FESTIVAL CINEMA NO INTERIOR EDIÇÃO VELHO CHICO PERMANECE EM CARTAZ ATÉ O DIA 1º DE JANEIRO

Está em cartaz desde novembro, no Cine River, em Petrolina, filmes produzidos por comunidades ribeirinhas da região. As películas “Jamakaru”, “Rio Mar”, “A Menina da Ilha”, “O Menino que Tinha Medo do Rio” e “Cantigas, o Sertão e suas Danças”, marcam mais uma ação do “Cinema no Interior – Edição Especial Velho Chico”, evento que conta com incentivo do Governo do Estado, por meio dos recursos do Funcultura. 

Com o auxílio de oficinas formativas oferecidas pelo projeto, os ribeirinhos dos municípios de Cabrobó, Santa Maria da Boa Vista, Orocó, Petrolândia e Petrolina participaram do processo de realização dos filmes, como por exemplo a elaboração do roteiro, produção e a composição do elenco.

As obras destacam a mitologia que envolve o Rio São Francisco e também as questões ambientais. A protagonista do curta-metragem “A Menina da Ilha”, Cecília Myrelle, relata que participar da produção de um filme é incrível e estar no cinema pela primeira vez assistindo a um filme que ela protagoniza, é fascinante.

“Nunca imaginei que a Ilha de São Félix, no interior de Orocó, seria o cenário para um filme e que eu, após participar das oficinas fui selecionada protagonista do filme, estou fascinada. Eu aprendi muito, só tenho que agradecer ao Marcos e a toda a equipe de professores desse projeto que nos ensinou e nos deu a oportunidade que eu nunca pensei na minha vida que iria me ver numa tela de cinema”, declarou Cecília.

A difusão do patrimônio cultural das cidades ribeirinhas sanfranciscanas e o incentivo na realização de novos projetos audiovisuais para a região estão entre os objetivos do Festival. O idealizador e diretor geral do Cinema no Interior, Marcos Carvalho, ressalta que é uma ação histórica para o cinema nacional ter filmes de curta metragem expostos nas salas do cinema.

“Prestigiar produções genuinamente locais que valorizam o patrimônio material e imaterial ribeirinho sanfranciscano por meio de filmes que expressam valor artístico, cultural e histórico é uma oportunidade incrível para a população do Vale, além de ser um marco histórico ter filmes de curta-metragem exibidos em grande estilo nas salas do cinema em Petrolina”, diz Marcos.

Os filmes permanecerão em cartaz até o próximo dia 1º de janeiro de 2020, sempre às 13h30. Está previsto para todas as sessões, um momento de “bate papo descontraído” com o idealizador do Cinema no Interior, Marcos Carvalho e  alguns atores, personagens dos filmes e o público presente, que na ocasião será contemplado também com o sorteio de alguns brindes do projeto.

O “Cinema no Interior – Edição Especial Velho Chico”, produzido pela Mont Serrat Filmes, tem incentivo do Fundo Setorial do Audiovisual, através do edital Festivais SAV/Minc/2018, da Secretaria do Audiovisual (SAV), Agência Nacional do Cinema (ANCINE) e do Funcultura, através do XI Edital de Fomento ao Audiovisual do Estado de Pernambuco.

O projeto conta ainda com a parceria do Festival Internacional de Cinema de Contis (França), Rede Orient Cinemas, TV Grande Rio, Nobile Suítes Del Rio Petrolina e das Prefeituras Municipais de Santa Maria da Boa Vista, Orocó, Cabrobó, Petrolândia e o apoio do população ribeirinha. Programação completa em: www.cinemanointerior.com.br
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"O JUAZEIRO E AROEIRA FLORARAM E ISTO É SINAL DE BOAS CHUVAS PARA 2020", DIZ AGRICULTOR PROFETA DA CHUVA

"O próximo ano será de muita chuva". A profecia foi feita pelo agricultor Venceslau Batista, de 84 anos, que há décadas observa os sinais da natureza para saber se a pluviometria será generosa durante a quadra chuvosa, que se inicia em fevereiro e segue até março. Morador do Perímetro Irrigado Icó-Lima Campos, ele é conhecido como "profeta da chuva", nomenclatura dada ao sertanejo que faz previsões de tempo e de clima a partir de observações das mudanças do ecossistema, da atmosfera, dentre outros métodos tradicionais de previsão.

"Aprendemos com nossos pais, avós e damos continuidade a essa tradição", explica. Os "profetas" observam alguns sinais da natureza que, segundo eles, indicam o volume da chuva. Um deles é a florada do juazeiro e da aroeira. Quando, nesta época do ano, as árvores estão com a copa cheia, é sinônimo de boas chuvas. "Encontrei um ninho de joão-de-barro com a entrada da casa virada para o poente e isso é bom", detalha o que ele acredita ser outro "sinal da natureza". "Nos anos anteriores eles faziam a abertura virada para o nascente, ou seja, era indicação de pouca chuva", complementa.

O agricultor aposentado, Francisco Dias, também faz previsões para o período de chuvas. O profeta costuma colocar pedras de sal sobre uma tábua na noite anterior ao dia dedicado à Santa Luzia, que foi festejado no último dia 13. São seis pedras e cada uma delas representa um mês do ano a partir de janeiro. "De março, abril e maio, as pedras ficaram úmidas, sinal de chuva nesses meses", ensinou. A próxima observação, explica Francisco, será a primeira lua cheia do ano. "Estou animado porque os tetéus não fizeram ninhos nas lagoas e é sinal que vem chuva no começo do ano".

Essas previsões, segundo avaliam os profetas da chuva, não se trata "de fé", mas de "conhecimento sobre a natureza", conforme explica Francisco Leite, que também participa, ao lado de Lurdinha e outros observadores, de um encontro anual em Quixadá, realizado sempre no mês de dezembro. "Conhecer os sinais da natureza é uma questão de sobrevivência na caatinga", pontua ele, que, com 20 anos, é o profeta mais novo de Quixadá. O mesmo grupo vai se reunir no dia 10 de janeiro do próximo ano, para divulgar o prognóstico oficial para a quadra chuvosa de 2020. "Os indícios são bons, mas vamos esperar a barra da lua cheia de 2020 para confirmar", diz. Este encontro é considerado o maior do gênero no País.

Diário do Nordeste Foto: Honorio Barbosa
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MEGA-SENA DA VIRADA VAI PAGAR R$ 300 MILHÕES

O brasileiro que sonha ficar milionário tem até a próxima terça-feira (31), às 18h, para fazer sua aposta da Mega-Sena da Virada em qualquer lotérica do país. O apostador que acertar as seis dezenas sorteadas levará um prêmio estimado em R$ 300 milhões. O concurso 2.220, que vai definir o novo milionário, ou os novos milionários do Brasil, será realizado no mesmo dia, às 20h.

Segundo a Caixa Econômica Federal, responsável pela gestão das Loterias, o prêmio não vai acumular. Se ninguém acertar as seis dezenas, os R$ 300 milhões serão divididos entre os acertadores da quina. (Fonte: Agencia Brasil)
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DOUTORA HONORIS CAUSA PELA URCA, MADRE FEITOSA TEVE RECONHECIMENTO DA UNIVERSIDADE

Faleceu na manhã desta sexta-feira, 27, madre Maria Carmelina Feitosa, aos 98 anos, vítima de um Acidente Vascular Cerebral (AVC). Doutora Honoris Causa pela Universidade Regional do Cariri (URCA), Madre Feitosa teve reconhecimento da academia pelos relevantes serviços prestados à educação regional. 

O Reitor da instituição, Professor Francisco do O’ Lima Júnior, decretou luto oficial de três dias na universidade, em função do falecimento da religiosa e educadora, além de destacar os seus relevantes serviços e empenho à promoção da dignidade humana pelo exercício da caridade, como vocacionada aos princípios cristãos na condição de religiosa da Congregação das Filhas de Santa Teresa de Jesus.

A solenidade de entrega do título de ‘Doutor Honoris Causa’, da URCA, à Madre Maria Carmelina Feitosa, aconteceu em 6 de maio de 2014, no auditório do Colégio Pequeno Príncipe, onde ela dedicou grande parte da sua vida como educadora.

Agraciada com várias homenagens de reconhecimento a seu trabalho nas áreas social, educacional e religiosa, Madre Feitosa possui mais de 70 anos dedicados à área educacional, além de fundar centros educacionais, um deles, a escola em que recebeu a outorga. Conforme a resolução, a aprovação por unanimidade da religiosa levou em consideração a relevância social dos serviços prestados para o progresso do Cariri, além de sua importante contribuição para a formação moral e intelectual de várias gerações de caririenses e da solidariedade e amparo aos necessitados, principalmente no acolhimento de crianças órfãs na Casa de Caridade do Crato.

Maria Carmelina Feitosa nasceu em Tauá, em 13 de setembro de 1921. Aos dezessete anos entrou para ser religiosa na Congregação das Filhas de Santa Teresa de Jesus, no ano de 1938. Ali também iniciou a prática do magistério, sempre voltada para os princípios cristãos, com destaque para a fé e caridade. Foi diretora do Colégio Santa Teresa de Jesus, Secretária Geral da Congregação, sendo eleita Vice Supervisora Geral da Ordem em três mandatos consecutivos, num total de dezoito anos. Em 1961, assumiu a direção da Casa de Caridade de Crato, do Ginásio Madre Ana Couto e do Patronato Padre Ibiapina, três instituições da Fundação Padre Ibiapina, pertencente à Diocese de Crato.

Graduou-se em Pedagogia pela antiga Faculdade de Filosofia do Crato, tendo também lecionado nessa instituição de ensino superior. Em 1969 fundou o Colégio Pequeno Príncipe que nasceu da sua vocação de educadora e que cresceu sob sua orientação. Hoje o Colégio Pequeno Príncipe é intitulado o “Colégio do Cariri”, tanto pela excelência do seu ensino, como pelo projeto pedagógico ali implantado.

Madre Feitosa mantinha a Casa de Caridade do Crato, entidade concebida e criada no século XIX, pelo Padre Ibiapina. No ano de 1968, recebeu o título de Cidadã Cratense. Nos 70 anos de vida religiosa, recebeu a Medalha Padre Ibiapina.

Fonte: Ascom Urca
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ASSOCIAÇÃO CLASSIFICA COMO PREOCUPANTE MEDIDA DO GOVERNO BOLSONARO QUE MUDA ESCOLHA DE REITORES

O governo Jair Bolsonaro poderá nomear 24 dirigentes de universidades federais e nove de institutos federais de ensino em 2020, segundo o Ministério da Educação (MEC).

Na terça-feira (24/12), a Presidência da República publicou a Medida Provisória (MP) 914, que estabelece a palavra do presidente como decisória para a nomeação dos reitores em universidades federais. Tradicionalmente, o reitor é escolhido pelo corpo das universidades, por meio da votação da lista tríplice. 

O mais votado dessa lista costuma ter o nome sancionado pelo presidente, para um mandato de quatro anos. A MP 914, no entanto, fixa a regra de que o presidente poderá, a seu critério, escolher qualquer um dos três nomes que compuserem a lista tríplice indicada pela universidade. A regra também será aplicada a institutos federais de ensino.

Em nota, o Ministério da Educação (MEC) afirmou que a nova regra garante autonomia à comunidade acadêmica e que o objetivo do novo texto é fortalecer a governança no processo de escolha de reitores. "Com o novo sistema, o Ministério da Educação torna o processo de escolha transparente, seguro e valoriza o corpo docente."

A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), publicou nota em que diz ver com "surpresa e preocupação" as novas regras, escolhidas sem diálogos com as comunidades universitárias ou com o parlamento brasileiro, o que seria "desconsideração".

Para a associação, a medida provisória desrespeita a autonomia administrativa das universidade e o papel de representação dos conselhos superiores das instituições. "Afinal, escolher seus próprios dirigentes é decorrência básica da autonomia universitária e princípio irrenunciável de nossas instituições", afirma o texto. Como consequência, a Andifes acredita que a medida desestabiliza e convulsiona os processos políticos institucionais, pois há uma imposição que favorece a nomeação de pessoas não legitimadas pelas próprias comunidades.

No fim da nota, a associação afirma que, para respeitar o processo de escolha de dirigentes universitários, é necessário o básico: respeito ao resultado. "Ou seja, reitor eleito, reitor nomeado", cravou. "Espera-se, assim, que as novas regras sejam objeto de revisão e diálogo por parte mesmo do governo, devendo certamente ser objeto de exame cuidadoso por parte do Parlamento, bem como de todas as demais instituições comprometidas com a educação e com a democracia brasileira", finalizou.
Confira a nota da Andifes na íntegra:

"Sobre as novas regras para a escolha dos dirigentes de universidades federais A ANDIFES vê com surpresa e preocupação a edição de novas regras para a escolha dos dirigentes de universidades federais e também dos institutos federais, sem o devido e necessário debate com as instituições concernidas. 

Em edição extraordinária do diário oficial da véspera do natal, as novas regras foram veiculadas pelo poder executivo por Medida Provisória — instrumento que deve ser aplicado tão somente nos casos de “relevância e urgência”, em conformidade com o art. 62 da Constituição Federal de 1988. Não se vislumbra onde tais requisitos estariam aí presentes, tanto pela natureza da matéria regulada, quanto pelo fato de então estar vigente legislação anterior sobre o tema.

 A opção pelo uso de Medida Provisória impõe importantes regras às Universidades sem diálogo com as próprias comunidades universitárias — as maiores interessadas no tema — ou com o parlamento brasileiro, que deve ser, este sim, o lugar da apreciação e deliberação das leis. 

A desconsideração é tanto mais flagrante, se temos em conta as iniciativas legislativas sobre o tema que ora tramitam no Congresso Nacional. A Medida Provisória em questão (MP 914) desrespeita ademais a autonomia administrativa das Universidades, fundamental para o bom funcionamento dessas instituições (art. 207 da CF/1988), desrespeitando em especial o papel de representação dos conselhos superiores de nossas instituições.

Suprimir o papel desses colegiados, bem como ignorar as culturas democráticas internas das universidades mediante critérios alheios às suas histórias, significa potencialmente desestabilizar e convulsionar seus processos políticos, sobretudo pela imposição de critérios que favoreçam a nomeação de pessoas não legitimadas pelas próprias comunidades universitárias. 

Afinal, escolher seus próprios dirigentes é decorrência básica da autonomia universitária e princípio irrenunciável de nossas instituições. E respeitar o próprio processo de escolha de dirigentes universitários implica também o respeito, ao final do processo, com o resultado desta escolha. Ou seja, reitor eleito, reitor nomeado. 

Essa é a posição da ANDIFES, tal como externada anteriormente em nota, aliás, bastante atual. Espera-se, assim, que as novas regras sejam objeto de revisão e diálogo por parte mesmo do governo, devendo certamente ser objeto de exame cuidadoso por parte do Parlamento, bem como de todas as demais instituições comprometidas com a educação e com a democracia brasileira. Diretoria da ANDIFES Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior"
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FORRÓ PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL DO BRASIL

“Agora as leis estão reconhecendo a riqueza do forró, mas ele sempre foi nosso patrimônio cultural. E quem decide isso é o povo, nenhuma lei ou decreto.” A fala de Leda Alves, estudiosa da cultura popular e atual Secretária de Cultura do Recife, rememora a resistência da comunidade forrozeira na preservação de um dos mais autênticos gêneros musicais brasileiros e nordestinos. Em maio deste ano, diversos agentes culturais, gestores públicos, artistas e pesquisadores do país compartilharam suas experiências e sua relação com o forró durante o seminário Forró e Patrimônio Cultural, evento que aconteceu no Recife para anunciar e celebrar que o gênero irá se tornar Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.

Após anos de iniciativas, projetos e lutas perante o poder público para a efetiva salvaguarda do forró, o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan) deu início, agora em 2019, à elaboração do Dossiê de Registro das Matrizes Tradicionais do Forró, procedimento técnico necessário para a inscrição do gênero no Livro das Formas de Expressão do Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. O Dossiê resultará de uma extensa pesquisa textual, audiovisual e fotográfica para catalogar e apresentar, junto ao Iphan, os aspectos históricos, sociais, culturais e musicais que envolvem as matrizes tradicionais do forró.

Assim, para dar início a essa pesquisa, o Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan (DPIIphan), em parceria com a Associação Respeita Januário (ARJ) e outras entidades do país ligadas ao forró, promoveu o seminário Forró e Patrimônio Cultural, discutindo diretamente com a comunidade forrozeira os desafios e as perspectivas da construção desse Dossiê. Foram três dias de debates, escutas compartilhadas dos instrumentos tradicionais do forró (sanfona, sanfona de oito baixos, rabeca, zabumba) e trocas sobre as diversas formas de “fazer forró”, as quais ultrapassam a música e a dança e envolvem também a produção de festas, de acervos discográficos, de vestimentas, enfim, complexas práticas culturais atuantes em várias cidades brasileiras.

Embora o processo de salvaguarda só tenha efetivamente se iniciado neste momento – no ano em que se comemora o centenário de um dos seus expoentes, o músico Jackson do Pandeiro –, o desejo e a mobilização de tornar o forró um dos patrimônios culturais imateriais do país já existiam desde 2011, quando a comunidade forrozeira do estado da Paraíba pleiteou o primeiro pedido de reconhecimento ao Iphan. Desde então, inúmeras articulações no âmbito estadual e nacional foram feitas não só para fortalecer e valorizar o gênero, mas também para possibilitar a implantação de mais políticas públicas e espaços de difusão, assim como criar melhores condições de trabalho para a sua cadeia produtiva de músicos, dançarinos, produtores e mestres.

Para que uma expressão cultural seja registrada pelo Iphan é preciso que ela tenha continuidade histórica, relevância para a memória nacional e integre as referências culturais de grupos formadores da sociedade brasileira. O forró, considerado um dos mais legítimos estilos musicais do país, tornou-se símbolo expressivo do imaginário nordestino, atuando como difusor da identidade cultural sertaneja – tanto através da música, quanto das festividades – desde que Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira revelaram, nos anos 1940, o baião.

Em A sociologia do um gênero: o baião (Iphan-Al, 2016), o sociólogo e pesquisador Elder Maia Alves explica que, durante o processo de modernização cultural vivido no Brasil entre os anos 1930 e 1950, nenhum outro gênero musical narrou, cantou e celebrou mais o Sertão. “Foi, em grande medida, em decorrência da profusão e nacionalização do baião e da sua narrativa poético-musical que o Nordeste se definiu como região no imaginário coletivo brasileiro (…), por meio do seu interior, o sertão (o nordestino), que passou, paulatinamente, a ser percebido, narrado e consumido como o Sertão por excelência, apanágio do mundo rural brasileiro, uma espécie de síntese espacial da fome, da migração, da violência, da tenacidade e, após o advento do baião urbano-comercial, também um repertório da criatividade lúdico-musical e das criações artísticopopulares”, escreve o pesquisador.

A partir da expansão dessa criatividade musical e popular do sertão, promovida pioneiramente por Gonzaga, o forró foi incorporado por diversos outros artistas, como Genival Lacerda, Trio Nordestino, Dominguinhos, Sivuca, Jackson do Pandeiro, Marinês, que também transformaram o forró em um estilo musical nacional. Essa difusão também se desdobrou em várias mudanças rítmicas e fonográficas, como, por exemplo, no surgimento de bandas estilizadas nos anos 1980, formadas para além da instrumentação básica do forró – que é composta pela tríade “sanfona-triângulo-zabumba” e compõe musicalmente o chamado forró pé de serra –, ou até mesmo a ausência de trios locais ou nomes do forró tradicional em grandes palcos dos arraiais, onde hoje se apresentam, em sua maioria, cantores sertanejos e grupos de forró eletrônico.

Apesar das crescentes reinvenções musicais das últimas décadas, as matrizes tradicionais do forró ainda resistem como um gênero de canção popular de massa. Além de retratar inúmeros traços da identidade sertaneja, é representado também por diversos atores envolvidos em suas celebrações e festejos durante todo o ano, em especial nos ciclos juninos que homenageiam os santos católicos e movimentam não só as capitais e municípios do interior do Nordeste, como também outras regiões do Brasil. E é essa cultura cheia de simbologias, música, dança e memória que o inventário de salvaguarda pretende registrar e resguardar para as gerações próximas.

EU PENEI, MAS AQUI CHEGUEI…
A primeira solicitação de Registro das Matrizes Tradicionais do Forró como Patrimônio Cultural junto ao Iphan foi protocolada oficialmente em 2011 pela Associação Cultural Balaio Nordeste, entidade paraibana sem fins lucrativos que promove, estimula e difunde a produção artística nordestina. Com o pedido, foram anexados uma coletânea de livros, LPs e DVDs de forró e um documento com mais de 400 assinaturas de representantes das comunidades forrozeiras de todo o país com a solicitação de ações de sustentabilidade e salvaguarda do ritmo.

A pesquisadora paraibana Joana Alves, presidente da Associação Cultural Balaio Nordeste e coordenadora do Fórum Forró de Raiz – evento que também promove debates e projetos sobre o forró –, esteve à frente dessa e de inúmeras articulações com o poder público para reivindicar as demandas dos produtores e artistas do forró. Em entrevista à Continente, Joana conta como foi essa trajetória, que envolveu a promoção de debates e ações voltadas para a melhoria das condições de trabalho dos forrozeiros e pleiteou o reconhecimento das matrizes tradicionais do forró como patrimônio.

“Desde aquela época, nós discutíamos formas de levar ao poder público as necessidades da cadeia produtiva do forró e a possibilidade de sua patrimonialização. Assim, em 2011, entregamos o pedido de Registro ao Iphan, mas não tivemos sucesso”, relembra ela. “Em 2015, nós elaboramos uma Carta de Diretrizes para Instrução Técnica do Registro das Matrizes do Forró como Patrimônio Cultural do Brasil, que foi enviada e, portanto, aceita pelo Instituto. Desde então, continuamos nossas articulações e debates em vários encontros, fóruns e audiências públicas, como a realização dos Fóruns Nacionais do Forró, os quais possibilitaram um maior diálogo entre forrozeiros de todo o país e as instâncias governamentais – como o Iphan e suas superintendências estaduais.”

Produzida conjuntamente pelos participantes do Encontro Nacional para Salvaguarda das Matrizes do Forró, que aconteceu em 2015 na cidade de João Pessoa, a Carta de Diretrizes para Instrução Técnica do Registro das Matrizes do Forró tornou-se documento basilar e norteador para o Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan (DPI-Iphan) orientar todo processo de pesquisa que envolverá agora a produção do Dossiê de patrimonialização.

A fim de abarcar os variados elementos que contemplam o universo do forró, a Carta define os três eixos principais de direcionamento da pesquisa e produção do Registro: o primeiro eixo indica a necessidade de definição de aspectos conceituais que envolvem a complexidade das matrizes tradicionais do forró, suas danças, instrumentos, estruturas melódicas e rítmicas; o segundo abarca a territorialidade da pesquisa, ou seja, a localização e descrição dos festejos e de seus atores sociais; e o último eixo trata das perspectivas e ações de salvaguarda e sustentabilidade do forró.

Com esse direcionamento em mãos, o Iphan promoveu, no final de 2018, o edital de Chamamento Público para instrução do processo de Registro das Matrizes Tradicionais do Forró como Patrimônio Cultural do Brasil, com o objetivo de selecionar a melhor proposta para a elaboração do Dossiê em dois anos (2019-2020). Assim, a instituição selecionada foi a Associação Respeita Januário (ARJ), entidade que já possui uma vasta experiência na salvaguarda de expressões culturais pernambucanas, como caboclinho, cavalo-marinho, ciranda e reisado.

Criada nos anos 2000, a ARJ realiza pesquisas e consultorias para a divulgação e a valorização da produção musical tradicional do Nordeste, sendo composta por acadêmicos e pesquisadores das áreas de música, antropologia e ciências sociais, estudiosos também vinculados à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), entre eles o etnomusicólogo Carlos Sandroni, que coordenará a pesquisa e a produção do Dossiê de Registro das Matrizes Tradicionais do Forró.

Professor e pesquisador do Departamento de Música da UFPE, Sandroni também possui uma importante experiência na área de salvaguarda de bens imateriais, pois coordenou a pesquisa para o reconhecimento do Samba de Roda do Recôncavo Baiano como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco, em 2005. Sandroni explica à Continente que o mesmo processo multidisciplinar contemplará a pesquisa do registro do forró, de modo a investigar e catalogar as diferenças entre seus os ritmos, danças e festas e festivais que acontecem no país.

“Nossa intenção é não somente descrever, com olhares interdisciplinares de diversos profissionais – da antropologia, etnomusicologia, história, música, dança, letras etc. –, como atuam os grupos detentores do forró, mas também estar em constante diálogo com eles, que tornam esse patrimônio vivo e ativo. Por isso, a pesquisa também será fruto da troca com os próprios forrozeiros, mestres, dançarinos, atores e agentes culturais, a fim de compreender o saber fazer de cada um, seus processos de produção, circulação, consumo e suas demandas”, reforça.

XOTE, MARACATU E BAIÃO: TUDO ISSO EU TROUXE NO MEU MATULÃO
Dessa forma, a primeira etapa de produção do Dossiê se dará pela preparação das equipes da ARJ que irão a campo, com discussões bibliográficas e acionamento da rede de forrozeiros existente em cada localidade. Após essa fase, haverá efetivação da própria pesquisa, com visitas e entrevistas com músicos, mestres forrozeiros, dançarinos, artesãos, produtores culturais, o que também inclui a investigação de dois ciclos anuais de festejos juninos.

Nessa perspectiva, as matrizes que serão documentadas envolvem os gêneros musicais tradicionais do forró – baião, xote, xaxado, arrastapé, rojão, coco – e suas estruturas rítmicas, melódicas e harmônicas, assim como suas danças, festas, modos de fazer, instrumentos musicais e os atores sociais do forró. Paralelo a isso, o Dossiê mapeará museus, universidades, bibliotecas, acervos públicos e particulares e coletará em arquivos, cursos, sites, blogs, comunidades virtuais, artigos, monografias, dissertações, teses, livros materiais que estejam envolvidos com o universo do forró.

Os polos onde a pesquisa ocorrerá abarcam as capitais de todos os estados do Nordeste e alguns municípios específicos, localizados tanto no meio urbano, quanto na zona rural, assim como sítios, festivais, feiras. Na Região Nordeste, serão contempladas as cidades de Campina Grande, Alagoa Grande, Monteiro, Patos e Cajazeiras na Paraíba; Olinda, Caruaru, Arcoverde, Bezerros (Serra Negra) e Exu, em Pernambuco; Crato, e demais cidades na região do Cariri, no Ceará. Também haverá uma investigação das múltiplas manifestações do forró nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Minas Gerais e Espírito Santo.

A última etapa da elaboração do Dossiê de Registro das Matrizes Tradicionais do Forró se dará, enfim, com a organização de todo material produzido ao longo da pesquisa (vídeos, áudios, textos) para ser encaminhado para análise do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan, que deliberará se o bem receberá o reconhecimento como Patrimônio Cultural do Brasil.

Segundo Sandroni, “além da elaboração deste registro, que integrará o Livro das Formas de Expressão do Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, outros materiais complementares também enriquecerão a pesquisa, entre eles um registro fotográfico, um portfólio fonográfico, uma lista de contatos de referência do forró e dois videodocumentários de caráter etnográfico”. O coordenador da pesquisa também ressalta que o processo de patrimonialização não se encerra com a produção desse registro: este documento deve se desdobrar também em posteriores ações de salvaguarda. “Nele haverá, além da descrição dos elementos que caracterizam as matrizes tradicionais do forró, suas transformações históricas e referências bibliográficas para pesquisas posteriores, uma avaliação das condições de risco, sustentabilidade e salvaguarda dessas matrizes”, pontua ele.

O FORRÓ JÁ COMEÇOU, VAMOS GENTE, RAPAPÉ NESSE SALÃO
Entidade responsável pela proteção e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional brasileiro desde 1937, o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional só passou atuar no âmbito da salvaguarda de bens culturais imateriais no ano 2000, com o Decreto nº 3.551. Essa lei foi o instrumento que instituiu o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial com o objetivo de proteger, preservar e valorizar a memória dos bens simbólicos do país.

Diferentemente das ações que envolvem a patrimonialização dos bens culturais móveis e imóveis do país, como o tombamento, que é o mais antigo instrumento jurídico de proteção e conservação do Iphan, esse Decreto propõe a metodologia de patrimonialização e salvaguarda a partir da produção do Dossiê de Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e de sua inscrição em um dos Livros de Registro, que são divididos entre categorias baseadas no tipo de expressão cultural imaterial: o Livro dos Saberes, das Celebrações, das Formas de Expressão e dos Lugares. Será no Livro das Formas de Expressão – que abarca as manifestações literárias, plásticas, cênicas, lúdicas e musicais praticadas no Brasil –, que as matrizes tradicionais do forró serão inventariadas.

De acordo com o Registro do Patrimônio Imaterial: dossiê final das atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial, relatório produzido pelo Ministério da Cultura e pelo Iphan em 2006, a salvaguarda de bens imateriais visa, além de fortalecer e dar visibilidade à complexidade e heterogeneidade dos detentores destas práticas culturais, “promover a apropriação simbólica e o uso sustentável dos recursos patrimoniais para a sua preservação e para o desenvolvimento econômico, social e cultural do país. Significa também compartilhar as responsabilidades e deveres dessa preservação e promover o acesso de todos aos direitos e benefícios que ela gera”.

Kátia Bogéa, atual presidente do Iphan, ressalta, em entrevista à Continente, que a entidade contabiliza hoje mais de 40 bens imateriais registrados como Patrimônio Cultural Imaterial – entre eles o Ofício das Baianas de Acarajé, o Jongo no Sudeste, a Feira de Caruaru, o Carimbó, o Maracatu Baque Solto etc. Para ela, a iniciativa de incluir o forró como um bem imaterial do país tem como objetivo aprofundar a compreensão de toda complexidade musical, histórica e cultural do gênero e gerar assim diversas ações para sua a manutenção e resistência.

“O patrimônio não é só um título: é uma política de valorização dos nossos saberes e expressões culturais, bens que são tão importantes para a formação da nossa identidade multicultural. E a patrimonialização do forró envolve uma responsabilidade conjunta, uma gestão compartilhada de salvaguarda que promova o cuidado dessa herança e dessa riqueza, que representa tanto o Nordeste e o Brasil”, afirma Kátia. “Portanto, após a efetivação do Registro das Matrizes Tradicionais do Forró no Livro de Formas de Expressão, o Iphan se tornará mediador entre a comunidade forrozeira e os órgãos e instituições de apoio, interlocutores que promoverão ações de curto, médio e longo prazo para difusão e fomento do forró.”

Nessa perspectiva, inúmeras ações de salvaguarda são esperadas como resultado da pesquisa e produção do Dossiê de Registro das Matrizes Tradicionais do Forró. Entre as práticas de sustentabilidade do gênero, faz-se necessário, primeiramente, priorizar o mapeamento e a valorização das comunidades forrozeiras que atuam no interior do Nordeste e do Brasil, onde dificilmente são contempladas por políticas públicas culturais, assim como a identificação de interlocutores da sociedade civil e dos poderes públicos que poderão mediar as políticas de patrimônio cultural promovidas pelos órgãos competentes.

Portanto, essas políticas devem promover a elaboração de projetos alinhados às urgências e demandas dessas comunidades forrozeiras, criando também centros de referências culturais voltados para a identificação, reconhecimento e salvaguarda das matrizes do forró – através de um processo contínuo e amplo.

A expectativa é de que a patrimonialização também possibilite a inserção do forró em mais festivais e festas locais que vão além do período junino, gerando mais demandas de trabalho para artistas e produtores, já que a maioria deles tem o forró como o único ofício e meio de sobrevivência. É o que acontece com o zabumbeiro pernambucano Reginaldo Pereira de Melo, mais conhecido como Quartinha, que vive de forró há 58 anos.

Ele começou a tocar zabumba na infância, aos oito anos, e, durante sua longa carreira, já acompanhou artistas importantes, como Luiz Gonzaga, Dominguinhos e a banda Quinteto Violado. Quartinha não teve estudo, mas sustentou a família e os filhos através do forró, como conta à Continente. “O forró foi o que me deu e o que me dá o pão de cada dia. E é assim com vários artistas: muitos dos colegas meus de profissão amam tocar forró e fazem disso seu único sustento. Por isso o forró nunca pode se acabar”, afirma ele.

Da mesma forma se construiu a relação entre o sanfoneiro Chambinho e o forró. Nascido em São Paulo, devido à seca do Nordeste, o sanfoneiro voltou ao Piauí para resgatar suas raízes musicais, tocando a sanfona herdada da família. Para ele, o forró já é um patrimônio do Brasil. “Eu posso dizer isso porque vivo de forró o ano todo, ele é a trilha sonora da população de janeiro a janeiro. Durante o ano todo, eu toco por esse Brasil sem sair da pisada. É claro que em junho a agenda fica cheia, mas o forró continua sendo a música do povo em várias épocas do ano.”

Já Maciel Salú, um dos expoentes da rabeca em Pernambuco, relembra que, no início da sua carreira, tocava triângulo e zabumba com o tio na banda Os quentes do forró. Na adolescência, aprendeu com o pai e com o avô a tocar músicas de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Trio Nordestino na rabeca – o primeiro instrumento melódico a ser usado no forró, anterior à utilização da sanfona. Em entrevista à Continente, Salú expressa seu desejo de que a salvaguarda do forró possa trazer os artistas locais aos shows promovidos pelo poder público, já que hoje eles estão sendo esquecidos nesse cenário.

“Infelizmente, os grandes mestres do forró estão perdendo espaço nas celebrações tradicionais das cidades, nas festas de Reis, das Padroeiras e no São João. Com isso, outros instrumentos típicos também vão sendo esquecidos, como a sanfona de oito baixos, os pífanos. Então, a gente espera que a patrimonialização do forró possa dar mais oportunidades a essas expressões culturais que estão sendo deixadas de lado”, reforça ele.

Conhecida como a rainha do forró, Anastácia reclama da demora de transformar o forró em Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. A cantora é também compositora de diversos forrós famosos, entre eles Eu só quero um xodó, sendo parceira de Dominguinhos em mais de 200 canções. Recifense radicada em São Paulo, Anastácia sente orgulho da marca nordestina que o forró deixa no Sudeste.

“Aqui em São Paulo, onde vivo desde 1960, a gente vê o forró na boca do povo: hoje em dia, em todo bairro tem uma festa de forró, em todo canto você encontra um salão de dança, um bar, uma casa de show que só toca forró. São quatro milhões de nordestinos que moram na cidade e estão sempre revigorando o ritmo, que antes sofria muito preconceito por ser coisa do Nordeste, mas que hoje só cresce entre o público de jovens, que também tomou gosto pelo forró”, comemora ela.

Assim, entre celebrações e expectativas de toda a comunidade forrozeira, a salvaguarda do forró deve preservar os aspectos culturais e históricos que já o constituem como um patrimônio do país. O gênero integra um imaginário coletivo e a memória social de um Brasil que vai muito além do Nordeste, carregando em suas músicas, ritmos, instrumentos e festejos não só traços da identidade e diversidade brasileira, mas, sobretudo, a sua sensibilidade artística. Logo em breve, portanto, as Matrizes Tradicionais do Forró se tornarão Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, garantindo assim que a história que compõe essa complexa expressão cultural seja uma narrativa conhecida por todos.

Fonte: PAULA MASCARENHAS, graduada em Letras pela UFBA, estudante de Jornalismo na UFPE.
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ZÉ RAMALHO: 40 ANOS DE A PELEJA DO DIABO COM O DONO DO CÉU

Em 2019 completaram-se 40 anos de A Peleja Do Diabo Com O Dono Do Céu, o disco de Zé Ramalho responsável por mudar os caminhos de muita gente. Embora o sucesso viesse total em 1980, foi em 1979 quando tudo foi construído. Dentro do caldeirão musical desse disco, encontraremos elementos nordestinos cuja ancestralidade fala fundo dentro de nós. 

É um disco tangente ao Tropicalismo, fugitivo ao Rock, arredio ao Regionalismo e ao psicodelismo, mas ao mesmo tempo dialogante com todos eles. Se Paêbiru fora a transposição dos mistérios da Pedra do Ingá, junto com Lula Cortes, para as frases musicais, algumas improvisadas nos estúdios da Rozenblitz, no Recife; e Avohai tornara-se a realização do primeiro sucesso nacional; a Peleja trouxe elementos sociais bem significativos e consolidou a presença de Zé Ramalho no cenário da música brasileira.

O disco inicia com a célebre frase “Ói, com tanto dinheiro girando no mundo quem tem pede muito, quem não tem pede mais.” E segue seu caminho de constatações e denúncias explícitas, embora recobertas pela ludicidade das construções poéticas, livremente inspiradas na poética dos cantadores e poetas do cordel. O próprio título já remete a um veio do cordel brasileiro: as pelejas entre dois bons repentistas. 

O ritmo do baião contempla o casamento instrumental de sanfona, zabumba, sopros, com uma marcação poderosa do bacalhau de Borel. Para quem passar da faixa um,receberá a seguir o aboio do vaqueiro mais competente em Admirável Gado Novo: “Ê, ô, ô, vida de gado. Povo marcado, ê, povo feliz.” Quem de vocês que fazem parte dessa massa não já cantou esse refrão?

Como o próprio Zé Ramalho tem confessado, há uma forte influência de Geraldo Vandré em sua formação. A homenagem e a citação ao criador de Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores vem na terceira faixa do disco, Falas do Povo: “Falo da vida do povo, nada de velho ou de novo.” Letra estritamente social, mas como já disse, vestida em forte clima poético, distanciando-se do que poderia ser panfletário. O violino de Jorge Mautner se faz presente. 

Depois de três músicas marcadas pelo traço reflexivo, vem Beira-Mar, inaugurando o ciclo que se prolongará por mais duas gravações em discos posteriores: Beira-Mar (Capítulo 2) e Beira-Mar (Capítulo final). As letras desses “beira-mar” já estavam prontas desde 1977 na forma de um folheto de cordel chamado Apocalypse, cuja primeira parte aparecerá em Canção Agalopada, no disco Terceira Lâmina.

O Lado 1, sim, era assim naquele tempo de Lps de vinil, finalizava com Garoto De Aluguel (Taxi Boy): “Baby, dê-me seu dinheiro que eu quero viver”. O arranjo bem amarrado nas cordas fechava com chave de ouro a primeira parte do trabalho. Acredito que, como eu, muitos não conseguiram parar de escutar esse álbum. Não queríamos perder tempo e virávamos na pressa esperando as surpresas do Lado 2. E vinha surpresa mesmo pois Pelo Vinho e Pelo Pão mudava o clima, introduzindo um fado com direito a cavaquinho, violão de sete cordas e clarinete, como em um regional e participação especial de Amelinha. Mas o Mote Das Amplidões, a segunda do Lado 2, retomava o clima nordestino, com décimas setissilábicas terminadas no mote Viajo Nas Amplidões.

Jardim Das Acácias é uma citação a João Pessoa, capital da Paraíba. Nessa gravação identifica-se mais uma quebra pois aparecem uma guitarra elétrica, tocada por Pepeu Gomes, uma bateria e um órgão. É uma advertência e uma orientação para o Terceira Lâmina que se afastará do acústico. Segue-se Agônico, faixa instrumental, presença constante nos discos posteriores, na qual Zé toca todos os instrumentos. 

No CD Eu Sou Todos Nós (1998), o instrumental ganhará uma letra e voltará com o título Agônico – O Canto. O LP se fecha em Frevo Mulher com arranjo de sopros, um frevo de rua que se será o grande sucesso atemporal na voz de Amelinha. Nesses 40 anos vimos esse trabalho transformar-se na própria vida de Zé Ramalho e em extensão de nossas próprias vidas. 

Fonte Professor Doutor em Ciência da Literatura Aderaldo Luciano Kuruma’tá é uma revista online de culturas e afetos compartilhados. É conversa do mundo, das coisas. É pra falar de livros, leituras e leitores. Pra falar da música e do cinema que nos encantam. Falar da troca entre as gentes e suas criatividades.
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