A JUAZEIRENSE MILENA, JOÃO DO VALE E O BAIÃO FOGO DO PARANÁ


"Carcará pega, mata e come/ Carcará, não vai morrer de fome/ Carcará, mais coragem do que homem..." A metáfora social de Carcará, imortalizada por Maria Bethânia no lendário show "Opinião", nos anos 60, é de autoria de um poeta, compositor negro e semi analfabeto chamado João Batista do Vale, compositor de dezenas de músicas inesquecíveis que marcaram a canção brasileira.

Após morrer em 1996, o compositor maranhense, idolatrado por Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Luiz Gonzaga, Nara Leão e outros grandes nomes da música brasileira tem um capítulo que o liga a Juazeiro Bahia.

Em 1977, ao ser convidado para fazer show no Projeto Pixinguinha, pela então recém-criada Funarte, o cantor e compositor maranhense João do Vale (nascido em 11 de outubro de 1934 e falecido em 6 de dezembro de 1996) pediu que a companheira de palco fosse Milena.

Tratava-se da cantora Milena, nascida em Juazeiro, terra de João Gilberto, dona de uma das mais belas vozes do cancioneiro brasileiro.

Milena percorreu o Brasil e soltou a voz mostrando os sucessos como Carcará (João do Vale e José Cândido, 1965), Peba na pimenta (João do Vale, José Batista e Adelino Rivera, 1957) e Pisa na fulô (João do Vale, Silveira Junior e Ernesto Pires, 1957).

A juazeirense faleceu este ano, marcando, infelizmente a falta de valorização da cultura brasileira e seus artistas. A amizade gerou shows e programas de TV feitos por Milena com João do Vale na década de 1980. Milena ainda em vida chegou a lançar o álbum João do Vale – Muita gente desconhece.

João do Vale é ainda autor da música Na asa do vento (João do Vale e Luiz Vieira, 1956), O canto da ema (João do Vale, Ayres Viana e Alventino Cavalcanti, 1956) e Coroné Antonio Bento (João do Vale e Luiz Wanderley, 1970).

O cantor e compositor Chico Buarque afirma que "João do Vale está na mesma linha de Luiz Gonzaga e a sua obra tem tanto peso e valor quanto a do rei do baião".

Este mês caminhando pelos sertões do Paraná, lembrei de Milena e João do Vale. Lembrei de Luiz Gonzaga e Gonzaguinha interpretando o baião Fogo do Paraná. Emocionado chorei...


A história conta que o Incêndio florestal no Paraná foi um grande incêndio que ocorreu na década de 1960, no século XX, no estado do Paraná, Brasil. O incêndio atingiu principalmente a região do norte pioneiro e campos gerais do Paraná além de alguns municípios da região central e norte do estado. É ainda considerado um dos maiores incêndios ocorridos no Brasil e no mundo.

Este incêndio é tema do livro “1963-O Paraná em chamas” que traz a história de um incêndio florestal que ocorreu há cinquenta anos sete anos no Paraná.   Foram 3 anos de trabalho que incluiu pesquisas em mais de 1000 documentos, entre periódicos, estudos acadêmicos, arquivos eletrônicos, relatórios governamentais além de entrevistas com jornalistas, profissionais agrônomos da época e integrantes da Defesa Civil do Paraná.

Naquela época agosto e setembro foram meses de fortes estiagem no Paraná e o estado vinha passando por um período bem seco. Como era de costume, os lavradores faziam pequenas queimadas para limpar o terreno. Com os fortes ventos, não demorou muito para o fogo avançar sem controle. Essa combinação de fatores foi o estopim para o fogo se alastrar pelo interior do Paraná.

Jornais da época mostram que imóveis, entre casas, galpões e silos, viraram cinzas. Cerca de 10 mil famílias, a grande maioria formada por trabalhadores rurais, ficaram desabrigadas. Tratores, equipamentos agrícolas e incontáveis veículos foram atingidas.

O fogo causou a morte de cerca de 300 pessoas. Entretanto, não chegaram a um consenso sobre o número de mortos, que teria sido maior, segundo os jornais da época.

Naquela época João do Vale compôs, o baião Fogo do Paraná e Luiz Gonzaga cantou:

"José Paraíba  seu Zé das Crianças foi pro Paraná cheio de esperanças.

Levou a mulher e seis barrigudinhos:  Pedro, Juca e Mané, Severino, Zefa e Toínho. No norte do Paraná todo serviço enfrentou batendo enxadas no chão mostrou que tinha valor...Dois anos de bom trabalho até cavalo comprou.

A meninada crescia, robusta e muito feliz, estudava animada. A mulher sempre dizia: Ninguém tá com pança inchada tudo igualzinho a sulista, muita saúde de bochechinhas rosadas.

Se nordestino é pesado é do ofício, o cavaco é como diz o ditado, a corda só quebra no fraco. Deus quando dá a farinha o diabo vem, rasga o saco.

Aquele fogo, maldito que o Paraná quase engole e José lutava contra ele acompanhado da prole. 

Vosmicê fique sabendo que José nunca foi mole. 

Depois de tudo perdido chegando no seu ranchinho foi conferir os meninos e estava faltando Toínho...Voltou em cima do rastro gritando pelo caminho:

Cadê Toínho...Toínho num veio. Cadê Toínho, Responde pelo amor de Deus Toinho...

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POLÍTICAS DE VACINA E VACINAS POLÍTICAS

Quase todos os principais Laboratórios farmacêuticos do mundo estão se acotovelando para assegurar seu espaço na América Latina. A disputa por esse posto de provável fornecedor da vacina contra a COVID-19 se passa em algum lugar entre a Cidade do México, Buenos Aires, Lima e São Paulo. Essa competição sanitária coloca em cena, de forma inesperada, as relações estruturalmente assimétricas existentes nessa área — assim como em outras — entre os países do Sul e do Norte.

O que, de fato, são esses Laboratórios?

São grandes empresas da área da saúde, oriundas das grandes potências mundiais econômicas: dos Estados Unidos (Covaxx; Johnson & Johnson; Merck; Novavax), da China (CanSino; CNBG; Sinipharm; Sinovac), da Alemanha (Curevac; Pfizer), da Bélgica (Janssen), da França (Sanofi-Pasteur), da Itália (ReiThera), da Rússia (RDIF-Sputinik V), do Reino Unido (Oxford/AstraZeneca). A filantropia não constitui a razão de ser dessas companhias. Ela vem acompanhada do objetivo prioritário, o lucro, tal como ocorre com toda e qualquer empresa.

À primeira vista, surpreende essa sua presença na América Latina, “continente” de famílias com poder aquisitivo relativamente baixo, se comparado ao da renda média norte-americana, japonesa ou européia. Três fatores, no entanto, permitem compreender esse interesse sanitário e econômico. 

O primeiro é particularmente atraente: o mercado em potencial é enorme. Além disso, em razão do descumprimento social de medidas de prevenção do coronavírus, os sistemas de saúde ficaram rapidamente saturados e o número de pessoas infectadas se expande continuamente. A América Latina é atualmente a região do mundo com mais pacientes doentes, mortos ou em situação de risco grave e iminente. 

Não se pode esquecer que, incapazes de oferecer medidas de defesa e prevenção eficazes e suficientes, carentes de estruturas hospitalares à altura do desafio, os governos desses Estados, e seus cidadãos, contam com a vacina como a única solução viável, e por isso recorrem àqueles que são capazes de criá-la.

As autoridades regionais estão atirando para todos os lados e apelando para todos os santos. Os chefes desses Estados aproveitaram a tribuna das Nações Unidas, no final de setembro, para manifestar suas preocupações e expectativas quanto ao acesso universal à vacina. Eles aderiram ao sistema Covax Facility, da OMS, para garantir, mediante pagamento, o fornecimento de remessas mínimas.

 O México, por exemplo, efetuou, em 8 de outubro de 2020, um pagamento de 180 milhões de dólares, o que lhe dá direito a mais de 51 milhões de doses. Eles apelaram aos grandes Laboratórios do mundo, mencionados acima, e estes, diante do tamanho das necessidades e da urgência, responderam positivamente a esses pedidos, sem ignorar a força motivacional do primeiro dos fatores de seu interesse particular em atender esses Estados.

Com economias “intermediárias”, os países latino-americanos oferecem outra vantagem igualmente decisiva aos olhos dessas empresas. Eles têm a capacidade industrial para produzir localmente as vacinas criadas por esses Laboratórios internacionais. Argentina e México anunciaram, em 12 de agosto de 2020, um acordo de cooperação com a empresa britânica AstraZinovac. Esse contrato recebeu o apoio financeiro do homem mais rico do México, Carlos Slim. A Fiocruz, no Brasil, também fechou contrato com a britânica AstraZeneca. O Instituto Butantan, em São Paulo, associou-se à chinesa Sinovac. A vacina já tem, inclusive, um nome: CoronaVac. O TecPar, Instituto de Tecnologia do Paraná, buscou um acordo semelhante com a russa RDIF-Sputnik V.

Além da certeza de atenderem a uma demanda multimilionária, que será honrada financeiramente, e fabricada localmente, esses Laboratórios beneficiam-se de uma terceira contrapartida significativa. O de poder dispor de voluntários em abundância para realizar os ensaios ditos de fase três, quando se passa de testes em animais para testes em seres humanos. Os governos, pelas razões expostas acima, concederam todas as autorizações necessárias. 

Os trabalhadores da saúde, em primeiro lugar, por serem considerados vítimas em potencial, responderam massivamente a esses pedidos. A AstraZinovac está realizando testes na Argentina, no Brasil e no México. A CNBG na Argentina. Casino e CureVac no México. Janssen e Novavax no México. Johnson & Johnson e Sinopharm no Peru. Sinovac no Brasil e no Chile. Sanofi-Pasteur no México, assim como a ReiThera. Sputnik-V no Brasil e no México.

A pandemia é mortal. Ela mata. Ela é também a origem de várias disputas políticas. O contexto de competição “custe o que custar” pela produção da vacina provocou outras disputas e rivalidades. Os governos latino-americanos têm com que se preocupar: os países ricos lhes legarão a parcela devida das vacinas? 

Os Estados-Unidos, preocupados com a penetração de Laboratórios russos e chineses, tentam dar uma rasteira, e intervir no processo. No Brasil, o governo federal e os estaduais competem por vacinas e laboratórios. O presidente Jair Bolsonaro, depois de receber um enviado de Donald Trump, o Conselheiro de Segurança Nacional Robert O’Brain, desautorizou o seu terceiro ministro da saúde, o general Eduardo Pazuello, que havia acabado de anunciar uma grande compra de 46 milhões de doses da vacina CoronaVac. Essa vacina tem um duplo defeito: é de origem chinesa, logo, ‘comunista’, e vem sendo promovida por um dos opositores de Bolsonaro, o governador do Estado de São Paulo, João Doria.

A OPAS, Organização Pan-Americana da Saúde, tentou oportunamente soprar ao pé do ouvido algumas reflexões, e advertiu, uns e outros, em 23 de outubro, nestes termos: “A América Latina não deve depender exclusivamente da vacina para acabar com a COVID-19”.

*Jean-Jacques Kourliandsky é diretor do Observatório da América Latina junto ao IRIS – Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, com sede em Paris e responsável pela cobertura e análise conjuntural geopolítica da América Latina e Caribe.

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ELEIÇÕES: NOVOS PREFEITOS ENCONTRARÃO CENÁRIO DESAFIADOR NAS CIDADES

Os prefeitos que assumirão a administração de suas cidades a partir de 1º de janeiro de 2021 encontrão mais dificuldades que os seus antecessores. A economia brasileira estará em recuperação após a recessão mais aguda da história, provocada pela pandemia de covid-19. No rastro da crise, queda de arrecadação e aumento do desemprego. As despesas não deverão dar trégua, ainda sob ameaça de mais gastos por causa de novas infecções.

“Num primeiro momento, eles vão enfrentar um cenário de terra arrasada”, prevê Ricardo Macedo, professor do curso de Ciências Econômicas do Ibmec no Rio de Janeiro. “Quem assumir uma prefeitura, além de ter poucos recursos, tem que descobrir novas fontes de receita.” Em sua opinião, o poder público municipal tem que fiscalizar mais, renegociar dívidas, e recuperar receitas - “pra fazer o caixa fluir”.

Os novos administradores municipais começarão o mandato fazendo conta de menos. Conforme previsto em lei, os municípios, assim como estados e Distrito Federal, deixarão de receber o auxílio emergencial pago pela União após nove meses de pandemia. Até dezembro de 2020, esses entes federativos terão recebido R$ 79,19 bilhões do governo federal.

“O socorro da União aos municípios não tem como se repetir em 2021. É um ano de muito desafio na parte fiscal”, descreve José Ronaldo de Castro Souza Júnior, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Os gestores municipais estão sem quase nenhuma disponibilidade de caixa para políticas públicas, investimentos e gastos que não sejam pagar salários”, descreve.

O consultor da área de estudos técnicos da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) Eduardo Straz também usa o termo “desafio” para falar da situação dos municípios no primeiro ano de mandato dos novos prefeitos. “A sociedade via cobrar fomento de emprego e renda e já vai votar pensando nisso”, alerta aos candidatos - lembrando que até o período de transição e de preparação da nova administração vai ser mais curto por causa do adiamento das eleições em mais de um mês entre outubro e novembro.

De acordo com o Índice Firjan de Gestão Fiscal, medido com dados de 2018 junto a 5.337 municípios (96% das cidades brasileiras), mais de um terço das prefeituras não gera receita suficiente para manutenção da própria estrutura administrativa. Um quinto das prefeituras terminou aquele ano sem caixa para quitar todas as despesas. Quase a metade das cidades (49,4%) gasta a maior parte da receita com pessoal (54%).

O estudo Multi Cidades - Finanças dos Municípios do Brasil, publicado pela Frente Nacional de Prefeitos (FNP), também com dados de 2018 referentes a 4.533 cidades (81,4% do total), esboça igualmente quadro de preocupações para os novos prefeitos: de cada R$ 10 que o conjunto das administrações municipais dispunha, R$ 9,09 foram gastos com despesas de pessoal (R$ 300,19 bilhões no total) ou custeio da máquina pública (R$ 247,14 bilhões). Apenas 6,4% (R$ 38,37 bilhões) de tudo que foi gasto se destinaram a investimentos. (Agencia Brasil)

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POR FALTA DE DINHEIRO, FORNECIMENTO DE CARRO PIPAS A CIDADES DO NORDESTE DEVE SER INTERROMPIDO

Por falta de dinheiro, famílias que dependem de carros-pipa no Nordeste devem deixar de receber água potável a partir desta terça (3), em meio ao período de seca na região.

Segundo relatos feitos à reportagem, a interrupção do serviço, por meio da Operação Carro-Pipa, foi informada por integrantes do governo federal a autoridades estaduais e municipais de estados como Bahia e Pernambuco.

A iniciativa, que atende cerca de 850 municípios, prevê que o Exército fiscalize e coordene a distribuição da água em áreas atingidas pela seca.

A reportagem teve acesso a um aviso de um batalhão baiano a motoristas de caminhões-pipa, enviado na quinta-feira (29), especificando que o serviço será interrompido "por falta de recursos para pagamentos diversos".

Procurado pela reportagem, o Exército não se manifestou até a publicação desta reportagem.

O governo federal tinha conhecimento de que não haveria dinheiro suficiente e pediu a realocação de recursos para que o Exército contratasse carros-pipa. O projeto que autoriza a medida, porém, ainda não foi votado pelo Congresso.

Documento com data de 30 de setembro anexado ao PLN (projeto de lei do Congresso Nacional) nº 30 informa que o crédito em pauta visa possibilitar o atendimento de despesas no Ministério do Desenvolvimento Regional, entre outros.

Ele detalha que os recursos são para o "custeio da Operação Carro-Pipa entre os meses de setembro a dezembro visando garantir o atendimento com água potável à população vitimada pela seca no semiárido brasileiro, entre outras". O texto é assinado pelo ministro Paulo Guedes (Economia).

Na última sexta-feira (30), o senador Jaques Wagner (PT-BA) ingressou com requerimento pedindo esclarecimentos ao ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) sobre o fornecimento de água no Norte e no Nordeste.

O documento aponta que a iniciativa envolve cerca de 7.000 veículos, que levam água para 79 mil pontos de abastecimento e cisternas coletivas.

O presidente da Amupe (Associação Municipalista de Pernambuco), José Patriota, disse que os prefeitos foram informados do corte apenas nesta sexta, dois dias antes da interrupção do serviço.

A região passou por sete anos de seca, de 2012 a 2019. Em 2020, voltou a chover, mas agora o momento é de estiagem. "Isso vai dar um rebuliço grande. É o pico da seca de todo o semiárido nordestino", disse Patriota.

O Ministério do Desenvolvimento Regional informou que solicitou a suplementação de recursos do orçamento para manter as ações da operação carro-pipa, bem como a continuidade de obras essenciais na áreas de saneamento e segurança hídrica, evitando paralisações.

O remanejamento de recursos está previsto no PLN 30, que aguarda apreciação pelo Congresso Nacional. De acordo com a pasta, para a manutenção da operação carro-pipa até o final do ano são necessários R$ 142 milhões.

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disse à reportagem que o Congresso fará sessão na quarta-feira (4) para votar todos os 29 PLNs, matérias que abrem espaço no Orçamento, que estão parados sobre sua mesa.

A reportagem é de Gustavo Uribe e Daniel Carvalho, da Folhapress

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NEM TUDO ESTÁ AQUI, MAS É AQUI, NARRATIVAS DE AREIA, DE JANAÍNA AZEVEDO

As cidades me incomodam desde sempre, mas uma me incomoda mais do que todas. Juntem-se todas as cidades do mundo, inclusive as erguidas por alucinações com drogas ou variação de juízo, as ficções de livros religiosos ou infernais, as desaparecidas ou que aparecerão, as sonhadas nos sonhos noturnos ou matinais, as destruídas pelas forças políticas ou pela guerra, o catálogo de cá e de lá, à frente e por trás dos muros, acima e abaixo dos céus e da terra, nenhuma me incomodará mais que a cidade cujo nome, hoje, agora, me é tão difícil escrever ou pronunciar.

As histórias dessas cidades haverão de ser contadas e anotadas, revistas e ampliadas, selecionadas e inventadas por homens e mulheres que contam ou narram suas próprias histórias. Seus olhos e corpos são feridos e marcados pela luz e pelas trevas, pelo fogo e pelo gelo de seus próprios pelos. Dessa forma, no abissal ano de 1862, uma peste colérica varreu a cidade, dizimou centenas e arrastou outras centenas para o desespero. Semelhante a hoje, quando nos trancafiamos em nossos muros e tetos, abertas apenas as janelas tecnológicas, assim foram aqueles dias, relembrados por Antonio Borges, em sua sala na capital.

Talvez você queira começar a ler essas Narrativas de Areia por A Entrevista, cujo personagem síntese citei no final do parágrafo anterior. Ou talvez você já tenha iniciado a leitura e nem saiba enquanto está lendo esta nota introdutória, em sua primeira frase. Veja: há alguns anos, 1999, no auge de minhas dores mais densas, Janaína Azevedo publicava o seu livro-labirinto Marias. Aquele não era um livro de estreia, era um livro abre-alas. Compreendíamos a reunião de contos como o resultado de algum caminho já percorrido, de alguma estância existente, de uma cidade de letras que se rompia em vida, de um barracão-ateliê onde os maçaricos trabalharam com dedicação extrema.

Mesmo que você tenha lido Orquídea de Cicuta, vou repetir-lhe a máxima: ninguém deve morrer levando consigo uma história. É um imperativo da humanidade contá-las, revelá-las, introduzi-las de volta no ouvido e nos óculos dos vivos, mesmo que nas casas onde sejam lidas ou ouvidas existam mais meninos que esperança. Aliás a esperança é uma luz regente nos leitores. Enquanto eu-menino nutro minhas esperanças no texto de Janaína, assenhoro-me do seu destino de autora afinada, afiada e pronta, no auge da maturidade, carregando o peso da leveza, o fardo recheado de ilusionismos reais.

Não sei se vocês já observaram o vento assoviando onde quer e como quer. Atravessa a mata, não escolhe abrigo, desata-se na chã, redemoinha-se nas tocas, levanta as saias, descobre telhados, surrupia chapéus, faz chover de lado, arranca árvores, soterra monumentos, balança a corda da forca, fere a pele do rosto, assanha os cabelos, espalha papéis, arremessa pássaros, confecciona os argueiros, varre as narrativas, molda a areia. Não há um só homem, nem um só amor, nenhuma distância, qualquer presença ou ausência insensíveis ao vento frio. Mas Janaína o doma. Janaína o aprisiona, magia e aplicação, no timbre de sua letra, no seu espectro vogal.

As duas partes de suas Narrativas de Areia não foram apartadas pela ventania. Foram construídas, primeiro com a compra de uma casa até a demolição de outra. Depois com a reunião das almas mortas e a fera manifesta rompendo a geografia acidentada da cidade, revelando seu corpo feminino e uma cabeça de medusa para tantas significações. O caminho de Janaína tem sido o caminho da fera. Escrever e observar, deixar-se habitar no casario da tradição, observando sua demolição e reinvenção, ler e aprofundar-se na com-tradição histórica de um povoado que se sonhou metrópole e se acordou arrabalde. 

Depois de reler a obra de Janaína Azevedo, desde aquele já citado Marias, premiado e santo, até este que aqui se sopra, fica-me a certeza mais geral: passou da hora de agradecer-lhe a existência. A única letra acesa na noite brejeira, a última bela face no papel dos desterrados, como eu. Parece-me que há um grande circo armado, debaixo do qual um padre sem batina reza a missa do galo. E uma noiva dispara num choro sem fim, testemunhando as melhores histórias que se pode contar no mundo. Obrigado, Janaína, pela grandeza de reunir aqui a areia que o vento carregou vestida de poeira.

Aderaldo Luciano-Rio de Janeiro, pandemia do novo coronavírus, 2020

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FALTAM 13 DIAS: ELEITOR TEM ATÉ QUINTA (5) PARA SOLICITAR A 2º VIA DO TÍTULO

Termina nesta quinta-feira (5) o prazo para o eleitor solicitar a segunda via do título no cartório eleitoral da zona onde está cadastrado. A previsão consta do calendário das Eleições Municipais de 2020.

Para a emissão da segunda via do título, o eleitor deve estar quite com a Justiça Eleitoral, ou seja, não pode ter débitos pendentes – como multas por ausência às urnas ou aos trabalhos eleitorais, como o de mesário – ou ainda ter recebido multas em razão da violação de dispositivos do Código Eleitoral (Lei 4.737/1965), da Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) e leis conexas.

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AMOSTRA SESC CARIRI: ALEMBERG QUINDINS FALA SOBRE A CRIAÇÃO DOS MUSEUS ORGÂNICOS

 

A área do Patrimônio é uma das novidades da Mostra Sesc de Culturas 2020, que acontece de 01 a 08 de novembro, com uma programação 100% digital e 100% made in Ceará. Nesse contexto cultural, a parceria entre Sesc Ceará e a Fundação Casa Grande se destaca trazendo uma programação totalmente voltada para discutir o processo de candidatura da Chapada do Araripe como Patrimônio da Humanidade, com a participação de especialistas no assunto.  

Dando início aos trabalhos, no dia 02 de novembro, os pesquisadores Conceição Lopes (Coimbra) e Patrício Melo (Urca) abordam a iniciativa de estudos para a candidatura da Chapada do Araripe como Patrimônio da Humanidade. No dia 03 de novembro, o gestor em Turismo, Júnior dos Santos, fará uma apresentação da rota turística da região, apresentando roteiros dos Museus Orgânicos, potencializados pela parceria Casa Grande, Sistema Fecomércio, através do Sesc. 

Para fechar o cronograma das atividades de Patrimônio, acontecerá a apresentação do pesquisador, criador da Fundação Casa Grande e assessor de relações institucionais do Sesc Ceará, Alemberg Quindins, falando sobre a criação dos Museus Orgânicos na Chapada, no dia 04.

Todas as atividades serão transmitidas pelo YouTube do SESC Ceará! 

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