VIOLÊNCIA E MORTE NA ESCOLA

Um adolescente mata a professora e fere quatro pessoas.

A primeira pergunta é: de quem é a culpa? Da escola? Da família? Do governo?

A segunda: como resolver o problema?

E, a terceira: o que explica a vontade de matar?

A culpa-Existe responsabilidade da escola, da família e da sociedade, gerando um sentimento difuso de culpa, de mal-estar no mundo em que vivemos.

Mas, antes de cobrar, é preciso conhecer as circunstâncias, avaliar as condições dos atores envolvidos, para responder ao desafio. Eles dispunham de condições, conhecimento, poder e dinheiro, para enfrentar o problema?

Olhando com mais detalhe a história observa-se, apesar dos poucos recursos disponíveis na rede escolar, as instituições envolvidas no acontecimento procuraram encontrar uma solução para as condutas violentas do estudante. A escola ofereceu, para o jovem de 13 anos e para a sua família, o apoio de especialistas.

O  ritmo burocrático, lento, da transferência de informações, de uma escola da prefeitura para uma outra, do estado, acrescido de dificuldades na comunicação com a família do estudante, demonstram os limites de atuação das escolas em casos como este. O tema em questão diz respeito à saúde pública e exige, para a sua solução, a presença de especialistas, psiquiatras, psicólogos e pedagogos especializados, profissionais que a escola não dispõe em seus quadros.

Convém observar que o programa, com esta finalidade, não estava mais em funcionamento. Foi necessário a morte de uma professora para o tema ganhar visibilidade. A violência nas escolas é problema antigo, agravado com a pandemia de covid.

A família do jovem foi procurada, mas não respondeu às solicitações, demonstrando incapacidade de participar na busca por uma solução. Num país como o Brasil, devemos imaginar serem muitas as famílias sem condições de evitar os descaminhos de seus filhos, deixando para a escola a solução dos problemas. Não se trata de julgar, mas de compreender a raiz do problema e propor soluções.

Os professores no Brasil estão sozinhos. Eles também precisam de apoio. Não encontram parceria no Estado e enfrentam a indiferença da sociedade. Salários baixos e poucos recursos para as escolas contribuem para o agravamento da violência, problema potencializado pelas redes sociais. O único acolhimento existente, em muitas comunidades, é oferecido por instituições religiosas às famílias.

Qual é o contexto do crime?

O Estado brasileiro viveu uma epidemia com consequências extremamente difíceis para as crianças e os jovens em idade escolar. Em termos de morte por covid, por milhão de habitantes, o Brasil ocupa o 17º lugar. A Itália, com uma grande população de idosos, está em 22º lugar e, a Argentina, país vizinho do Brasil, em 26º. Tiramos nota baixa em relação à covid. Convém não tirar nota baixa de novo, na saúde mental dos adolescentes.

O que fazer?

Com os alunos e professores trancados em casa, sem condições para a sua sobrevivência física e mental, a violência nas escolas aumentou muito. Os estudos realizados sobre o tema, já há algum tempo, alertam as instituições responsáveis para o problema. Acontece que não existe escuta para os professores. A violência, a prática de automutilação e os suicídios de jovens tem aumentado e os estudos demonstrado a gravidade da situação.

Por que ninguém escuta a fala dos professores e a dor dos estudantes?

Embora retoricamente se valorize os professores, na verdade, na nossa sociedade, o que se escuta, alto e bom som, é a conta bancária. A fome é a prova dos nove. Demorou para se escutar o grito.

Observem: O tema mais debatido na área da educação é o baixo rendimento escolar em exatas, comprovado nas avaliações, de matemática e física. De forma recorrente se menciona a falta de professores nestas disciplinas.

Sim, é verdade eles faltam, e, fazem falta.

Por quê?

Porque vão trabalhar onde podem ganhar mais. É evidente.

Com foco nos números, a escola tenta ensinar para os jovens a importância, no projeto de vida, da independência financeira, do planejamento, da definição realista dos objetivos escolhidos.

Na contrapartida, é bem menor a preocupação com o desempenho dos alunos nas áreas de filosofia e literatura. Os pais perguntam: Ele foi bem em matemática? Se a nota foi baixa em filosofia o consolo é: mas ele foi bem em matemática.

Embora eu concorde que é importante compreender o sistema financeiro, responsável pela dependência das pessoas, em razão das dívidas (e não a sua independência do sistema financeiro), observo também a alta do número de suicídios de jovens. É necessário estar vivo, ter comido alguma coisa e dispor de saúde mental para ter sentido aprender matemática ou qualquer outra coisa.

Níveis altos de angústia, de violência e mal-estar na civilização impedem qualquer aprendizado. Jogam o jovem no mundo da violência, do crime e das drogas, acentuam o uso da internet.

Como solucionar o problema com poucos recursos?

Dei muitas voltas, afinal sou historiadora. Lembrei da Revolução Constitucionalista de 1932, do ouro arrecado e, lembrei das joias. Sim, das joias, doadas gentilmente pela Arábia Saudita cuja soma alcança 18 milhões! Em época de ajuste fiscal, o Brasil poderia iniciar uma grande campanha em favor da saúde mental dos Jovens brasileiros. “Doe joias para o bem da juventude brasileira”. O mote inicial da campanha seria aquele utilizado em tempos de guerra: as joias da coroa, ofertadas em leilão, à serviço da nação brasileira. Como o Brasil é uma república democrática, não tem nem rei nem rainha, mas possui joias, embora não tenha como usá-las. Afinal, o Estado é uma instituição abstrata!

Fica aqui uma pequena sugestão, para não dizerem que levanto problemas para os quais não apresento solução, ou seja, dinheiro para pagar a conta. Poderia dar outras sugestões como por exemplo a taxação das grandes fortunas…. Prefiro as joias, para começar.

A frequência acentuada de problemas de violência entre os jovens exige a intervenção rápida por parte de psiquiatras, pedagogos e da polícia. Exige planejamento, investigação, e envolvimento afetivo, necessidades que pressupõem grande quantidade do vil metal. Exige a constituição de uma ampla política em âmbito nacional, estadual e municipal voltada para a saúde mental das crianças e adolescentes. Os brasileirinhos estão doentes, consumindo em quantidade pelo celular, o vírus da violência, grande parte deles produzidos nos Estados Unidos.

Telma Vinha, pesquisadora da violência, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), refere-se à inexistência de políticas públicas com consequências trágicas. Diz ela numa frase verdadeira e dura:

“Vai acontecer de novo, só não se sabe onde”.

A solução: individual e em grupo

Para apagar a fogueira da violência verbal e física, esparramada pelas escolas brasileiras, são necessárias medidas de curto e de longo prazo. A curto prazo a sugestão é cada escola incorporar no seu quadro de funcionários especialistas capazes de minimizar os conflitos internos (escola/família). Já os conflitos externos cabem ao Estado construir políticas mais amplas, em âmbito nacional, evitando a aquisição de armas e propondo atividades culturais e esportivas, em substituição aos clubes de tiro, em moda na atualidade.

Com relação aos estudantes, o combate à violência na escola envolve uma dimensão grupal. As dinâmicas de grupo entre alunos e professores, se acompanhadas por especialistas, permitem aos adolescentes trabalharem suas angústias, encontrar as raízes de comportamentos autodestrutivos (que atingem grande número de adolescentes), lidar com os erros, com a incapacidade de conviver com a diferença, e, especialmente, com a pulsão de morte, tema em eclosão entre os jovens.

Com relação a cada um dos estudantes, é necessário ter consciência do tamanho (imenso) do sofrimento. Ele envolve a ausência de sentido da própria vida e da vida do Outro. Dor manipulada pela rede, por comunidades que pregam a violência, a automutilação e o suicídio por meio de jogos e estímulos aos crimes, condutas machistas e defesa de práticas autoritárias e antidemocráticas. Só um caminho para diminuir o problema: o combate ao anonimato, a regulação e a responsabilização das redes.

A educação na longa duração-A educação é projeto de longa duração. Ele só se encerra com a morte. Mas existem momentos formativos, especialmente na adolescência, quando o jovem aprende a arte de viver em sociedade. É difícil. Este exercício, de convívio com o Outro, depende da escola e, muito, da comunidade na qual o jovem está inserido. Depende das amizades, de um desenvolvimento cultural solidário entre amigos, da descoberta complexa, de uma razão humanizada.

Aprender a viver não é uma matéria fácil. É bem mais simples a matemática, somar ou a subtrair. Um pouco mais difícil é aprender a dividir e multiplicar, mas a tabuada ajuda. Mesmo os juros, com o auxílio do professor é possível treinar e aplicar o conhecimento nos problemas caseiros e nos pequenos negócios.

Agora, tente explicar a angústia humana, a autossabotagem, ou mesmo, um simples mal humor. Ensine conviver com o fracasso, com os erros, se colocar no lugar do Outro. Explique o que é amar, como calibrar as emoções, discriminar os limites, tênues, entre bem e o mal, lidar com emoções fortes, com a vontade de destruição do Outro e do mundo. Elucide como ter consciência física e psíquica do que é lícito e do que é ilícito, as razões do crime e do castigo, do resgate, incansável, do sentimento de humanidade, em dias de cansaço com os seres humanos.

Quais são os instrumentos ofertados pela sociedade, pelas instituições públicas, para que se aprender a lidar com as emoções, com a violência, com o ódio?

O zoom?

Como separar a realidade, da fantasia, a razão humanizada, da tecnologia?

Como criar a harmonia em um sujeito crítico aos ideais da civilização na qual ele vive e discorda?

Onde se aprende lidar com a nossa condição humana, com as ambiguidades cotidianas mediadas pela tecnologia e pela Inteligência Artificial?

Quais são os instrumentos que a escola e a sociedade contemporânea podem oferecer para o jovem superar suas dificuldades?

Existe solução?

O primeiro passo para responder este imenso desafio contemporâneo é reconhecer que, dele, só temos indícios. Observando detalhes é possível constatar a importância do campo das linguagens e dos diferentes letramentos no uso das novas tecnologias. Explico. Cada adolescente ao pegar um celular se defronta com palavras, imagens e sons, com determinados tipos de letramento. A sua maneira de ser no mundo tem como modelo a tela do celular.

A educação em diversos países europeus, como França, Alemanha, Espanha, Portugal, Dinamarca, Finlândia, entre outros, valoriza a leitura e a vida cultural. A literatura é o instrumento básico para o jovem iniciar uma conversa consigo mesmo. Ela permite reconhecer a dor, o mal-estar no mundo, a angústia fruto da ausência de sentido na vida e a pulsão de morte, própria do ser humano.

Machado de Assis, ao expor a mesquinhez de Brás Cubas, demonstra a existência, em todos nós, de condutas tacanhas. Ao detalhar a insegurança de Bentinho (em relação a Capitu) repete o trajeto reflexivo, para um drama afetivo, os ciúmes. Primo Levi, ao se defrontar com a miséria humana, no seu limite, da animalização e eliminação do Outro, incita o jovem a descobrir como é difícil e delicada a vida, produzida como um empreendimento ético. Não é fácil gerir a si mesmo. Temas que merecem investimento nas escolas e, especialmente, nas Universidades.

Frequentemente, nos píncaros do saber, prevalece o esquecimento de humanizar o conhecimento.

O que nós, professores, podemos oferecer para diminuir a dor no enfrentamento desse imenso desafio?

Refletir junto com os jovens a angústia própria da nossa frágil existência, o sentido efêmero das coisas, redimensionar com os alunos os seus sonhos, seus projetos de vida, fazer ver as pequenas delicadezas da vida, compor músicas, dramatizar histórias, ler junto, conversar. Levar a frente um esforço para conter o instinto de morte e a violência própria do sujeito contra si mesmo e contra os Outros.

Pode ser utopia?

Talvez.

Guimaraes Rosa oferece gotas de um remédio precioso:

“Felicidade se acha nas horinhas de descuido”.

Por Janice Theodoro da Silva, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP

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LUIZ DO HUMAYTÁ LANÇA PROJETO VIAJANDO PELA MÚSICA

O cantor, poeta e compositor Luiz do Humaytá apresenta no mês de abril o Projeto Viajando com a Música. O trabalho que agora se encontra em todas as plataformas digitais traz 6 músicas, cinco de autoria de Luiz do Humaytá e uma do cantor e compositor Alexandre Pé de Serra.

"Criei o Projeto "Viajando Pela Música", no qual eu vou fazer shows e conhecer novos lugares. A intenção é visitar os locais que tenham valor cultural, por exemplo terra de poetas, sítios históricos, locais com tradições de festas populares, romarias", diz o poeta.

 A primeira etapa escolhida foi denominada Rota da Poesia, passa por Iguaracy, terra de Maciel Melo; Carnaíba, terra de Zé Dantas, grande parceiro de Luiz Gonzaga e compositor de Riacho do Navio, por exemplo; São José do Egito, conhecida como terra de poetas e também Afogados da Ingazeira, todas no estado do Pernambuco.

Luiz  revela que as próximas etapas, a serem agendadas ainda, estarão a Rota do Conselheiro, Canudos, Euclides da Cunha, Monte Santos e Uauá; em Minas Gerais, faremos a Rota da Inconfidência, Ouro Preto, São João Del Rey e Tiradentes.

No Ceará, Crato, Barbalha e Juazeiro do Norte estão também para serem visitados no Projeto Viajando pela Música

COMEMORAÇÕES: O cantor e compositor Luiz do Humaytá completou, em junho de 2021, 10 anos de vida profissional na música. Iniciou sua trajetória em 2011, ao criar a banda Forró Avulso em Salvador. Com essa banda, tocou na noite soteropolitana por 5 anos e também fez apresentações em outros estados, como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Em 2016, iniciou carreira solo e se mudou para o sertão baiano, onde mora atualmente.

No segundo semestre de 2021, o poeta lançou o oitavo CD da carreira, o álbum Boemia Cult, em que interpreta grandes sucessos já consagrados da música romântica, além de alguns bregas clássicos.

O poeta, que mora na Fazenda Humaytá em Curaçá da Bahia, tem o nome de batismo de Luiz Carlos Forbrig. Quando foi para o sertão, passou a ser chamado de Luiz do Humaytá, contemplando, assim, esta peculiaridade, típica do sertanejo, de incorporar um adjetivo de identificação aos nomes.

O cantador é natural de Jabuticaba Velha, distrito de Palmeira das Missões, no interior do Rio Grande do Sul. Com os pais Anoly e Guilhermina, aprendeu a veia musical: a mãe era puxadeira dos cantos religiosos na igreja católica e o pai, tocador de gaita de boca.

DISCOGRAFIA

2012 ‡ Acústico

2014 ‡ Pé de Chão

2015 ‡ Luiz do Humaytá Canta Músicas Gaúchas

2016 ‡ Luiz do Humaytá e Forró Avulso – 5 Anos de Estrada

2017 ‡ Luiz do Humaytá Avulso

2019 ‡ Decanto o Sertão

2020 ‡ Luiz do Humaytá ao Vivo

2021 ‡ Boemia Cult

2022- Clipe  "Vou me embora pro Sertão".

2023 EP O tempo e o sertão

71 98869-4488 74 99914-8813 Luiz do Humaytá luizdohumayta@gmail.com

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RÁDIO NACIONAL É TEMA DE EXPOSIÇÃO NO MUSEU DA IMAGEM E DO SOM

Conhecida como "a mais querida do Brasil", a Rádio Nacional marcou definitivamente a Era de Ouro do Rádio. Desde 1972, seu acervo constitui uma das coleções mais extensas e valiosas do Museu da Imagem e do Som (MIS) com suas radionovelas e programas de auditório.

Com curadoria de Ana Paula Rocha, a exposição Nossas Sensações Não São Nossas visita as décadas de 40 e 50, período escolhido para mostrar a influência da Rádio Nacional na representação social, seus compositores, intérpretes, astros e estrelas do carnaval, o universo sonoro da época e seus reflexos na atualidade.

Ao destacar a importância dessa folia na história da radio transmissão e a riqueza do acervo do museu, a exposição apresenta reflexões sobre as particularidades e contradições sociais e de gênero nas canções da atualidade, segundo afirmou Ana, em entrevista à Rádio Nacional.

"Desafiando as normas da época, esses artistas vêm à tona hoje, na Lapa, em 2023, para que o público se lembre das histórias, conheça, ouça, veja e sinta como a arte de ontem segue trazendo inspiração para os nossos tempos, especialmente na região da Lapa, que abriga a mostra, e que tem grande importância no circuito artístico da cidade, devido à herança cultural do território, espaço pelo qual eles muito transitaram."

A exposição mostra o Rio de Janeiro do início do século 20, vinte anos atrás, após a abolição do trabalho escravo no Brasil, período em que os artistas negros eram frequentemente classificados como artistas "populares" ou "primitivos". É o caso de Heitor dos Prazeres e seu parceiro de infância e profissão João da Baiana, membro da Orquestra Brasileira do programa Um Milhão de Melodias, da Rádio Nacional, que circulava pela Cidade Nova, Praça Onze, espaços de governo, e de outros intelectuais.

A exposição Nossas Sensações Não São Nossas é composta por itens do acervo do MIS, com destaque para memórias das produções de João da Baiana e Heitor dos Prazeres, além de fotos e artigos que remontam ao carnaval e à Rádio Nacional, especialmente de artistas como Clementina de Jesus, Elizeth Cardoso, Pixinguinha, Sinhô, Ismael Silva, Aracy de Almeida, Orlando Silva e Zé Keti.

A mostra destaca que os artistas populares trouxeram reflexões e aspectos a respeito dos carnavais de seu tempo, mesmo que muitas vezes invisibilizados por artistas brancos com maior projeção. Em outras vezes, ditando novos padrões sonoros e estéticos de fontes e experiências comuns: a rua, a festa, a boemia, o racismo e a perseguição policial.

O carnaval, festa popular oriunda da população negra, está presente na exposição, resgatando a memória das sonoridades carnavalescas, que ecoam pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro até os dias de hoje e que têm, com as transmissões do rádio e seus personagens, uma "inegável relação", segundo Ana Paula Rocha.

"São homens e mulheres, todos negros, que tiveram a coragem de criar arte, fazer carnaval, e de levar reflexões e felicidade para um Brasil extremamente racista e hostil. Muitas vezes, eles foram perseguidos por isso, evidenciando não só alegrias, mas práticas de exclusão em suas músicas. Já os artistas de hoje vêm para dialogar com essas obras, demonstrando muitas vezes ressonância entre essa produção e as suas próprias, fazem ecoar imagens, sons e a mesma luta nos tempos atuais".

DIALÁGO COM O PRESENTE-A nova cena contemporânea se faz representar por Jefferson Medeiros com o  trabalho inédito Viramundo, e o artista Ramo, que apresenta a série Ausar e duas telas inéditas, Sete Coroas e Kushita. Os artistas André Vargas, Mulambö e Uberê Guelé também têm obras na mostra. O fotógrafo Guga Ferreira expõe obras inéditas da série Ponto Riscado, mostrando festas de terreiros de religiões de matriz africana, da zona oeste do Rio de Janeiro.

A curadora enfatiza que a mostra traz pessoas, costumes, estéticas e sons que ecoaram antes de nós, que muitas vezes foram amplamente perseguidas e criminalizadas, e que propuseram questões que ainda podem ser identificados e, principalmente, ouvidos hoje, "essa é a proposta da exposição que explora a relação entre arte contemporânea, música e o carnaval através dos tempos".

“A relação entre arte contemporânea, música e carnaval é algo que vem sendo paulatinamente consolidado. Também entre os novos artistas, a temática da festa de rua, seja o próprio carnaval, passando pelas folias, o maracatu ou os bailes funk, ganha uma relevância nas formas como eles vêm se expressando. Assim, é inevitável unir essas temporalidades”, explicou Ana Paula, que já atuou como colaboradora no acervo da Discoteca do MIS.

Além disso, no acervo musical da exposição, o público poderá conferir depoimentos concedidos à Rádio Nacional, especialmente de artistas como Clementina de Jesus, Elizeth Cardoso e Pixinguinha.

Serviço-Visitação: até 5 de maio de 2023

Local: Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS-RJ)

Endereço: Rua Visconde de Maranguape 15, Lapa

Horários: De segunda a sexta, das 10h às 17h

Entrada gratuita

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EDUCAÇÃO MIDIÁTICA É CAMINHO CONTRA DESINFORMAÇÃO, DIZEM ESPECIALISTAS

Sete em cada dez jovens de até 15 anos no Brasil não distinguem fatos de opiniões, segundo pesquisa da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Para reverter esse cenário, especialistas apostam na educação midiática como resposta para reconhecer fakes news, discursos de ódio e também produzir e compartilhar mensagens com responsabilidade. Na avaliação deles, a manutenção da democracia também depende de uma sociedade bem informada.  

A educação midiática é um conjunto de habilidades para analisar, criar e participar de maneira crítica do ambiente informacional e midiático em todos os seus formatos.

Para a presidente do Instituto Palavra Aberta, Patricia Blanco, esse tipo de formação é importante para todos os cidadãos. O instituto coordena o Educamídia, programa de capacitação de professores e engajamento da sociedade no processo de educação midiática.

"Na medida que o cidadão, o jovem, passa a saber reconhecer a informação, saber o propósito daquela informação que chega até ele, saber reconhecer a fonte,  o porquê que aquela informação chegou até ele, saber fazer uma busca, saber verificar de onde veio aquela informação, adquirindo as competências para saber produzir conteúdo - de modo que ele se aproprie da tecnologia para melhorar sua autoinstrução, melhorar o seu protagonismo -, ele vai participar melhor da sociedade", avalia.

Patrícia defende que a educação voltada para formar pessoas com pensamento crítico e aptas a consumir, analisar e produzir conteúdos e informações deve ser uma política pública de educação.

A estudante Milena Teles, 23 anos, afirma que consegue reconhecer quando uma desinformação surge nas redes sociais. “Aparecem mensagens muito absurdas que você sabe de cara que é uma fake news como: o limão cura a covid ou tomar um chá todo dia em jejum vai curar ou prevenir o câncer. Coisas muito absurdas sempre serão mentiras”, afirma.

A análise, entretanto, nem sempre está ao alcance de crianças e jovens. "Para pessoa adulta já é difícil, às vezes, sem ter uma prática, sem ter uma orientação de checagem de fato, saber quando uma informação é verdadeira ou falsa, se é rumor, boato ou se ela corresponde a um fato que está sendo noticiado, imagina para crianças e adolescentes", avalia a pesquisadora do Sou_Ciência  da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Jade Percassi.

TEMAS NAS ESCOLAS-Segundo o secretário de Políticas Digitais, João Brant, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – documento que define os conteúdos de aprendizagem essencial dos alunos - prevê a educação midiática como  um tema transversal e eletivo nas escolas. Por isso, segundo ele, o momento é de produzir conteúdos e formar professores.

“Apostamos na educação midiática tanto do ponto de vista formal como informal, tanto em parceria com o MEC, na articulação com as secretarias de educação, quanto em relação a atividades de promoção de cursos, oficinas, conteúdos mais rápidos como chave para enfrentamento do problema no país”, afirma.

Segundo Patricia Blanco, secretarias de educação de diversos estados  já abriram espaço tanto para a formação de professores como para a inclusão da temática em seus currículos.

A presidente do Palavra Aberta cita como exemplo o estado de São Paulo,  que fez uma revisão do currículo e incluiu  dentro da disciplina de Tecnologia e Inovação todo o conceito de educação midiática. Segundo ela, todos os alunos de ensino fundamental 2 e ensino médio têm, há um ano, acesso a esse tipo conteúdo. Outros estados estão implantando o tema de forma transversal como Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Goiás e Ceará. 

Segundo ela, a perspectiva é que, nos próximos anos, o tema se torne recorrente e que a formação faça diferença na vida dos alunos.

FORMAÇÃO-Para o secretário de Políticas Digitais, João Brant, a formação digital deve ser ainda mais abrangente. Ele ressalta que existem os nativos digitais que lidam muito bem com as tecnologias. “Mas, não necessariamente, com todos os instrumentos e repertórios para interpretar e identificar a desinformação, identificar fake news e perceber os problemas que circulam nas redes”.

Os conteúdos digitais, entretanto, também têm sido consumidos por uma população mais velha, em idade adulta ou idosa, que acaba sendo mais suscetível à desinformação e às fake news, segundo Brant.

Maria Helena Weber, do Observatório da Comunicação Pública, também defende que a formação digital deva ocorrer em qualquer momento da vida escolar.  “É preciso que se tenha referência, se possa estudar, se possa ter acesso a uma discussão a um debate do que significa a comunicação digital hoje, as redes sociais hoje e para isso é preciso oferecer instrumentos para que as pessoas não sejam tão vulneráveis.”

O Supremo Tribunal Federal retoma nesta terça-feira (28) uma audiência sobre o Marco Civil da Internet. O debate deveria ter ocorrido em 2020 e foi suspenso por causa da pandemia de covid-19.

No mês passado, especialistas e governos discutiram soluções regulatórias para a atual crise de desinformação em ambiente online, em Paris, durante a conferência global Por Uma Internet Confiável, realizada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). (Agencia Brasil)

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LIDERANÇAS LUTAM PELA REPARAÇÃO DOS OBJETOS SAGRADOS PARA O CANDOMBLÉ

A luta pela reparação histórica de objetos de religiões de matriz africana deve entrar em uma nova fase. Os itens que integravam o chamado Museu da Magia Negra foram apreendidos pela polícia fluminense, entre 1890 e 1946. Na semana passada, uma determinação do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) mudou o nome da coleção para Acervo Nosso Sagrado.

Um dia antes, na segunda-feira (20), o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania Sílvio Almeida assinou um convênio de pesquisa sobre objetos sagrados, no Museu da República, na zona sul do Rio.

Em entrevista à Agência Brasil, o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro babalaô Ivanir dos Santos disse que é preciso avançar ainda mais. Para ele, as pesquisas precisam identificar os personagens envolvidos durante as apreensões desses objetos. Para ele, é necessário saber quem são as pessoas que sofreram com a violência de terem seus objetos danificados, desrespeitados e apreendidos pela polícia da época, em situações que caracterizaram racismo e preconceito.

“Foi dado um passo importante na medida em que foi feito um acordo [convênio] sobre os processos sofridos pelos sacerdotes. Esse é um dado novo. As pessoas conhecem as peças apreendidas usadas como provas, que estavam no Museu da Magia e agora tem uma nova configuração. Outra coisa, quem eram essas pessoas que sofreram estes processos? Onde foram presos, porque foram presos? São perguntas que precisam [ser respondidas]. Que destino tiveram? Foram condenados? Agora acho que vão surgir quem são estes personagens. Quem eram esses sacerdotes e sacerdotisas que foram presos?”, questiona.

Para a Mãe Meninazinha de Oxum, do terreiro Ilê Omolu Oxum, a identificação desses objetos será difícil porque a apreensão deles – classificada por ela como roubo –, ocorreu em vários terreiros na mesma época.

“Então é difícil hoje a gente identificar de qual Ilê era determinado assentamento [objeto]. Acho que nem precisa isso. Basta identificar que era de candomblé ou da umbanda. Não precisa dizer se foi da minha casa ou da sua. Qualquer casa que foi invadida pela polícia para pegar o Sagrado era minha, porque eu sou de candomblé. A dor é nossa é minha também”, disse Mãe Meninazinha em entrevista à Agência Brasil.

A yalorixá disse que o caminho ainda é longo apesar das conquistas, como o convênio de pesquisa, a mudança do nome do acervo, além da localização da coleção que saiu das dependências da Polícia Civil e hoje está no Museu da República. 

“Temos muita estrada para caminhar em prol desse Sagrado, em prol da nossa religião. Nós vamos conquistar o lugar que o Sagrado merece estar, como Sagrado e não uma simples coisa que está no Museu da República, onde já deveria estar há muito tempo.”

Para a mãe de santo, a permanência do acervo por tanto tempo no Museu da Polícia Civil representa falta de respeito, já que os objetos sagrados estavam sob a guarda justamente de quem teria perpetrado crimes contra as religiões de matrizes africanas – seja do candomblé ou da umbanda.

“Nossos ancestrais, sim, minha avó, e outras da época dela, sofreram por conta desse Sagrado estar nas mãos da Polícia”, lamentou Mãe Meninazinha de Oxum.

O diretor do Museu da República, Mário Chagas, contou à Agência Brasil sobre a legislação vigente à época da apreensão dos objetos sagrados.

“As batidas policiais aconteciam com base no Código Penal de 1890, que criminalizava os praticantes das religiões de matriz afro-brasileira, ainda que a Constituição de 1891, a primeira da República, garantisse o estado laico. Ou seja: era uma contradição. O código penal criminalizava e a Constituição garantia o estado laico. Então a prática da perseguição era inconstitucional e ainda assim foi feita. As coisas eram tão loucas que as batidas policiais aconteciam durante as cerimônias religiosas”.

O acervo, que ficou sob a responsabilidade da Polícia Civil do Rio de Janeiro sem os devidos cuidados de conservação, foi tombado em 1938, pelo então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Segundo o Iphan, dos 523 objetos da coleção, o instituto tombou 126 e todos estão, desde 2020, sob a guarda do Museu da República, em uma gestão compartilhada com lideranças religiosas.

O presidente do IPHAN, Leandro Grass, conta que o material foi registrado pelo SPHAN no chamado livro do Tombo, como Coleção Magia Negra: “por óbvio uma terminologia bem preconceituosa e desprovida de sentido, porque é um termo pejorativo para designar e para fazer referências às matrizes africanas religiosas. Ao longo de todos esses anos esse material ficou no Museu da Polícia Civil.”

Grass considera que a mudança no nome da coleção, formalizada por retificação no Livro de Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico representa uma reparação histórica.

“Vem, primeiro, em uma lógica de ruptura de terminologia pejorativa a respeito dos símbolos de matriz africana. Em segundo, vem no sentido de contemplar o desejo da sociedade civil e, em terceiro, trazer para este acervo e esse material um olhar de respeito, de consideração, porque este material foi apreendido em ações que tinham, como base, uma legislação fundada em tornar crime, os rituais ditos profanos que, na verdade, eram de matriz africana. Simbolicamente é muito importante.”

O longo processo de reparação contou com a participação de lideranças do candomblé e da umbanda do Rio de Janeiro que fizeram esta construção até a criação do Movimento Liberte o Nosso Sagrado, tendo à frente a Mãe Meninazinha de Oxum.

Mãe Meninazinha de Oxum iniciou o movimento Liberte o Nosso Sagrado, para recuperar objetos religiosos apreendidos ilegalmente pela Polícia Civil do Rio ao longo de meio século - Tânia Rêgo/Agência Brasil

“Eu não gosto de dizer que fui eu, mas o primeiro passo foi dado por Mãe Meninazinha, mas graças a Deus tivemos nossos irmãos do candomblé e da umbanda e juntos chegamos onde estamos”.

O diretor do Museu da República conta que quando o acervo chegou ao espaço cultural precisou passar por uma quarentena para avaliar se estavam com algum tipo de fungo. Depois houve um trabalho de conservação e de documentação, que ainda está sendo feito.

“Alguns, nós estamos conseguindo identificar [a quem pertencia] por conta de material de imprensa, o nome do pai de santo, a casa de onde era. Estamos chegando a estes detalhes, graças a uma pesquisa junto aos inquéritos policiais e ao material de imprensa, mas nem tudo a gente sabe de onde veio”, disse Mario Chagas.

O material deve ficar acessível ao público em setembro, quando deverá ser realizada uma exposição. Para a Mãe Meninazinha de Oxum, quando o público tiver acesso, mais uma etapa da reparação histórica estará cumprida.

“A população vai conhecer esse lado negativo da história do Brasil. Para eles [policiais] na época não tinha valor, mas graças a Deus ainda temos liberdade para cultuar nossos orixás”, disse, acrescentando que travou uma luta intensa sem medo. “É porque eu sou leonina”, disse sorrindo, ao se referir a seu signo no zodíaco. (Fonte: Agencia Brasil)

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A SANFONA DE DOMINGUINHOS E LUIZ GONZAGA

A sanfona é mesmo meu pulmão, meu coração, meu estômago, minhas vísceras. Quando ela se abre, é minha respiração que vai junto. Quando se fecha, é meu suspiro.

A sanfona sabe de todas as minhas saudades, revira todas as minhas lembranças, desce ao poço profundo do meu passado e traz-me milhões de presentes. É, a sanfona é a rainha do meu salão de miudezas.

A sanfona é a lâmpada a clarear meu terreiro, é o sol a festejar os meus dias. Quando chove, a sanfona é meu abrigo. À noite escura, é ela a lua escondida por trás da escuridão. Meus ouvidos são a passarela por onde ela desfila soberana. Minha pele sofre quando a escuta bem baixinho nos agudos suaves.

Meus olhos se fecham, enquanto meu peito vibra nas prolongadas notas graves. Me desculpe, Luz Deus, mas meus santos todos tocam sanfona, sem piedade. Tem dois santos no altar-mor de minha catedral: São Luiz Gonzaga do Nascimento e São Dominguinhos. Essa da foto pertence ao segundo, já que o primeiro é primeiro mesmo. (Texto Professor doutor Aderaldo Luciano)

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O SENHOR DE ESCRAVOS EM NÓS: O VINHO AMARGO DA HISTÓRIA PÁTRIA

Há um senhor de escravos habitando a subjetividade de muitos brasileiros. Há um desejo de escravização do outro, do considerado inferior, transmitido pela educação de gerações, no país que foi o último a abolir o vergonhoso comércio de carne humana, cujas elites intelectuais produziram uma visão idealizada e adocicada do martírio cotidiano de milhões de homens e mulheres pretos. 

Habita nosso inconsciente coletivo a fantasia senhorial do poder desabrido e sem peias sobre o corpo do outro, a vontade de servidão e de serviço sem limites daqueles considerados diferentes, fracos, subumanos. 

Uma boa parcela dos brasileiros que se consideram brancos e, por isso, superiores, acalentam sonhos, muitas vezes não explicitados, de ter a sua disposição um outro em quem possa descarregar suas frustrações, seus ressentimentos, suas raivas, seus ódios. Alguém de pele escura, de pele parda a sua disposição para descarregar as suas pulsões de morte, a sua agressividade, os seus desejos destrutivos.

Quando Gilberto Freyre, um dos intelectuais que edulcoraram a escravidão e que tinha por ela uma indisfarçável nostalgia, utiliza o par de categorias psicanalíticas sadismo e masoquismo para pensar as relações entre senhores e escravizados, ele acerta, por um lado, ao descrever o desejo sádico dos senhores e senhoras, que gozavam infligindo humilhação, dor e sofrimento públicos a seus escravizados e erra ao atribuir a eles o desejo masoquista, como se eles se submetessem a sevícia dos senhores e senhoras de forma voluntaria e disso retirassem prazer. 

DURVAL MUNIZ DE ALBUQUERQUE JR Professor da UFPE e UFRN. Autor do livro “A Invenção do Nordeste”. Análises históricas e questões regionais. Escreve às terças no Diário do Nordeste

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