QUADRILHAS JUNINAS SÃO RECONHECIDAS MANIFESTAÇÃO DA CULTURA NACIONAL

Dança tradicional dos festejos juninos, a quadrilha foi reconhecida, nesta segunda-feira (24), Dia de São João, manifestação da cultura nacional. Parte essencial de uma das festas populares mais fortes no Brasil, o bailado trazido por europeus no século 19 ganha as quadras de todo o país neste mês de junho, em homenagem aos santos Antônio, Pedro e João.

A lei 14.900, publicada no Diário Oficial da União, adicionou a quadrilha ao texto de uma lei sancionada em 2023, que já reconhecia os festejos juninos. Além dos pratos tradicionais, a fogueira e as apresentações das danças típicas compõem as festividades, responsáveis por movimentar o turismo e aquecer a economia nesta época do ano.

De acordo com o Ministério do Turismo, as festas populares devem mobilizar mais de 21,6 milhões de pessoas, sendo que grande parte seguirá em direção ao Nordeste, onde a tradição ganha dimensões expressivas, como no município de Caruaru, em Pernambuco. Ali, são esperadas mais de 4 milhões de pessoas em 72 dias de arrasta-pé. A expectativa é que a quadra junina impacte a economia local em R$ 700 milhões.

Em Campina Grande, na Paraíba, são esperadas 3 milhões de pessoas em 33 dias de festa, onde ocore a maior competição de quadrilhas do país. Ceará e Bahia aparecem logo em seguida como os estados do Nordeste de festejos mais populosos, com públicos esperados de 2 milhões e 1,5 milhão respectivamente.

Já no Sudeste, Minas Gerais tem expectativa de um aumento de 20% dos participantes nas celebrações populares em diversos municípios, atingindo um público de 3 milhões de pessoas em dois meses. Em São Paulo, o arrasta-pé deve movimentar 500 mil participantes, em 300 municípios, informa o Ministério do Turismo.


Na Região Norte, a capital de Roraima, Boa Vista, promete mobilizar 370 mil pessoas e movimentar R$20 milhões. Já em Palmas, no Tocantis, 60 mil pessoas devem celebrar os santos, em cinco dias de festa do tradicional Arraiá da Capital.

Transformação-Com origens em bailes ocorridos nos palácios da França, onde os nobres dançavam em quatro duplas organizadas de forma retangular – daí o nome quadrille, em francês – a dança foi introduzida no Brasil no século 19. Com o passar dos anos, e a popularização da dança, agregou elementos culturais brasileiros relacionados às tradições rurais, como as vestimentas utilizadas pelos caipiras.

Em algumas regiões do Brasil, como no Maranhão, a dança ganha ainda a força do folclore, com a absorção de elementos do Bumba Meu Boi.

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PESQUISADORES NEGROS DEFENDEM LEGADO ANTIRRACISTA DE MACHADO DE ASSIS

“Machado de Assis me ensinou como ser um homem negro”. A frase é do escritor e professor Jeferson Tenório, vencedor do Prêmio Jabuti de 2021 com o livro O Avesso da Pele. Dentre os muitos significados que “negro” pode ter, o intelectual contemporâneo recusou os que remetem a lugares de inferioridade. É de se esperar, portanto, que tenha como referência aquele que é considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos.

Machado de Assis nasceu há exatos 185 anos. Vida e obra sempre geraram debates dos mais variados, o que prova a complexidade de ambas. Há pelo menos uma década, ganharam proeminência a afirmação de uma identidade negra e a identificação de um tipo menos óbvio de engajamento antirracista. Para pesquisadores negros, é fundamental manter o debate em destaque, por evidenciar questões que ainda têm força no presente.

“Causa espanto que em 2024 a gente ainda tenha que provar que ele era um escritor negro”, afirmou Jeferson Tenório, durante participação no seminário Machado de Assis e a questão racial” promovido pela Academia Brasileira de Letras (ABL).

Até o momento, não se conhece documento escrito pelo próprio Machado em que assuma uma determinada identidade racial. Que ele tenha sido negro é uma premissa dos pesquisadores a partir de, pelo menos, quatro questões: ascendência, fotografias, depoimentos de terceiros e contexto sociopolítico.

A mãe era uma mulher branca, portuguesa. O pai, descendente de escravos alforriados. Imagens dele em idade mais avançada, apesar de serem em preto e branco, mostrariam traços e tons mais próximos de uma pele negra. E relatos contemporâneos reforçariam essa característica.

Ana Flávia Magalhães Pinto, historiadora e diretora do Arquivo Nacional, considera como mais emblemático uma carta enviada para Machado em 1871 pelo escritor Antônio Cândido Gonçalves Crespo. O autor escreve: “A Vossa Excelência já eu conhecia de nome há bastante tempo. De nome e por uma secreta simpatia que para si me levou quando me disseram que era de cor como eu”. Não se sabe se Machado teria respondido a essa questão. Nenhuma carta dele para Crespo foi encontrada.

Para a historiadora, também se destaca a maneira como Machado apoiava frequentemente outros homens negros ou “de cor”, como era mais comum chamar à época os que não eram brancos. O que ela avalia como uma “rede antirracista”.

“Machado de Assis, ao longo de sua trajetória, fez-se um grande apoiador de outros homens de cor como ele. Uma forma de desqualificar a postura de Machado em relação à ascendência africana, é justamente dizer que ele teria se afastado de suas origens, que não teria se envolvido com os debates acerca dos destinos dos africanos e descendentes no Brasil”, disse a historiadora em seminário na ABL. “Encontrei José do Patrocínio em seus textos agradecendo a participação de Machado de Assis pelas lutas abolicionistas”.

Ana Flávia diz ser um mito que Machado de Assis quis se passar por branco e não se interessou pelos sentidos da liberdade e do racismo, temas que mobilizaram a sociedade à época. A forma como demonstraria esse engajamento, no entanto, não seria a mesma adota por outros nomes que ganharam protagonismo na luta, como o advogado Luís Gama. Haveria diferentes maneiras de viver a identidade negra e de defender causas abolicionistas e antirracistas.

“Entre aparentes polos opostos, um de discrição e outro de uma desenvoltura pública desconcertante muitas vezes, nós temos uma infinidade de outras possibilidades que fazem com que tenhamos de pensar como que, num país, com uma ampla presença de gente negra na liberdade, essas vidas se fizeram possíveis”, disse a historiadora. “Não era preciso esbravejar um orgulho pela origem africana, relembrar parentes presos à escravidão ou ostentar uma pele em tom de azeviche para ser obrigado a lidar com os constrangimentos gerados a partir da raça.”

Paulo Dutra é professor de literatura e pesquisador de questões raciais na obra de Machado de Assis. Ele endossa a argumentação da historiadora, no sentido de que a luta do escritor no século 19 se dava de outra maneira, nas entrelinhas.

“Cada um usa a sua luta da forma como pode. Nem todas as pessoas vão ter essa iniciativa de ir para uma luta mais aberta. A ele tem que ser dado esse direito de não ter podido falar abertamente como outros falaram por várias razões. A culpa dele ter sido branqueado não é dele. É da sociedade brasileira, que ainda almeja um ideal europeu e branco de civilização”, disse o professor à Agência Brasil.

Jeferson Tenório reforça que Machado de Assis mostra como pensar a literatura a partir de um “devir negro”. A expressão, segundo Tenório, parte de duas ideias. Primeiro, a recusa em aceitar os significados de “negro” impostos por um pensamento colonial. Segundo, a aceitação de ser “negro”, mas sob sentidos por aqueles que foram vítimas da racialização. Para Tenório, é na estratégia discreta de apontar as origens racistas de uma sociedade injusta que Machado atua.

“Pensar o devir negro na literatura significa não esquecer de onde viemos. Não esquecer que a nossa fundação enquanto país se constituiu a partir do sequestro de corpos negros, da aniquilação de povos originários e do roubo de riquezas naturais. Assim, podemos pensar que Machado de Assis nos aponta uma literatura altamente sofisticada e que analisa com precisão as sutilezas da sociedade brasileira. A obra de Machado é uma recusa categoria do que se espera de um homem negro sob a égide da colonização”, disse Tenório.

Nesse sentido, recuperar Machado a partir de identidades e lutas afrodescendentes têm impactos diretos nos processos de autoafirmação da população negra.

“Há pessoas que desejam ser escritoras ao ver que o nosso maior escritor era uma pessoa afrodescendente. Isso produz um impacto social”, analisa Paulo Dutra. “Eu estive em uma comunidade do Rio de Janeiro, a convite de uma biblioteca, e Machado de Assis está grafitado nos muros. Essa recuperação da imagem de afrodescendente está levando Machado para um público menos elitizado. Machado saiu do povão e está voltando para o povão”. (Agencia Brasil)

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CONGRESSO SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS E CONSEQUÊNCIAS EM TERRITÓRIOS SEMIÁRIDO ACONTECE EM JUAZEIRO

 Entre os dias 20 a 24 de agosto de 2024 ocorrerá O I Congresso Internacional Sobre Mudanças Climáticas e Suas Consequências em Territórios Semiáridos (I CIMCCTS) no complexo Multieventos da Universidade Federal do Vale do São Francisco, na cidade de Juazeiro, Bahia, Brasil.  O I CIMCCTS é um evento internacional realizado pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial (UNIVASF/UNEB) e o Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da UNIVASF, ambos sediados no Espaço Plural da UNIVASF, em Juazeiro, Bahia, Brasil.

A proposta do evento é contribuir para a reflexão das populações sobre a convivência com a região semiárida do Brasil. Usando a Educação Ambiental e a conscientização sobre as mudanças climáticas, buscamos criar um espaço de troca de conhecimentos e tecnologias em direção ao Desenvolvimento Sustentável.  Se inscrevam nos GTs! Link: HTTPS://WWW.EVEN3.COM.BR/CIMCCTS/

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GERALDO AZEVEDO E ALCEU VALENÇA ENCANTAM PETROLINA COM CULTURA FORROZEIRA

Dois grandes ícones da música popular brasileira cantaram neste domingo (16), no São João de Petrolina, dando prova que a festa veio para atender todos os gostos musicais. No palco do Pátio Ana das Carrancas, Geraldo Azevedo e Alceu Valença fizeram,  cada um, shows emocionantes e com repertório que atendeu a diferentes estilos e gerações. Com suas canções envolventes, eles emocionaram a multidão e criaram uma atmosfera festiva e memorável. O clima de alegria e entusiasmo tomou conta do público, que dançou e cantou junto com as duas apresentações.

 Natural de Petrolina, o sabiá do sertão, Geraldo Azevedo, trouxe ao palco canções que exaltam o amor, a natureza e as raízes culturais do Nordeste, emocionando a todos. Sua performance foi marcada por músicas de Dominguinhos, Luiz Gonzaga e seu próprio repertório, reforçando a ligação profunda entre música e tradição junina. Geraldo mantém viva a cultura nordestina com suas melodias envolventes e letras poéticas. O público foi embalado por canções como "Sabor Colorido", "Moça Bonita", "Dia Branco", Sabiá, "Petrolina e Juazeiro", "Dona da minha cabeça", entre outras. Já o compositor e instrumentista, Alceu Valença, fez um show enfatizando o amor que sente pelos costumes nordestinos, investindo num repertório regional, e enalteceu a celebração à São João. Músicas como "Anunciação", "La Belle de Jour", "Coração Bobo", "Tropicana", entre outros sucessos, emocionaram o público.

 Entre tantos olhos atentos no público, o sorriso da professora de História Roberta Ferreira, deixou estampada a felicidade que foi prestigiar dois grandes nomes da música brasileira tão de perto. "Eu  prestigio todos os anos o São João de Petrolina, acho uma festa maravilha para todos os gostos, além de ser um espaço muito organizado. Mas o que mais me empolgou mesmo foi saber que teria os show de Alceu e Geraldo. Eu não poderia perder. Sou muito fã dos dois. Foram duas apresentações fantásticas, onde me emocionei bastante", revelou a professora.

 Também passaram pelo palco, o cantor pernambucano Fabinho Testado, que abriu a programação no Pátio Ana das Carrancas. Pela segunda vez no São João de Petrolina, o artista fez a galera esquentar a sola da bota com seu forró eletrizante. O cantor e compositor sertanejo Murilo Huff, também emocionou o público nesse domingo e trouxe todo o seu romantismo atrás de canções como "Desejando Eu", "Idiota Favorito", "Dois Enganados", que gravou com Marília Mendonça. O cantor alagoano Mano Walter foi o responsável por fechar o evento e quem ficou até o final foi presenteado com uma performance potente, digna de um músico com mais de 15 anos de trajetória. O artista fez um show que ficará marcado nos corações dos forrozeiros e com músicas que embalaram a sua carreira, como "Juramento do Dedinho", "Então Vem Cá" e "O Que Houve?" e "Não deixo, não".

 Homenagens-A terceira noite do melhor São do Brasil também foi de reconhecimento as duas lendas da Música Popular Brasileira, Geraldo Azevedo e Alceu Valença. Os cantores foram presenteados por artistas da região. Geraldo ganhou um quadro com o tema 'Sétimo Céu', do artista pop local, Hugo Melo. Já Alceu recebeu uma escultura de anjo intitulada 'Anunciação', da artesã da Oficina do Artesão Mestre Quincas, Carina Lacerda.

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DOCUMENTÁRIO DANADO DE BOM É ATRAÇÃO NO CENTRO CULTURAL DO CARIRI-CRATO CEARÁ

Consagrado no Cine PE com quatro troféus – melhor filme, fotografia, montagem e edição de som –, Danado de Bom (2016) traz à luz um artista cujo reconhecimento está aquém de sua importância para a música nordestina: o compositor pernambucano João Silva (1935 – 2013), autor de mais de 3 mil canções e um dos principais parceiros de Luiz Gonzaga (1912 – 1989).

O documentário será apresentado nesta quinta-feira, ás 19hs, no Centro Cultural do Cariri, Crato Ceará.  Cineclube Cego Aderaldo, pensado para democratizar o acesso à sétima arte e facilitar a reflexão e debate de filmes

O filme de longa-metragem de Deby Brennand acompanha uma viagem do personagem de volta a sua Arcoverde natal, no agreste de Pernambuco, relembrando a trajetória de menino andarilho e semianalfabeto a criador de forrós, baiões e xotes de sucesso como A Mulher do Sanfoneiro, Danado de Bom, Pagode Russo, Nem se Despediu de Mim e Pra Não Morrer de Tristeza. 

Reunindo depoimentos ou participações musicais de nomes como Dominguinhos, Trio Nordestino, Elba Ramalho, Mariana Aydar, Zeca Baleiro, Gilberto Gil e Lenine, o filme procura dar a dimensão de João, responsável por colocar Gonzagão de novo nas paradas na última parte da vida do ídolo graças às letras animadas e espirituosas que escrevia para o Rei do Baião – de quem foi produtor de seus discos de maior êxito.

– Luiz Gonzaga falava dos Três Mosqueteiros: ele, Zé Dantas e Humberto Teixeira (compositores parceiros do cantor e sanfoneiro). Eu digo que o João era o D'Artagnan – definiu a pernambucana Deby em entrevista a Zero Hora por telefone desde Recife.

O projeto de levar às telas a trajetória de João Silva surgiu em 2007, depois que a produtora cultural Roberta Jansen conheceu o compositor por meio de um pesquisador e convidou Deby a dirigir um filme sobre ele. Na época, o parceiro do Velho Lua amargava o esquecimento artístico.

– Ninguém conhecia o João, apesar de conhecer suas músicas. E ele queria ser reconhecido na terra dele – explica a diretora, definindo assim o protagonista de Danado de Bom: – Ele era um autodidata. Muito fechado, mas divertido, mentia demais. A principal característica dele era a alegria. Cantava a música nordestina com a linguagem do matuto, que a gente chama de babeco. João cantava o Nordeste, mas não a seca. Foi essa alegria que levantou o Gonzaga.

Apesar de ter sido iniciado antes, Danado de Bom chega aos cinemas somente depois da estreia de outras produções exaltando estrelas da música nordestina, como os documentários O Homem que Engarrafava Nuvens (2009) – sobre Humberto Teixeira, coautor com Gonzagão do clássico Asa Branca – e Dominguinhos (2014) e a cinebiografia Gonzaga: De Pai pra Filho (2012). Segundo Deby, que começa a filmar neste segundo semestre a história de Frei Damião, outro mito sertanejo, João Silva morreu sem ter visto seu filme:

– Isso é uma coisa que dói no meu coração até hoje. Queria fazer uma surpresa para ele, disse que só iria mostrar quando o filme estivesse pronto.

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MÚSICOS REIVINDICAM UM OLHAR MAIS SENSÍVEL E RESPONSÁVEL DA GESTÃO PÚBLICA PARA O FORRÓ

“A gente é chapéu de couro, gibão do vaqueiro, baião e forró. Sem isso, a gente não é nordestino. Porque a gente pode mudar as flores, mas a raiz é forte e ela não vem abaixo.” Foi com essas palavras que o produtor cultural e músico Ciço do Pife, de São José do Egito, sertão de Pernambuco, descreveu seu sentimento diante da falta de espaço nos line-ups dos festejos do ciclo junino em Pernambuco. A reportagem é de Maya Santos/leiaja.com

No último dia 4 de junho, Ciço e outros forrozeiros ocuparam a frente da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (Alepe), localizado no bairro da Boa Vista, para reivindicar um olhar mais sensível e responsável da gestão pública para os artistas do gênero.

O ato foi impulsionado por uma reflexão publicada pelo sanfoneiro Mestre Gennaro, no dia 1º de junho, em seu Instagram. No relato, ele abordou o apagamento dos artista que carregam a cultura forrozeira nas costas e compartilhou seu incomodo com os internautas.

“É sempre uma luta, pois fico tentando fazer tudo certinho, do jeito que tem que ser. Meu show não é caro, mas é sempre uma luta, e quando a coisa tá complicada, às vezes prefiro ficar na minha rede tocando pra minha neta. Mas, só se dá valor pros artistas depois que eles já viraram estrelinha no céu”, disse Gennaro, que é autor de mais de 200 composições.

Ele também resgatou as adversidades enfrentadas pelo cantor e compositor Luiz Gonzaga, figura que popularizou o forró no mundo. “Lembre que até Luiz Gonzaga ficou uns anos aperreado sem shows, se o rei ficou, imagina eu? Mas garanto que todo ano você escuta o som da minha sanfona ecoar sobre as palhoças. Afinal minha sanfona está em umas 800 músicas”, enfantizou o mestre sanfoneiro.

A peleja da categoria de músicos não é de hoje. Na verdade, essa reflexão do Mestre Gennaro é um sentimento compartilhado por diversos pessoas que atuam na área. À reportagem, a cantora e compositora Marília Parente analisou o mercado musical que impulsiona o extermínio dos símbolos e signos do período junino do Nordeste.

“O problema que eu enxergo é como a indústria da cultura devora as expressões, [ou seja], não existe uma convivência. O mercado visa o lucro, então ele se apega a um tipo de demanda que ele mesmo cria nas pessoas”, opinou a cantora, que sempre teve uma relação íntima com o forró. Apesar de ser natural de Recife, capital de Pernambuco, ela bebeu da fonte do saber em Exu, sertão do estado, berço cultural do cantor e compositor Luiz Gonzaga.

“Nós vivemos em um sistema econômico capitalista que funciona através do capital e do lucro. Então, existe uma indústria que vai engolir todas as expressões que não vão ser tão lucrativas naquele período, que são as mais antigas”, analisou.

A cantora também provocou ao questionar o motivo da música preta, periférica e rural não está sendo bem representada como deveria. Apesar da preocupação, Marília afirmou que a questão do São João é o protagonismo da festa.

“A questão do São João não é que ele não pode abraçar outras expressões e não pode ser um megaevento que gera riqueza. Não estamos falando sobre não trazer artistas que dialogam com o gênero, como João Gomes, que tem outra estética, o piseiro. Mas, ele não pode ser o protagonista do São João. O protagonista ainda precisa ser Mestre Gennaro e Onildo Almeida”, declarou a cantora.

Com a chama do debate acesa, entrevistamos outras pessoas do grupo de manifestantes que transformou as escadas da Alepe, no bairro da Boa Vista, no dia 4 de junho, em palco para exigir não só a prioridade nas programações juninas, mas também ao longo do ano.

“Esse movimento é em defesa dos sanfoneiros e do trios pé de serra, que engloba também a cultura nordestina. Nós, infelizmente, estamos sendo preteridos e perdendo nossos espaço para outras culturas”, explicou Ciço do Pife, que atua na área desde 2014.

Ao falar sobre o tema, ele relatou como é o trato com os artistas da terra em comparação com nomes nacionais. “Esse movimento é necessário, porque todo ano os artistas do forró reclamam de que estão perdendo espaço, mas ninguém faz nada. Isso aqui é o primeiro movimento de muitos que virão em defesa dessa classe, dos forrozeiro raiz, que ficam com o cachê menor, às vezes demora para receber e não tem nem camarim e fica sentado no corredor. [Somos] tratados como se fosse coisa de segunda categoria, coisa que não somos”, desabafou o tocador de pífano, flauta popular no nordeste.

Acrescentando a fala do colega, Antônio do Fole, de 73 anos, de Tracunhaem, na Zona da Mata de Pernambuco, afirmou que ninguém é contra os estilos musicais em evidência nos palcos, no entanto ele pede respeito à tradição. “A gente é desvalorizado e caiu um pouco [na preferência] por causa dessas músicas diferentes, que eu não sou contra, mas cada um tem o seu lugar. Eu acredito que dar valor a gente, assim como dão a eles, é valorizar nosso São João”, disse o músico, que toca o Fole dos 8 baixos desde os 17 anos de idade.

O movimento conta com a coordenação geral dos jornalistas Ildefonso Fonseca, Márcio Maia e Ruy Sarinho, três entusiastas do gênero musical que acompanham a cena a décadas. Em entrevista ao LeiaJá, Ildefonso explicou os objetivos do ato, assim como os próximos passos.

“Escolhemos a Assembleia porque deputados e deputadas são legisladores e, portanto, têm mecanismos legais para influenciar fundações e secretarias do poder público”, iniciou.

O jornalista deu detalhes sobre os próximos passos: “Vamos acompanhar o Portal da Transparência e o Tribunal de Contas da União para que possamos avaliar quais eventos públicos contrataram os sanfoneiros e os trios pé de serra, e seus cachês. Então, a partir disso, nós vamos poder organizar essa categoria que é tão dispersa. Isso, deixa ainda mais vivo o legado de Luiz Gonzaga, eterno Rei do Baião.”

Ainda durante o ato, alguns parlamentares compareceram em favor dos manifestantes. Entre eles, estavam as deputadas estaduais Dani Portela (PSOL-PE) e Rosa Amorim (PT-PE), além dos deputados estaduais João Paulo (PT-PE) e Antônio Moraes (PP-PE).

Rosa Amorim, que é nascida em Caruaru, fez uma fala em apoio ao movimento. “Estou diante dos verdadeiros guardiões da tradição do São João, do forró pernambucano. Vocês que mantém nossa cultura viva e, por isso, deveriam ser os mais valorizados não só no ciclo junino, mas o forró deveria comer no centro o ano inteiro”, declarou.

De forma geral, o discurso dos outros parlamentares se alinharam aos interesses dos manifestantes. A deputada Dani Portela também se posicionou: “A cultura é a nossa identidade, é aquilo que nós somos. Então, investir em cultura não é só investir em ciclos sazonais, porque todo mundo aqui tem que pagar conta o ano inteiro e tem que sobreviver o ano inteiro”.

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PELAS RUAS QUE ANDEI É LIVRO SOBRE VIDA E OBRA DO CANTOR COMPOSITOR ALCEU VALENÇA

“Pelas ruas que andei”, a biografia de Alceu Valença escrita pelo jornalista carioca Julio Moura, guarda uma curiosa particularidade: dispensou qualquer entrevista formal com o biografado. Trata-se de uma obra que nasceu da convivência, pois o autor é assessor de imprensa do artista desde 2009.

O livro é fruto de incontáveis conversas durante turnês pelo Brasil e exterior, além de incursões de Moura por lugares que marcaram a trajetória de Alceu – de sua cidade natal, São Bento do Una (PE), ao Rio de Janeiro, onde mora atualmente, passando por Paris e Cambridge (EUA).

O autor diz que, ao longo desses quase 15 anos, viveu muito o universo de Alceu, tendo contato próximo com familiares e amigos do compositor. Destaca que isso poderia ser um problema, por comprometer a objetividade do livro, mas garante que foi zeloso em contornar armadilhas armadas pela intimidade com o biografado.

“Não é, em absoluto, um livro sobre minha convivência com Alceu. Tem a pretensão de ser mesmo uma biografia dele. Certa vez, fiz workshop com Ruy Castro, referência no gênero, e ele disse que se você conviveu com seu biografado, então não é biografia, mas livro de memórias. Fiz o possível para não cair nessa, tentei me manter distante, fora da história”, pontua.

A ideia de escrever a biografia de um grande nome da MPB vem de muitos anos, desde antes de Julio começar a trabalhar com o autor de “Tropicana”. A experiência em cadernos de cultura de jornais e no setor de comunicação de gravadoras alimentou esse desejo.

“Pulei muito de um lado para o outro do balcão. Na época das gravadoras – estive na Biscoito Fino, por exemplo –, pensava em fazer a biografia do Paulo Vanzolini ou do Jards Macalé, mas quando comecei a trabalhar com Alceu, me deu o estalo: 'Opa, este é meu personagem'. Coleciono material a respeito dele desde então”, explica.

Por sua vez, Alceu Valença conta que Moura só o pôs a par da ideia há cerca de três anos. Deu o sinal verde para o projeto devido à confiança no assessor. “Julio tinha participado das gravações do filme que dirigi, 'A luneta do tempo' (2014), e lançou, logo em seguida, um livro contando os bastidores da produção. Quando ele me falou, depois, dessa história da biografia, aquiesci.”

Foram muitas as ruas pelas quais andaram lado a lado, comenta o compositor. “Ele foi comigo para São Bento do Una, viu tudo lá, as casas onde morei, a feira da cidade, importantíssima na minha carreira, porque me trouxe a cultura do sertão profundo, com emboladores, violeiros e repentistas. Julio teve contato com a 'valençada' toda que ainda se encontra por lá, recebeu muitas informações desses parentes”, revela.

A fazenda da família foi outro ponto de referência. “É o lugar onde eu, quando criança, ficava ouvindo os aboiadores. Ele entrou no quarto do meu avô Orestes, que fazia cordéis, versos de viola e versos de improviso. Com tudo o que viu e ouviu em São Bento do Una, Julio conheceu a coisa primal minha, ficou sabendo de tudo.”

Depois de São Bento do Una, Alceu e a família se mudaram para Garanhuns, Recife, Olinda e Rio de Janeiro, com temporadas na França e nos Estados Unidos entremeando essas paragens.

“Julio foi várias vezes a Garanhuns, me acompanhando em festivais. Me viu indo para a estação de trem, viu o Colégio Diocesano, onde estudei. Também esteve muitas vezes em Recife e Olinda”, pontua Alceu.

O biógrafo conheceu amigos e vizinhos do músico em Olinda, onde ele costuma passar as férias. “Foram muitas conversas e histórias. Julio não gravou entrevista comigo, porque já sabia de tudo. Era só uma pergunta aqui, outra ali. A gente andando de carro ou de avião, tinha sempre uma prosa sobre minha trajetória, mas nada pautado. Eram conversas informais”, destaca.

PESQUISA-Escrever a biografia demandou vasta pesquisa documental tanto em acervos de jornais e revistas quanto nos arquivos da família Valença, explica Moura. Uma fonte importante foi o material levantado pela pesquisadora Patrícia Pamplona para o filme “Alceu – Na embolada do tempo” (2019).

“É uma pesquisa com centenas de matérias sobre Alceu desde a década de 1970, material precioso. Um aspecto que procurei ressaltar na biografia, aliás, é o diálogo dele com o jornalismo cultural. Os jornalistas são personagens dessa narrativa. Além da pesquisa da Patrícia, tenho sido espectador privilegiado das conversas de Alceu com a imprensa, o que me permitiu resgatar coisas de que nem ele se lembrava”, aponta.

O cantor e compositor acompanhou o trabalho diligente do assessor no sentido de escarafunchar o baú de guardados sobre seu percurso. Moura chegou a conhecer a mãe de Alceu, Adelma, a guardiã do acervo do filho.

“Depois que minha mãe morreu, minha irmã Delminha ficou tomando conta do material. É uma coisa impressionante o que tem lá: o número de discos que eu vendia, as críticas que saíam na imprensa, coisas de que eu nem tomava conhecimento. Minha irmã mostrou tudo para o Julio, retratos meus quando era pequeno, de quando jogava basquete, retratos da minha família. Ele teve acesso a tudo de maneira muito natural. Brinco que Julio nasceu em São Bento do Una”, ressalta.

 O biógrafo acompanhou a aproximação de Alceu com a Orquestra Ouro Preto, mediada por Paulo Rogério Lage, escritor, produtor e idealizador do concerto “Valencianas”.

“Julio conhece meu pessoal todo em Minas Gerais, conhece os bastidores do meu espetáculo com a Orquestra Ouro Preto”, diz. Moura comenta que Lage é o autor da apresentação de seu livro “A luneta do tempo”.

A biografia traz resenhas, críticas de discos, passagens engraçadas, dificuldades, o sucesso e problemas com a ditadura. Alceu ficou preso por uma noite, no final dos anos 1960, quando cursava a faculdade de direito no Recife.

 O curso de verão em Harvard foi decisivo para Alceu. “Depois da prisão, Alceu vai para os Estados Unidos como estudante de direito, mas já com a verve do artista. Chegando lá, puxa o violão e vai tocar nas ruas. Era época do (festival) Woodstock, os hippies se identificam com aquela figura, com aquele som, e se juntam em torno dele para cantar e dançar. Alceu começa a fazer isso direto , até que um dia vai lá um jornalista conversar com ele”, relembra.

Moura afirma que não houve censura ou veto por parte do biografado. Porém, isso não significa ausência de divergências. “Não teve, em momento algum, o 'não vamos falar disso', mas houve, sim, pontos de que ele discordava. Nesses casos, abri espaço para o contraditório. Como tem muita coisa documentada em jornal, pude trabalhar com visão divergente da dele”, ressalta.

 PSICODELLIA NORDESTINA-Exemplo disso é a presença de Alceu na cena musical de Pernambuco no início dos anos 1970. “Ele diz que não fez parte do movimento psicodélico nordestino. Não se sente, de modo algum, participante dessa cena, que foi muito importante, muito forte. Mas Paulo Rafael, o 'maestro' de Alceu durante mais de 40 anos, emergiu desse ambiente. É quase uma convenção a ligação de Alceu com a psicodelia nordestina, mas ele refuta isso categoricamente”, aponta.

O jornalista destaca também o envolvimento do biografado com a política. Durante a campanha pelas Diretas Já, Alceu propôs a criação do Partido da Música Brasileira, fazendo articulações que culminaram na reunião no apartamento de Chico Buarque, no Rio de Janeiro, com a participação de diversas personalidades não só da área da música, como Fernando Henrique Cardoso e Dias Gomes.

“Era uma coisa completamente utópica, mas reverberou e chegou a ganhar espaço na imprensa. Alceu mal se lembrava dessa história”, diz Moura.

O biografado discordou de algumas análises de época ou da forma como alguns episódios foram tratados. “Política é uma coisa quente, especialmente em Pernambuco. Coloco sempre a visão do Alceu, mas sem deixar de trafegar por histórias mais espinhosas. Ele não gosta de se lembrar de algumas delas, o que é normal. Um amigo meu diz que a vida dele é um livro aberto com algumas páginas arrancadas”, pontua.

Moura conta que, no início, estava imbuído em fazer a “biografia definitiva” de Alceu, até porque a geração dele foi pouco biografada. Os jornalistas Regina Echeverria e J.B. Medeiros escreveram, respectivamente, sobre Fagner e Belchior, e não se tem notícia de mais livros sobre o grupo surgido a partir dos anos 1970 entre Pernambuco, Ceará e Paraíba.

“Meu editor falou para tirar da cabeça essa história de biografia definitiva, até porque o cara está aí, num momento ótimo da carreira, trabalhando. Então, é só uma biografia do Alceu. Outros poderão fazer outras, aprofundando alguns pontos pelos quais passei superficialmente. O que me cabe agora é pensar que, talvez um dia, eu faça um livro de memórias sobre o convívio com ele”, diz.

Alceu diz  em algum momento, pode encarar a empreitada de escrever uma autobiografia, mas não crê que isso seja necessário.

“É a visão de outra pessoa sobre mim, mas tenho certeza de que o livro é demais. Evidentemente, posso descobrir uma coisa ou outra que Julio não entendeu ou interpretou direito, porque o deixei livre para fazer como quisesse. Posso até, depois, fazer minha autobiografia, mas não vou fazer não. Estou certo de que a dele é muito boa”, pondera. (Fonte: Correio Braziliense)

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