Uma
semana após postar um comentário de sete linhas no Facebook, o professor
universitário Ademir Ferraz voltou a utilizar a sua linha do tempo mais de 30
vezes para encampar vários papéis: de vítima, arrependido, mal interpretado,
perseguido e, por fim, de possível candidato a deputado e arauto da bandeira
heterossexual. Acusado de disseminar homofobia na rede, já tem contra ele 62
queixas na ouvidoria da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), onde
ensina há mais de 30 anos. Uma sindicância foi aberta pela universidade para
apurar tais denúncias.
Involuntariamente, foi como internauta que o docente reacendeu o debate sobre a
utilização das mídias sociais como plataforma de opinião pessoal ao expressar
em seu perfil, no dia 9 de janeiro, entre outros termos adjetivados, que tem
“ódio a homo galinha”. Alvo de duros questionamentos, inclusive de seus
próprios alunos, patinou entre várias respostas diferentes, sempre negando a
titulação de preconceituoso. Não baixou a guarda e convocou virtualmente os
heterossexuais a se unirem, ao mesmo tempo em que cogitou pedir perdão de
joelhos a quem se sentiu ofendido.
O Diario ouviu profissionais de áreas tão diversas quanto a própria
natureza da internet, mas todos convergem para a linha da cautela como
princípio básico de qualquer manifestação de opinião on-line: “Nem em mesa de
bar se pode dizer tudo o que se pensa e o que se deseja, pois a ausência de
freios verbais pode provocar colisão com o ponto de vista do parceiro de
conversa, o qual se usar do mesmo expediente iniciará um inevitável e
desnecessário conflito”, pontua Antonio Carlos Xavier, professor de Linguística
do Departamento de Letras da UFPE e estudioso dos chamados hipertextos (textos
digitais que costumam surgir em blocos junto com outros formatos, como imagens,
sons e efeitos gráficos).
Em coro, os entrevistados alertam para a falsa ideia de liberdade de expressão
sem limites éticos e legais. Algo que ajudaria a explicar a multiplicação de
casos polêmicos como o do professor no Brasil e mundo (ver quadro), muitos com
implicação direta no trabalho através de demissões ou processos, mesmo que as
postagens tenham conteúdo de natureza pessoal.
O jornalista Luiz Carlos Pinto, que no mestrado e doutorado em Sociologia pela
UFPE se debruçou sobre as reações da sociedade civil contra ameaças de controle
do trânsito de informações na rede, faz uma ressalva antes de registrar sua
opinião: “O Facebook não é internet. São coisas diferentes. O Facebook não é
público, não é democrático, não é gratuito, muito menos livre. É um negócio com
regras privadas e que tem um dono”, diz ele, adicionando que o usuário da rede
criada pelo programador americano Mark Zuckerberg paga pelo serviço com muito
“tempo e atenção”.
A despeito do conteúdo, postagens como do professor, segundo Luiz Carlos Pinto,
dificilmente teriam a mesma carga negativa de uma manifestação publicada numa
plataforma tradicional da web. “A visibilidade foi maior porque foi postado em
uma rede. Se fosse em um blog institucional da universidade, por exemplo,
aquilo possivelmente não teria tanta repercussão”, diz o pesquisador, que disse
estranhar o fato de um agente de ensino federal, pago com dinheiro público,
contrarie a legislação e incite a intolerância. “A opinião dele dá a medida da
cultura política, da cultura homofóbica, do nosso traço nacional. Sou a favor
da liberdade de expressão, da mesma forma que defendo a responsabilidade pelos
atos civis praticados por cada um”.
Perfil virtual não blinda o cidadão
O procurador de Justiça de Pernambuco José Lopes, que costuma estudar o debate
jurídico envolvendo os delitos de internet, explica que os crimes contra a
honra de terceiros, incluindo injúria, calúnia e difamação, só podem virar
processo se alguém se sentir pessoalmente ofendido com uma postagem e mover
voluntariamente uma ação. “O Ministério Público, com exceção do crime de racismo,
não atua como titular da ação”, lembra Lopes, que defende a atualização das
leis nacionais, com dispositivos específicos para a rede mundial: “Nós estamos
mais de dez anos defasados em relação a países europeus. Ofensa à honra é
subjetiva do indivíduo. Um bandido com mais de 600 crimes nas costas também tem
sua honra. Isso não muda na internet”.
José Lopes lembra que o velho bom senso ainda é o melhor antídoto para evitar
problemas: “Não existe pseudoanonimato quando se trata de crime na rede. O perfil
virtual não blinda o cidadão que está por trás dele”. Antonio Xavier adota o
mesmo tom e sugere que o usuário pense duas vezes antes de pulverizar um pitaco
ou comentário: “A internet é sim um território livre, mas as pessoas não estão
isentas das consequências que uma verborragia pode lhes trazer. É preciso
refrear a língua, ponderar as palavras e pensar no mal-estar que certas coisas
postadas podem causar”.
Em tempo: segundo a assessoria de comunicação de UFRPE, as queixas contra o
Ademir Ferraz ainda estão em análise na ouvidoria da universidade. Elas serão
apreciadas de acordo com a Lei do Servidor Público, que levará em conta apenas
o conteúdo postado por ele na função de professor, e não na esfera privada.
Casos polêmicos envolvendo postagens nas mídias sociais
- A jornalista Micheline Borges, do Rio Grande do Norte, publicou em seu perfil
que médicas cubanas tinham “cara de empregada doméstica”. Ela responde a um
processo por danos morais movido pelo Sindicato das Domésticas de São Paulo.
- A estudante paulista Mayara Petruso, que nas redes sociais publicou que
“nordestino não é gente”, foi processada pela Ordem dos Advogados do Brasil em
Pernambuco (OAB-PE) por crime de racismo. No ano seguinte, a estudante gaúcha
Sophia Fernandes também foi alvo de outra denúncia da OAB pelo mesmo motivo.
- Em um caso emblemático, o deputado Marcos Feliciano (PSC-SP) causou polêmica
ao postar no Twitter o comentário “a podridão dos sentimentos dos homoafetivos
leva ao ódio, ao crime, à rejeição”. Ele foi processado no STF por crime de
preconceito e sua gestão na Comissão de Direitos Humanos da Câmara foi alvo de
vários protestos.
- Justine Sacco, executiva de uma multinacional, foi demitida após postar um
comentário no Twitter que provocou repercussão instantânea nas mídias sociais e
na imprensa: “Indo para a África. Tomara que não pegue Aids. Brincadeira,
sou branca”.
- O cantor Ed Motta causou polêmica há três anos ao postar que “mulher feia tem
que ser megacompetente (risos)”. Criticado, alegou que não sabia que seu perfil
no Facebook estava aberto ao público e disse que não passou de “brincadeiras
com amigos”.
- O promotor de Justiça de São Paulo Rogério Zagallo foi demitido da
universidade privada onde ensinava no ano passado após postar no Facebook que a
polícia poderia matar os manifestantes do Movimento Passe Livre, pois ele mesmo
arquivaria os processos.
Fonte: Diário de Pernambuco