Logo nas primeiras semanas de janeiro a reserva particular RPPN Estação Veracel, no sul da Bahia, foi palco para um flagrante inédito: um beija-flor de plumagem toda branca foi ‘descoberto’ pela analista ambiental Regina Damascena durante um dia de trabalho na reserva.O primeiro encontro pareceu até ficção, já que as características da misteriosa ave branca lembram uma “fada”. De acordo com o biólogo e ornitólogo do Observatório de Aves da EVC, Luciano Lima, há dúvidas quanto à identificação da espécie: os estudiosos avaliam a possibilidade de ser um beija-flor-de-garganta-azul (Chlorestes notata) ou um beija-flor-roxo (Chlorestes cyanus).
“Indivíduos com coloração normal dessas espécies podem ser facilmente identificados visualmente, mas ‘sem’ as cores e não tendo a ave em mãos para comparar medidas mais detalhadas é muito difícil separar esses dois colibris”, detalha.
A dificuldade em identificar a ave se dá pela cor predominantemente branca, resultado de uma mutação genética que altera a pigmentação da plumagem. “Essa mutação provavelmente é uma diluição, chamada também de leucismo, e provoca, como o nome indica, uma diluição da pigmentação em partes da plumagem do animal”, explica Lima, que reforça a importância de não confundir as condições da ave com o albinismo.
“Não se trata de um beija-flor albino. A diferença principal é que ele possui olhos pretos e tem um leve tom acinzentado nas penas e patas. Para ser albino ele precisaria ser totalmente branco e não ter pigmentação em outras partes do corpo, como os olhos, que, nos albinos, acabam ficando com uma coloração rosada”.
Tão raro quanto um improvável encontro ‘encantado’ com as fadas, o flagrante desse colibri é inédito para o gênero Chlorestes, que inclui seis espécies encontradas no México, América Cental e América do Sul. “Trata-se do primeiro beija-flor do gênero Chlorestes do mundo com uma mutação genética que o torna praticamente todo branco”, confirma Luciano.
O biólogo explica ainda que a coloração da ave pode dificultar a sobrevivência na natureza. “A plumagem branca pode atrair predadores e provocar rejeição de outros colibris da mesma espécie, além de dificultar a reprodução”, detalha. Diante de tantos desafios, viver em uma área de Mata Atlântica protegida é crucial para garantir a proteção da espécie. “Além disso, o papel da RPPN Estação Veracel para a conservação da biodiversidade é fundamental para que se possa observar e estudar um fenômeno raríssimo como esse”, diz.
Virgínia Camargo, coordenadora de estratégia ambiental e gestão integrada da Veracel, responsável pela EVC, destaca que a reserva tem papel importante na manutenção de polinizadores naturais para o entorno, preserva ecossistemas e contribui para o equilíbrio climático na região. “Nestes 25 anos de criação, a RPPN Estação Veracel se consolidou como uma referência em conservação ambiental. O trabalho realizado na reserva está inserido e amplamente conectado ao compromisso da Veracel Celulose com a sustentabilidade e com o desenvolvimento de sua região de atuação”, afirma a gestora da reserva.
Também não foi possível identificar se a ave é macho ou fêmea, no entanto, os especialistas acreditam se tratar de um jovem, com cerca de um ano. “Identificar a espécie exata a qual pertence o beija-flor ‘fadinha’, como foi apelidado, é um desafio grande. No Brasil ocorrem cerca de 90 espécies de beija-flores e, destas, aproximadamente 20 ocorrem na região da Costa do Descobrimento”, detalha Luciano.
As imagens e a gravação sonora foram compartilhadas com diversos outros ornitólogos, entre eles um dos maiores especialistas em beija-flores do Brasil, Vitor Piacentini, pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso
Mesmo com a análise da vocalização, que costuma ser uma característica importante na identificação de aves, os especialistas não chegaram a uma conclusão definitiva. “O chamado em voo dessas duas espécies é muito parecido também. No entanto, assim como alguns detalhes sutis do formato do corpo e tamanho da cauda, algumas características da voz gravada parecem sugerir tratar-se de um beija-flor-de-garganta-azul, ainda que não seja possível ter certeza absoluta”.
Regina viu o colibri no caminho do restaurante para o escritório. "Eu estava em direção à sala e quando olhei para cima a ave me prendeu a atenção. Ela passou de uma flor para a outra, como se tivesse dado um pulinho. De primeira pensei que fosse um gafanhoto, mas a cor e o tamanho me fizeram duvidar que seria mesmo um inseto", conta.
"Quando me aproximei da árvore o beija-flor voou perto de outra espécie, também cheia de flores, e eu consegui identificar que era um colibri. Fiquei um tempo observando, ele voou para longe e quando voltou eu já estava com a câmera pronta para fazer registros e tentar identificá-lo", lembra Regina, que no mesmo dia compartilhou os registros com observadores de aves da região.
"Todo mundo ficou surpreso pelo fato de ser um beija-flor branco. No dia seguinte, um sábado, eu voltei lá e pude observá-lo novamente. Foi nesse dia que o Jailson, observador e fotógrafo de aves, conseguiu registrar a ave em detalhes", diz.
A admiradora da natureza destaca o flagrante como um dos mais emocionantes entre as experiências com a observação de aves. "Foi muito marcante, porque sabemos que não é fácil encontrar beija-flores assim, todo branco. Mas o que me deixou mais feliz e emocionada foi o fato da ave ter se mostrado para mim, foi mesmo muito especial", completa a analista ambiental, que agora está na expectativa de identificar a ave junto aos especialistas.
AVENS MUTANTES: Alterações na plumagem das aves são vistas com frequência em outras espécies por observadores e pesquisadores e os motivos para essas cores podem variar. “As aberrações na coloração das aves acontece quando algum indivíduo exibe um padrão de cores diferente daquele conhecido para a espécie. Essas aberrações podem ser causadas por uma série de fatores que incluem, por exemplo, deficiência alimentar e mutações genéticas”, explica Luciano Lima, que destaca a raridade dessas aberrações nos beija-flores.
“No Brasil são apontados apenas outros três casos na literatura científica especializada e são conhecidas também algumas raras fotos disponível no Wikiaves e em outros sites na internet. No entanto, nenhum desses casos envolve espécies do gênero Chlorestes”, finaliza.
Reportagem é de Giulia Bucheroni, Terra da Gente-,TV Globo Campinas-SP