SANDRA BELÊ LANÇA CANTOS DE CÁ

Canto e afirmo meu lugar / Em todo lugar sou eu / Vou seguindo e cumprindo / A missão que Deus me deu”. Ouvidos na voz de Sandra Belê, na interpretação a capella da música que abre o quinto álbum da artista paraibana, os versos de Para agradecer (Regina Limeira) são a senha para o entendimento do ainda inédito disco Cantos de cá.

Após temporada em São Paulo (SP), Sandra Belê retorna literal e musicalmente para o estado natal, se voltando para os sons e compositores da Paraíba em álbum que será lançado em agosto por vias independentes.

Sandra Belê é o nome artístico de Elisandra Romeira da Silva, cantora e compositora nascida há 40 anos no cariri paraibano, mais precisamente na interiorana cidade de Zabelê (PB), onde veio ao mundo em março de 1980.

Como observa Chico César – talento paraibano gerado em Catolé do Rocha (PB) – no texto em que apresenta o álbum Cantos de cá, Sandra Belê traz a cidade natal de Zabelê entranhada no nome artístico.

É com essa vivência paraibana que a cantora dá voz no disco a músicas como Mugido do tempo (Junior Cordeiro) – um “gemido aboiador”, como bem caracteriza verso dessa composição gravada com alfaia, reco-reco e caxixis percutidos por Escurinho em fonograma já previamente apresentado em single editado em março – e Onça caetana (Glória Gadelha e Afonso Gadelha, 1983), cujo rugido foi ouvido pela primeira vez em disco na voz arretada da cantora Marinês (1935 – 2007).

Na sequência das 13 músicas do álbum Cantos de cá, o coco Terabeat (Tiago Moura) evidencia o tom contemporâneo – mas jamais modernoso – do disco em faixa gravada com a voz rústica de Vô Mera e com arranjo que harmoniza o pife de Renato Oliveira com a guitarra de Léo Meira.

Por mais que acuse em verso de Terabeat “a lonjura das capitais”, Cantos de cá não deve ser percebido como álbum “regionalista” porque tal entendimento avalizaria o etnocentrismo carioca e paulista no mapa musical do Brasil.

A incandescente pulsação do registro de Mangará (Jonathas Pereira Falcão) situa o álbum de Sandra Belê em zona de modernidade no frenesi do arranjo que integra piano, sanfona, guitarra, zabumba e baixo.

Em cadência que conjuga células rítmicas de baião, samba e xote, Lado de cá da janela – outra música de Jonathas Pereira Falcão, compositor paraibano que vem emergindo na cena musical brasileira – deixa vislumbrar paisagem natural povoada por bichos e poesia contemporânea.

Introduzida pela aridez do toque do baixo acústico de Rainere Travassos, Escombros (Melchior Sezefredo e Roberto Cajá) desenha cenário marcado pela secura existencial.

“Mande as flores para mim”, pede Belê na lírica poética de Cadê as flores?, parceria de Chico César com Escurinho que retrata um Nordeste embelezado com jardins literários – o que justifica a participação da escritora Maria Valéria Rezende, declamando breve texto na faixa.

À deriva, composição de Pedro Medeiros, repõe o álbum Cantos de cá em solo abrasado, mas, na sequência, Sandra Belê distribui os versos de Poema ao sol (Chico Lino Filho e Adeildo Vieira) em temperatura adequadamente amena, ao som solitário do violão de Cledinaldo Júnior.

Primeiro álbum da artista desde Encarnado azul (2011), lançado há nove anos, Cantos de cá se equilibra bem entre faixas mais líricas e temas mais ardentes.

Nesse mosaico, a canção Relicário reitera a inspiração melódica e poética de Flavia Wenceslau, compositora que, embora radicada na Bahia, nasceu na Paraíba e vem se destacando com músicas que geralmente versam sobre o caminhar do Homem na estrada da vida – caso de Relicário.

Símbolo da festiva alegria nordestina, Brincadeira (Chico Limeira) acende a fogueira e levanta o barro do chão em baião junino. No fim do disco, Sandra Belê volta ao começo de Cantos de cá e reprisa os versos da canção Para agradecer (Regina Limeira), desta vez com acordeom, viola e percussões.

Na reprise que arremata o álbum, Para agradecer soa como reverência da cantora aos artistas da região que desbravaram caminhos na Paraíba para que Sandra Belê possa, em 2020, afirmar o próprio lugar nobre nessa cena impregnada de vasta riqueza musical. (Fonte: Mauro Ferreira Jornalista carioca que escreve sobre música desde 1987, com passagens em 'O Globo' e 'Bizz'. Faz um guia para todas as tribos)
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A MÚSICA DE SÉRGIO RICARDO

São muitas horas da noite 
São horas do bacurau
A canção Bicho da Noite é, provavelmente, a aparição de maior alcance envolvendo Sérgio Ricardo nos últimos anos. O povo vai entoando-a no funeral de uma das personagens, em cena do filme de Kléber Mendonça Filho que leva o mesmo nome dessa ave noturna contida na canção de Sérgio Ricardo e Joaquim Cardoso, originalmente composta para a peça O Coronel de Macambira, de 1965.
Capa do disco A Grande Música de Sérgio Ricardo, de 1967 – Foto: Reprodução
Bacurau é filme, é ave e também poderia ser a metáfora da vida e obra de Sérgio Ricardo. Escondido na noite, nos galhos de um pé de pau, a toda dança acompanha tocando seu berimbau. Alguém que lamenta as maldades do mundo picando a sombra da noite, um bicho noturno que se importa que o nascer da manhã possa raiar sobre todos com o mesmo calor democrático.
Depois de 1967, quando quebrou o violão no palco em Festival de MPB da TV Record, sua visibilidade diminuiu sensivelmente. Mesmo que sua obra artística tenha continuado a se enriquecer desde então. A ocasião que virou uma marca de sua história – ainda que injusta diante da vastidão de criações e experiências iniciadas por ele – aconteceu na terceira eliminatória do festival. Defendendo a canção Beto Bom de Bola, ele trouxe um coral de operários da fábrica Willys para cantar junto com o lendário grupo instrumental Quarteto Novo. Nada agradou ao público presente na plateia. Foi uma vaia geral, seguida pela reação já tão conhecida do intérprete.
Capa do disco que contém a trilha sonora da peça Ponto de Partida, de 1977 – Foto: Reprodução
“Eu entendo que a recepção negativa representou a reação de um público avesso a grandes mudanças estéticas naquilo que se considerava uma boa canção de festival. O ano de 1967 marcou certo esgotamento da canção engajada calcada na bossa nova e nos temas folclóricos. Assim, muitos compositores tentaram seguir outros caminhos, pesquisar novas harmonias, novos temas poéticos, novos arranjos. Beto Bom de Bola representa essa tentativa. Entretanto, o público não assimilou uma música que tinha uma melodia mais sutil, um tema polêmico ligado ao futebol e um arranjo experimental.” Assim analisa o historiador Marcos Napolitano, professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Napolitano enxerga no episódio uma inflexão na carreira de Sérgio Ricardo. “A partir daí ele segue um caminho bem mais autoral, menos preocupado com as demandas dos públicos de festivais e da indústria fonográfica.”
Se a carreira musical de Sérgio Ricardo ao final dos anos 60 passa por mudanças, antes disso ele tinha experimentado os boleros dos anos 50, a bossa nova nascente e a canção de protesto, da qual foi, com Carlos Lyra, um dos que lançaram suas bases iniciais. Zelão, de 1960, é considerada uma das matrizes do que viria a ser desenvolvido ao longo da década e que, por fim, daria o tom do que passou a ser reconhecido pela sigla MPB.

Artista múltiplo

Capa do disco com a trilha sonora do filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de 1964 – Foto: Reprodução
No prefácio do livro  Esse Mundo é Meu: as Artes de Sérgio Ricardo, a historiadora Miliandre Garcia descreve uma síntese das variadas atuações do artista.
“Trabalhou como ator de telenovela na TV Tupi nos anos 1950. Gravou 16 álbuns solos. Compôs trilha sonora para teatro e cinema, de peças do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE) a filmes do cinema novo. Dirigiu curtas e longas-metragens. Escreveu o livro infantil O Elefante Branco, com texto e ilustrações suas e a contracapa escrita por Paulo Freire (Salamandra, 1989), o livro de poemas Elo: Ela, com apresentação de Antonio Houaiss (Editora Civilização Brasileira, 1982), e a autobiografia Quem Quebrou meu Violão (Record, 1991). Também se dedicou à pintura, apresentando-nos pelo menos três séries: Transparência (2001), Artistas de Rua (2010) e Entrelaços (2015).”
Pintura da série Artistas de Rua, de Sérgio Ricardo, produzida em 2010 – Foto: Reprodução
Por que então um artista tão variado e influente foi posto na noite escura, nas horas do bacurau? Miliandre arrisca uma resposta no prefácio de Esse Mundo é Meu. Sobretudo no que se refere à sua carreira musical, ela aponta fatores de ordem estrutural, especialmente a consolidação da ditadura militar, da qual Sérgio era uma das principais vozes contrárias, e a reestruturação da indústria fonográfica brasileira no final dos anos 60. Outro fator, de ordem mais pessoal, “refere-se à dificuldade do artista em se inserir e permanecer vinculado a um único movimento ou linguagem, o que o levou a se autodefinir como outsider”.
O historiador Rafael Hagemeyer, integrante do Laboratório da Imagem e do Som da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), é um dos estudiosos da obra de Sérgio Ricardo. Ele sublinha a profunda vinculação entre música e dramaturgia em sua carreira. São vários exemplos: a trilha sonora de filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em Transe (1967) e A Guerra dos Pelados (1970) e peças como O Coronel de Macambira (1965) e Ponto de Partida (1976). Além das trilhas sonoras, Sérgio Ricardo também é autor, ele mesmo, de vários filmes da maior importância. São eles: O Menino da Calça Branca (1961), O Pássaro da Aldeia (1963) – gravado na Síria e do qual não se sabe se há cópias preservadas -, Esse Mundo é Meu (1963), Juliana do Amor Perdido (1970), A Noite do Espantalho (1970), Pé sem Chão (2014) e o último deles, Bandeira de Retalho (2018).
Para Hagemeyer, uma das intervenções mais marcantes de Sérgio Ricardo está presente justamente no cinema, no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha. Trata-se da cena final, quando o cangaceiro é perseguido e assassinado, tendo ao fundo o canto de Sérgio Ricardo com estes versos:
– Se entrega, Corisco!
Pintura da série Artistas de Rua, de Sérgio Ricardo, 2010 – Foto: Reprodução
– Eu não me entrego, não!
Eu não sou passarinho
Pra viver lá na prisão

– Se entrega, Corisco!
– Eu não me entrego, não!
Não me entrego ao tenente
Não me entrego ao capitão
Eu me entrego só na morte
De parabelo na mão

– Se entrega, Corisco!
– Eu não me entrego, não!
Ao final, Corisco grita, tombando ao chão: “Mais forte são os poderes do povo!”.
Capa do disco Um SR. Talento, de Sérgio Ricardo, lançado em 1964 – Foto: Reprodução
Esse grito, de certa forma, pode traduzir vida e obra de Sérgio Ricardo. O sociólogo Marcelo Ridenti lembra que, a partir de certo momento, o artista encarnaria em sua obra certo ideal de povo e de nação inspirado nas raízes do camponês nordestino, mesmo que essa identidade estivesse distante de sua origem paulista com raízes sírias – por sinal, o nome verdadeiro de Sérgio Ricardo era João Mansur Lutfi, substituído durante sua passagem pela TV Tupi.
Ridenti chama a atenção para o desequilíbrio de interpretações que valorizam Glauber Rocha, mas desdenham de Sérgio Ricardo. Como parceiros, “ambos compartilhavam ideias e sentimentos de que estava em curso a revolução brasileira nos anos 1960, na qual artistas e intelectuais deveriam se engajar, rompendo com o poder do latifúndio, do imperialismo e, no limite, do capital. Colocavam a questão da identidade nacional e política do povo brasileiro, buscando ao mesmo tempo recuperar suas raízes e romper com o subdesenvolvimento”, explica o sociólogo.
O posicionamento político de Sérgio Ricardo teve, em seus primórdios, a influência do músico João Gilberto. Como conta no documentário Coisa Mais Linda: Histórias e Casos da Bossa Nova (2005), nas andanças por Copacabana, João Gilberto referiu-se ao interesse do amigo por espiritualidades dizendo algo como: “Isso aí é muito bonito, traz a felicidade. Mas a felicidade plena mesmo é quando você está em relação com o seu semelhante e todos estejam numa mesma situação de felicidade”. Aí, João discorria sobre a miséria do Brasil e, nesses bate-papos, acabou por introduzir menções a Karl Marx. “Foi ele que abriu meus olhos, pela primeira vez, para essa coisa do socialismo”, confessa Sérgio Ricardo no documentário.
Disco de Sérgio Ricardo lançado em 1973 – Foto: Reprodução
A busca pelo povo foi tão profunda em Sérgio Ricardo que ele, na calada da noite em que foi posto, mudou-se literalmente para o Morro do Vidigal, no Rio de Janeiro, onde passou a viver.
Não à toa, deve-se a ele a reverência de ter expressado tão bem os ideais de uma época. Com o sociólogo Marcelo Ridenti, podemos abarcar uma das possíveis análises que resumem a importância de Sérgio Ricardo:
“É claro que havia alcances e limites desse ideário, além de muitas divergências e rivalidades pessoais e de grupo. Aquela época não deve ser idealizada. Mas todos tinham em comum o questionamento da ordem, em disputas, com ecos até hoje, para saber quais seriam os verdadeiramente revolucionários. Não cabe julgar aqueles embates, mas sim compreender os artistas que expressaram de modo diverso as contradições daquela época conturbada, em que se apostou como nunca nas potencialidades criativas de uma nação e de seu povo, promessas ainda não realizadas das quais Sérgio Ricardo foi um representante expressivo.” (Fonte: Jornal USP *Por Gustavo Xavier)
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RIO PAJEÚ. O RIO FEITICEIRO, CULTURA DOS LUGARES DO SERTÃO

Pelas correntezas da música de Zé Dantas na voz de Luiz Gonzaga "Riacho do Navio", o Rio Pajeú é citado como a maior bacia hidrográfica do Estado. É na Serra da Balança, no município de Brejinho, próximo à divisa entre os estados da Paraíba e Pernambuco, que o famoso rio nasce, e sai desbravando o Sertão por suas passagens por várias cidades, a exemplo de Itapetim, Tuparetama, São José do Egito, Ingazeira e mais. A fluidez do rio também pauta a cultura dos lugares, e a sua importância virou tema de documentário.

“O Rio Feiticeiro”, produzido pela Luni e com direção de Alexandre Alencar, que assina também o roteiro ao lado e Aquiles Lopes e Lula Queiroga, retrata a variedade cultural que floresceu às margens do rio. "O Pajeú é um rio que nem sempre tem água, mas demarca uma região fundamental para a cultura de Pernambuco e do Nordeste. A presença dele é maior que o próprio manancial. A ideia surgiu da vivência e de várias incursões que fizemos pelo Sertão do Pajeú. Em 2016, o Canal Curta! abriu chamada pública para novos projetos, então convidamos Antônio Marinho, que é poeta do Pajeú, para esse trabalho. Estruturamos juntos uma pesquisa de localidades e personagens", conta Aquiles.

Segundo Alexandre, a produção audiovisual ganha molde a partir do desenvolvimento do projeto. "Documentário é uma obra aberta. Por mais que você tenha uma linha traçada, sempre vai depender do que encontrar ao longo da produção. Fomos percorrendo e encontrando cada detalhe. O rio é visivelmente presente na mente das pessoas. Algo que transcende a importância básica do rio. Ele inspira e encanta a todos", enfatizou.

O documentário, que teve como propósito realizar o trajeto físico do Pajeú, indo da nascente, em Brejinho, ao encontro com São Francisco, em Floresta, contou com 30 personagens do ramo cultural, percorrendo 14 cidades pernambucanas. Um dos personagens e também fio condutor da narrativa, o poeta Antônio Marinho, apresenta aos espectadores, de forma intimista, a história do que corta o Sertão de Pernambuco: "A poesia do Pajeú sempre é bem recepcionada em qualquer linguagem colocada ao público. O Pajeú está vivendo um momento mágico das expressões culturais. Sem dúvidas, o documentário é mais um olhar para poesia do Pajeú".

Existe, no semiárido de Pernambuco, um rio que nem sempre tem água, mas que mesmo assim é fundamental para a vida e a cultura sertanejas. Ao longo de suas margens vivem, há muitas gerações, centenas de poetas e artistas populares – criando um bioma cultural único. Um povo que mantém caudalosa a palavra como principal fonte inspiradora. Um lugar onde a poesia é tão forte que é ensinada em salas de aula e declamada durante as missas.

O documentário “O Rio Feiticeiro” percorre as 12 cidades dos 353 km ao longo do curso, encontrando as memórias afetiva, oral e textual dos artistas e revelando as novas gerações que bebem dessa fonte, perpetuando a tradição. O documentário é dirigido por Alexandre Alencar, um dos mais experientes e atuantes realizadores de Pernambuco. “O Rio Feiticeiro” tem como apresentador o jovem poeta Antônio Marinho, herdeiro legítimo das tradições poéticas da região do Pajeú, neto de Lourival Batista e filho de Zeto e Bia, todos autores referenciais para a poesia popular sertaneja.

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DOCUMENTÁRIO OURO VELHO, MUNDO NOVO MOSTRA A CONTEMPORANEIDADE DA POESIA NA CULTURA BRASILEIRA

Na produção audiovisual, há criadores brasileiros que tomam por combustível a arte de colegas artistas, na elaboração de obras como as séries Ouro velho, mundo novo e Lama dos dias, atualmente em exibição na tevê. Nas duas obras, pesam a criatividade e a poesia de poetas reconhecidos (ou não), empenhados na chamada cultura popular. 

“O povo tem tudo a ensinar. É impressionante como a gente mergulha na riqueza. Eles têm resposta para tudo. São maravilhosos: pessoas que compreendem o mundo de outra maneira — são fantásticos”, observa Cláudio Assis, um dos diretores de Ouro velho, mundo novo.

Atraído pela poesia, junto com Assis, o pernambucano Lírio Ferreira é o cocriador da série que trata de cordel e trova nas divisas entre Paraíba e Pernambuco. Circular pelos locais colocou Lírio em ciclo criativo que o instiga, “repleto de movimento, risco e dúvida”, como descreve. “Pude perceber a grandeza, a imensidão e a força daqueles poetas que habitam um lugar aparentemente inóspito e que se valem da poesia para subverter essa imagem árida e a tornar ao mesmo tempo, fértil e luxuriante”, comenta, ao tratar da série.

Num retrospecto, Cláudio Assis enumera outro movimento de adesão maciça, gerada em Pernambuco: o manguebeat. “Era tão efervescente que não deveria parar nunca. Todos seguem a vida: estão aí o Hilton Lacerda, o DJ Dolores (autores da série Lama dos dias, também exibida pelo Canal Brasil), Lúcio Maia, Lírio e Zé du Peixe. Acompanhei demais todos. Trabalhei com o Xico Sá. Temos uma amizade muito bem nutrida. Éramos um grupo grande, que se olha no olho, e se respeita muito, ainda hoje”, conta Assis.

Numa espécie de “gambiarra do manguebeat”, DJ Dolores (ao lado de Hilton) resgatou “imaginação e vontade de realizar”, tudo reciclado em Lama dos dias. Na visão de Dolores, cultura independe do fato de uma pessoa ser letrada. “O que torna a cultura forte tem a ver com a preservação da memória, da identidade e da oralidade, tronco forte da sabedoria de um povo”.

Daí ele descrever o sumo de Lama dos dias: “O que sustenta esteticamente a música do manguebeat e todo o comportamento é exatamente a cultura que vem da diáspora africana. É um dado presente no Nordeste e nas músicas que ouvíamos. O nascente hip hop, house, techno, reggae, dub e tudo isso, misturado com embolada, cocos e maracatus que estão no nosso DNA desde sempre”.

Quais foram as inspirações e origens da série? 
De uma forma geral, no meu trabalho, tento falar sobre o Nordeste contemporâneo. A narrativa dominante é a do Sudeste, e ela cria mil estereótipos sobre a gente. O Sudeste é uma região que tem muito mais dinheiro, então há uma relação de colonização. No Nordeste, temos uma cultura muito resistente a isso. Quando chegamos pelo olhar do Sudeste, chegamos desmembrados, parodiados. Em qualquer oportunidade que tiver, vou lembrar do que a gente faz, da nossa presença no mundo. Seja através da música, do cinema, seja através do nosso comportamento que, aliás, é muito mais avançado do que no Sudeste. Você vê que Bolsonaro perdeu feio aqui nas eleições (risos). É sempre fundamental resistir à cultura do dinheiro, do liberalismo tosco neste Brasil que parece que não tem jeito.

Com Chico Science (morto em 1997), estaríamos diferentes?
Chico era um aglutinador: ele se mostra importante em qualquer momento histórico. Era um entusiasta, ele conseguia fazer as pessoas se unirem em torno de algum projeto. É uma pessoa que faz muita falta. Estamos precisando de liderança, de quem traga esperança ou entusiasmo no discurso.

O que você tem ouvido na quarentena?
Eu tenho trabalhado muito. Tenho feito vídeo, música, parceria com pessoal de dança. Estou escrevendo roteiro. No final do dia, a cabeça fica tão cansada que a última coisa que quero fazer é ouvir música. Vejo filme, para relaxar. Normalmente, gosto muito de brega-funk do Recife, gosto dos funks do Rio de Janeiro, gosto da produção que vem do Norte. É um tipo de produção que tem volume grande, tem sempre uma novidade. Neste momento, percebo que temos tido poucos lançamentos: acho que tem a ver com as dificuldades que estamos passando. São artistas que vivem de música ao vivo, então deve estar complicado produzir, sem gerar dinheiro. Tenho procurado coisas diferentes: mas voltei para o Stevi Reich, um autor que sempre curti. Tem um estoniano Arvö Part, com um tipo de música muito minimalista. Consigo ver a ligação deste minimalismo da música erudita europeia com o minimalismo do funk e do brega funk. Esteticamente, são coisas que me agradam muito. Destacaria também os podcasts. É o novo rádio: ouço sempre.


O que falta para aumentar o consumo de nossa cultura? Brasileiros são cultos?

A cultura brasileira é muito popular, internamente. Não sei o que é uma pessoa culta. Acho que a gente aqui no Nordeste é muito culto, no sentido de que temos uma cultura muito forte, uma cultura tradicional que não está presa ao passado, que foi se transformando e se adequou aos tempos. Isso não é tese, nem hipótese: é a realidade. Percepção recente pra mim, num disco que produzi para Lia de Itamaracá: há capacidade de ela se renovar, aos 76 anos, sem perder a identidade. Achei formidável: isso representa toda a cultura tradicional como está presente em pessoas como o Siba, um mestre do maracatu, e que incorpora isso em sua produção. No interior, a tradição se adaptando, com MP3, com tecnologia, passa pelo celular e temática para sobreviver. Lembro-me de ter ido ao maracatu e o poeta, um senhorzinho, mandar uma puta rima sobre violência doméstica. Coisa que a molecada ligada ao pop anglo-saxão passa batido, os caras nem tão ligados nessas questões tão contemporâneas à sociedade em que a gente vive. A tradição nordestina é presente. Na tradição, vivos, eles estão ligados à realidade.

Viver de música é bênção?

Saber fazer música é uma bênção: viver de música é uma maldição, ainda mais no Brasil. Nós, artistas, temos sido perseguidos. Caluniados, das mais diversas formas. Tá foda ser artista no Brasil contemporâneo. Incrível, mas mesmo gente próxima, da família de círculo de amizade, tem uma ideia completamente errada sobre a atividade da gente. Some-se a isso aí a realidade: a gente não pode mais tocar, por não ter público. Fomos os primeiros a parar, por causa da pandemia, e seremos os últimos a voltar. Tem a questão econômica, ferrando nossas vidas com todo o gosto. 


**Três perguntas// Cláudio Assis
Cláudio Assis é povo ou meio acadêmico?
Eu vim lá debaixo também. Eu vim lá de Caruaru: Alto do Moura. Então sou mais ou menos isso. Aprendi a viver essas coisas assim, na simplicidade. Ainda me empolgo muito com isso, me favorece. Convivo com isso hoje, carrego este impacto. Volto a esse lugar. O povo está vibrando: são homens honestos e de coração grande.

Como estás, em meio à pandemia?
Eu tô vivendo um tédio do caralho: tá foda. Você ficar guardado aqui, dentro de casa, sem poder sair para canto nenhum. Sem locomoção... Mas, tem que respeitar! Temos que nos guardar, em si. Tenho lido bastante, tenho escrito coisas. Penso em fazer um filme, e não é sobre pandemia. É um filme chamado Gigantes pela própria natureza: ele fala de anões. São pessoas pequenas que se tornam grandes.

No que resultou a série Ouro velho, mundo novo?
O tema sempre me invocou muito: admiro Mestre Galdino (artista plástico e poeta). Vivi muito nas cantorias de Caruaru, e no entorno do agreste e sertão. Nós buscamos pesquisar este universo deles. Nos confrontamos com coisas maravilhosas.

***Entrevista //   Lírio Ferreira

Quem bebe da sabedoria popular é mais escolado na sobrevivência à pandemia?
A base mais sólida e original da nossa cultura é fruto da sabedoria popular. Sem ela, não seríamos nem de longe, o povo que nos tornamos. Não sei se quem a bebe vai sobreviver a essa pandemia, mas certamente quem bebeu e continua bebendo da água do Rio Pajeú, sobreviverá às intempéries que eventualmente nos colocam nesse estado de letargia.

Para você, que foi codiretor do filme Cartola, a malandragem rende que dividendos para o Brasil?
A malandragem sempre foi uma marca indelével da cultura brasileira. Para o bem e para o mal. O olhar é o que importa e quem a traduz.

O brasileiro ainda despreza patrimônios culturais próprios?
Para desprezar é preciso conhecê-los. Se faz necessário abrir o coração e a mente para algo que sempre foi seu e você ainda não sabe. 

Como analisa a peculiaridade criativa (nas cantorias) ou de comportamento de pernambucanos e de paraibanos?
Para mim, Pernambuco e Paraíba é quase a mesma coisa. Na cidade paraibana de Umbuzeiro, basta atravessar a rua que você já está em Pernambuco. O grande clássico da cantoria era a aguardada disputa entre Louro do Pajeú x Pinto do Monteiro. Ao apito final, todo mundo saía ganhando.

O cinema novo é indissociável do audiovisual pernambucano? 
O cinema novo é a fonte maior de todo o cinema de autor produzido no Brasil pós década de 60. Mora permanentemente no meu inconsciente. Talvez a garra venha de comemos muito coentro na infância. A história do audiovisual feito em Pernambuco remonta desde o começo do século passado com o Ciclo de Recife onde ainda na fase muda do cinema aqui na província, foram produzidos 13 longas-metragens. O ciclo do Super-8 na década de 70 também marcou esse diálogo intenso com o audiovisual, sobretudo o experimental. Hoje, vivemos uma espécie de terceira dentição. O que esses ciclos têm em comum? O coentro..(Fonte: Correio Braziliense)
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REUNIÃO DA REDE PEBA DISCUTE SITUAÇÃO DE CORONAVÍRUS NOS ESTADOS DA BAHIA E PERNAMBUCO


Os Ministérios Públicos do Estado da Bahia e de Pernambuco se reuniram com autoridades estaduais e municipais de saúde para debater a situação do coronavírus nos dois Estados. A reunião da Rede de Saúde Pública dos Estados da Bahia e de Pernambuco (Rede PEBA) debateu a relação entre o aumento de casos de coronavírus e a disponibilidade dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para atender a demanda.  O encontro, realizado por videoconferência no dia 17, debateu ainda a aplicação de recursos federais pelo Ministério da Saúde aos estados de Bahia e Pernambuco, bem como a transformação de leitos convencionais de UTI em leitos de UTI-Covid, sem uma reposição dos leitos modificados. 

Participaram da reunião os promotores de Justiça do MP baiano Patrícia Medrado, Rogério Queiroz e Rita de Cássia Caxias de Souza, respectivamente coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa da Saúde (Cesau), e titulares da 12ª Promotoria de Justiça de Saúde de Salvador e 11ª Promotoria de Justiça de Saúde de Juazeiro. Representando o MP de Pernambuco, participou do encontro o promotor de Justiça Édipo Soares Cavalcante Filho, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Saúde (Caop Saúde) do MP pernambucano. 

A coordenadora do Cesau baiano, promotora Patrícia Medrado destacou que a atuação integrada dos Ministérios Públicos Estaduais da Bahia e de Pernambuco objetiva ver assegurado o atendimento aos serviços de saúde à população dos municípios envolvidos que necessitam da Rede PEBA. “A identificação de deficiências crônicas no funcionamento da Rede, agudizadas na pandemia, demanda um esforço colaborativo dos envolvidos para que sejam efetivadas medidas eficientes e resolutivas”, salientou Patrícia Medrado.

 O coordenador do Caop Saúde do Ministério Público de Pernambuco, Édipo Soares, destacou a necessidade de maior integração na tomada de decisões no enfrentamento da COVID-19 pela Rede PEBA. Ele mencionou a Carta de Petrolina e as deliberações tomadas por promotores de Justiça que atuam na região, destacando a necessidade de definição de estratégias de gestão interestadual. “As ações estratégicas devem der organizadas por uma comissão criada pelas duas entidades públicas (Pernambuco e Bahia), de forma que haja uma melhor coordenação das ações”, concluiu.
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AGRICULTURA FAMILIAR EMPREGA 10 MILHÕES DE PESSOAS NO BRASIL

Os agricultores de todo o mundo comemoram, neste sábado (25), o Dia Mundial da Agricultura Familiar. No Brasil, o segmento possui ampla representatividade. De acordo com o Censo Agropecuário divulgado pelo IBGE em 2017, são 5 milhões de pequenas propriedades rurais em todo o país, representando 77% dos estabelecimentos da produção agrícola.

No campo, a agricultura familiar foi responsável por R$ 131,7 bilhões (23%) dos R$ 572,99 bilhões referentes ao Valor Bruto da Produção (VBP) brasileira naquele ano - a soma de tudo o que gira nas fazendas. Em termos de empregos, são 10 milhões de postos de trabalho, com 67% do total da atividade agropecuária.

Mas, afinal, quem são os agricultores familiares? De acordo com a Lei 11.326, de 24 de julho de 2006, que estabelece os parâmetros para a identificação dos pequenos produtores através da Política Nacional da Agricultura Familiar, é considerado agricultor familiar e empreendedor familiar rural “aquele que pratica atividades no meio rural, possui área de até quatro módulos fiscais, mão de obra da própria família, renda familiar vinculada ao próprio estabelecimento e gerenciamento do estabelecimento ou empreendimento pela própria família."

Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o setor se destaca pela produção de feijão, arroz, trigo, milho, mandioca, além da pecuária leiteira, de corte, suínos e aves. Os perecíveis, como frutas, legumes e verduras (FLV), também têm uma boa parcela de importância nas pequenas propriedades.

Por outro lado, se os valores gerados são vultosos, os pequenos produtores enfrentam inúmeros desafios para manter a competitividade e o desenvolvimento nas suas terras. “Se nós pegarmos os municípios, a grande maioria têm sua base econômica na agricultura familiar. Então, este tipo de agricultura precisa de mais visibilidade e valorização”, cobra o vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Alberto Broch.

Um das estratégias para elevar a renda dos pequenos produtores é produzir os derivados das matérias-primas. “O agricultor não faz o doce de leite ou o queijo, ele vende o leite para a indústria. A ideia é que ele produza a matéria-prima, mas que possa elaborar outros produtos para comercializar com um preço maior, o que permitiria o um crescimento estrutural da renda”, avalia Marina Zimmermann, assessora técnica da Comissão Nacional de Empreendedores Familiares da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Além da produção leiteira, produtos como mel, café, cacau, açaí têm bom potencial para aumentar o valor da venda final na agricultura familiar. Entram nessa prateleira, ainda, os perecíveis, como frutas, legumes e verduras.

Entretanto, um dos gargalos é enfrentados nas pequenas propriedades é a falta de assistência técnica e o baixo de emprego de tecnologia, o que reduz a competitividade no campo. “Uma coisa é a Caatinga, outra é o Cerrado, e outra, bem diferente, é o Pantanal. Nós precisamos de tecnologia adequada para os pequenos produtores em cada um dos biomas, além de políticas de transferência de tecnologia”, pontua Broch, da Contag.

Segundo a confederação dos agricultores, outro desequilíbrio a ser corrigido por políticas públicas é a diferença do grau tecnológico nas agriculturas da região sul em comparação com as propriedades do norte e nordeste do país, onde a infraestrutura é ainda mais precária.

Uma das formas de melhorar a infraestrutura e potencializar a quantidade de recursos disponíveis é o cooperativismo, algo já conhecido e testado na agricultura nacional por mais de meio século. A outra passa, principalmente, pela melhora de infraestrutura para a disponibilidade de internet no campo, conectando as lavouras e levando dados em tempo real para o segmento.

Para a agricultura familiar, uma das políticas públicas mais positivas em diversos governos estaduais e municipais do país é a lei que determina a compra de 30% da produção destinada à merenda escolar. Na prática, no entanto, a aquisição ocorre no volume abaixo do esperado. "A gente observa que os governos estaduais e municipais não fazem a compra mínima dos 30%. Às vezes, é mais fácil ir ao supermercado. Além disso, esse montante fica livre, os governos poderiam comprar até 80% desses produtos”, diz Zimmermann.

Durante a pandemia do coronavírus, os agricultores e feirantes espalhados pelo Brasil tiveram de se reinventar. Em meados de março, início das medidas de isolamento social para conter a doença, as feiras e os mercados municipais acabaram fechados. Produtores foram prejudicados, com perdas principalmente de produtos com pouco tempo de prateleira, cado dos FLVs e, ainda, do cultivo de flores.

Mas o setor soube se reinventar. Além da comercialização por WhatsApp e entrega a domicílio, as feiras drive-thru, modelo semelhante ao das redes de fast-food - onde o consumidor chega, faz o pedido, realiza o pagamento e retira o alimento -, viraram febre e uma boa alternativa para o escoamento da produção.

O uso de canais digitais deve ser uma tendência mesmo depois da pandemia. "Esse caminho vai reduzir a distância do produtor rural para o consumidor. Por isso, ele pode ter um retorno maior do que o consumidor quer do produto dele. Ou então, pode receber uma resposta sobre o que acrescentar ou modificar na sua produção”, diz a assessora técnica da CNA. (Fonte: Globo Rural)
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IRMÁ E SOBRINHO DE PADRE JOÃO CÂNCIO CELEBRAM 50 ANOS DA MISSA DO VAQUEIRO, SERRITA PERNAMBUCO

A Missa do Vaqueiro, na cidade de Serrita, a 535 quilômetros do Recife, completa meio século. Em sua 50º edição, a festa traz o sagrado e o profano, preservando assim as tradições, a cultura e a fé do povo sertanejo. Este ano a Missa de Serrita, devido o decreto de pandemia Covi-19, e a exigência de isolamento social e evitar aglomeração será virtual.

Este ano completa 31 anos de morte do Padre João Câncio. Ele juntamente com Luiz Gonzaga e o poeta Pedro Bandeira (homenageado este ano 2020) idealizaram e criaram a Missa do Vaqueiro de Serrita, Pernambuco. O poeta cantador de viola Pedro Bandeira é o único que está vivo e mora em Juazeiro do Ceará.

Em Petrolina a reportagem do BLOG NEY VITAL, encontrou parte da história que deve ser contada, e está no sangue (DNA) dos fatos que se tornaram páginas que as novas gerações precisam conhecer. 

Trata-se da irmã de João Cancio, Maria Helena Santos Costa e de Fabricio Alex Santos Costa, sobrinho. Eles moram em Petrolina e são testemunhas do tempo vivido por um João, que se tornou, Padre, casou e se tornou quase lenda nos sertões. Padre João Câncio foi o fundador da Pastoral dos Vaqueiros.

Detalhe: na capa do disco LP 1988, Missa do Vaqueiro,  consta Fabricio presente no altar em Serrita durante a última participação de Luiz Gonzaga na missa. Entre os celebrantes estava o bispo emérito de Petrolina, Dom Paulo Cardoso.

Uma autêntica e histórica reunião de vaqueiros contada através de canções que homenageiam e retratam a coragem, a força e a fé do homem sertanejo. É assim que pode ser definida a Missa do Vaqueiro. 

Todavia, nascida em 30 de abril de 1946, Maria Helena vai logo afirmando: "História que tem muitas páginas mal contadas", ri Helena, no vigor da alegria e da memória que guarda os fatos.

Na família ela é a única mulher. Além de Maria Helena vivem Daniel, Antonio e Avelino. Luiz já faleceu. "João me chamava de "Neguinha".

"Lembro quando meu irmão resolveu ser Padre e entrar no seminário. Foi uma surpresa. Tenho lembranças da primeira Missa do Vaqueiro de Serrita e das conversas entre Luiz Gonzaga e meu irmão. Eles queriam justiça pela morte do vaqueiro Raimundo Jacó, assassinado. Com o passar do tempo tudo foi se modificando, esquecendo o lado cultural, o protesto e de fé da missa", revela, Maria Helena.

Enquanto foi Padre, João foi da ala progressista ligada a igreja. Atuante na região João Cancio contribui para fortalecer o nome do sertão. "Infelizmente vim tomar conhecimento que escreveram a biografia dele pelas redes sociais, não consultaram a família".

Fabricio faz referência que ao contrário do que ocorre agora durante as homenagens do 30 anos de morte do Padre João, a biografia escrita pelo jornalista Machado Freire, com o título, João Cancio-a saga do Padre Vaqueiro, esta sim, o autor manteve contato com a família. "Uma das ideias do meu tio era que durante a semana da Missa do Vaqueiro fosse realizado seminário, palestras para fortalecer e valorizar cada vez mais o lado cultural e da história", conta Fabricio.

Maria Helena revela que o seu irmão João Cancio exerceu também  a função de diretor do Colégio Dom Bosco de Petrolina e do Colégio Barbara de Alencar, em Exu, Pernambuco.

Os restos mortais do Padre João Cancio encontra-se no Cemitério Campos das Flores, em Petrolina.

A Missa do Vaqueiro, um dos maiores eventos culturais dos Sertões, tem sua origem na história de Raimundo Jacó, um vaqueiro habilidoso que, segundo a história, foi assassinado numa emboscada por um desafeto da profissão. 

A história de coragem se transformou num mito do Sertão e três anos após o trágico fim, sua vida foi definitivamente consagrada pelo canto e voz  de Luiz Gonzaga. 

O Rei do Baião, que era primo de Jacó, transformou a música “A Morte do Vaqueiro” numa das mais conhecidas e emocionantes canções brasileiras. Os versos da música foram feitos em 1957 por Nelson Barbalho durante uma conversa com Luiz Gonzaga, que lhe contou sua vontade de prestar uma homenagem ao primo e a dificuldade por sempre se emocionar quando pensava na história. 

Por volta de 1974, Luiz Gonzaga solicitou ao amigo Janduhy Finizola, em frente a centenas de vaqueiros, que criasse uma música especialmente para a missa. Nem um pouco intimidado, Janduhy declarou que não faria uma, mas sim todas as músicas, todas seguindo a estruturas dos ritos da igreja, tendo sempre como protagonistas o vaqueiro e a religião.

Das nove canções, apenas três foram gravadas por Luiz Gonzaga. Mas, em 1976 todas as composições foram gravadas, com a liberação do Rei do Baião e Janduhy, e então Quinteto Violado, que estava em início de carreira, grava.

"Tenho história para contar o ano inteiro", Maria Helena.
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