BILIU DE CAMPINA

Não vou seguir sem deixar aqui umas linhas sobre meu amigo Biliu de Campina, que dias atrás bateu-o-31, para usar uma expressão bem de Campina Grande, da cidade que era a cara dele, a cidade onde nasceu. E onde escolheu viver: por afeto, destino, missão, comodidade e esperteza. 

 Não imagino Biliu morando em outra cidade senão a “Rainha da Borborema”. Mesmo que alguma loteria improvável o transformasse em milionário, ele nunca iria morar numa ilha do Caribe. O mais provável é que montasse um cabaré chamado “Rosa de Acapulco” e fosse morar nos fundos. 

 Digo um cabaré, mas não pensem que estou fazendo apologia do lenocínio. Longe disso. É que a palavra cabaré me evoca música, antes de qualquer outra coisa. Cabaré é um lugar onde se vai para ouvir música ao vivo, conversar, dançar, aproveitar a vida. Suave é a noite, enquanto se tem no mesmo recinto Jaime Seixas ao piano, Apolo na bateria, um crooner de voz encorpada arrastando um bolero pelos cabelos, e a cerveja é gelada, e a felicidade é uma arma quente. 

 Esse ambiente de música pela música, sem gêneros, sem fronteiras, une os músicos da noite, aproximando as pontas extremas do ofício, o profissionalismo e a boemia. Biliu celebrizou-se como forrozeiro e defensor do forró, mas seu conhecimento e sua vivência musical puxavam raízes genéticas desde as antigas jazz-bands da Campina de cem anos atrás, dos blocos de carnaval, das orquestras que tocavam nas tertúlias dos clubes aristocráticos. (Campina só tem um, o Campinense; e basta.) 

 Viramos amigos aos vinte e poucos anos, porque eu já era amigo de seu irmão João Xavier, o famoso Lanka que fabricava os melhores pandeiros do Nordeste. (Uma voz moleca me atanaza: “Do Brasil! Diz que é do Brasil!...”.  Não precisa.) 

 Lanka era mais velho do que a gente e era uma espécie de líder informal de um grupo de boêmios, e aí talvez não valha a palavra “líder”, e sim “puxador de cordão”. Todos os fins de semana, os “Originais do Samba” se encontravam a partir da sexta à noite ou sábado de manhã, na casa de alguém. Eram quatro, cinco, seis carros cheios de gente: homem, mulher, menino, todos convergindo para um terraço ou um fundo de quintal, cada qual trazendo seu violão, seu cavaquinho, sua tumbadora, seu afruchê, seu pandeiro, sua flauta, sua sanfona. 

Falei, um pouco acima, dos músicos profissionais que tocavam nos cabarés (todos eles exímios instrumentistas).  Sua contrapartida amadora eram esses agrupamentos informais, que não viviam da música: um era gráfico, outro trabalhava em oficina, este era bancário, o outro pequeno comerciante, três ou quatro eram estudantes, tinha Fulano radialista, tinha Sicrano de ocupações incertas e não-sabidas. 

 Falei nos estudantes, não foi? Pois é, nesse tempo Biliu estava fazendo o curso de Direito (em que se formou), Elba Ramalho estudava Economia e eu Ciências Sociais, na UFPB; Tadeu Mathias, que era talvez o mais novo e uma espécie de mascote da turma, devia estar no segundo grau.  O importante é que todos tinham outra ocupação, nenhum deles vivia da música: viviam para a música. 

Era a Batucada de Lanka, o nome informal que a cidade conhecia. Mal saía o elepê com os sambas-enredos do Carnaval carioca do ano seguinte, e todo mundo já comprava e esses sambas viravam a trilha sonora obrigatória de todos os fins de semana. Cantava-se de tudo, de Moreira da Silva a Ataulfo Alves, da MPB de Chico-Caetano-Gil até os forrós de Jackson e Gonzagão.   

 Isso era nos anos 1970, e muita água ainda iria chover no Açude Velho antes que Biliu gravasse seu primeiro disco, entrasse no circuito profissional de rádio, palco e estúdio, e adotasse o cognome “Biliu de Campina”, com que se celebrizou fora do circuito Praça da Bandeira / Parque do Povo / Calçadão. Compondo suas canções irreverentes, cantando Rosil Cavalcanti, Zito Borborema, Manezinho Silva, Jacinto Silva, Geraldo Correia, Gordurinha, João Gonçalves...   

 Uma coisa curiosa nos tempos de hoje é o modo como a música – o ato de cantar e tocar instrumentos – se confunde, na cabeça das pessoas, com a profissão de músico. Como se o objetivo de toda pessoa que gosta de tocar e cantar fosse virar cantor profissional. Pode ser um sintoma da monetização geral da vida, da existência. Tudo que fazemos pode se tornar fonte de renda, pode se tornar uma profissão, pode se tornar um bilhete informal na grande loteria da fama e da fortuna. 

 A música (e não só ela) já foi um fim em si, está virando cada vez mais um artifício para ganhar dinheiro. (Não sou contra isto – sou compositor profissional e já ganhei a vida com música, em diferentes fases da minha vida.) Mas vai ser um profissional muito insosso e muito desbotado aquele que só vê na música o ganho. O profissional que liga mais para o borderô do que para o repertório. O cara que não reconhece uma clave de sol mas sabe muito bem o que quer dizer um cifrão. 

 Toda profissão que mexe com as artes precisa ter essa consciência de que se trabalha para o público, para as platéias, para as pessoas em geral, e se trabalha tanto de forma amadora quanto de forma profissional. Um indivíduo pode ser enfermeiro profissional e músico amador, pode ser um engenheiro / motorista / médico / jornalista / advogado / contabilista / alfaiate / lavrador de profissão... e músico amador. 

 Essas pessoas criam uma espécie de Música Invisível Brasileira, que não é captada pelas pesquisas nem monetizada pelo mercado. É a música que está fora dos estúdios e dos palcos, mas que está viva no cotidiano de gente rica, gente pobre, gente média, independente de idade ou cor ou classe social. A música que é feita e fruída pelo simples prazer de fazer música, de participar delas, de se deixar levar pela correnteza das melodias e dos ritmos. Música é isso. O resto é consequência. 

Não importa que tipo de música. Rock de garagem. Samba de fundo de quintal. Quarteto de câmara na sala de um apartamento. Piano de happy-hour em uisqueria. Hip-hop em palco de festa. Seresta de tiozões num restaurante à beira-mar. Canto gregoriano de mosteiro. Forró de latada. Chacundun de churrascaria. Bolero de cabaré. 

Surgem grandes talentos no meio dessa música invisível, e muitos deles tornam-se nomes conhecidos no país inteiro, saem na revista, aparecem na TV, viram atratores nas redes sociais. Nada contra. O erro é quando pensamos que este é o objetivo principal de fazer música: ser “um dos melhores” e ganhar muito dinheiro. Não é. O objetivo da música é colorir a vida e destilar as emoções.  É educar nosso espírito, transmitir um senso de harmonia, de proporção, de estrutura, a capacidade de reconhecer coisas complexas quando traduzidas em estímulos sensoriais. E, por cima disto, ensinar a telepatia da criação coletiva, em que mentes diferentes e corpos diferentes deixam-se levar em uníssono por uma melodia, um ritmo, e nesse momento deixa de haver separação entre a mente e o corpo, entre o indivíduo e o grupo. Torna-se tudo uma coisa só. 

 A Música Fonográfica é apenas o cocoruto desse imenso iceberg. A que é visível, o que sai na imprensa, o que tem fã-clubes e seguidores de redes sociais. A que movimenta dinheiro, e portanto interessa a todos os grupos que lucram alguma coisa quando dinheiro é movimentado. Todos nós precisamos de dinheiro, e assim como é legítimo um barbeiro tocar violão também é legítimo ele querer largar a barbearia e ganhar a vida com o violão dele. Não se pode legislar escolhas-de-vida pessoais. 

E assim voltamos ao meu velho Biliu de Campina, ranzinza, popeiro, rival de Seu Lunga, irreverente, trocadilhista, língua ferina, falava mal de todo mundo e nunca fez o mal a ninguém. Biliu do pavio curto e da conversa comprida, Biliu do ouvido afiado, que pegava tom ouvindo buzina de carro e “plin” de celular. Que passou mais de quarenta anos de vida impedindo que a Paraíba se esquecesse de Jackson do Pandeiro. Que pirateava os próprios discos quando o disco estava vendendo pouco. 

 Que defendia os artistas da terra, “porque os de Marte ou de Saturno não precisam de defesa”. Que implicava com a expressão “forró pé de serra”, porque no alto da Serra o forró é melhor ainda. Que cantava no Parque do Povo, depois de um show alheio que puxou 20 mil pessoas, e ele entrava no palco e cantava duas horas de coco sem parar, para 300 pirangueiros embaixo de chuva, que berravam palavrões com ele e ele dava a resposta no mesmo tom. 

 Chamo a isso de Música Invisível Brasileira porque, no curioso mundo de fantasia eletrônica em que existimos hoje, a gente só vê o que é feito de pixels eletrônicos (seja num celular, numa TV ou num computador), e não enxerga o que é feito de carne e osso. (Texto Braulio Tavares-Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), 

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INDÍGENAS SE REÚNEM PARA DISCUTIR RESTAURAÇÃO ECOLÓGICA

Povos originários de diferentes etnias estiveram reunidos esta semana no 1º Encontro Indígena de Restauração Ecológica (I EIRE), com o objetivo de trocar experiências e técnicas de coleta, produção e plantio de sementes, modelos de agroflorestas e agroecologia praticados em seus territórios. O I EIRE foi realizado dentro da 5ª Conferência da Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica.

Nas últimas três décadas, áreas privadas eliminaram 21% da vegetação nativa, enquanto terras indígenas perderam 1%, ajudando a barrar o desmate nacional. Na Amazônia, as derrubadas nesses territórios caíram 42% de agosto de 2023 a março de 2024. Foi a menor taxa destrutiva desde 2018.

Povos originários podem desmatar parcelas de suas terras para construir e plantar, mas elas são alvo da retirada de madeira, agropecuária e garimpo ilegais. Ao mesmo tempo, tais espaços abrigam cerca de 80% da biodiversidade mundial, diz a Organização das Nações Unidas. 

Por isso é importante recuperar a vegetação natural em terras indígenas, e elas têm o que mostrar. “Queremos (…) dar visibilidade aos saberes ancestrais na conservação e na recuperação dos ecossistemas e integrá-los aos conhecimentos técnico- científicos”, disse Lucia Alberta, diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). 

O órgão indigenista quer inserir a pauta indígena em políticas e ações de restauração ecológica, como na revisão do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), no desenho da Plataforma de Acompanhamento da Recuperação Ambiental (Recooperar), de editais públicos e de um banco de áreas prioritárias para recuperação em terras indígenas. 

O 1º Eire aconteceu de 8 a 10 de julho na Universidade Federal do Vale do São Francisco, em Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), e foi apoiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Serviço Florestal dos Estados Unidos, Pacto pela Restauração da Mata Atlântica e Instituto Sociedade, População e Natureza.

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VEREDAS DESAPARECEM E TRANSFORMAM REALIDADE DESCRITA POR GUIMARÃES ROSA

Entidade central na literatura e no sertão evocado pelo escritor João Guimarães Rosa (27/06/1908-19/11/1967), presente na obra prima do autor desde as primeiras menções, o ecossistema de vereda vem sendo dizimado desde as regiões Noroeste e Norte de Minas Gerais, também na chamada trijunção mineira com Goiás e Bahia. Imortalizada na literatura nacional sob o título Grande sertão: veredas, a paisagem vai definhando na vida real no mesmo compasso do bioma que a abriga, o Cerrado, o segundo mais devastado do Brasil, atrás apenas da Amazônia, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

Nesse ritmo de destruição, avaliam especialistas, não haverá espaço para a sobrevivência do Cerrado natural e das veredas, o que aproxima essa paisagem do primeiro título pensado por Guimarães Rosa para o que se tornaria sua obra maior, mencionado há 70 anos na revista O Cruzeiro: em 17 de abril de 1954, a publicação revelava que o autor batizaria seu livro como Veredas mortas. O nome consagrado foi outro. Já o título abandonado soa, hoje, como premonição.

Os impactos, condições ambientais e climáticas em 55 municípios mineiros, baianos e goianos que têm registros literários e históricos deixados por Guimarães Rosa naquela época mostram uma brutal degradação, por meio da série de reportagens especiais Veredas mortas, produzida pelo Estado de Minas, que toma emprestado o título original da obra-prima — mais atual que nunca.

A destruição-Percorrer as paragens que inspiraram Grande sertão: veredas é lançar os olhos por uma paisagem cada vez mais devastada. É o que se avista também pelos caminhos por onde o autor cavalgou acompanhando sertanejos, em uma travessia de gado na qual se inspirou para o livro — descrita no diário A boiada. Situação tão mais preocupante quando se considera que ali está a "caixa d'água" que irriga afluentes do Rio São Francisco — e também as memórias de Rosa —, como o Urucuia, o Paracatu e o Rio das Velhas.

Irreconhecíveis a muitos desses registros literários, econômicos ou geográficos, as matas extensas e de vegetação tortuosa e os buritis imponentes característicos das veredas vão sucumbindo, tombando para dar lugar aos eucaliptos, plantações, pastagens e erosões em desertificação. O Cerrado arde em carvão; rios secam; veredas são soterradas; nascentes se retraem solo adentro. O calor, marca do sertão, torna-se mais e mais esturricante, agravando todo o processo. E se realimentando dele.

Dados compilados pela equipe do EM a partir do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) — órgão das Nações Unidas (ONU) — indicam que a média de temperaturas máximas no já bastante degradado sertão rosiano pode aumentar 1,4°C entre 2021 e 2040, e até 2,52°C, entre 2041 e 2060, simplesmente se nenhum impacto ambiental, emissão de carbono ou calor for refreado. Ou seja, nada precisaria piorar para a situação já crítica seguir se degradando, já que na última década a temperatura global se elevou 1,1°C, segundo as mesmas fontes.

O mesmo levantamento prevê para as áreas em nível mais avançado de desertificação do Brasil — Cabrobó (PE), Gilbués (PI), Inhamus (CE), Irauçuba (CE), Jaguaribe (CE) e Seridó (PB) — ampliações médias menos dramáticas, de 1,1°C e 2,05°C, respectivamente, nas mesmas condições.

Menos chuvas-Já as chuvas nos 55 municípios do sertão imortalizado por Rosa apresentariam no mesmo cenário de curto prazo (2021 a 2040) uma estiagem maior, com redução da precipitação anual de 1,81%. Por outro lado, as destrutivas chuvas com máximas de um dia — tempestades concentradas em pouco tempo, gerando grande estrago, erosões e pouca absorção de água pelo solo para recarga de nascentes — aumentariam em média 4,38%, segundo as modelagens do IPCC e análises de especialistas.

"Essa situação de a temperatura até superar o aumento nas regiões com maior índice de desertificação no Brasil, bem como uma redução da chuva anual e ampliação de eventos extremos de tempestades, acredito serem diretamente ligadas ao uso e à ocupação do solo, em práticas como desmatamentos e queimadas", indica o professor Antoniel Fernandes, dos departamentos de Geografia e Biologia da PUC Minas. (Correio Braziliense)

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CRATO: EXPOSIÇÃO DEBAIXO DO BARRO DO CHÃO HOMENAGEIA GILBERTO GIL

O Cariri sempre esteve presente na vida e na obra de Gilberto Gil, em especial na sua relação com o cancioneiro de Luiz Gonzaga, filho de Exu, terra pernambucana que faz fronteira com o Crato, cidade onde está localizado o Centro Cultural do Cariri. Nesse cenário, será aberta a exposição Debaixo do Barro do Chão com obras que se conectam com a musicalidade de Gil. A mostra estará disponível para visitação do público a partir do dia 11 de julho.

Com obras de Corrinha Mão na Massa, da cidade de Missão Velha, da Mestra Fanca e das Irmãs Cândido, de Juazeiro do Norte e do Mestre Jaime, da Barbalha, a instalação apresentará peças construídas a partir da música De onde vem o baião e outras que se relacionam com a vida e obra do homenageado, e da materialidade imantada da terra. Além das obras, a exposição será composta por registros fotográficos e depoimentos em vídeo.

As “Marias” Cândido Monteiro traz nas peças a identidade do estilo herdado pela mãe, a Mestra Maria de Lourdes Candido. A argila é preparada pela família, incluindo os homens, que preparam o material e se responsabilizam pelo forno, onde as peças são cozidas. Trabalhando a partir de temas retirados do cotidiano, narram histórias pessoais e coletivas, celebrações religiosas e festas tradicionais modeladas no barro.

Mestra Fanca conta a história do Cariri através de seus bordados em tecido, intitulados de “panôs”. Com imagens e textos de sua criação, tece a identidade cultural e salvaguarda em sua arte a memória oral da cultura da região, e de fatos históricos do país. Já Mestre Jaime, mantém viva a cultura da fabricação de ladrilhos hidráulicos, há mais de 60 anos, quando herdou de seu ex-gestor a fábrica onde mora até hoje com seus onze filhos e esposa. Atualmente, o trabalho é conduzido pelo seu filho Cícero José e seu neto, João Paulo.

Estátuas, potes, peças decorativas de barro compõem a arte da mestra ceramista Maria do Socorro Nascimento, a Corrinha Mão na Massa, conhecida por sua inventividade e habilidade com as mãos que a tornaram empreendedora e uma referência de empoderamento feminino

Debaixo do barro do chão tem curadoria de Fabiano Piúba e apresenta a cultura como meio de se chegar e atravessar, como a origem que vem da terra e compõe melodia com a trajetória de Gilberto Gil, exemplo que nos apresenta a cultura como horizonte para a transformação, assim como um bem comum, como a natureza que está inerente em nós.

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ELEIÇÕES MUNICIPAIS 2024 E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

 O aquecimento global é uma consequência direta do modo de vida que os seres humanos impuseram ao planeta. O modo de produzir e o modo/hábitos perdulários de consumo provocam, com maior intensidade e frequência, catástrofes e eventos climáticos extremos em várias partes do mundo, com ondas de calor e frio, chuvas torrenciais (desmoronamentos e inundações), secas, incêndios florestais de grande magnitude e aumento do nível do mar.

Do ponto de vista científico, não existem mais dúvidas que tais fenômenos ocorrem devido à ação humana, elevando o aumento médio da temperatura do planeta. Principalmente pelo uso de fontes energéticas fósseis (petróleo e derivados, carvão mineral e gás natural), desmatamento desenfreado e da agropecuária extensiva.

Se não evitarmos as causas do aquecimento nos próximos anos, as mudanças no clima continuarão a causar catástrofes, colocando em risco a própria sobrevivência da vida na Terra. Banir os combustíveis fósseis e conter o desmatamento são tarefas prioritárias. A natureza nunca foi inimiga, e sem ela não existirá vida em nossa Casa Comum.

No Brasil, um dos mais ricos países em abundância de fauna e flora, avançamos na geração de energia elétrica com fontes renováveis (sol, vento, biomassa), mas infelizmente ainda não adotamos as medidas necessárias para conter o desmatamento em todos os biomas. A ganância incentivada pelo capitalismo, pelos meros interesses econômicos, tem reduzido drasticamente a vegetação e as florestas.

Logo mais teremos eleições que vão escolher novos prefeitos (as) e parlamentares, para compor os legislativos municipais em mais de 5.000 municípios. É um momento propício para a reflexão acerca das questões ambientais e para debater propostas de como enfrentar os desafios da crise climática. Sem a consciência das pessoas sobre a importância da conservação e da preservação ambiental, estamos fadados à derrota.

A Constituição Cidadã de 1988 estabelece que todas as esferas do Poder Público – federal, estadual, municipal - devem promover o equilíbrio ambiental como garantia para as gerações futuras. O papel dos municípios é fundamental no desenvolvimento e implementação de políticas públicas ambientais de enfrentamento às causas e efeitos das mudanças climáticas.

Ninguém mora na União, nos Estados. As pessoas moram nos municípios. É neles, que os serviços são prestados, as crianças estudam, os adultos trabalham, os alimentos são produzidos, a vida acontece. Daí a importância de comprometer as autoridades executivas e legislativas com a defesa da Mãe Terra. Já os munícipes, precisam fazer a escolha certa dos homens e mulheres que governarão pelos próximos 4 anos.

O Nordeste semiárido, o mais populoso do mundo, com 30 milhões de moradores, é um dos locais mais vulneráveis às mudanças climáticas. Estudos, com o uso de satélites, indicam a redução drástica da vegetação no bioma Caatinga, que diminui de tamanho, ano a ano, favorecendo a redução das chuvas, com diminuição da produção de alimentos e aumento das temperaturas. Isto afeta diretamente seus habitantes.

Logo, nas eleições municipais é fundamental que o debate também seja pautado na questão ambiental, pois a realidade do dia a dia ocorre na esfera municipal. Um dos aspectos mais importantes para tornar uma cidade saudável, sustentável, e assim melhorar a qualidade de vida das pessoas, na área urbana e rural, é a participação social, que se dá também nas eleições.

A pergunta que não quer calar é "Até quando esperar para começar as mudanças tão necessárias?

Escolher prefeitos (as) vereadores (as) comprometidos em mudar a atual realidade contribuirá para melhorar a qualidade de vida nos municípios, cujo papel é fundamental no enfrentamento da crise climática e ambiental. Daí você eleitor (a):

- Procure conhecer o passado e a biografia do candidato (a) e a trajetória de seu partido na defesa do meio ambiente e das causas populares.

- Investigue as alianças do partido do candidato (a) e seus projetos, quais os interesses que defende e quem financia.

- Confronte o discurso e a prática do candidato (a). Não vote nos negacionistas que negam a crise climática. Nem naqueles que usam as redes sociais para mentir e propagar o ódio. Não vote em mentirosos, demagogos e postulantes burgueses, ou apadrinhados por bancos e latifundiários.

- Não se venda por nada. Analise a campanha do candidato, não confie em palavras vazias. Olho nos oportunistas que fazem da política trampolim para enriquecerem. Vote em candidatos a prefeito (a) e vereador (a) comprometidos com as lutas populares.

- Fuja do cabresto. Não vote em quem o padre, patrão, pastor manda votar.

- Não vote em quem ataca os grupos, associações, sindicatos, organizações não governamentais que defendem os pobres.

- Procure conhecer as propostas. Se são factíveis, ou meras promessas. No passado fez o que pelos pobres e vulneráveis/ Como propõem estimular maior participação social no seu governo?

- Discuta com seu candidato (a) algumas propostas que devem estar presentes no processo eleitoral e integrar o programa de governo, sua atuação parlamentar. Sugestão:

· Promover ações de prevenção, proteção e recuperação ambiental, como a criação e incentivo a viveiros com distribuição de mudas nativas e frutíferas para a população.


 Incentivar a agricultura familiar no município, com distribuição de insumos necessários no contexto de práticas agroecológicas.

 Combater o desmatamento regional.

· Atender às melhorias reivindicadas pelas populações rurais, incentivando a permanência no campo (iluminação, recuperação de estradas, transporte, internet, saneamento, ...).

· Fortalecer e potencializar os Conselhos Municipais de Defesa do Meio Ambiente.

· Criar os Conselhos Municipais de Educação Ambiental, instituindo nas escolas (urbanas e rurais) temas relacionados às mudanças climáticas, à preservação e importância da natureza na vida das pessoas.

· Combater as "fake news", o negacionismo ambiental, com estratégias institucionais de checagem, além de informação direta em sites institucionais sobre a situação climática e seus impactos.

 Fortalecer a governança e a gestão dos bens comuns da natureza, do financiamento, proteção e recuperação dos mananciais.

· Garantir recursos no planejamento orçamentário para a gestão hídrica e do meio ambiente, com ampla participação e controle social.

Recente pesquisa, promovida pela Confederação Nacional dos Municípios, registrou que só 2 em cada 10 municípios estão preparados para enfrentar os impactos das mudanças climáticas. Esta situação impõe a intensificação de estratégias e ações urgentes para evitar que a população sofra mais.

Devemos aproveitar o processo eleitoral em curso como um momento auspicioso para a discussão, conscientização e proposição de políticas públicas sociais, rumo a conquista de municípios sustentáveis e resilientes diante do aquecimento global, maior desafio já enfrentado pela humanidade!

Heitor Scalambrini Costa-Professor associado aposentado da Universidade Federal de Pernambuco. Graduado em Física, Mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares e Doutorado em Energética. Membro da Articulação Antinuclear Brasileira.


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ARTIGO: DO SEMIÁRIDO A AMAZONIA

É sina da população do Semiárido a de migrar. Com efeito, a região não tem como sustentar uma população que cresce. As pessoas migram a procura de melhores condições de vida. Arriscam-se até. E, nesse processo, podem acontecer muitas coisas.

O caso das migrações do Semiárido para a Amazônia já é muito conhecido. As pessoas foram empurradas pelas crises de secas, especialmente a de 1877-79, e atraídas pela promessa de eldorado. Lá, na Amazônia, os problemas de cada um seriam resolvidos. Se tinham fome, só precisava ir ao rio, sempre bem próximo, pegar um peixe, e comer. Trabalho não faltava, os seringais se espalhavam.

Estudamos o assunto quando da realização da primeira ICID – Conferência Internacional sobre Variações Climáticas e Desenvolvimento Sustentável de Regiões Semiáridas. O tema ainda é atual, para todas as regiões. Lá, na ICID, tivemos uma apresentação sobre as migrações do Nordeste para a Amazônia, feita por Tania Bacelar e Jean Bittoun. Ver o artigo publicado no livro da ICID chamado “Climate Variability, Climate Change and Social Vulnerability in the Semi-arid Tropics”, editado por Jesse Ribot, Antonio Magalhães e Stahis Panagides, publicado pela Universidade de Cambridge.

Na década de 1950, o então jovem escritor paraense chamado Leandro Tocantins escreveu o livro “Um Rio Comanda a Vida”. Segundo esse escritor, esse livro foi a raiz dos seus livros posteriores, já que foi muito prolífico na sua vida. Ele escreveu, em um dos capítulos do “Rio Comanda a Vida”, que o estado do Acre basicamente foi anexado ao território brasileiro por causa dos nordestinos do Semiárido que foram expulsos pela seca de 1877, especialmente pelos cearenses. Em qualquer comunidade do Acre onde se chegasse se poderia fazer o teste. Todos eram nordestinos, a maioria era do Ceará. Com isso, eles conseguiram ocupar um espaço vazio para tirar seringa e aumentar o território brasileiro em cerca de 150.000 km2.

Hoje a situação está mudada, mas nem tanto. Nas solenidades no Acre, ainda se canta o hino do Ceará. Os cearenses chegaram ao Acre, encontraram uma esposa indígena, procriaram, muitos morreram, muitos ficaram dependentes do dono do seringal por toda a vida, alguns enriqueceram e puderam mostrar a pujança de Manaus e de Belém durante o ciclo da borracha. Nessa labuta, o rio era sempre o meio de transporte, o canal de riqueza e de pobreza. As cidades foram se estabelecendo nas margens do rio, que comandava tudo.

Leandro Tapajós fala dos batelões, os barcos comandados por árabes (sírios e libaneses) que dominavam o comércio nos recantos dos rios na Amazônia. Era a civilização aquática, a união entre o semiárido e a Amazônia, o seco e o úmido, as secas do Nordeste e as cheias dos rios amazônicos. Mas a mesma pobreza, a mesma população sobre quem se baseava o bem-estar de uma pequena minoria.

Nesse quadro, o Rio Amazonas despontava como o Deus de todas as águas, o rei que comandava tudo. Ainda é assim, embora a Amazônia esteja cada vez mais devastada para suprir a fome do mundo em novas madeiras, em soja e em gado.

Por Antonio Rocha Magalhães

armagalhaes@gmail.com

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A SINA DE CANTADOR DO POETA ALDY CARVALHO

O cantador e poeta petrolinense Aldy Carvalho é  um artista completo, nascido no sertão de Pernambuco, cuja obra reflete o rico universo nordestino. Como poeta, cantador, escritor, compositor e violonista, sua arte é um verdadeiro mosaico de sons e histórias.                     

Recentemente Aldy lançou  nas redes o single "É  Preciso Amar" (Arnaldo Carvalho e José  Verismar dos Santos), um xote envolvente e de mensagem positiva da vida, onde Aldy imprime seu estilo através  da excelente interpretação  e dos arranjos que concebeu para a música,  não  obstante isso esse poeta, cantador das barrancos do São  Francisco, não  para. Aldy segue autografando sua mais recente obra literária "O Menino Iluminado". O livro, no gênero codel, traz ilustrações  de Anna B. Gonzalez, que com sensibilidade artística primorosa enriquece mais ainda a obra do autor cantador.                                                     

Lançado  pela Companhia do Cordel Edições " O Menino Iluminado", conforme Ely Verissimo, é  um convite  a nos tornarmos crianças com tudo no que isso implica, sobretudo, que sejamos capazes de ver, novamente, o que se tornou invisível  aos nossos olhos, isto é, o divino que nos cerca e que está,  como sempre esteve, em nós  mesmos. Desde a infância, Aldy  encantava amigos e familiares com suas narrativas e causos. Hoje sua discografia e bibliografia são testemunhos vívidos desse talento. Com álbuns como Redemoinho, Alforje, Cantos d'Algibeira, SerTão Andante e o mais recente Tempo Menino além de obras literárias como *Memórias de Alforje, Via-Sacra: o caminho da luz, A Preá  e a Cobra e O Cavaleiro das Léguas, Aldy Carvalho se consolida como um dos grandes cantadores, contadores de histórias do Brasil, imortalizando o lirismo do sertão em suas criações.   

 Aldy estará  presente com seu "O Menino Iluminado" na FLAE (Feira Literária  de Associados Escritores) da AFPESP em São  Paulo de 22 a 26 de julho de 2024 e confirma sua presença como autor convidado na 27ª  Bienal Internacional do Livro de São  Paulo de 06 a 13 de setembro de 2024.                                                                   O livro "O Menino Iluminado" bem como outras obras literárias e musicais deste poeta e cantador podem ser adquiridos através dos contatos: 

www.companhiadocordel.com.br

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