28 DE JULHO: LAMPIÃO E MARIA BONITA UMA NOITE DE AMOR NAS MARGENS DO RIO SÃO FRANCISCO

Aquela noite, 28 de julho, era a noite de seus desejos. Seus corpos se amariam como nunca. Seus olhos confessavam seu amor. Havia uma necessidade de abraçar mais forte, de se beijar mais quente, de sussurrar segredos. 

O suor os unia em complexa solução salgada. Seus fluidos se misturavam cumprindo seu destino. A lua, a noite, o silêncio no campo. A terra calava-se diante de tanta cumplicidade. Nus, abraçados, juraram amor eterno, enquanto seus dedos se entrelaçavam. 

A rusticidade de suas vidas nunca invalidara seus momentos de paixão. O cactus, a poeira da caatinga, os bichos mais estranhos, a brisa inexistente, tudo reverenciava e abençoava sua união. Naquela noite, toda a alegria do mundo invadia-lhes a aura. Até que veio a manhã e adormeceram para sempre.

Fonte: professor Aderaldo Luciano-doutor em ciencia da literatura
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MISSA QUE MARCA DATA DA MORTE DE LAMPIÃO ACONTECE NESTA TERÇA (28) PELA INTERNET

Nesta terça-feira, às 17h, acontece a XXIII Missa do Cangaço, que marca o aniversário de 82 anos da morte de Virgulino Ferreira da Silva, popularmente conhecido como Lampião. Em virtude da pandemia do novo coronavírus, o evento será transmitido pelas redes sociais do Museu da Gente Sergipana e do Instituto Banese.

A celebração será realizada pelo Padre Mário César de Souza. Também participam do evento o Quinteto de Cordas e Percussão da Orquestra Jovem de Sergipe e do Grupo de Xaxado "Na Pisada de Lampião", do município de Poço Redondo.

Todos os anos, a missa é realizada na Grota do Angico, em Poço Redondo, local da morte de Lampião, sua esposa Maria Bonita e mais nove companheiros.

Os cangaceiros de Lampião acamparam na fazenda Angicos, Sertão de Sergipe, no dia 27 de julho de 1938. A área era considerada por Virgulino como de extrema segurança, longe das vistas das forças policiais. Mas na manhã do dia seguinte, os cangaceiros foram vítimas de uma emboscada, organizada por soldados do estado vizinho, Alagoas, sob a batuta do tenente João Bezerra. 

O Monumento Natural Grota do Angico foi criado pelo governo de Sergipe há nove anos. Desde a sua criação, a unidade é administrada pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh) e recebe visitantes de várias partes do Brasil e do exterior, para a realização de estudos e pesquisas científicas. Além de abrigar o local da história do Cangaço, representa a única unidade de conservação estadual do bioma caatinga.
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MESTRE APRIGIO MESTRE DA CULTURA MORRE EM OURICURI, PERNAMBUCO AOS 79 ANOS

Morreu na noite de ontem (27), Mestre Aprigio (José Aprigio Lopes), Patrimônio Vivo da Cultura. Ele trabalhava em Ouricuri, Pernambuco com o artesanato em couro. O mestre continuava em plena atividade de artesão, confeccionando peças em couro. Nascido em Exu, ele confeccionou alguns dos chapéus usados por Luiz Gonzaga. 

Nascido em Exu no dia 25 de maio de
1941, 79 anos, o “Mestre Aprigio”, José Aprigio Lopes contava que conhecia bem o repertório de Luiz Gonzaga. Ele confeccionou vários dos chapéus de couro usados por Luiz Gonzaga e hoje é uma das referências dos grandes nomes da música nordestina, exemplo confeccionava os chapeus de Alcymar Monteiro, Chambinho do Acordeon, Jaiminho de Exu, Flávio Leandro, Tacyo Carvalho e Joquinha Gonzaga, sobrinho de Luiz Gonzaga.

“Meus chapéus serviram de coroa para os dois grandes reis que conheci, veja só que privilégio, Luiz Gonzaga e Dominguinhos”, dizia o Mestre Aprigio.

Os chapéus, gibões e sandálias confeccionados por Seu Aprigio ficaram imortalizados também quando a Escola de Samba Vila Isabel desfilou na Sapucaí do Rio de Janeiro contando a vida de Miguel Arraes, político cearense, nascido no Crato, três vezes governador de Pernambuco.

No desfile o cantor Martinho da Vila encarnava um cangaceiro. O sambista se emocionou do começo ao fim da passagem da escola, da qual é presidente de honra e símbolo maior. Detalhe: o chapeu de couro e o gibão é confecção do artesão Mestre Aprigio.

A Secult/Fundarpe, através de nota lamentou a perda do Patrimônio Vivo de Pernambuco e sertanejo ilustre José Aprígio, conhecido como Mestre Aprígio, anunciada nesta segunda-feira à noite.

Ele ficou famoso pelo trabalho como artesão em couro, que encantou gente como Luiz Gonzaga e Dominguinhos. Tinha 79 anos.

Escolhido em 2019 pelo Governo de Pernambuco como Patrimônio Vivo do Estado, Mestre Aprígio possuía um ateliê em Ouricuri, no Sertão do Araripe, terra que escolheu para desenvolver seu trabalho. Chapéus de couro, perneiras, sandálias e bolsas eram sua especialidade, com destaque para a indumentária do vaqueiro.

Aos familiares, amigos e admiradores, deixamos a nossas condolências e deixamos os nossos mais sinceros pêsames.


Nas diversas entrevistas concedidas ao BLOG NEY VITAL ele contou que acompanhava o pai no trabalho da roça, mas foi aos onze anos, cuidando da comida do gado, que as roupas de couro dos vaqueiros encheram os seus olhos e mudaram seu destino.

Aos 15 anos, comprou uma faquinha, um esmeril, um compasso e começou sozinho a fazer do sonho sua vida. “Acho que é um dom, tem que ser um dom assim seilá, por causa que muita gente sempre foi para trabalhar, mas não dá para aquela arte assim”.

Com a morte do pai, aos 19 anos, conseguiu uma espécie de estágio na oficina do Mestre Juarez, no Crato, no Ceará. Ele acabou ficando três anos por lá, depois voltou a Pernambuco como artesão profissional.

O rei do baião, Luiz Gonzaga, conheceu o mestre artesão, gostou tanto do trabalho dele, que passou a encomendar chapéus e gibões, que usou em shows pelo Brasil afora. Isso ajudou na trajetória que transformou o menino tímido de Exu, em patrimônio vivo de Pernambuco.

“Luiz Gonzaga ficou muito grato, porque eu recebi ele bem, com muita ansiedade de conhecer ele também , porque ele já era artista e eu não era. E eu, mais rapaz, eu, está nas maõs de um artista desse, mas tem nada não, a gente vai ver o que é que faz. Aí ele disse assim: 'Tenho uma surpresa para você'. E eu, pode falar, mestre:'Eu tenho umas encomendas para você fazer pra mim usar nos meus shows, não é negócio pra vaqueiro, nem pra usar assim, só pra quando eu tiver no meu show, usar'. Eu perguntei a ele: 'Qual a peça?'. Ele disse: 'Um gibão, um chapeú e um vestuário de couro muito bem feito, o que você puder fazer, pode jogar em cima, que aí, eu acredito que sai do jeito que a gente quer mesmo". De lá pra cá, a gente ficou se conhecendo, chegava lá na minha casa, entrava, sentava, tomava café", relembra.

Um dos filhos trabalha com ele na oficina, Romildo. O neto Joelson Lopes também decidiu cedo que seguiria os passos do avô. É a terceira geração da família de artesãos. “É uma coisa que eu faço com muito amor, porque é uma arte muito difícil, a gente tem que seguir em frente”, afirma o neto.
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II SEMINÁRIO NACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS DO CARIRI ACONTECERÁ NOS DIAS 09, 10 E 11 AGOSTO

O II Seminário Nacional dos Povos Indígenas do Cariri Cearense é organizado pela Universidade Regional do Cariri - URCA, através do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos Fundamentais - GEDHUF e do Núcleo de Estudos de Descolonização do Saber – NEDESA, junto com a Associação Índios Cariri de Poço Dantas e o LAGENTE-UFG.

O evento tem por objetivo construir uma agenda propositiva para o fortalecimento do movimento indígena na região do Cariri e da troca de saberes indígenas com os saberes acadêmicos. O foco da primeira edição, realizada em 2019, foi contribuir para o fortalecimento do processo de afirmação étnica dos Kariris de Poço Dantas.

Foi promovida uma reunião dos Kariri de Maratõa-Crateús com seus parentes de Poço Dantas, cujos encontros, tanto na Universidade quanto na Comunidade de Poço Dantas, ajudaram a consolidar a organização de demandas em torno da garantia de direitos constitucionais e/ou originários como a manutenção exclusiva de seu território e a erradicação da precariedade do acesso a água, saúde e educação. O evento anual é dedicado à celebração do dia Internacional dos Povos Indígenas, comemorado pela UNESCO no dia 9 de agosto.

Nesta segunda edição seguimos no propósito de fortalecer a rede de trocas entre os Kariri, ampliando o encontro para lideranças do Piauí, São Benedito, Iguatu e Crateús. Vamos promover também o encontro de grupos e pessoas da região do Cariri que estão em processo de autorreconhecimento e/ou afirmação étnica kariri. Teremos também mesas envolvendo pesquisadores acadêmicos sobre a presença indígena na região do Cariri, além de minicursos sobre literatura e direito indígena.

A programação poderá ser acompanhada online pelo endereço da Associação dos Indios Cariri do Sítio Poço Dantas, no Facebook e os minicursos serão acompanhados pela plataforma Google Meet. Todos os inscritos na plataforma oficial do evento http://cev.urca.br/siseventos/site/kariris poderão ser certificados pela URCA, na medida em que assinam a pelo menos 75% das atividades. Para aqueles que não estiverem inscritos, poderão acompanhar livremente pelo Facebook, sem obtenção do certificado.

A exemplo do I Seminário, realizado em 2019, os custos de realização serão suportados pela URCA e as doações para o evento, pagamento de inscrições, optativas, ou outros valores de doação, serão creditadas na conta da Associação dos Indios Cariri do Sítio Poço Dantas em Crato, uma instituição sem fins econômicos criada para apoiar a iniciativa Cariri, sua gente e suas ações.

O primeiro seminário contribuiu para a instalação de uma tenda de madeira e coberta de palha na comunidade para as reuniões e eventos.

Você pode ser doador com a contribuição mínima de R$ 10,00.
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SANDRA BELÊ LANÇA CANTOS DE CÁ

Canto e afirmo meu lugar / Em todo lugar sou eu / Vou seguindo e cumprindo / A missão que Deus me deu”. Ouvidos na voz de Sandra Belê, na interpretação a capella da música que abre o quinto álbum da artista paraibana, os versos de Para agradecer (Regina Limeira) são a senha para o entendimento do ainda inédito disco Cantos de cá.

Após temporada em São Paulo (SP), Sandra Belê retorna literal e musicalmente para o estado natal, se voltando para os sons e compositores da Paraíba em álbum que será lançado em agosto por vias independentes.

Sandra Belê é o nome artístico de Elisandra Romeira da Silva, cantora e compositora nascida há 40 anos no cariri paraibano, mais precisamente na interiorana cidade de Zabelê (PB), onde veio ao mundo em março de 1980.

Como observa Chico César – talento paraibano gerado em Catolé do Rocha (PB) – no texto em que apresenta o álbum Cantos de cá, Sandra Belê traz a cidade natal de Zabelê entranhada no nome artístico.

É com essa vivência paraibana que a cantora dá voz no disco a músicas como Mugido do tempo (Junior Cordeiro) – um “gemido aboiador”, como bem caracteriza verso dessa composição gravada com alfaia, reco-reco e caxixis percutidos por Escurinho em fonograma já previamente apresentado em single editado em março – e Onça caetana (Glória Gadelha e Afonso Gadelha, 1983), cujo rugido foi ouvido pela primeira vez em disco na voz arretada da cantora Marinês (1935 – 2007).

Na sequência das 13 músicas do álbum Cantos de cá, o coco Terabeat (Tiago Moura) evidencia o tom contemporâneo – mas jamais modernoso – do disco em faixa gravada com a voz rústica de Vô Mera e com arranjo que harmoniza o pife de Renato Oliveira com a guitarra de Léo Meira.

Por mais que acuse em verso de Terabeat “a lonjura das capitais”, Cantos de cá não deve ser percebido como álbum “regionalista” porque tal entendimento avalizaria o etnocentrismo carioca e paulista no mapa musical do Brasil.

A incandescente pulsação do registro de Mangará (Jonathas Pereira Falcão) situa o álbum de Sandra Belê em zona de modernidade no frenesi do arranjo que integra piano, sanfona, guitarra, zabumba e baixo.

Em cadência que conjuga células rítmicas de baião, samba e xote, Lado de cá da janela – outra música de Jonathas Pereira Falcão, compositor paraibano que vem emergindo na cena musical brasileira – deixa vislumbrar paisagem natural povoada por bichos e poesia contemporânea.

Introduzida pela aridez do toque do baixo acústico de Rainere Travassos, Escombros (Melchior Sezefredo e Roberto Cajá) desenha cenário marcado pela secura existencial.

“Mande as flores para mim”, pede Belê na lírica poética de Cadê as flores?, parceria de Chico César com Escurinho que retrata um Nordeste embelezado com jardins literários – o que justifica a participação da escritora Maria Valéria Rezende, declamando breve texto na faixa.

À deriva, composição de Pedro Medeiros, repõe o álbum Cantos de cá em solo abrasado, mas, na sequência, Sandra Belê distribui os versos de Poema ao sol (Chico Lino Filho e Adeildo Vieira) em temperatura adequadamente amena, ao som solitário do violão de Cledinaldo Júnior.

Primeiro álbum da artista desde Encarnado azul (2011), lançado há nove anos, Cantos de cá se equilibra bem entre faixas mais líricas e temas mais ardentes.

Nesse mosaico, a canção Relicário reitera a inspiração melódica e poética de Flavia Wenceslau, compositora que, embora radicada na Bahia, nasceu na Paraíba e vem se destacando com músicas que geralmente versam sobre o caminhar do Homem na estrada da vida – caso de Relicário.

Símbolo da festiva alegria nordestina, Brincadeira (Chico Limeira) acende a fogueira e levanta o barro do chão em baião junino. No fim do disco, Sandra Belê volta ao começo de Cantos de cá e reprisa os versos da canção Para agradecer (Regina Limeira), desta vez com acordeom, viola e percussões.

Na reprise que arremata o álbum, Para agradecer soa como reverência da cantora aos artistas da região que desbravaram caminhos na Paraíba para que Sandra Belê possa, em 2020, afirmar o próprio lugar nobre nessa cena impregnada de vasta riqueza musical. (Fonte: Mauro Ferreira Jornalista carioca que escreve sobre música desde 1987, com passagens em 'O Globo' e 'Bizz'. Faz um guia para todas as tribos)
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A MÚSICA DE SÉRGIO RICARDO

São muitas horas da noite 
São horas do bacurau
A canção Bicho da Noite é, provavelmente, a aparição de maior alcance envolvendo Sérgio Ricardo nos últimos anos. O povo vai entoando-a no funeral de uma das personagens, em cena do filme de Kléber Mendonça Filho que leva o mesmo nome dessa ave noturna contida na canção de Sérgio Ricardo e Joaquim Cardoso, originalmente composta para a peça O Coronel de Macambira, de 1965.
Capa do disco A Grande Música de Sérgio Ricardo, de 1967 – Foto: Reprodução
Bacurau é filme, é ave e também poderia ser a metáfora da vida e obra de Sérgio Ricardo. Escondido na noite, nos galhos de um pé de pau, a toda dança acompanha tocando seu berimbau. Alguém que lamenta as maldades do mundo picando a sombra da noite, um bicho noturno que se importa que o nascer da manhã possa raiar sobre todos com o mesmo calor democrático.
Depois de 1967, quando quebrou o violão no palco em Festival de MPB da TV Record, sua visibilidade diminuiu sensivelmente. Mesmo que sua obra artística tenha continuado a se enriquecer desde então. A ocasião que virou uma marca de sua história – ainda que injusta diante da vastidão de criações e experiências iniciadas por ele – aconteceu na terceira eliminatória do festival. Defendendo a canção Beto Bom de Bola, ele trouxe um coral de operários da fábrica Willys para cantar junto com o lendário grupo instrumental Quarteto Novo. Nada agradou ao público presente na plateia. Foi uma vaia geral, seguida pela reação já tão conhecida do intérprete.
Capa do disco que contém a trilha sonora da peça Ponto de Partida, de 1977 – Foto: Reprodução
“Eu entendo que a recepção negativa representou a reação de um público avesso a grandes mudanças estéticas naquilo que se considerava uma boa canção de festival. O ano de 1967 marcou certo esgotamento da canção engajada calcada na bossa nova e nos temas folclóricos. Assim, muitos compositores tentaram seguir outros caminhos, pesquisar novas harmonias, novos temas poéticos, novos arranjos. Beto Bom de Bola representa essa tentativa. Entretanto, o público não assimilou uma música que tinha uma melodia mais sutil, um tema polêmico ligado ao futebol e um arranjo experimental.” Assim analisa o historiador Marcos Napolitano, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Napolitano enxerga no episódio uma inflexão na carreira de Sérgio Ricardo. “A partir daí ele segue um caminho bem mais autoral, menos preocupado com as demandas dos públicos de festivais e da indústria fonográfica.”
Se a carreira musical de Sérgio Ricardo ao final dos anos 60 passa por mudanças, antes disso ele tinha experimentado os boleros dos anos 50, a bossa nova nascente e a canção de protesto, da qual foi, com Carlos Lyra, um dos que lançaram suas bases iniciais. Zelão, de 1960, é considerada uma das matrizes do que viria a ser desenvolvido ao longo da década e que, por fim, daria o tom do que passou a ser reconhecido pela sigla MPB.

Artista múltiplo

Capa do disco com a trilha sonora do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de 1964 – Foto: Reprodução
No prefácio do livro  Esse Mundo é Meu: as Artes de Sérgio Ricardo, a historiadora Miliandre Garcia descreve uma síntese das variadas atuações do artista.
“Trabalhou como ator de telenovela na TV Tupi nos anos 1950. Gravou 16 álbuns solos. Compôs trilha sonora para teatro e cinema, de peças do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE) a filmes do cinema novo. Dirigiu curtas e longas-metragens. Escreveu o livro infantil O Elefante Branco, com texto e ilustrações suas e a contracapa escrita por Paulo Freire (Salamandra, 1989), o livro de poemas Elo: Ela, com apresentação de Antonio Houaiss (Editora Civilização Brasileira, 1982), e a autobiografia Quem Quebrou meu Violão (Record, 1991). Também se dedicou à pintura, apresentando-nos pelo menos três séries: Transparência (2001), Artistas de Rua (2010) e Entrelaços (2015).”
Pintura da série Artistas de Rua, de Sérgio Ricardo, produzida em 2010 – Foto: Reprodução
Por que então um artista tão variado e influente foi posto na noite escura, nas horas do bacurau? Miliandre arrisca uma resposta no prefácio de Esse Mundo é Meu. Sobretudo no que se refere à sua carreira musical, ela aponta fatores de ordem estrutural, especialmente a consolidação da ditadura militar, da qual Sérgio era uma das principais vozes contrárias, e a reestruturação da indústria fonográfica brasileira no final dos anos 60. Outro fator, de ordem mais pessoal, “refere-se à dificuldade do artista em se inserir e permanecer vinculado a um único movimento ou linguagem, o que o levou a se autodefinir como outsider”.
O historiador Rafael Hagemeyer, integrante do Laboratório da Imagem e do Som da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), é um dos estudiosos da obra de Sérgio Ricardo. Ele sublinha a profunda vinculação entre música e dramaturgia em sua carreira. São vários exemplos: a trilha sonora de filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em Transe (1967) e A Guerra dos Pelados (1970) e peças como O Coronel de Macambira (1965) e Ponto de Partida (1976). Além das trilhas sonoras, Sérgio Ricardo também é autor, ele mesmo, de vários filmes da maior importância. São eles: O Menino da Calça Branca (1961), O Pássaro da Aldeia (1963) – gravado na Síria e do qual não se sabe se há cópias preservadas -, Esse Mundo é Meu (1963), Juliana do Amor Perdido (1970), A Noite do Espantalho (1970), Pé sem Chão (2014) e o último deles, Bandeira de Retalho (2018).
Para Hagemeyer, uma das intervenções mais marcantes de Sérgio Ricardo está presente justamente no cinema, no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. Trata-se da cena final, quando o cangaceiro é perseguido e assassinado, tendo ao fundo o canto de Sérgio Ricardo com estes versos:
– Se entrega, Corisco!
Pintura da série Artistas de Rua, de Sérgio Ricardo, 2010 – Foto: Reprodução
– Eu não me entrego, não!
Eu não sou passarinho
Pra viver lá na prisão

– Se entrega, Corisco!
– Eu não me entrego, não!
Não me entrego ao tenente
Não me entrego ao capitão
Eu me entrego só na morte
De parabelo na mão

– Se entrega, Corisco!
– Eu não me entrego, não!
Ao final, Corisco grita, tombando ao chão: “Mais forte são os poderes do povo!”.
Capa do disco Um SR. Talento, de Sérgio Ricardo, lançado em 1964 – Foto: Reprodução
Esse grito, de certa forma, pode traduzir vida e obra de Sérgio Ricardo. O sociólogo Marcelo Ridenti lembra que, a partir de certo momento, o artista encarnaria em sua obra certo ideal de povo e de nação inspirado nas raízes do camponês nordestino, mesmo que essa identidade estivesse distante de sua origem paulista com raízes sírias – por sinal, o nome verdadeiro de Sérgio Ricardo era João Mansur Lutfi, substituído durante sua passagem pela TV Tupi.
Ridenti chama a atenção para o desequilíbrio de interpretações que valorizam Glauber Rocha, mas desdenham de Sérgio Ricardo. Como parceiros, “ambos compartilhavam ideias e sentimentos de que estava em curso a revolução brasileira nos anos 1960, na qual artistas e intelectuais deveriam se engajar, rompendo com o poder do latifúndio, do imperialismo e, no limite, do capital. Colocavam a questão da identidade nacional e política do povo brasileiro, buscando ao mesmo tempo recuperar suas raízes e romper com o subdesenvolvimento”, explica o sociólogo.
O posicionamento político de Sérgio Ricardo teve, em seus primórdios, a influência do músico João Gilberto. Como conta no documentário Coisa Mais Linda: Histórias e Casos da Bossa Nova (2005), nas andanças por Copacabana, João Gilberto referiu-se ao interesse do amigo por espiritualidades dizendo algo como: “Isso aí é muito bonito, traz a felicidade. Mas a felicidade plena mesmo é quando você está em relação com o seu semelhante e todos estejam numa mesma situação de felicidade”. Aí, João discorria sobre a miséria do Brasil e, nesses bate-papos, acabou por introduzir menções a Karl Marx. “Foi ele que abriu meus olhos, pela primeira vez, para essa coisa do socialismo”, confessa Sérgio Ricardo no documentário.
Disco de Sérgio Ricardo lançado em 1973 – Foto: Reprodução
A busca pelo povo foi tão profunda em Sérgio Ricardo que ele, na calada da noite em que foi posto, mudou-se literalmente para o Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, onde passou a viver.
Não à toa, deve-se a ele a reverência de ter expressado tão bem os ideais de uma época. Com o sociólogo Marcelo Ridenti, podemos abarcar uma das possíveis análises que resumem a importância de Sérgio Ricardo:
“É claro que havia alcances e limites desse ideário, além de muitas divergências e rivalidades pessoais e de grupo. Aquela época não deve ser idealizada. Mas todos tinham em comum o questionamento da ordem, em disputas, com ecos até hoje, para saber quais seriam os verdadeiramente revolucionários. Não cabe julgar aqueles embates, mas sim compreender os artistas que expressaram de modo diverso as contradições daquela época conturbada, em que se apostou como nunca nas potencialidades criativas de uma nação e de seu povo, promessas ainda não realizadas das quais Sérgio Ricardo foi um representante expressivo.” (Fonte: Jornal USP *Por Gustavo Xavier)
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RIO PAJEÚ. O RIO FEITICEIRO, CULTURA DOS LUGARES DO SERTÃO

Pelas correntezas da música de Zé Dantas na voz de Luiz Gonzaga "Riacho do Navio", o Rio Pajeú é citado como a maior bacia hidrográfica do Estado. É na Serra da Balança, no município de Brejinho, próximo à divisa entre os estados da Paraíba e Pernambuco, que o famoso rio nasce, e sai desbravando o Sertão por suas passagens por várias cidades, a exemplo de Itapetim, Tuparetama, São José do Egito, Ingazeira e mais. A fluidez do rio também pauta a cultura dos lugares, e a sua importância virou tema de documentário.

“O Rio Feiticeiro”, produzido pela Luni e com direção de Alexandre Alencar, que assina também o roteiro ao lado e Aquiles Lopes e Lula Queiroga, retrata a variedade cultural que floresceu às margens do rio. "O Pajeú é um rio que nem sempre tem água, mas demarca uma região fundamental para a cultura de Pernambuco e do Nordeste. A presença dele é maior que o próprio manancial. A ideia surgiu da vivência e de várias incursões que fizemos pelo Sertão do Pajeú. Em 2016, o Canal Curta! abriu chamada pública para novos projetos, então convidamos Antônio Marinho, que é poeta do Pajeú, para esse trabalho. Estruturamos juntos uma pesquisa de localidades e personagens", conta Aquiles.

Segundo Alexandre, a produção audiovisual ganha molde a partir do desenvolvimento do projeto. "Documentário é uma obra aberta. Por mais que você tenha uma linha traçada, sempre vai depender do que encontrar ao longo da produção. Fomos percorrendo e encontrando cada detalhe. O rio é visivelmente presente na mente das pessoas. Algo que transcende a importância básica do rio. Ele inspira e encanta a todos", enfatizou.

O documentário, que teve como propósito realizar o trajeto físico do Pajeú, indo da nascente, em Brejinho, ao encontro com São Francisco, em Floresta, contou com 30 personagens do ramo cultural, percorrendo 14 cidades pernambucanas. Um dos personagens e também fio condutor da narrativa, o poeta Antônio Marinho, apresenta aos espectadores, de forma intimista, a história do que corta o Sertão de Pernambuco: "A poesia do Pajeú sempre é bem recepcionada em qualquer linguagem colocada ao público. O Pajeú está vivendo um momento mágico das expressões culturais. Sem dúvidas, o documentário é mais um olhar para poesia do Pajeú".

Existe, no semiárido de Pernambuco, um rio que nem sempre tem água, mas que mesmo assim é fundamental para a vida e a cultura sertanejas. Ao longo de suas margens vivem, há muitas gerações, centenas de poetas e artistas populares – criando um bioma cultural único. Um povo que mantém caudalosa a palavra como principal fonte inspiradora. Um lugar onde a poesia é tão forte que é ensinada em salas de aula e declamada durante as missas.

O documentário “O Rio Feiticeiro” percorre as 12 cidades dos 353 km ao longo do curso, encontrando as memórias afetiva, oral e textual dos artistas e revelando as novas gerações que bebem dessa fonte, perpetuando a tradição. O documentário é dirigido por Alexandre Alencar, um dos mais experientes e atuantes realizadores de Pernambuco. “O Rio Feiticeiro” tem como apresentador o jovem poeta Antônio Marinho, herdeiro legítimo das tradições poéticas da região do Pajeú, neto de Lourival Batista e filho de Zeto e Bia, todos autores referenciais para a poesia popular sertaneja.

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