CÁTIA DE FRANÇA, CANTORA COMPOSITORA ILUMINADA AO REDOR DO SOL


Na insistência de quem sabe o que quer, Cátia de França lançava o 20 Palavras ao Redor do Sol em maio de 1979, denunciando a rebeldia do Nordeste, questionando um Sertão bem masculino e elevando seu espaço enquanto artista. 

O disco ganhou um relançamento pela Três Selos e a cantora reflete sobre sua trajetória como uma das vozes e composições mais potentes da música popular brasileira. "Um atestado de que minha música é eterna", disse.

Apesar de sua grandeza, Cátia é humilde ao falar que o disco na verdade não começou nas gravações no Rio de Janeiro, mas na Rua Almeida Barreto, no Centro de João Pessoa. “Na maioria das histórias das pessoas, tem que falar da mãe. É na mãe que começa tudo", fala a cantora ao agradecer a presença da literatura em sua vida, fruto de muito incentivo da sua mãe Adélia de França.

DETALHE: Cátia de França é multi-instrumentista - o que gerou um convite de Zé Ramalho em 1978 para tocar percussão e sanfona no LP Avohai. O conterrâneo, que era um dos padrinhos do Selo Epic, da Sony Music, disse depois de sua turnê que estava no tempo de sua amiga ter uma carreira solo e, assim, o 20 Palavras ao Redor do Sol começou a nascer.

Mas ela se muniu de iguais. Zé Ramalho, Elba Ramalho, Sivuca e Dominguinhos são alguns nomes que compõem o 20 Palavras ao Redor do Sol, lançado em maio de 1979 pelo selo Epic, da gravadora CBS.

É  “20 Palavras ao Redor do Sol” (CBS, 1979), um álbum que já nasceu uma obra-prima e que conta com a assinatura de Zé Ramalho na produção musical, Sivuca (sanfona e piano elétrico), Bezerra da Silva (berimbau), Dominguinhos (sanfona), Chico Batera (bateria), Lulu Santos (guitarra elétrica), Elba Ramalho e Amelinha (vocais). Além de contar com Sérgio Natureza na parceria da canção “Ensacado” e Xangai e Israel Semente em “Djaniras”.

Primeira professora negra da Paraíba, ela alfabetizou Cátia cantando. A artista começou aos quatro anos com o piano que a mãe deu, para despertar o amor. Além disso, o instrumento na época era muito chique para as moças. “Introduzir sem sentir; quando vê já foi (...) quando ela viu que eu tomei gosto aí pronto. Mas só fui ganhar o piano definitivo que tenho até hoje aos 12 anos, que ela comprou com o salário de professora, já pensou?”.

Além dos discos de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, os livros também foram uma forte presença e uma de suas maiores alegrias era quando eles chegavam pelos correio. O pai não gostava muito da questão da música, queria que ela estudasse: “Era primeiro os livros, depois a gente conversa. Podia faltar manteiga, mas livro não”.

Durante toda a sua carreira de mais de 50 anos, Catarina Maria de França Carneiro nunca deixou de se posicionar em defesa daquilo que acreditava. Mesmo que, às vezes, tal posicionamento lhe tenha trazido custos. Sobre isso, Cátia, como ficou conhecida, conta que tem a certeza de que fez o certo, o que a faz dormir tranquila todas as noites.

Quem deu seu nome e seu apelido – que se transformaria em seu nome artístico – foi sua mãe, a professora Adélia Maria de França. Na casa dela, Cátia, desde cedo, entrou em contato com as ideias de Che Guevera, Josué de Castro, Dom Hélder Câmara e Francisco Julião. A professora, pernambucana de Aliança (PE), no entanto, nem sempre deixava que a filha se aproximasse dos artistas que viviam marcando presença no Mercado Central de João Pessoa, que ficava próximo à casa de dona Adélia, a primeira professora negra da história da Paraíba.

Foi na biblioteca particular de sua mãe, a afamada Biblioteca Coelho Lisboa – que tem esse nome em homenagem a um líder abolicionista paraibano – que Cátia começou a construir a sua poesia, inspirada em autores como Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo e João Cabral de Melo Neto. O rigor de sua mãe durou até que ela tivesse a segurança de que a filha estaria diplomada. Quando Cátia já era adulta, Adélia mandou-a para o Rio de Janeiro. Na capital fluminense, trabalhou como datilógrafa e participou de grupos de teatro subversivo.

Durante a repressão da ditadura, vivenciou a experiência de ser uma mulher negra, lésbica e nordestina na São Paulo dos anos 1970, sendo perseguida pela polícia política do DOI-CODI que, de acordo com ela, odiava nordestinos. Mas, assim como previra a sua mãe, que a mandara ao Rio justamente porque sabia que não iria conseguir impedir essa intensa relação, foi na música que Cátia de França encontrou a maneira mais encantadora de expressar a sua poesia.

Seus álbuns passeiam pela obra dos poetas que lia na casa de sua mãe, pela música eletrificada das guitarras dos Beatles, pelos ritmos que compõem o tecido da cultura nordestina, pelo swing do violão de Jorge Ben Jor e também pela psicodelia predominante na música dos anos 1970. Para além de uma referência estética e (re)criativa, a influência desta última, que marca toda uma geração de compositores e cantores nordestinos, era – para ela e para sua geração – quase como um antídoto, uma forma de lidar com o peso que vinha da sensibilidade, do entendimento e da reflexão crítica sobre as profundas violências pelas quais o Brasil passou. E das desigualdades que retalham o Brasil e o Nordeste por toda a nossa história.

Aos 76 anos, dos quais mais de 50 dedicados à sua arte, Cátia de França vem sendo reconhecida, mais recentemente, por uma nova geração e parte da crítica musical, que a coloca, com a justiça devida, no mesmo patamar que artistas como Alceu Valença, Elba Ramalho, Chico César, Amelinha, Bezerra da Silva e Zé Ramalho. Pela sua influência, talento, originalidade e inventividade que contribuíram para o desenvolvimento daquilo que se entende como a música do Nordeste e a música popular brasileira. (Texto G1 e Revista Continente)

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