FLÁVIO JOSÉ DIZ QUE VIDA E OBRA DE LUIZ GONZAGA MERECEM MAIS RESPEITO.

Com mais de 35 anos de carreira e auto intitulado seguidor de Luiz Gonzaga, o cantor e sanfoneiro Flávio José teme pelo futuro do forró. Segundo ele, em muitas cidades neste São João havia apenas um artista do ritmo.

O artista contou que teme pelo futuro do forró e conta que se apresentou em cidades onde era o único representante do ritmo.

"Lá para a região da gente aconteceram muitas praças que tinha apenas um artista de forró, as outras atrações eram modismo, etc e tal. Mas é tão bom mudar, tem que aprender a corrigir. Eu só fico preocupado é porque, algumas praças só tinha eu. E se amanhã não tiver nem eu? Vai ficar mais complicado", disse ele instantes antes de se apresentar no São Pedro no Parque de Exposições.

Ele contou ainda que se entristece quando vê a obra de Luiz Gonzaga sendo levada a direção oposta à original.

"No ensinamento de Luiz Gonzaga, eu gravei um disco, o 'Flávio José Canta Luiz Gonzaga'. Eu penei para ouvir muito a obra de Luiz Gonzaga, para dizer palavra por palavra o que ele disse e cuidar muito bem da obra dele, que merece o maior respeito do mundo. Eu fiz esse disco com sucesso tremendo", contou ele, que seguiu.

"Eu fico muito triste quando vejo alguém pegar uma obra de Luiz Gonzaga e botar numa levada que não tem nada a ver. Parece que já se cansaram de fazer tantas coisas e o que resta agora é bulir, mexer numa obra como a do Luiz Gonzaga, que merece total respeito".

“Não, o forró é tão forte que ele aguenta tudo, até nomes de outras coisas que não têm nada a ver sendo chamados de forró. Então, o forró que eu conheço é o forró de Luiz Gonzaga, do Trio Nordestino, das tradições, isso aí sim, foi como eu falei anteriormente. Não teve renovação porque vários artistas desiludidos desistiram e jogaram a toalha. Agora, modismos que estão sendo chamados de forró, tem um monte, mas na minha concepção não têm nada a ver com forró”, completou o forrozeiro.


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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI CONCEDE TÍTULO DE DOUTOR HONORIS CAUSA A GILBERTO GIL

A Universidade Regional do Cariri (URCA) CONCECE Título de Doutor Honoris Causa ao cantor, compositor, escritor e ativista, Gilberto Passos Gil Moreira. O evento será realizado no Terreiro das Artes do Centro Cultural do Cariri, no próximo dia 10 de julho, às 18h.

 A proposição para o Título é de autoria do ex-reitor da URCA, Professor Francisco do Ò de Lima Júnior, aprovada por unanimidade pelo Conselho Universitário, pela importância e o legado do artista e ex-ministro da Cultura. A proposição foi apresentada em julho do ano passado e apreciada pelos integrantes do conselho.

CONFIRA DISCURSO GILBERTO GIL QUANDO TOMOU POSSE NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

r. Presidente da Academia Brasileira de Letras, Acadêmico Merval Pereira,


Sra. Secretária Geral da Academia Brasileira de Letras, Acadêmica Nélida Piñon, Sras. e srs. Acadêmicos, Amigas e amigos aqui presentes, Meus filhos, meus netos... e Flora

Aqui estou, no limiar dos meus oitenta anos, no Salão Nobre da Academia Brasileira de Letras, onde já estiveram tantos escritores de minha admiração, alguns dos quais foram amigos queridos, na condição de primeiro representante da música popular do Brasil a ser eleito para esta instituição.

Entre tantas honrarias que a vida, generosamente, me proporcionou, essa tem para mim uma dimensão especial, não só porque aqui é a Casa de Machado de Assis, um escritor universal, e afrodescendente como eu, mas também porque a ABL, fundada em 20 de julho de 1897, representa, mesmo para quem a crítica, a instância maior, que legitima e consagra de forma perene a atividade de um escritor ou criador de cultura em nosso país.

Confesso que até recentemente não havia pensado em concorrer a uma cadeira da ABL, mesmo sabendo que Tom Jobim chegara a se inscrever em 24 de setembro de 1993, retirando em seguida a candidatura em homenagem a seu amigo Antônio Callado, eleito em março de 1994.

Sou filho de uma professora primária, Claudina, e de um médico, José Gil Moreira. A eles devo o meu amor às letras e à música. Foi de minha mãe que ganhei o primeiro violão, em 1961. Ela também leu, com paciência de mestra experiente, meus versos inspirados em leituras de Castro Alves, Gonçalves Dias, e Olavo Bilac, que comecei a escrever aos 17 anos. Tive a sorte de ter pais carinhosos, que me educaram para não ter medo de enfrentar os desafios que a vida fatalmente nos impõe. A imagem de meus pais está comigo nesta noite, e sua memória, é para mim uma bênção.

A Academia Brasileira de Letras é a Casa da Palavra e da Memória Cultural do Brasil. E tem uma responsabilidade grande no sentido de fortalecer uma imagem intelectual do país que se imponha à maré do obscurantismo, da ignorância, e demagogia de feição antidemocrática. Poucas vezes na nossa história republicana o escritor, o artista, o produtor de cultura, foram tão hostilizados e depreciados como agora. Há uma guerra em prol da desrazão e do conflito ideológico nas redes sociais da Internet, e a questão merece a atenção dos nossos educadores e homens públicos. A ABL tem muito a contribuir nesse debate civilizatório. E eu gostaria, aqui, de colaborar para o debate, em prol da cultura e da justiça.

O patrono da cadeira número 20, onde hoje tomo assento, é o escritor

JOAQUIM MANUEL DE MACEDO, nascido em Itaboraí, no Rio de Janeiro, em 24 de junho de 1820, e autor, entre outros títulos, de A moreninha, de 1844, o primeiro clássico do nosso romance romântico, já levado ao cinema e adaptado para novela de televisão. O ensaísta e acadêmico José Guilherme Merquior sobre ele observou: “O ‘Macedinho’ obteve o que Teixeira e Sousa não conseguira: dar respeitabilidade ao romance folhetinesco. (...) Enquanto Alencar inventaria o mito heroico – o índio cavalheiresco –, Macedo engendrou um mito sentimental: o da mocinha brasileira, sinhazinha ‘romântica’”.

Médico de formação, político liberal, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, defensor da educação para as mulheres, Macedo é autor também de Lições de História do Brasil, em 1861, e no ano seguinte, de Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro, reunião de crônicas anteriormente publicadas no Jornal do Commercio. Embora tenha escrito em vários gêneros, e ocupado postos importantes, o escritor, falecido em 11 de abril de 1882, viveu seus últimos anos atormentado por dificuldades financeiras. Destaquemos, de sua vasta produção, o poema A nebulosa, de 1857, que, no dizer de Antonio Candido, “abre as portas de um mundo romântico, onde poucos se moveram tão bem”. Citemos ainda As vítimas algozes – quadros da escravidão, de 1869, reeditado em 1988, no centenário da abolição da escravatura, pela Casa de Ruy Barbosa, e sua extensa obra teatral, composta, entre dramas e comédias, por 14 títulos, dentre eles A torre em concurso, de 1863, saborosa sátira que, segundo o crítico e acadêmico Sábato Magaldi, “fustiga mais de perto um dos vícios do país, existente até hoje: o complexo de inferioridade nacional, que só reconhece valor no estrangeiro e muitas vezes se abandona à sua falta de escrúpulos”. A figura gigantesca de José de Alencar parece hoje dominar quase todo o território do romance romântico brasileiro, mas Joaquim Manuel de Macedo é um nome a merecer resgate, para além de sua eterna Moreninha.

O fundador da cadeira nº 20 foi o jornalista, advogado, romancista e diplomata SALVADOR DE MENDONÇA, nascido em Itaboraí, no Estado do Rio, em julho de 1841, e irmão do acadêmico considerado o verdadeiro mentor da ABL, Lúcio de Mendonça. Na diplomacia serviu, entre outros postos, como cônsul-geral nos Estados Unidos, atuando no sentido do imediato reconhecimento do nosso então novo regime republicano junto ao governo norte-americano. Foi, juntamente com o irmão, um ativo integrante do movimento republicano no Brasil. Participou também, com Amaral Valente e Lafaiete Pereira, da Conferência de Washington, de 1889-1890, no intuito de ampliar a nossa integração comercial no continente; atuou na Assinatura do Tratado de Reciprocidade em 1891; e nas tratativas com o governo dos Estados Unidos no sentido de obter ajuda americana para fazer cessar a Revolta da Armada, o que de fato aconteceu em 1894.

Dele dirá Emílio de Menezes, seu sucessor nesta Casa: “Há na vida de Salvador de Mendonça, de tão difícil apreensão, um traço de suave e melancólica poesia, que a perfuma e aformoseia toda. É a revivescência do seu primeiro sonho de amor”. (...) Velho, fez reflorir, na velhice, o melhor trecho da mocidade de um homem. Morreu entre as rosas que cultivava paternalmente. Dizia ele que a sua melhor página era o conto escrito no início da carreira literária, dedicado à mulher amada, à sua primeira noiva e intitulado ‘A tua roseira’”.

O poeta, satirista e boêmio EMÍLIO DE MENEZES, nascido em 1866 em Curitiba, adotou o Rio de Janeiro, e aqui, tendo por base a Confeitaria Colombo, escreveu para diversos jornais, publicou poemas, ironizou figuras públicas, e até os seus próprios amigos. Muito dessa produção galhofeira corre o risco, hoje, de ser carimbada como politicamente incorreta, e mesmo de racista. Mas eram outros os tempos, e os jornais de então não só estimulavam esse tipo de literatura, como abriam generoso espaço para todo tipo de matéria que pudesse dar margem à polêmica e ao riso. O poeta e jornalista pernambucano Bastos Tigre, que o conheceu bem, escreve, em Reminiscências, que os seus sonetos: “Ouvidos a princípio com complacência, foram, em breve, aplaudidos com entusiasmo. E que bem os recitava ele! (...) Sobrava-lhe (...) talento, espírito, irreverência, alegria. Em pouco tempo dominou a roda, conquistou amigos, uns por admiração, muitos por medo da sua língua, que era um florete pela agressividade e pela elegância do ataque.

– Já sabes a última do Emílio? Era comum a pergunta nas rodas literárias, entre jornalistas e boêmios. E a “última do Emílio” – um trocadilho, uma sátira, um epitáfio – era repetida, às risadas, nos cafés e nos bares, nas livrarias e nos salões de barbeiro. E, em pouco tempo, toda a cidade a conhecia. O mais das vezes, a boa pilhéria acabava deturpada pelas várias edições de narradores. E, ainda, faltava a esses a graça do dizer, a comicidade verbal que lhe dava o autor.

Emílio era, de fato, excelente narrador. O tom da voz, a mobilidade da máscara colaboravam no efeito cômico das suas improvisações jocosas ou mordazes. (...) No comentário imediato ao caso do dia, no “a propósito”, no aparte à narrativa sisuda, na alcunha caricatural, no jogo de palavras, no equívoco, no disparate, no trocadilho, se havia, por vezes, maldade ferina, havia também, e principalmente, graça, chiste, agudeza”.

Machado de Assis, devido à vida boêmia do poeta, não simpatizava com a ideia da eleição de Emílio, tanto que ele só candidatou-se após a morte do grande escritor. Importante expressão de nossa poesia parnasiana, Emílio de Menezes foi eleito para a ABL em agosto de 1914. Consta que alguns votaram nele como uma espécie de salvo-conduto de que estariam protegidos dos dardos envenenados de seus versos.

Nas mãos de Emílio, uma simples notícia de jornal – “A sra. Pepa Ruiz e o sr. Pupo de Morais andam em negociações para o arrendamento do Mercado do Rio de Janeiro” – podia se transformar num bem urdido poema.

Leiamos o “Prosopopeia da Pepa ao Pupo”: Parece peta. A Pepa aporta à praça E pede ao Pupo que lhe passe o apito.

Pula do palco, pálida, perpassa Por entre um porco, um pato e um periquito.

Após, papando, em pé, pudim com passa, Depois de peixes, pombos e palmito, Precípite, por entre a populaça, Passa, picando a ponta de um palito. 

Peças compostas por um poeta pulha, Que a papalvos perplexos empunha, Prestando apenas pra apanhar os paios, Permita a Pepa por pastéis, pamonha...

– Que a Pepa apupe o Pupo e à popa ponha Papas, pipas, pepinos, papagaios!

Devido a problemas de saúde só tomaria posse, por meio de carta, poucas semanas antes de sua morte, de uremia, em 24 de abril de 1918.

HUMBERTO DE CAMPOS, nascido em Miritiba (hoje a cidade leva o seu nome), no Maranhão, em 25 de outubro de 1886, viveu apenas 48 anos, tempo suficiente, no entanto, para produzir uma obra imensa, que até o final dos anos 60 ainda era vendida em todo o país sob forma de coleção, pela editora Jackson. Em vida, foi autor de enorme sucesso, em especial com a literatura lasciva ou fescenina que publicava sob o pseudônimo de Conselheiro XisXis. Vale lembrar que depois de sua morte apareceram livros tidos como seus psicografados pelo médium Chico Xavier, havendo polêmica relativa ao pagamento dos direitos autorais, pois, pela doutrina, Humberto não seria um autor defunto, mas, à maneira de Brás Cubas, um defunto autor. Obteve grande sucesso outro livro seu, este indiscutivelmente póstumo: Diário secreto, em 2 volumes, publicados pelas Edições O Cruzeiro, cobrindo os anos de 1915 a 1934, e onde, em meio a informações preciosas sobre nossa vida cultural e política, Humberto de Campos também destila maledicência e ironia sobre importantes personalidades com quem conviveu, entre eles um companheiro de Academia, Paulo Barreto, pseudônimo sob o qual ficou popular o admirável João do Rio. Dono de temperamento polêmico e de estilo cristalino, foi ficcionista, crítico literário, memorialista, poeta, e um dos cronistas mais populares do Brasil. Ingressou nesta “Casa dos 40” (a expressão é dele), em 1919, e pouco depois foi eleito deputado federal pelo seu Estado até ser cassado quando da Revolução de 30. A capacidade de trabalho e a produção literária do notável maranhense impressiona ainda mais quando se sabe que a partir de 1928, diagnosticado com a hipertrofia da hipófise que apressou o seu fim, muitas vezes teve de cumprir os compromissos de escritor e jornalista em meio a sérias dores físicas. Quando faleceu, em 5 de dezembro de 1934, o comércio do Rio deJaneiro, em sua homenagem, fechou as portas na hora do seu sepultamento.

O pernambucano MÚCIO LEÃO, nascido em 1898 e falecido aos 71 anos no Rio de Janeiro, formou-se em Direito em 1919, quando se transferiu para o Rio de Janeiro. Aqui trabalhou no Correio da Manhã e no Jornal do Brasil, até fundar, em parceria com alguns amigos, entre eles o poeta Cassiano Ricardo, o jornal A manhã, onde criou e dirigiu o suplemento “Autores & Livros”, publicado, com algumas interrupções, entre 1941 e 1950, e que continua a ser uma fonte de consulta imprescindível aos historiadores e estudiosos de nossa literatura. Aguarda-se a reedição desse valioso material, que compreende textos inéditos dos maiores escritores contemporâneos, ilustrados por artistas do naipe de Vieira da Silva, Goeldi, e Portinari, além de repor em circulação um nome de nosso passado literário a cada edição. 

Múcio foi secretário geral da ABL, seu presidente em 1944, e na Casa promoveu a edição de importantes obras, entre elas vários volumes do historiador e filólogo João Ribeiro. Publicou contos, romances, ensaios literários, e dois livros de poemas: Tesouro Recôndito, em 1926, e Poesias, em 1949. Neste, assim define o poeta:

“Poeta, ser estranho, ser enigmático entre os seres! Vejo-o, isolado das cores, das formas e das ideias, Isolado, nessa crepuscular solidão que o acompanha”.

AURÉLIO DE LYRA TAVARES, nascido em João Pessoa, na Paraíba, em novembro de 1905, e falecido no Rio de Janeiro em 1998, foi general do Exército, historiador de temas militares, memorialista, e embaixador do Brasil na França. Foi recebido nesta Casa por Ivan Lins, o notável historiador do Positivismo no Brasil, em abril de 1970. Em seu discurso, Ivan ressaltou as qualidades literárias do empossado: “Autor de mais de trinta livros, numerosos artigos em revistas e jornais, além de importantes conferências, ensaios e discursos, foi como escritor que a Academia vos elegeu. (...) Sois um escritor nato e empunhais a pena, como quem respira, por irreprimível impulso, a fim de externar as manifestações de uma inteligência forte, cultivada em todos os ramos do saber e dotada de acentuadas aptidões literárias, não só na Prosa, mas até na Poesia (...). 

É desconhecida, no entanto a produção poética de Lyra Tavares. Entre as obras que publicou merece destaque A engenharia portuguesa na construção do Brasil, de 1965 – que mestre Alberto da Costa e Silva reputa como uma notável contribuição aos nossos estudos históricos –, A independência do Brasil na imprensa francesa, em 1973, e O Brasil de minha geração, dois volumes de memórias publicados em 1976-1977.

A mim, na condição de vítima da repressão militar que tomou conta do Brasil a partir de 1964, a ponto de ter sido preso, e em seguida obrigado a deixar o país em julho de 1969 – assim como fizeram outros amigos meus, entre eles Caetano Veloso – me causou a princípio um certo desconforto o ter de tratar aqui de um dos três integrantes da Junta Governativa Provisória que comandou o Brasil de 31 de agosto a 30 de outubro de 1969. Mas, ao contrário, na constatação de como gira, às vezes com ironia, a roda da História, do ponto de vista acadêmico, os que conheceram e conviveram com o general Lyra Tavares nesta Casa reiteram o seu comportamento sempre afável e solidário, sua cultura literária e histórica e sua dedicação aos valores que balizam a história da ABL.

Por último, destaco meu antecessor imediato, o jornalista advogado

MURILO MELO FILHO, nascido em 1928, em Natal, autor de vários livros, e que por anos foi atuante colunista político nas páginas da revista Manchete. 

Murilo, ou “Murilinho”, como era carinhosamente referido, já aos doze anos assinava textos no Diário de Natal. Ele nos deixou aos 91 anos, em maio de 2020, e a impressão que permaneceu em todos com quem conviveu foi a de um homem do diálogo, sempre gentil e prestativo. Desenvolveu por esta Casa um sentimento de afinidade verdadeiramente amoroso. Não recusava convite para representá-la em outras academias estaduais e municipais, sempre fazendo questão de comparecer com o fardão da ABL. Entre os seus livros destacam-se O desafio brasileiro, com sucessivas edições; O modelo brasileiro, com apresentação do economista Mario Henrique Simonsen;  Tempo diferente, de 2005, uma antologia de perfis de personalidades que conheceu ao longo de sua vida de incansável jornalista, entre elas Jânio Quadros, Carlos Lacerda, Café Filho, Otto Lara Rezende, Guimarães Rosa e Rachel de Queiroz.

Sobre Tempo diferente manifestou-se o cientista político e acadêmico Candido Mendes: “Murilo Melo Filho integra o núcleo desta geração Manchete, que hoje dá à Academia esta colaboração inédita, de membros vindos de um momento antológico – e dramaticamente fugaz – de um jornalismo inovador no país. (...) Existe nestas páginas a caprichosa tessitura de toda uma instigante era da sociedade brasileira, com revelações de muitos bastidores. (...) Na análise de cada um desses personagens, constrói-se a leitura de um momento brasileiro, graças à pertinácia de memória de Murilo,


nas vidas que atravessou com a determinação da sua esplêndida escuta de jornalista”.


Já o filósofo e acadêmico Tarcísio Padilha, presidente da ABL de 2000 a 2001, afirmou: “Ele portava a marca da civilidade e da boa convivência.


Entrevistou grandes homens públicos e chefes de Estado. Pergunto, então: quem tem medo de Murilo Melo Filho? Porque, de modo geral, quem participa tão ativamente da trepidante vida jornalística dificilmente escapa das paixões político-partidárias. Mas Murilo atravessou o Rubicon com simplicidade, coerência e caráter.


Alçou-se sempre acima das dissenções, com o respeito e a generalizada simpatia sobre sua trajetória. Suas obras, sobretudo o Testamento político, narram as histórias de muitas décadas de intensa e febril atividade jornalística, nas conversas soltas e formatadas pelo seu espírito objetivo e cordial”.


O último livro de Murilo Melo Filho é dedicado a esta Casa. Os senhores da palavra – Academia Brasileira de Letras humanas e bem-humoradas, de 2014, uma obra que se ombreia ao Anedotário geral que Josué Montello dedicou à ABL. No entender do filólogo e acadêmico Evanildo Bechara, “o agradável nessa leitura, além do simples sorriso, é a interpretação das personalidades envolvidas nas histórias – muito bem selecionadas e melhor ainda narradas. Em muitos casos, junta-se o humorismo à saudade, num reencontro com amigos queridos”. E Arnaldo Niskier, que com ele conviveu por cinco décadas, escreveu sobre este livro: “Nele Murilo Melo Filho reuniu textos e frases sobre o que 80 acadêmicos – todos já mortos – disseram, fizeram e discutiram ao longo de sua passagem pela nossa Academia Brasileira de Letras. São fatos bem-humorados, contados com a graça própria de intelectuais sábios e cultos, aqui compilados com verve e estilo.


(...) O autor teve a preocupação de reconstituí-los com cuidado e exatidão”.


Sras. Acadêmicas, Srs. Acadêmicos,


Nascido em Salvador, passei a minha infância em Ituaçu, no interior


do Estado. Contemplo desta tribuna o menino que fui e me espanto. A curiosidade e algumas interrogações daquela época permanecem vivas em mim. Sempre procurando acompanhar o desenvolvimento das novas tecnologias no que elas possam contribuir para o bem de todos, costumo me perguntar: O que será do Brasil em meio a esse mundo de pandemias e guerras? Que destino aguarda a Amazônia? O que os políticos estão fazendo para acabar com a fome e o analfabetismo? Quando conseguiremos alcançar a tão sonhada independência científica e tecnológica? Até quando o Brasil será o “país do futuro” de Stefan Zweig?


Não tenho respostas ou verdades consolidadas, nem sei se as terei um dia.


Procurei, junto com alguns brilhantes companheiros de geração, colaborar para que o Brasil fosse respeitado e amado mundo afora. Participei de movimentos culturais como a Tropicália, que continua dando frutos por aí.


Tive grandes êxitos e alegrias nesta vida. Mas também fundas tristezas, a maior e a mais dolorosa a perda de meu filho Pedro Gil. Mas não desanimo, porque é preciso resistir sempre.


Nesta noite estão comigo em pensamento todos aqueles que me incentivaram na minha trajetória que começou com Claudina e José Gil, meus pais, e que hoje ganha afetuoso reconhecimento na Casa do grande escritor, e também filósofo, Machado de Assis.


Apesar dos tempos politicamente sombrios que vivemos, aposto na


esperança. Contra a treva física e moral, que haja ao menos a chama de uma vela, até chegarmos a toda luz do luar. Permitam-me recordar alguns versos meus:


Se a noite inventa a escuridão


A luz inventa o luar


O olho da vida inventa a visão


Doce clarão sobre o mar


Essa é nossa aposta, na vida e na alegria. Agradeço, pelo estímulo inicial que me trouxe até aqui, aos acadêmicos Marcos Vilaça, Cacá Diegues, Merval Pereira e Antonio Carlos Secchin, que, somados ao sempre amoroso aconselhamento de Flora, minha mulher, contribuíram na minha decisão de postular um lugar nesta Casa. Ao acadêmico Secchin, agradeço a generosidade em me receber com o discurso que ouviremos a seguir. E, dele, endosso os versos do poema “Luz”, composto unicamente por monossílabos, num total de 32, e que revela nossa busca solidária pelo espaço solar da liberdade, e a crença em comum de que a luz verdadeira é a que nasce dentro de nós:


Ao ver


O não 


Que sai


Da dor


O som


Da voz


Já vai


No sim


No tom


Do céu


Não vi


Mais luz


Do que


No sol


Que há


Em mim


Em maio de 1968, na capa do meu segundo LP, e já integrado à Tropicália, apareço envergando um fardão e usando pincenê. Ao recordar esse episódio escrevi um poema para este evento.


Sempre houve críticas à Academia, que a Casa de Machado não faria jus ao sonho que sonhara ser um dia: todos ali representados por alguns.


Tal ampla representatividade sonhada por Nabuco e demais fundadores jamais fora alcançada de verdade, jamais todos os saberes e sabores.


Eu mesmo, nos meus tempos de aventuras, cheguei a envergar um garboso fardão, vestido então como ironia dura, a fantasia pura da ilusão!


Juntava-me, naquele instante, aos muitos que alfinetavam a Instituição mal sabia eu quais os intuitos, do destino astuto a interrogação.


Um amigo lembrou-me outro dia que as ironias sempre trazem seu revés.


Papéis trocados, eis aqui, vida vadia: fardão custoso, bordado a ouro, vistoso, me revestindo da cabeça aos pés.


Aos que me ouviram aqui, e aos que acompanham essa cerimônia pela internet, aquele abraço, e muito obrigado!


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CONFIRA CALENDÁRIO ELEITORAL PARA ELEIÇÕES 2024

A partir deste mês, começam a valer as principais restrições previstas no calendário eleitoral para impedir o uso da máquina pública a favor de candidatos às eleições municipais de outubro. As vedações estão previstas na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997).

No dia 6 de julho, três meses antes do pleito, começam as restrições para contratação e demissão de servidores públicos. A partir do dia 20, os partidos podem realizar suas convenções internas para a escolha dos candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereadores.

O primeiro turno das eleições será no dia 6 de outubro. O segundo turno da disputa poderá ser realizado em 27 de outubro nos municípios com mais de 200 mil eleitores, nos quais nenhum dos candidatos à prefeitura atingiu mais da metade dos votos válidos, excluídos os brancos e nulos, no primeiro turno. 

Confira as principais restrições:

6 de julho-Nomeação de servidores - a partir do próximo sábado (6), três meses antes do pleito, os agentes públicos não podem nomear, contratar e demitir por justa causa servidores públicos. A lei abre exceção para nomeação e exoneração de pessoas que exercem função comissionada e a contratação de natureza emergencial para garantir o funcionamento de serviços públicos essenciais.

Concursos  - A nomeação de servidores só pode ocorrer se o resultado do concurso foi homologado até 6 de julho.

Verbas  - Os agentes públicos também estão proibidos de fazer transferência voluntária de recursos do governo federal aos estados e municípios. O dinheiro só pode ser enviado para obras que já estão em andamento ou para atender situações de calamidade pública.

Publicidade estatal - A autorização para realização de publicidade institucional de programas de governo também está proibida. Pronunciamentos oficiais em cadeia de rádio e televisão e a divulgação de nomes de candidatos em sites oficiais também estão vedados e só podem ocorrer com autorização da Justiça Eleitoral. 

Inauguração de obras - Também fica proibida a participação de candidatos em inaugurações de obras públicas.

20 de julho -Convenções - A partir do dia 20 de julho, os partidos políticos e as federações poderão escolher seus candidatos para os cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador. O prazo para realização das convenções termina em 5 de agosto.

Gastos de campanha - Na mesma data, o TSE divulgará o limite de gastos de campanha para os cargos que estarão em disputa. 

Direito de resposta - Também começa a valer a possiblidade de candidatos e partidos pedirem direito de resposta contra reportagens, comentários e postagens que considerarem ofensivas na imprensa e nas redes sociais.

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MISSA DO VAQUEIRO: FUNDAÇÃO VÊ APAGAMENTO CULTURAL

A Fundação Padre João Câncio, ligada à celebração da Missa do Vaqueiro, em Serrita, Sertão de Pernambuco, luta contra o “apagamento cultural” de um projeto de lei que prevê uma nova nomenclatura de parte da celebração para “Festa de Jacó”.

O projeto de lei esteve em trâmite para votação na manhã desta terça-feira (25). O pleito, no entanto, foi adiado para agosto após pedido do vereador Junior de Bal (MDB).

A Prefeitura de Serrita, que é autora do projeto de lei, negou a mudança no nome, explicando se tratar somente de modificação da nomenclatura de parte da celebração. 

A Missa do Vaqueiro  foi criada por Luiz Gonzaga, Pedro Bandeira e o padre João Câncio e é comemorada há 54 anos na Zona Rural de Serrita.

A liturgia acontece sempre no último domingo de julho - que, neste ano, será no dia 28. A tradição também prevê três dias de festa antes da celebração religiosa, ou seja, entre a quinta-feira e o sábado. 

 A missa é realizada em memória de Raimundo Jacó, vaqueiro que era primo de Luiz Gonzaga. Ele foi assassinado em 1954 e teve seu corpo encontrado em uma estrada, no meio da caatinga. O fato inspirou a música “A Morte do Vaqueiro”, cantada pelo Rei do Baião. 

Em contato com a Folha de Pernambuco, o secretário de Cultura do município, Carlos Peixoto, explicou que o projeto de lei visa oficializar a nomenclatura desse período de três dias que antecede a missa como "Festa de Jacó".

Nesse caso, a liturgia seguiria sob jurisdição da Igreja Católica e da Fundação Padre João Câncio, mantendo o mesmo nome, enquanto a festa seguiria sob responsabilidade da prefeitura.

"O projeto não fala em mudar o nome da Missa do Vaqueiro. O projeto só fala numa questão de conseguir identificar o que é missa, o ato religioso, e o que é a festa", defendeu o secretário.

"A Festa de Jacó é o ato profano que antecede a missa. A gente vai continuar utilizando o nome Missa do Vaqueiro para a liturgia, e Festa de Jacó para a festa em si, assim como muita gente já fala informalmente. O projeto quer fazer essa diferenciação", explicou o secretário.

Apesar da garantia de manutenção do nome para a Missa do Vaqueiro, os organizadores veem na ação uma tentativa de “apagamento cultural”. Isso porque, segundo a diretora-presidente da Fundação Padre João Câncio, Helena Câncio, o medo é de que, com o passar do tempo, a tradição da celebração seja esquecida em detrimento dos dias de festa - movimento que poderia ter início com a aprovação da nova nomenclatura.

“A Missa do Vaqueiro, desde a instituição, em 1970, é composta pela rezada, pelos vaqueiros e pelos shows. Isso já acontece há mais de meio século. Não pode disassociar os shows da parte religiosa e cultural. A celebração acontece sempre no mesmo local, o mesmo fato, e sempre foi chamada de Missa do Vaqueiro”, começou Helena.

“Eles querem fazer essa repartição que nunca existiu. É um absurdo. A gente tem que se mobilizar para protestar contra isso. É inconstitucional. Todo mundo pergunta se vai acontecer. Mas, até agora, Estado e município não se posicionaram. Até porque a Missa do Vaqueiro tem um público muito fiel, que vem de várias partes do Brasil e até de fora. Todo mundo está nessa indefinição. É preocupante. Eu vejo a cultura sem prestígio algum, sem ação para que ela permaneça viva”, completou.

Impacto nos artistas locais-Ainda segundo Helena, existe a luta para preservação da celebração que vai muito além da nomenclatura. Desde a concessão do Parque Estadual João Câncio por parte do Governo do Estado, em 2022, ao município, a Fundação denuncia também a falta de contratação de artistas locais para a festa, que acontece por parte da prefeitura. 

“Estão deixando de contratar nomes daqui para trazer sertanejos de Goiás, com cachês altíssimos, com dinheiro do município. Querem mudar uma cultura raiz nossa. Já transformaram isso em um festival”, relatou.

A prefeitura, por outro lado, afirmou que o movimento de contratação de “artistas nacionais” é natural e não prejudica a cultura local. 

“Se você pegar a grade da Missa, vai ver que sempre fizemos a mistura com artistas locais e nacionais, como qualquer festa, até para atrair mais público. O fato de ter atrações nacionais não significa que estamos apagando a cultura local, e, sim, estamos trazendo mais pessoas para a festa, que a economia e turismo aqueçam”, explicou o secretário de Cultura de Serrita.

A reportagem entrou em contato com a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) para entender mais a participação do Governo do Estado na medida e o que pode ser feito daqui para frente para a preservação da celebração. Até a publicação desta Matéria, não houve resposta.

Repercussão negativa-Por mais que venha desde o ano passado, o projeto voltou à pauta na última semana, quando o cantor e compositor Daniel Gonzaga, neto de Luiz Gonzaga, protestou contra a tentativa de mudança.

"Querem mudar o nome da Missa do Vaqueiro para Festa de Jacó, apagando mais de 50 anos de história. Uma história criada por padre João Câncio, Luiz Gonzaga e o poeta Luiz Bandeira. (...) Esse apagamento é muito grave", criticou.

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QUADRILHAS JUNINAS SÃO RECONHECIDAS MANIFESTAÇÃO DA CULTURA NACIONAL

Dança tradicional dos festejos juninos, a quadrilha foi reconhecida, nesta segunda-feira (24), Dia de São João, manifestação da cultura nacional. Parte essencial de uma das festas populares mais fortes no Brasil, o bailado trazido por europeus no século 19 ganha as quadras de todo o país neste mês de junho, em homenagem aos santos Antônio, Pedro e João.

A lei 14.900, publicada no Diário Oficial da União, adicionou a quadrilha ao texto de uma lei sancionada em 2023, que já reconhecia os festejos juninos. Além dos pratos tradicionais, a fogueira e as apresentações das danças típicas compõem as festividades, responsáveis por movimentar o turismo e aquecer a economia nesta época do ano.

De acordo com o Ministério do Turismo, as festas populares devem mobilizar mais de 21,6 milhões de pessoas, sendo que grande parte seguirá em direção ao Nordeste, onde a tradição ganha dimensões expressivas, como no município de Caruaru, em Pernambuco. Ali, são esperadas mais de 4 milhões de pessoas em 72 dias de arrasta-pé. A expectativa é que a quadra junina impacte a economia local em R$ 700 milhões.

Em Campina Grande, na Paraíba, são esperadas 3 milhões de pessoas em 33 dias de festa, onde ocore a maior competição de quadrilhas do país. Ceará e Bahia aparecem logo em seguida como os estados do Nordeste de festejos mais populosos, com públicos esperados de 2 milhões e 1,5 milhão respectivamente.

Já no Sudeste, Minas Gerais tem expectativa de um aumento de 20% dos participantes nas celebrações populares em diversos municípios, atingindo um público de 3 milhões de pessoas em dois meses. Em São Paulo, o arrasta-pé deve movimentar 500 mil participantes, em 300 municípios, informa o Ministério do Turismo.


Na Região Norte, a capital de Roraima, Boa Vista, promete mobilizar 370 mil pessoas e movimentar R$20 milhões. Já em Palmas, no Tocantis, 60 mil pessoas devem celebrar os santos, em cinco dias de festa do tradicional Arraiá da Capital.

Transformação-Com origens em bailes ocorridos nos palácios da França, onde os nobres dançavam em quatro duplas organizadas de forma retangular – daí o nome quadrille, em francês – a dança foi introduzida no Brasil no século 19. Com o passar dos anos, e a popularização da dança, agregou elementos culturais brasileiros relacionados às tradições rurais, como as vestimentas utilizadas pelos caipiras.

Em algumas regiões do Brasil, como no Maranhão, a dança ganha ainda a força do folclore, com a absorção de elementos do Bumba Meu Boi.

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PESQUISADORES NEGROS DEFENDEM LEGADO ANTIRRACISTA DE MACHADO DE ASSIS

“Machado de Assis me ensinou como ser um homem negro”. A frase é do escritor e professor Jeferson Tenório, vencedor do Prêmio Jabuti de 2021 com o livro O Avesso da Pele. Dentre os muitos significados que “negro” pode ter, o intelectual contemporâneo recusou os que remetem a lugares de inferioridade. É de se esperar, portanto, que tenha como referência aquele que é considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos.

Machado de Assis nasceu há exatos 185 anos. Vida e obra sempre geraram debates dos mais variados, o que prova a complexidade de ambas. Há pelo menos uma década, ganharam proeminência a afirmação de uma identidade negra e a identificação de um tipo menos óbvio de engajamento antirracista. Para pesquisadores negros, é fundamental manter o debate em destaque, por evidenciar questões que ainda têm força no presente.

“Causa espanto que em 2024 a gente ainda tenha que provar que ele era um escritor negro”, afirmou Jeferson Tenório, durante participação no seminário Machado de Assis e a questão racial” promovido pela Academia Brasileira de Letras (ABL).

Até o momento, não se conhece documento escrito pelo próprio Machado em que assuma uma determinada identidade racial. Que ele tenha sido negro é uma premissa dos pesquisadores a partir de, pelo menos, quatro questões: ascendência, fotografias, depoimentos de terceiros e contexto sociopolítico.

A mãe era uma mulher branca, portuguesa. O pai, descendente de escravos alforriados. Imagens dele em idade mais avançada, apesar de serem em preto e branco, mostrariam traços e tons mais próximos de uma pele negra. E relatos contemporâneos reforçariam essa característica.

Ana Flávia Magalhães Pinto, historiadora e diretora do Arquivo Nacional, considera como mais emblemático uma carta enviada para Machado em 1871 pelo escritor Antônio Cândido Gonçalves Crespo. O autor escreve: “A Vossa Excelência já eu conhecia de nome há bastante tempo. De nome e por uma secreta simpatia que para si me levou quando me disseram que era de cor como eu”. Não se sabe se Machado teria respondido a essa questão. Nenhuma carta dele para Crespo foi encontrada.

Para a historiadora, também se destaca a maneira como Machado apoiava frequentemente outros homens negros ou “de cor”, como era mais comum chamar à época os que não eram brancos. O que ela avalia como uma “rede antirracista”.

“Machado de Assis, ao longo de sua trajetória, fez-se um grande apoiador de outros homens de cor como ele. Uma forma de desqualificar a postura de Machado em relação à ascendência africana, é justamente dizer que ele teria se afastado de suas origens, que não teria se envolvido com os debates acerca dos destinos dos africanos e descendentes no Brasil”, disse a historiadora em seminário na ABL. “Encontrei José do Patrocínio em seus textos agradecendo a participação de Machado de Assis pelas lutas abolicionistas”.

Ana Flávia diz ser um mito que Machado de Assis quis se passar por branco e não se interessou pelos sentidos da liberdade e do racismo, temas que mobilizaram a sociedade à época. A forma como demonstraria esse engajamento, no entanto, não seria a mesma adota por outros nomes que ganharam protagonismo na luta, como o advogado Luís Gama. Haveria diferentes maneiras de viver a identidade negra e de defender causas abolicionistas e antirracistas.

“Entre aparentes polos opostos, um de discrição e outro de uma desenvoltura pública desconcertante muitas vezes, nós temos uma infinidade de outras possibilidades que fazem com que tenhamos de pensar como que, num país, com uma ampla presença de gente negra na liberdade, essas vidas se fizeram possíveis”, disse a historiadora. “Não era preciso esbravejar um orgulho pela origem africana, relembrar parentes presos à escravidão ou ostentar uma pele em tom de azeviche para ser obrigado a lidar com os constrangimentos gerados a partir da raça.”

Paulo Dutra é professor de literatura e pesquisador de questões raciais na obra de Machado de Assis. Ele endossa a argumentação da historiadora, no sentido de que a luta do escritor no século 19 se dava de outra maneira, nas entrelinhas.

“Cada um usa a sua luta da forma como pode. Nem todas as pessoas vão ter essa iniciativa de ir para uma luta mais aberta. A ele tem que ser dado esse direito de não ter podido falar abertamente como outros falaram por várias razões. A culpa dele ter sido branqueado não é dele. É da sociedade brasileira, que ainda almeja um ideal europeu e branco de civilização”, disse o professor à Agência Brasil.

Jeferson Tenório reforça que Machado de Assis mostra como pensar a literatura a partir de um “devir negro”. A expressão, segundo Tenório, parte de duas ideias. Primeiro, a recusa em aceitar os significados de “negro” impostos por um pensamento colonial. Segundo, a aceitação de ser “negro”, mas sob sentidos por aqueles que foram vítimas da racialização. Para Tenório, é na estratégia discreta de apontar as origens racistas de uma sociedade injusta que Machado atua.

“Pensar o devir negro na literatura significa não esquecer de onde viemos. Não esquecer que a nossa fundação enquanto país se constituiu a partir do sequestro de corpos negros, da aniquilação de povos originários e do roubo de riquezas naturais. Assim, podemos pensar que Machado de Assis nos aponta uma literatura altamente sofisticada e que analisa com precisão as sutilezas da sociedade brasileira. A obra de Machado é uma recusa categoria do que se espera de um homem negro sob a égide da colonização”, disse Tenório.

Nesse sentido, recuperar Machado a partir de identidades e lutas afrodescendentes têm impactos diretos nos processos de autoafirmação da população negra.

“Há pessoas que desejam ser escritoras ao ver que o nosso maior escritor era uma pessoa afrodescendente. Isso produz um impacto social”, analisa Paulo Dutra. “Eu estive em uma comunidade do Rio de Janeiro, a convite de uma biblioteca, e Machado de Assis está grafitado nos muros. Essa recuperação da imagem de afrodescendente está levando Machado para um público menos elitizado. Machado saiu do povão e está voltando para o povão”. (Agencia Brasil)

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CONGRESSO SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS E CONSEQUÊNCIAS EM TERRITÓRIOS SEMIÁRIDO ACONTECE EM JUAZEIRO

 Entre os dias 20 a 24 de agosto de 2024 ocorrerá O I Congresso Internacional Sobre Mudanças Climáticas e Suas Consequências em Territórios Semiáridos (I CIMCCTS) no complexo Multieventos da Universidade Federal do Vale do São Francisco, na cidade de Juazeiro, Bahia, Brasil.  O I CIMCCTS é um evento internacional realizado pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial (UNIVASF/UNEB) e o Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural da UNIVASF, ambos sediados no Espaço Plural da UNIVASF, em Juazeiro, Bahia, Brasil.

A proposta do evento é contribuir para a reflexão das populações sobre a convivência com a região semiárida do Brasil. Usando a Educação Ambiental e a conscientização sobre as mudanças climáticas, buscamos criar um espaço de troca de conhecimentos e tecnologias em direção ao Desenvolvimento Sustentável.  Se inscrevam nos GTs! Link: HTTPS://WWW.EVEN3.COM.BR/CIMCCTS/

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