PLANO DE TRANSIÇÃO ECOLÓGICA PODE SER GRANDE MARCA DO GOVERNO LULA, DIZ MINISTRO DA FAZENDA

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse, nesta segunda-feira (10/7), que apresentou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) um Plano de Transição Ecológica — que ele considera que pode ser a grande marca do governo. A informação foi dada em entrevista ao podcast O Assunto.

"Se tudo se desdobrar como espero, a partir da reunião de sexta-feira, eu penso que a questão socioambiental vai ser a grande marca do governo. Eu senti da parte dele [Lula] um entusiasmo muito grande", disse Haddad.

Segundo o ministro, o plano está em validação com o presidente. Ele afirmou que a pasta estava “trabalhando em silêncio” para mapear todas as oportunidades que o Brasil tem como vantagens competitivas em relação ao mundo.

“Então, isso vale para a infraestrutura, para a geração de energia limpa, para a atração de investimentos estrangeiros que querem produzir produtos verdes e transformar isso numa marca do Brasil", disse Haddad, sobre as vertentes da iniciativa.

O ministro disse acreditar que a transição ecológica irá gerar empregos de ponta. "Ele pode parecer exagerado, mas é um plano com mais de 100 ações que vão se desdobrar em quatro anos. Então, a ideia é ir desde o crédito de carbono, passando pela reforma tributária, até a exploração de terras raras. É um mapeamento muito amplo das oportunidades", explicou.

"Importante entregar ao longo do mandato do presidente essas ações que vão desde leis que vão ser encaminhadas a partir de agosto, como a Lei de Crédito de Carbono, até a infraestrutura legal que desburocratiza investimentos verdes", acrescentou Haddad.

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LAMPIÃO E MARIA BONITA: NOITE DE 28 DE JULHO

Aquela noite, 28 de julho, era a noite de seus desejos. Seus corpos se amariam como nunca. Seus olhos confessavam seu amor. Havia uma necessidade de abraçar mais forte, de se beijar mais quente, de sussurrar segredos. 

O suor os unia em complexa solução salgada. Seus fluidos se misturavam cumprindo seu destino. A lua, a noite, o silêncio no campo. A terra calava-se diante de tanta cumplicidade. Nus, abraçados, juraram amor eterno, enquanto seus dedos se entrelaçavam. 

A  rusticidade de suas vidas nunca invalidara seus momentos de paixão.  O cactos, a poeira da caatinga, os bichos mais estranhos, a brisa inexistente, tudo reverenciava e abençoava sua união. Naquela noite, toda a alegria do mundo invadia-lhes a aura. Até que veio a manhã e adormeceram para sempre.

Fonte: Aderaldo Luciano-professor. Doutor em Ciência da Literatura

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MOVIMENTOS SOCIAIS REIVINDICAM QUE PREFEITURA DE JUAZEIRO SUSPENDA PROJETO QUE AGRIDE O RIO SÃO FRANCISCO

Após a gestão municipal dizer não a realização de uma audiência pública para discutir com a sociedade um Projeto de Lei que visa reduzir de 500 para 100 metros a Área de Preservação Permanente (APP) em um trecho de 16 km nas margens do Rio São Francisco, organizações da sociedade civil se mobilizaram e realizaram uma audiência popular na última quarta, dia 28.

Cerca de 200 pessoas participaram do evento, realizado na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), Campus Juazeiro. Uma média de 20 organizações sociais assumiram a realização da audiência e outras dezenas se somaram à discussão, fazendo do evento um momento com ampla participação popular, com representatividade de diversos segmentos da cidade e do campo. A Secretaria Municipal de Meio Ambiente enviou colaboradores/as ao evento, mas estes/as não se manifestaram.

Na oportunidade, instituições que representam a sociedade civil no Conselho Municipal de Meio Ambiente apresentaram o Projeto de Lei e as devidas críticas. O Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa), entidade que integra a coordenação da ASA, é uma destas representações da população de Juazeiro no referido órgão e na oportunidade ratificou que uma decisão desta precisa contar com a escuta da população, não podendo ser aprovado sem um diálogo amplo. O coordenador institucional da entidade, Clerison Belém, questionou: “ao invés da gente tá discutindo redução da área de preservação, da mata ciliar, da vegetação nativa, por que a prefeitura não poderia está debatendo com a gente um Projeto de Lei de Recaatingamento?”

A quilombola Ovídia Sena, moradora da comunidade de Rodeadouro, no entorno do local onde se define o início do perímetro urbano que teria a APP reduzida, conforme o texto do PL, denunciou que a construção de condomínios e outras ocupações ilegais da margem do rio já vem sendo um problema para as famílias da região. “Se continuar assim, esse bem que favorece toda essa região vai acabar sendo morto”, teme a liderança, denunciando que só aumenta construções que chegam até a beira e ao próprio rio.

Além de autoridades presentes, uma média de 30 pessoas de diferentes representações populares usaram a palavra para afirmar que são contra a redução. Além disso, foi consenso que se deve encaminhar pedido à gestão municipal solicitando que o PL seja retirado da pauta do Conselho e não seja levado à Câmara de Vereadores/as. Outros encaminhamentos foram propostos, a exemplo da continuidade da mobilização em torno de outras problemáticas que envolvem o rio no município.

O vereador Emerson Mitu (PCdoB) e a vereadora Valdeci Alves (MDB) declararam que se o projeto for para votação na Câmara irão votar contra a aprovação, dizendo não à redução para 100 metros da área destinada à proteção do rio. Valdeci, conhecida como Neguinha da Santa Casa, é presidenta da Comissão de Meio Ambiente da Câmara e disse que “o que for bom pra Juazeiro eu vou estar votando, eu vou estar apoiando, não se preocupem que eu não vou votar porque apóio a prefeita (…) eu jamais vou votar contra o povo”, se comprometeu.

O deputado estadual Crisóstomo Lima, o Zó (PCdoB), também esteve presente e colocou o mandato à disposição. Assim como ele, a deputada estadual Neusa Cadore (PT), por meio de nota, também se dispôs a levar a pauta para a Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), dada a importância do rio para o estado e para o Brasil. Neusa preside a Frente Mista Ambientalista e em Defesa dos Territórios de Povos e comunidades Tradicionais da Alba. No evento, foi lida ainda nota de apoio do mandato do deputado federal Jorge Solla (PT/BA).

A Universidade do Estado da Bahia (Uneb) também esteve representada na audiência e juntou-se às organizações mobilizadas, bem como a Diocese de Juazeiro, educadores/as, estudantes, partidos de esquerda, associações rurais e ativistas que atuam em diversos segmentos. No próximo dia 30, a sociedade civil novamente estará mobilizada para participar de reunião extraordinária do Conselho Municipal de Meio Ambiente, onde serão apreciadas contribuições da relatora do PL e sub-relator, este último representante da Univasf que enviou propostas em acordo com o movimento.

A audiência popular foi organizada pela Univasf, Irpaa, Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Coletivo Enxame, Associação de Advogadas e Advogados pela Democracia, Justiça e Cidadania, Movimento Popular de Cidadania – MPC, Setorial de Meio Ambiente e Desenvolvimento - Smad e Setorial de Combate ao Racismo - PT Juazeiro, União das Associações do Vale do Salitre – UAVS, Promotoras Legais Populares – PLP, Câmara de Turismo Sertão do São Francisco, Conselho Pastoral dos Pescadores/as – CPP, Colegiado Territorial Sertão do São Francisco, Articulação Quilombola, Frente Negra do Velho Chico, Povos de Terreiro, Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), Rede Nacional de Mulheres Negras, Associações de Bairros, Movimento dos/das Trabalhadores/as Sem Terra (MST), Movimento de Atingidos/as por Barragens (MAB), além do vereador Mitu.

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SANFONA 8 BAIXOS: DOCUMENTÁRIO INÉDITO NO RASTRO DO PÉ DE BODE ESTREIA NA TVE

O documentário baiano 'No rastro do pé de bode' estreia na TVE no próximo sábado (08), às 20h30. Dirigido e roteirizado por Marcelo Rabelo, o filme mostra a história do sanfoneiro baiano Rato Branco, que em conjunto com outros sanfoneiros do sertão do estado, buscam resgatar os segredos e toques tradicionais da sanfona de 8 baixos. O filme será exibido também em horário alternativo no domingo (16), às 19h, e na sexta (21), às 21h.

A obra retrata a memória e a diversidade musical do sertão da Bahia, mais precisamente nos municípios de Canudos, Cansanção, Cipó, Curaçá, Euclides da Cunha e Monte Santo onde foram gravadas as cenas do filme. Além de Rato Branco, o documentário conta com a participação de outros sanfoneiros do sertão como Zezinho Nicolau, Manezinho Calumbi, Dindinho dos 8 Baixos entre outros.

O documentário destaca ainda a história da sanfona de 8 baixos. Conhecida por Pé de Bode, ela é diferente das outras, pois abre com um som e fecha com outro (sanfona de voz trocada) e, ao invés de teclados, possui botões. É um instrumento complexo e poucos músicos conseguem aprender a tocá-lo, em função da sua riqueza harmônica e de notas.

Realizado pela Associação Sociocultural Umbigada, com produção executiva de Eliana Mendes, a produção é resultado do 'Bahia na Tela', o maior edital de fomento à produção audiovisual para a televisão, a partir da parceria entre o Instituto de Radiodifusão Educativa da Bahia (Irdeb) e a Agência Nacional de Cinema (Ancine), via Fundo Setorial do Audiovisual (FSA). 

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Serviço: Documentário inédito ´No rastro do pé do bode' na TVE

Quando: Sábado (08) às 20h30. Horários alternativos: Domingo (16), às 19h, e sexta (21), às 21h.

Onde: TVE e www.tve.ba.gov.br/tveonline

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PESQUISA DEFENDE QUE AUTONOMIA DA MULHER CAMPONESA PASSA PELO FORNECIMENTO DA AGROECOLOGIA

A agroecologia vem se fortalecendo como um contramovimento agrário frente à hegemonia agroindustrial. O modelo de produção alternativo busca a construção de um sistema agroalimentar em que a preservação e a recuperação ambiental são priorizadas, garantindo relações sociais mais justas e igualitárias. No caso das mulheres, a agroecologia tem um papel fundamental nos processos emancipatórios das trabalhadoras rurais, como demonstrado na dissertação "A Mulher Camponesa e a Agroecologia: caminhos e desafios na busca por autonomia".

 Com autoria da mestra Ana Patrícia Braga e defendido no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o trabalho discutiu o protagonismo feminino na agroecologia e o papel dos movimentos sociais rurais nesse processo.

"As mulheres reconhecem a agroecologia como um fator positivo em suas vidas, pois, em suas concepções, a agroecologia vai além da produção de alimento, configurando uma 'sabedoria que se carrega para a vida'. É um trabalho em favor da elevação das suas autoestimas. Segundo as narrativas e análises, as experiências das mulheres nesse campo contribuíram para o fortalecimento dos seus conhecimentos e saberes, que lhes permitiram assumir papéis de liderança e galgar passos para sua autonomia", explicou a pesquisadora. Orientado pela professora Josefa Salete Barbosa Cavalcanti, o trabalho foi defendido em 2022. A pesquisa foi desenvolvida, de 2019 a 2022, em espaços da agricultura familiar no Estado de Pernambuco.

Ana Patrícia Braga constatou que o movimento de mulheres partiu, em um primeiro momento, de uma reivindicação de reconhecimento delas como produtoras rurais e, a partir daí, foram sendo ampliadas as suas reivindicações. O aprofundamento do debate em torno das questões de gênero possibilitou a criação de novas políticas públicas direcionadas às trabalhadoras rurais, levando em consideração suas particularidades. Nesse sentido, "as mulheres reconhecem que construir uma rede de apoio e escuta é essencial, assim como exigir maior disponibilidade dos serviços de segurança e acolhimento para essas mesmas mulheres", afirmou a pesquisadora. 
Essa ideia foi reforçada durante a pandemia de covid-19, momento em que as redes de solidariedade e a comercialização direta de alimentos de qualidade foram fomentadas como estratégias de fortalecimento da agroecologia desenvolvida por este grupo de mulheres. Estas redes funcionaram também como forma de reduzir a violência doméstica, "considerando que as mulheres rurais, por suas próprias condições geográficas, já vivem em situação de isolamento, o que com o confinamento estendido pela pandemia, a tendência seria a elevação da violência nas relações familiares", comentou Ana Patrícia. 

METODOLOGIA – A pandemia da covid-19 obrigou a ajustes no planejamento e na elaboração do trabalho. A pesquisa de campo, realizada antes da situação pandêmica, foi reforçada com entrevistas elaboradas de forma on-line e ligações telefônicas. Também foi realizada a análise documental por meio de dados em relatórios, programas, panfletos e materiais diversos distribuídos e divulgados por associações, sindicatos rurais e grupos acadêmicos. 

A pesquisadora ainda se utilizou da análise de "lives" e conferências on-line de associações e organizações agroecológicas, tanto nos âmbitos regionais, como no âmbito nacional. De acordo com Ana Patrícia Braga, para a realização da pesquisa, as associações nos municípios de Barreiros e Lagoa de Itaenga, ambos localizados na Zona da Mata pernambucana, foram fundamentais para a localização das entrevistadas e a observação da atuação política das mulheres nesses espaços.

"A pesquisa realizada contribui para explicar os modos como a agroecologia tornou-se um saber-fazer de grande importância para a garantia dos direitos de acesso ao alimento seguro, da alimentação de qualidade, da redução das desigualdades sociais e, especialmente, da autonomia das mulheres no campo. Pela sua relevância, a pesquisa atual não está concluída; as análises feitas até aqui apontam novas questões que deverão ser respondidas em futuras investigações", concluiu a pesquisadora.

 O desenvolvimento da agricultura industrial, modelo hegemônico no mundo quando o assunto é a produção de alimentos, esteve desde sempre atrelado ao capitalismo e aos seus modos de produção racionalizados e otimizados para a obtenção de lucros. A lógica desse modelo de agricultura está baseada na exploração da terra pela monocultura, o uso de insumos agrícolas e agrotóxicos, o desmatamento, a extração indiscriminada, que resultam na perda da biodiversidade, na desertificação do solo, na escassez dos recursos e na expansão das fronteiras agrícolas e agropecuárias para novas terras para mais um novo ciclo de degradação, ampliando as desigualdades e os problemas socioambientais. 

No contexto atual, com a conscientização sobre a relação das escolhas e atitudes da humanidade e os processos de mudanças climáticas, a preocupação com a sustentabilidade vem ganhando cada vez mais peso na sociedade. Soluções capazes de minimizar os impactos ambientais e reduzir as desigualdades sociais tornam-se urgentes, e a agroecologia faz parte desse processo, já que este modo de produção busca desenvolver técnicas de manejos sustentáveis e menos agressivos ao meio ambiente, o que tem reflexo ambiental e também social. 

"Para além de uma diferenciação de modos de produção, há sobretudo uma diferença política e identitária que foi construída de forma antagônica através da história e da resistência dos movimentos campesinos frente à hegemonia neoliberal e à industrialização do campo. Dentro dessa perspectiva, a agroecologia, especialmente no contexto latino-americano, se forma em um espaço de constante disputa de significados de diferentes grupos sociais que se aglutinam na busca por autonomia, reconhecimento e terra", defendeu Ana Patrícia Braga. 

Essa busca por autonomia também se reflete na luta pela igualdade de gêneros. "O feminismo camponês se constrói a partir da experiência prática das mulheres na luta contra-hegemônica, na valorização dos saberes tradicionais, na coletividade, nas associações e cooperativas autogestadas, na preservação do meio ambiente, na busca pela soberania alimentar, na luta pela autonomia, pela liberdade de seus corpos, pela divisão justa do trabalho doméstico, pela partilha da renda e da terra, pela valorização do seu trabalho e pelo seu reconhecimento como sujeitos políticos e sociais", finalizou a pesquisadora.
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OCASO E ESCURIDÃO: IMPACTOS DE ARIETE NA EPIDERME DO DIA

Poderia utilizar como epígrafe para esse bate-papo, como indicador apenas ilustrativo, ou como parte essencial do contexto, ou apenas como visão, produto do surto e do estado de nervos, duas lembranças tênues e vagas, ecos de leituras remotas que empreendi por alguma obrigação acadêmica. A primeira diz respeito ao Dilema do Jacaré, citado talvez por Zenão de Aléia ou Sêneca ou Tirésias:

1. Conta-se que um magistrado teve sua única filha raptada por um jacaré. Procurando-o, ouviu do raptor a seguinte proposta: — Para ter tua filha de volta terás que me dizer acertadamente o que farei com ela: se vou devorá-la ou se vou devolvê-la. Se errares já sabeis o seu destino.

A segunda citada por Tom Zé, nunca por Roberto Carlos ou Julio Iglesias:

2. Conta-se que Euclides da Cunha chegando a Salvador para a cobertura da Guerra dos Canudos deparou-se com o seguinte quadro: uma criança, detida nos arredores de Remanso, estava sendo interrogada por um delegado de polícia sobre a organização do povo de Canudos e a ideologia do Conselheiro, ao que pergunta ou pergunta-se: —...mas Deus está de que lado?

Sejam essas duas reminiscências os nossos arautos: o dilema entre o acerto e o erro. Pois no caso do jacaré tanto o acerto como o erro levarão à dor. Instaura-se o mal-estar, suspende-se o tempo, aumenta-se o incômodo gerado por aquele velho sentimento de impotência, regente da orquestra das lágrimas. Esse imbróglio interior não tem, ou tem, como causa o mundo conhecido. Mesmo se sabendo que um jacaré jamais raptará alguém, o pacto para um caminho ideal de reflexão, sobre essa hipotética encruzilhada, é costurado entre nós desta sala, extensão do Universo, e o texto daquela ante-sala, extensão da Mente.

 É típica dos gregos a formulação do enigma, o edificar a esfinge, o especular sobre o destino. E essa esfinge, o jacaré, e esse Édipo avesso, o magistrado, se embrulham por duas figuras apenas citadas e que não podem ser vistas: a filha raptada e o ato final do raptor. O magistrado diante do despenhadeiro do erro, pois se acertar, perde, e se errar, perde também, espreme o seu peito contra o desconhecido, que ele não vê, no âmago do jacaré, transformando este mesmo jacaré em seu pesadelo acordado, sem apocalipse, sem revelação.

Pensemos agora na criança interrogada, perdendo a inocência ao especular sobre o desconhecido partido tomado por Deus, meio a desgraça de seu povo. O delegado, parente daquele jacaré, do dilema, é uma intrusão em sua simples meta de seguir a construção de um vilarejo pobre e miserável sob a pregação da austeridade e do sofrimento como ferramentas para a divinização. Ela, a criança, é o próprio seqüestrado, cuja formulação do dilema colocará por terra o seu seqüestrador que, se responder sobre qual dos lados repousa a benção de Deus, ferirá fatalmente toda a tradição cristã, desfigurando assim a empreitada das forças federais e fundamentando o sentimento messiânico do seqüestrado.

Gostaríamos, a muito custo, mas não ilegitimamente, de unificar os dois dilemas numa proposição que una a tristeza por não se poder entender aquilo que se vê, o medo por se entender aquilo que se vê e a angústia por não se poder nem ver nem entender. Minha argonave partiu da Grécia e aportou na fundação do Brasil, na Bahia do Monte Pascoal, no Nordeste insular e paradoxal. Senão, vejamos.

A música popular regional nordestina, essa que facilmente se chama forró, em todas as suas dimensões, assenta-se sobre dois pilares: Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. O primeiro revela aos olhos da nação as agruras do espaço físico, geográfico, das secas e cheias, de rios efêmeros e fomes perenes, bem como o ambiente político com seus coronéis e padres, o poder paralelo dos cangaceiros e as mortes por vingança, o enxoval do vaqueiro e as festas populares. O outro nos apresenta os cabarés e as umbigadas, a ginga da peixeira e as aventuras dos forrozeiros, o amor putânico e o rala-coxa, mais alegre e urbano, enquanto o primeiro é predominantemente rural. Resumem, portanto, ou melhor, sintetizam a mitologia nordestina.

 Temos falado até agora no par semiológico ver/não ver, luz/trevas. Antes, porém, do avanço, relato uma conversa partilhada com o professor Eduardo Portella quando afirmava ele que o povo dos cafundós (sim, lá também existem os cafundós!) da Europa do Leste, dos interiores tchecos, sérvios, húngaros, bósnios e além, sofrem de uma predisposição para a angústia. Tentei inserir uma certa angústia do homem nordestino, mas a conversa não evoluiu. Fiquei inseminado pelo tema e saí perseguindo meus murmúrios. 

Deságua aqui nesta Baía, no coração do Leblon, a minha inquietação. Situações circunstanciais de opressão pelo meio ao que parece podem fomentar uma certa ponta de angústia. Pensei, assim, na aridez da vida dos miseráveis de Canudos que não sabiam, ou não conheciam, ou não viam motivo para tanta guerra. Alastrei meu olhar para os desdentados dos vales profundos, viventes-plantas cujas unhas dos pés nunca arranharam um pedaço de pão quente saído do forno ainda há pouco. Vi alguns migrantes caídos na Cinelândia. Abismando-me com essas paisagens distantes e essas outras presentes, calei. Ver dói, não ver, idem. Isso que senti aportou em Gonzaga e Jackson.

A música mais conhecida de Gonzaga é Asa Branca. Qualquer funkeiro ou rapper, rockeiro ou erudito conhece seus acordes simples, sua letra grave e sua estrutura quadrada. Mas olhemos para a letra com mais demora. Deixemo-la irrigar-nos.

 Quando olhei a terra ardendo

Qual fogueira de São João

Eu perguntei a Deus do céu, ai

Por que tamanha judiação

Que braseiro, que fornalha

Nem um pé de plantação

Por falta d'água perdi meu gado

Morreu de sede meu alazão

Até mesmo o asa branca

Bateu asas do sertão

Então eu disse adeus Rosinha

Guarda contigo meu coração

Quando o verde dos teus olhos

Se espalhar na plantação

Eu te asseguro não chores não, viu

Que eu voltarei, viu meu coração.

 Agora vejamos essa outra canção:

 Assum preto

Tudo em vorta é só beleza

Sol de Abril e a mata em frô

Mas Assum Preto, cego dos óio

Num vendo a luz, ai, canta de dor .

Tarvez por ignorança

Ou mardade das pió

Furaro os óio do Assum Preto

Pra ele assim, ai, cantá de mió

Assum Preto veve sorto

Mas num pode avuá

Mil vezes a sina de uma gaiola

Desde que o céu, ai, pudesse oiá

Assum Preto, o meu cantá

É tão triste como o teu

Também roubaro o meu amor

Que era a luz, ai, dos óios meu

 Muito bem, as duas são de Gonzaga e Humberto Teixeira. Pensemos em nossos dilemas epigráficos: sofrer por ver e sofrer por não ver, em suas leituras livres. E, agora, volvamos um olhar sobre o título atribuído a esse roteiro: ocaso e escuridão. Se em Asa Branca o ato de ver causa o desespero, porque não dizer a angústia, por poder observar que tudo está sendo devorado e que o dilema se instaura (partir ou morrer), em Assum Preto dá-se o contrário: não ver proporcionará o cantar mais lindo. A reflexão vai bem mais além quando se prefere trocar a luz dos olhos pelas grades da prisão. Agora intelectualizemos o par opositivo: diante da luz, a angústia, longe da luz, o belo. Parece-me o paradoxo ditado e vivido por Homero, em si próprio, fundando toda a literatura universal, inclusive a metamorfose coleóptera de Gregor Samsa. Agora pairemos sobre esta outra canção cantada por Jackson:

 Lamento cego

Irmão, que está me escutando

Preste bem atenção.

Já vi um cego contando

Sua história num rojão.

Quem vê a luz deste mundo

Não sabe o que é sofrer.

Que sofrimento profundo

Querer ver e não poder.

Irmão, mais triste eu fico

Com tanta ingratidão

Dois gravetos de angico

Me tiraram a visão.

Por isso nós tamo aqui

Eu e minha viola.

Por Jesus vamos pedir

Meu irmão, me dê uma esmola

Que Deus recompense então

A sua caridade

E lhe dê sempre a visão

Saúde e felicidade.

 É uma composição de Jackson e Nivaldo Lima. Se em Asa Branca ver é tomar consciência das próprias catástrofes e ser obrigado a optar sobre um dilema, em Assum Preto, não ver é proporcionar a manifestação do Belo. Aqui neste lamento há o maldizer por não poder enxergar ou como diz a letra “que sofrimento profundo querer ver e não poder.” 

Mas, afinal, que sofrimento é esse? Qual o seu nome? Onde se instala? Nossa sociedade globalizada é de alma visual. A visão sobrepõe-se ao tato e ao metafísico. O fim do pensar. A velocidade. A banalização da sexo, da violência e da literatura são ferramentas poderosas no processo de massificação e homogeneização cultural. As nossas empresas de telefonia celular sabem disso. Suas máquinas não mais só falam, elas fotografam, elas transmitem ao vivo.

 O cego de Jackson sofre por miseravelmente não poder ver, não sentir-se inserido nas cores. Roga a esmola e em contrapartida oferece como paga a recompensa de Deus com a visão eterna, com a saúde e com a felicidade. Contraditoriamente, já que estamos dialogando sobre dilemas, o fim das promessas do progresso e do bem-estar oferecido pela tecnologia e pela técnica, as benesses do paraíso, o leite e o mel, esses dons assinados pelo mesmo Deus, não nos presenteiam mais com saúde e felicidade. 

Veja-se o colapso da saúde nos países periféricos e a escassez do emprego em todo o mundo. O dilema de Hamlet passaria de ser ou não ser a ver ou não ver. A angústia da Europa Oriental não é maior lá ou cá. Não há predisposição deste ou daquele povo. Se há algum tempo a Ilustração nos ofereceu a Luz, a pós-modernidade nos apresenta a conta e a Light, extensão do Mundo-Capital-Consumo, foi privatizada.

Ainda nos resta o diálogo dos dois cegos citados por Leonardo Mota em seu Cantadores. Diz o primeiro:

 Tenham pena deste cego,

Filhos da Virge Maria;

Eu sou cego de nascença,

Nunca vi a luz do dia!

 Ao que o outro respondeu:

 Quem nasceu cego da vista

E dela não se lucrou,

Não sente tanto ser cego

Como quem viu e cegou!

Um embate sobre a maior miséria. Agora ouçamos: perguntei a um desses policiais que participaram do massacre do Carandiru qual jacaré seqüestrara minha lâmpada de Aladim. Veio-me a resposta como uma bala: surda, certeira e devastadora extraída do poema de Drummond:

 Nesse país é proibido sonhar.

 Findo, senhores, com uma canção do Cego Aderaldo, um parvo cuja angústia foi ver demais:

 As três lágrimas

Eu ainda era pequeno

mas me lembro bem

de ver minha pobre Mãe

em negra viuvez.

Meu pai jazia morto

Estendido em um caixão

 E eu chorei então

Pela primeira vez!

 E a pobre minha Mãe

Daquilo estremeceu:

De uma moléstia forte

A minha mãe morreu.

Fiquei coberto em luto

E tudo se desfez

 E eu chorei então

Pela segunda vez.

 Então, o Deus da Glória,

O mais sublime artista,

Decretou lá do Céu,

Perdi a minha vista.

Fiquei na escuridão,

Ceguei com rapidez

 E eu chorei então

Pela terceira vez.

Meus prantos se enxugaram.

Das lágrimas que corriam

Chegou-me a poesia

E eu me consolei.

Sem pai, sem mãe, sem vista,

Meus olhos se apagaram;

Tristonhos se fecharam

 E eu nunca mais chorei.

  ADERALDO LUCIANO, além de músico, poeta e cangaceiro urbano é professor doutor em Ciencia da Literatura

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SÉTIMA EDIÇÃO DO ENCONTRO SABERES DA CAATINGA ACONTECE ENTRE OS DIAS 03 A 09 DE JULHO

O campus de Crato do IFCE receberá, de 3 a 9 de julho, a sétima edição do Encontro de Saberes da Caatinga, evento que tem como objetivo promover troca de saberes entre raizeiros(as), meizinheiras, benzedeiros(as) e parteiras da região da Chapada do Araripe, contribuindo para o fortalecimento do papel cultural da sabedoria tradicional nos processos de cuidado e cura. 

Este ano o encontro tem como tema: O CANTO QUE NO MUNDO ECOA, NO CORPO RESSOA

De acordo com o site Saberes da Caatinga, essa é uma atividade promovida com amor por diferentes voluntári@s, movimentos sociais, instituições não governamentais e governamentais, unides para propagação dos saberes de cura.

BIOMA CAATINGA-O Bioma Caatinga é um ecossistema único e diversificado que enfrenta vários desafios, incluindo desmatamento, desertificação e mudanças climáticas. É importante não só pelo seu valor ecológico e cultural, mas também pelo seu significado econômico e social. A região fornece recursos e serviços valiosos para as comunidades locais, como alimentos, água, remédios e combustível. Portanto, é essencial adotar uma abordagem holística e sustentável para sua gestão e desenvolvimento.

Um dos principais desafios para o bioma Caatinga é o rápido e extenso desmatamento, causado principalmente por atividades humanas como agricultura, pecuária e extração de lenha. Para resolver este problema, práticas sustentáveis de uso da terra que combinem objetivos de conservação e produção devem ser promovidas. Por exemplo, sistemas agroflorestais que integram cultivos, árvores e animais podem proporcionar múltiplos benefícios, como fertilidade do solo, conservação da biodiversidade e geração de renda.

A mudança climática é outro desafio para o bioma Caatinga, que deve aumentar a frequência e intensidade de secas, enchentes e outros eventos extremos. Para enfrentar esse problema, estratégias de adaptação e mitigação que sejam específicas ao contexto e participativas precisam ser desenvolvidas, envolvendo o conhecimento e as preferências locais. Por exemplo, a restauração de áreas degradadas e a promoção de técnicas de coleta de água podem ajudar a aumentar a resiliência do ecossistema e os meios de subsistência da comunidade.

A pesquisa e a inovação desempenham um papel crucial na compreensão da dinâmica e das funções do bioma Caatinga e no desenvolvimento de novas tecnologias e práticas para seu manejo e restauração. Eles também podem fornecer insights e soluções valiosas para os desafios e oportunidades da região da Caatinga, não apenas em termos de conservação ambiental, mas também em termos de desenvolvimento econômico e social.

Finalmente, a pesquisa e a inovação podem contribuir para o empoderamento e participação das comunidades locais, proporcionando-lhes acesso a conhecimentos, recursos e tecnologias que podem melhorar sua qualidade de vida e bem-estar. Eles também podem ajudar a promover o reconhecimento e respeito pelos saberes e práticas tradicionais das comunidades locais, alcançando uma abordagem mais inclusiva e diversificada para a gestão e desenvolvimento do bioma Caatinga.

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