Parece surreal. A seção de Esportes deste jornal informava que a nadadora brasileira Poliana Okimoto – que ganhara no Mundial de Barcelona medalha de ouro na maratona aquática de dez quilômetros, além de medalha de prata nos cinco quilômetros e de bronze por equipes – substituiu em sua dieta vários alimentos (glúten, açúcar, feijão, abacate, fermento e chocolate) por tapioca, que lhe dá “energia redobrada”.
O IBGE informa que a produção brasileira de mandioca (de onde vem a tapioca) este ano, 21,4 milhões de toneladas, está 8,4% menor que a do ano passado, quando já havia sido 24,5% menor que a de 2011. Nas lonjuras, o falecido pesquisador Paulo de Tarso Alvim deve estar balançando a cabeça, ele que afirmava, ironicamente, que “se mandioca fosse norte-americana o mundo estaria comendo tapioca flakes e mandioca puffs”. Mas esse alimento, o mais adequado para solos brasileiros – não precisa de fertilizantes nem de agrotóxicos – vem perdendo progressivamente espaço para as culturas de grãos exportáveis, além de ter sido muito atingido no Nordeste por problemas climáticos.
São muitas as aflições nessa área dos alimentos. O Ministério do Meio Ambiente (MMA), por exemplo, e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) estão concebendo (MMA, 26/7) um projeto-piloto de uso da terra no Semiárido, que em 2014 começará a ser executado em Sergipe, para ser replicado em outras áreas. O foco estará nos problemas de erosão e esgotamento de nutrientes no solo, que têm forte influência no avanço da desertificação e na produção de alimentos.
Segundo o Instituto Nacional do Semiárido, do Ministério da Ciência e Tecnologia, só em 55,2 mil quilômetros quadrados com problemas de eroção vivem 750 mil pessoas, apenas no Sertão do São Francisco (BA) e na região dos Cariris Velhos (PB). No Estado da Paraíba, nada menos de 54% do território sofre com o problema, agravado pela menor infiltração de água em solos compactados por métodos inadequados de cultivo.
Em Gilbués, no Piauí, outra área crítica, a desertificação é acentuada pela infiltração natural a grandes profundidades da água de chuva (pois ali chove 700 milímetros anuais, em média), favorecida pela estrutura geológica. O Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) trabalha em projetos nessa e em outras regiões. Além de Gilbués, mais três áreas são consideradas críticas: Irauçuba (CE), Seridó (RN e PB) e Cabrobó (PE). Ao todo, estão ali quase 400 mil pessoas. O Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites da Universidade Federal de Alagoas informa que 230 mil quilômetros quadrados de terras foram atingidas “de forma grave” ou “muito grave”.
Mas continuamos aferrados a velhas e falsas tentativas de solução – como a transposição de águas do Rio São Francisco – para esse tipo de problema e o de seca, como a que aflige hoje o Nordeste. E que, dizem os meteorologistas, se pode estender até 2015. Segundo o Comitê da Bacia desse rio, “falta planejamento ao governo federal sobre a expansão desordenada da agricultura”.
O próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, lembrou no Dia Mundial da Desertificação, na Rádio ONU que “os custos políticos, sociais e econômicos dos problemas gerados pela seca são evidentes, do Usbequistão ao Brasil, da região do Sahel, na África, à Austrália (…). O mundo não pode deixar o futuro secar”. E enfatizou ainda que 14% da população global sofre, por essa causa, de insegurança alimentar. Mas não apenas nessas regiões. No ano passado os Estados Unidos tiveram a pior seca em 50 anos; o Chifre da África também, afetando 13 milhões de pessoas. E por aí se entra no terreno das mudanças climáticas, que aceleram a degradação de terras e a desertificação, assim como os conflitos pelo uso da água.
Por aqui continuamos a fazer de conta que o problema da seca, que atingiu mais de 1.400 municípios do Semiárido, está superado, quando ainda prospera em boa parte deles o negócio de vender água levada por caminhões em tonéis, a R$ 15 por 250 litros. Enquanto isso, sobe o orçamento do projeto de transposição do São Francisco, essa “obra absurda”, segundo João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco; “um escândalo”, nas palavras do professor João Abner, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O primeiro complementa dizendo que a obra “beneficia o grande capital rural e industrial”. O segundo acrescenta que “todas as grandes empreiteiras se beneficiam”.
Com os recursos da transposição já poderia haver cisternas construídas em todos os lugares necessitados.
Questões como essa precisam sempre trazer à mente palavras recentes como as do papa Francisco: nada se deve sobrepor aos problemas sociais; a prioridade absoluta é deles. Inclusive no Brasil, onde, pelos critérios da ONU, ainda temos dezenas de milhões de pessoas (boa parte delas no Semiárido) vivendo com renda abaixo da “linha da pobreza”, cerca de R$ 100 mensais. Mesmo as que recebem Bolsa Família.
* Washington Novaes é jornalista-Jornal do Meio Ambiente
O IBGE informa que a produção brasileira de mandioca (de onde vem a tapioca) este ano, 21,4 milhões de toneladas, está 8,4% menor que a do ano passado, quando já havia sido 24,5% menor que a de 2011. Nas lonjuras, o falecido pesquisador Paulo de Tarso Alvim deve estar balançando a cabeça, ele que afirmava, ironicamente, que “se mandioca fosse norte-americana o mundo estaria comendo tapioca flakes e mandioca puffs”. Mas esse alimento, o mais adequado para solos brasileiros – não precisa de fertilizantes nem de agrotóxicos – vem perdendo progressivamente espaço para as culturas de grãos exportáveis, além de ter sido muito atingido no Nordeste por problemas climáticos.
São muitas as aflições nessa área dos alimentos. O Ministério do Meio Ambiente (MMA), por exemplo, e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) estão concebendo (MMA, 26/7) um projeto-piloto de uso da terra no Semiárido, que em 2014 começará a ser executado em Sergipe, para ser replicado em outras áreas. O foco estará nos problemas de erosão e esgotamento de nutrientes no solo, que têm forte influência no avanço da desertificação e na produção de alimentos.
Segundo o Instituto Nacional do Semiárido, do Ministério da Ciência e Tecnologia, só em 55,2 mil quilômetros quadrados com problemas de eroção vivem 750 mil pessoas, apenas no Sertão do São Francisco (BA) e na região dos Cariris Velhos (PB). No Estado da Paraíba, nada menos de 54% do território sofre com o problema, agravado pela menor infiltração de água em solos compactados por métodos inadequados de cultivo.
Em Gilbués, no Piauí, outra área crítica, a desertificação é acentuada pela infiltração natural a grandes profundidades da água de chuva (pois ali chove 700 milímetros anuais, em média), favorecida pela estrutura geológica. O Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) trabalha em projetos nessa e em outras regiões. Além de Gilbués, mais três áreas são consideradas críticas: Irauçuba (CE), Seridó (RN e PB) e Cabrobó (PE). Ao todo, estão ali quase 400 mil pessoas. O Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites da Universidade Federal de Alagoas informa que 230 mil quilômetros quadrados de terras foram atingidas “de forma grave” ou “muito grave”.
Mas continuamos aferrados a velhas e falsas tentativas de solução – como a transposição de águas do Rio São Francisco – para esse tipo de problema e o de seca, como a que aflige hoje o Nordeste. E que, dizem os meteorologistas, se pode estender até 2015. Segundo o Comitê da Bacia desse rio, “falta planejamento ao governo federal sobre a expansão desordenada da agricultura”.
O próprio secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, lembrou no Dia Mundial da Desertificação, na Rádio ONU que “os custos políticos, sociais e econômicos dos problemas gerados pela seca são evidentes, do Usbequistão ao Brasil, da região do Sahel, na África, à Austrália (…). O mundo não pode deixar o futuro secar”. E enfatizou ainda que 14% da população global sofre, por essa causa, de insegurança alimentar. Mas não apenas nessas regiões. No ano passado os Estados Unidos tiveram a pior seca em 50 anos; o Chifre da África também, afetando 13 milhões de pessoas. E por aí se entra no terreno das mudanças climáticas, que aceleram a degradação de terras e a desertificação, assim como os conflitos pelo uso da água.
Por aqui continuamos a fazer de conta que o problema da seca, que atingiu mais de 1.400 municípios do Semiárido, está superado, quando ainda prospera em boa parte deles o negócio de vender água levada por caminhões em tonéis, a R$ 15 por 250 litros. Enquanto isso, sobe o orçamento do projeto de transposição do São Francisco, essa “obra absurda”, segundo João Suassuna, da Fundação Joaquim Nabuco; “um escândalo”, nas palavras do professor João Abner, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O primeiro complementa dizendo que a obra “beneficia o grande capital rural e industrial”. O segundo acrescenta que “todas as grandes empreiteiras se beneficiam”.
Com os recursos da transposição já poderia haver cisternas construídas em todos os lugares necessitados.
Questões como essa precisam sempre trazer à mente palavras recentes como as do papa Francisco: nada se deve sobrepor aos problemas sociais; a prioridade absoluta é deles. Inclusive no Brasil, onde, pelos critérios da ONU, ainda temos dezenas de milhões de pessoas (boa parte delas no Semiárido) vivendo com renda abaixo da “linha da pobreza”, cerca de R$ 100 mensais. Mesmo as que recebem Bolsa Família.
* Washington Novaes é jornalista-Jornal do Meio Ambiente