vestiu o vestido verde e amerelo, padrão nacioná, amarrou a cabeça c’um pano e foi dando as instrução: acende um incenso. Boa noite, D. Juvita. A moça reclama da dô. É assim mermo, minha fi’a, aproveite a dô. Chama as muié dessa casa, p’a rezá a oração de São Reimundo, que esse cristão vem ao mundo nesse instante. Capitão Barbino, bote uma faca fria na ponta do dedão do pé dela, bote. Mastigue o fumo, D. Juvita. Aguenta nas oração, muié.

Ai, Samarica, chora Juvita. Se eu soubesse que era assim, eu num tinha casado com o diabo desse véi macho.

Pois é assim merm’ minha fi’a, vosmecê casou com o vein’ pensando que ele num era de nada? Agora cumpra seu dever, minha fi’a. Desde que o mundo é mundo que a muié tem que passar por esse pedacinho.

Nasceu, é menino (choro de criança). E é macho!  Ah, se é menino homem, olha se é? Venha vê os documento dele! E essa voz! Capitão Barbino foi lá detrás da porta, pegou o bacamarte que tava guardado há mais de oito dia, chegou no terreiro, destambocou no oco do mundo, deu um tiro tão danado que lascou o cano. Lascou, Capitão? Lascou, Samarica. É, mas em redor de 7 légua não tem fi’ duma égua que num tenha escutado. Prepare aí a meladinha, ah, prepare a meladinha, que o nome do menino... é Bastião.

* BRUNO BLECHER* - FOTOS: JOSÉ MEDEIROS, DE EXU (PE) Matéria publicada originalmente na edição de março de 2019 da Globo Rural
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Professora da UPE de Petrolina lança livro romance Laurus na quarta (20)


Será lançado no dia 20 de março no espaço “Jardim de Yolanda”, do Campus Petrolina da Universidade de Pernambuco (UPE), a obra Laurus, da escritora e professora Clarissa Loureiro. O livro é um misto entre ficção e biografia familiar da autora. O lançamento será às 19 horas.
Laurus é um romance sobre memória, mitologia e identidade, que envolve temas polêmicos vivenciados pela sua família como aborto, homossexualidade, ditadura e mães solteiras. “São temas contemplados na memórias dos ancestrais, que nós não estamos sabendo viver hoje em dia”, disse.
Segundo Clarissa Loureiro, o foco do livro é a sobrevivência da árvore Loureiro pelo cruzamento do passado com o presente, mas com uma abordagem mítica. “Este é um romance que entra na casa dos meus ancestrais para relembrar as memórias”, declarou a Clarissa.
No lançamento, dia 20 de março, o artista Bruno Urbano fará uma exposição de algumas cenas do livro. Na oportunidade, os professores Vlader Nobre e Simão Pedro também farão uma palestra sobre a autoficção. O lançamento de Laurus será animado pela banda “A Terceira Margem”.
Sobre a autora: Clarissa Loureiro nasceu em Campina Grande, Paraíba. A autora possui Mestrado e Doutorado em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Atualmente atua como professora de Literatura na UPE em Petrolina, dedicando-se aos estudos de memória, identidade, gênero e Semiótica associada à literatura comparada.
Laurus é a terceira obra de Clarissa Loureiro, a primeira em forma de romance. Clarissa lançou em 2010 o livro de contos Mau Hábito e em 2012 a obra Invertidos, ambos narravam histórias que expressam experiências humanas no século XXI.
Fonte: Amanda Franco-jornalista

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Antonio Barros. Viva a Música mais Brasileira

"Chora Nordeste neste baião em homenagem a teu irmão/ Chora comigo Nordeste chora comigo Sertão/ Chora o caboclo que veste roupa de couro gibão... Chora meu olho d'água chora meu pé de algodão. As folhas já estão se orvalhando saudade do nosso irmão Zé Dantas. As saudades são tantas  Por que você partiu...Chora também nosso baião chora por essa cruel separação...No meu canto  na minha voz vai o pranto, o  pranto de todos nós. Chora Nordeste...Saudade de Zé Dantas".

Homenagem a Zé Dantas. É um dos mais belos versos musicados da literatura brasileira. Sensibilidade de quem sabe ser grato e falar de amor fraterno. O autor é o paraibano universal Antonio Barros.

Estes dias tive a suprema alegria/emoção de compartilhar por algumas horas da presença de Antonio Barros. Antonio Barros que eu não conhecia pessoalmente, mas que foi responsável e isto falei pra ele, responsável, pelo cidadão, pesquisador, jornalista que sou atualmente. Imaginei o menino lá da Paraiba que ouvia o ídolo no pé do Rádio.

Vivi 50 anos e o destino me proporcionou este encontro. Na maioria do tempo o ouvi. O brilho das palavras e lembranças faladas cantadas de um Toinho que conviveu e deu vida a centenas de músicas interpretadas por Luiz Gonzaga, Trio Nordestino, Trio Mossoró, Dominguinhos, Ney Matogrosso e quase toas as estrelas da música brasileira.

As músicas de Antonio Barros embalou meu tempo criança através das ondas do Rádio. Adulto me fez pensar sobre o Nordeste e a importância de sua história. Eu ouvi certa vez um locutor dizendo que a música era  autoria de Antonio Barros. Logo fiquei a imaginar de onde viria tamanha grandeza humana para falar dos mistérios mais escondidos do ser humano, das paixões, desencontros, esperanças de uma chuva que está para chegar.

Hoje compreendi com a trajetória do tempo. Antonio Barros é um sopro de Deus, Poder Superior feito de Luz que deu de presente a este pedaço de terra, um Poeta. Poeta Antonio Barros.

Lembro que meu amigo Aderaldo Luciano numa carta endereçada ao cantador Beto Brito, relatou a certeza e vai colocar isso em um livro, "que Deus era um tocador de pife e foi soprando nele, num pife feito de taboca, que deu vida ao Homem com seu sopro fiel".

É por isto que todo dia às 18horas digo em prece: Antonio és um Sopro de Deus...Agradeço por tua existência e a cada letra, ritmo, melodia, harmonia que você alimentou por este Brasil afora. És alegria das Noites de São João, São Pedro e Santo Antonio. És luz. Antonio Barros fogueira luz acesa da grandeza da música que encanta almas e alimentas os seres humanos de Paz.
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