DOCUMENTÁRIO DANADO DE BOM É ATRAÇÃO NO CENTRO CULTURAL DO CARIRI-CRATO CEARÁ

Consagrado no Cine PE com quatro troféus – melhor filme, fotografia, montagem e edição de som –, Danado de Bom (2016) traz à luz um artista cujo reconhecimento está aquém de sua importância para a música nordestina: o compositor pernambucano João Silva (1935 – 2013), autor de mais de 3 mil canções e um dos principais parceiros de Luiz Gonzaga (1912 – 1989).

O documentário será apresentado nesta quinta-feira, ás 19hs, no Centro Cultural do Cariri, Crato Ceará.  Cineclube Cego Aderaldo, pensado para democratizar o acesso à sétima arte e facilitar a reflexão e debate de filmes

O filme de longa-metragem de Deby Brennand acompanha uma viagem do personagem de volta a sua Arcoverde natal, no agreste de Pernambuco, relembrando a trajetória de menino andarilho e semianalfabeto a criador de forrós, baiões e xotes de sucesso como A Mulher do Sanfoneiro, Danado de Bom, Pagode Russo, Nem se Despediu de Mim e Pra Não Morrer de Tristeza. 

Reunindo depoimentos ou participações musicais de nomes como Dominguinhos, Trio Nordestino, Elba Ramalho, Mariana Aydar, Zeca Baleiro, Gilberto Gil e Lenine, o filme procura dar a dimensão de João, responsável por colocar Gonzagão de novo nas paradas na última parte da vida do ídolo graças às letras animadas e espirituosas que escrevia para o Rei do Baião – de quem foi produtor de seus discos de maior êxito.

– Luiz Gonzaga falava dos Três Mosqueteiros: ele, Zé Dantas e Humberto Teixeira (compositores parceiros do cantor e sanfoneiro). Eu digo que o João era o D'Artagnan – definiu a pernambucana Deby em entrevista a Zero Hora por telefone desde Recife.

O projeto de levar às telas a trajetória de João Silva surgiu em 2007, depois que a produtora cultural Roberta Jansen conheceu o compositor por meio de um pesquisador e convidou Deby a dirigir um filme sobre ele. Na época, o parceiro do Velho Lua amargava o esquecimento artístico.

– Ninguém conhecia o João, apesar de conhecer suas músicas. E ele queria ser reconhecido na terra dele – explica a diretora, definindo assim o protagonista de Danado de Bom: – Ele era um autodidata. Muito fechado, mas divertido, mentia demais. A principal característica dele era a alegria. Cantava a música nordestina com a linguagem do matuto, que a gente chama de babeco. João cantava o Nordeste, mas não a seca. Foi essa alegria que levantou o Gonzaga.

Apesar de ter sido iniciado antes, Danado de Bom chega aos cinemas somente depois da estreia de outras produções exaltando estrelas da música nordestina, como os documentários O Homem que Engarrafava Nuvens (2009) – sobre Humberto Teixeira, coautor com Gonzagão do clássico Asa Branca – e Dominguinhos (2014) e a cinebiografia Gonzaga: De Pai pra Filho (2012). Segundo Deby, que começa a filmar neste segundo semestre a história de Frei Damião, outro mito sertanejo, João Silva morreu sem ter visto seu filme:

– Isso é uma coisa que dói no meu coração até hoje. Queria fazer uma surpresa para ele, disse que só iria mostrar quando o filme estivesse pronto.

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MÚSICOS REIVINDICAM UM OLHAR MAIS SENSÍVEL E RESPONSÁVEL DA GESTÃO PÚBLICA PARA O FORRÓ

“A gente é chapéu de couro, gibão do vaqueiro, baião e forró. Sem isso, a gente não é nordestino. Porque a gente pode mudar as flores, mas a raiz é forte e ela não vem abaixo.” Foi com essas palavras que o produtor cultural e músico Ciço do Pife, de São José do Egito, sertão de Pernambuco, descreveu seu sentimento diante da falta de espaço nos line-ups dos festejos do ciclo junino em Pernambuco. A reportagem é de Maya Santos/leiaja.com

No último dia 4 de junho, Ciço e outros forrozeiros ocuparam a frente da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (Alepe), localizado no bairro da Boa Vista, para reivindicar um olhar mais sensível e responsável da gestão pública para os artistas do gênero.

O ato foi impulsionado por uma reflexão publicada pelo sanfoneiro Mestre Gennaro, no dia 1º de junho, em seu Instagram. No relato, ele abordou o apagamento dos artista que carregam a cultura forrozeira nas costas e compartilhou seu incomodo com os internautas.

“É sempre uma luta, pois fico tentando fazer tudo certinho, do jeito que tem que ser. Meu show não é caro, mas é sempre uma luta, e quando a coisa tá complicada, às vezes prefiro ficar na minha rede tocando pra minha neta. Mas, só se dá valor pros artistas depois que eles já viraram estrelinha no céu”, disse Gennaro, que é autor de mais de 200 composições.

Ele também resgatou as adversidades enfrentadas pelo cantor e compositor Luiz Gonzaga, figura que popularizou o forró no mundo. “Lembre que até Luiz Gonzaga ficou uns anos aperreado sem shows, se o rei ficou, imagina eu? Mas garanto que todo ano você escuta o som da minha sanfona ecoar sobre as palhoças. Afinal minha sanfona está em umas 800 músicas”, enfantizou o mestre sanfoneiro.

A peleja da categoria de músicos não é de hoje. Na verdade, essa reflexão do Mestre Gennaro é um sentimento compartilhado por diversos pessoas que atuam na área. À reportagem, a cantora e compositora Marília Parente analisou o mercado musical que impulsiona o extermínio dos símbolos e signos do período junino do Nordeste.

“O problema que eu enxergo é como a indústria da cultura devora as expressões, [ou seja], não existe uma convivência. O mercado visa o lucro, então ele se apega a um tipo de demanda que ele mesmo cria nas pessoas”, opinou a cantora, que sempre teve uma relação íntima com o forró. Apesar de ser natural de Recife, capital de Pernambuco, ela bebeu da fonte do saber em Exu, sertão do estado, berço cultural do cantor e compositor Luiz Gonzaga.

“Nós vivemos em um sistema econômico capitalista que funciona através do capital e do lucro. Então, existe uma indústria que vai engolir todas as expressões que não vão ser tão lucrativas naquele período, que são as mais antigas”, analisou.

A cantora também provocou ao questionar o motivo da música preta, periférica e rural não está sendo bem representada como deveria. Apesar da preocupação, Marília afirmou que a questão do São João é o protagonismo da festa.

“A questão do São João não é que ele não pode abraçar outras expressões e não pode ser um megaevento que gera riqueza. Não estamos falando sobre não trazer artistas que dialogam com o gênero, como João Gomes, que tem outra estética, o piseiro. Mas, ele não pode ser o protagonista do São João. O protagonista ainda precisa ser Mestre Gennaro e Onildo Almeida”, declarou a cantora.

Com a chama do debate acesa, entrevistamos outras pessoas do grupo de manifestantes que transformou as escadas da Alepe, no bairro da Boa Vista, no dia 4 de junho, em palco para exigir não só a prioridade nas programações juninas, mas também ao longo do ano.

“Esse movimento é em defesa dos sanfoneiros e do trios pé de serra, que engloba também a cultura nordestina. Nós, infelizmente, estamos sendo preteridos e perdendo nossos espaço para outras culturas”, explicou Ciço do Pife, que atua na área desde 2014.

Ao falar sobre o tema, ele relatou como é o trato com os artistas da terra em comparação com nomes nacionais. “Esse movimento é necessário, porque todo ano os artistas do forró reclamam de que estão perdendo espaço, mas ninguém faz nada. Isso aqui é o primeiro movimento de muitos que virão em defesa dessa classe, dos forrozeiro raiz, que ficam com o cachê menor, às vezes demora para receber e não tem nem camarim e fica sentado no corredor. [Somos] tratados como se fosse coisa de segunda categoria, coisa que não somos”, desabafou o tocador de pífano, flauta popular no nordeste.

Acrescentando a fala do colega, Antônio do Fole, de 73 anos, de Tracunhaem, na Zona da Mata de Pernambuco, afirmou que ninguém é contra os estilos musicais em evidência nos palcos, no entanto ele pede respeito à tradição. “A gente é desvalorizado e caiu um pouco [na preferência] por causa dessas músicas diferentes, que eu não sou contra, mas cada um tem o seu lugar. Eu acredito que dar valor a gente, assim como dão a eles, é valorizar nosso São João”, disse o músico, que toca o Fole dos 8 baixos desde os 17 anos de idade.

O movimento conta com a coordenação geral dos jornalistas Ildefonso Fonseca, Márcio Maia e Ruy Sarinho, três entusiastas do gênero musical que acompanham a cena a décadas. Em entrevista ao LeiaJá, Ildefonso explicou os objetivos do ato, assim como os próximos passos.

“Escolhemos a Assembleia porque deputados e deputadas são legisladores e, portanto, têm mecanismos legais para influenciar fundações e secretarias do poder público”, iniciou.

O jornalista deu detalhes sobre os próximos passos: “Vamos acompanhar o Portal da Transparência e o Tribunal de Contas da União para que possamos avaliar quais eventos públicos contrataram os sanfoneiros e os trios pé de serra, e seus cachês. Então, a partir disso, nós vamos poder organizar essa categoria que é tão dispersa. Isso, deixa ainda mais vivo o legado de Luiz Gonzaga, eterno Rei do Baião.”

Ainda durante o ato, alguns parlamentares compareceram em favor dos manifestantes. Entre eles, estavam as deputadas estaduais Dani Portela (PSOL-PE) e Rosa Amorim (PT-PE), além dos deputados estaduais João Paulo (PT-PE) e Antônio Moraes (PP-PE).

Rosa Amorim, que é nascida em Caruaru, fez uma fala em apoio ao movimento. “Estou diante dos verdadeiros guardiões da tradição do São João, do forró pernambucano. Vocês que mantém nossa cultura viva e, por isso, deveriam ser os mais valorizados não só no ciclo junino, mas o forró deveria comer no centro o ano inteiro”, declarou.

De forma geral, o discurso dos outros parlamentares se alinharam aos interesses dos manifestantes. A deputada Dani Portela também se posicionou: “A cultura é a nossa identidade, é aquilo que nós somos. Então, investir em cultura não é só investir em ciclos sazonais, porque todo mundo aqui tem que pagar conta o ano inteiro e tem que sobreviver o ano inteiro”.

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PELAS RUAS QUE ANDEI É LIVRO SOBRE VIDA E OBRA DO CANTOR COMPOSITOR ALCEU VALENÇA

“Pelas ruas que andei”, a biografia de Alceu Valença escrita pelo jornalista carioca Julio Moura, guarda uma curiosa particularidade: dispensou qualquer entrevista formal com o biografado. Trata-se de uma obra que nasceu da convivência, pois o autor é assessor de imprensa do artista desde 2009.

O livro é fruto de incontáveis conversas durante turnês pelo Brasil e exterior, além de incursões de Moura por lugares que marcaram a trajetória de Alceu – de sua cidade natal, São Bento do Una (PE), ao Rio de Janeiro, onde mora atualmente, passando por Paris e Cambridge (EUA).

O autor diz que, ao longo desses quase 15 anos, viveu muito o universo de Alceu, tendo contato próximo com familiares e amigos do compositor. Destaca que isso poderia ser um problema, por comprometer a objetividade do livro, mas garante que foi zeloso em contornar armadilhas armadas pela intimidade com o biografado.

“Não é, em absoluto, um livro sobre minha convivência com Alceu. Tem a pretensão de ser mesmo uma biografia dele. Certa vez, fiz workshop com Ruy Castro, referência no gênero, e ele disse que se você conviveu com seu biografado, então não é biografia, mas livro de memórias. Fiz o possível para não cair nessa, tentei me manter distante, fora da história”, pontua.

A ideia de escrever a biografia de um grande nome da MPB vem de muitos anos, desde antes de Julio começar a trabalhar com o autor de “Tropicana”. A experiência em cadernos de cultura de jornais e no setor de comunicação de gravadoras alimentou esse desejo.

“Pulei muito de um lado para o outro do balcão. Na época das gravadoras – estive na Biscoito Fino, por exemplo –, pensava em fazer a biografia do Paulo Vanzolini ou do Jards Macalé, mas quando comecei a trabalhar com Alceu, me deu o estalo: 'Opa, este é meu personagem'. Coleciono material a respeito dele desde então”, explica.

Por sua vez, Alceu Valença conta que Moura só o pôs a par da ideia há cerca de três anos. Deu o sinal verde para o projeto devido à confiança no assessor. “Julio tinha participado das gravações do filme que dirigi, 'A luneta do tempo' (2014), e lançou, logo em seguida, um livro contando os bastidores da produção. Quando ele me falou, depois, dessa história da biografia, aquiesci.”

Foram muitas as ruas pelas quais andaram lado a lado, comenta o compositor. “Ele foi comigo para São Bento do Una, viu tudo lá, as casas onde morei, a feira da cidade, importantíssima na minha carreira, porque me trouxe a cultura do sertão profundo, com emboladores, violeiros e repentistas. Julio teve contato com a 'valençada' toda que ainda se encontra por lá, recebeu muitas informações desses parentes”, revela.

A fazenda da família foi outro ponto de referência. “É o lugar onde eu, quando criança, ficava ouvindo os aboiadores. Ele entrou no quarto do meu avô Orestes, que fazia cordéis, versos de viola e versos de improviso. Com tudo o que viu e ouviu em São Bento do Una, Julio conheceu a coisa primal minha, ficou sabendo de tudo.”

Depois de São Bento do Una, Alceu e a família se mudaram para Garanhuns, Recife, Olinda e Rio de Janeiro, com temporadas na França e nos Estados Unidos entremeando essas paragens.

“Julio foi várias vezes a Garanhuns, me acompanhando em festivais. Me viu indo para a estação de trem, viu o Colégio Diocesano, onde estudei. Também esteve muitas vezes em Recife e Olinda”, pontua Alceu.

O biógrafo conheceu amigos e vizinhos do músico em Olinda, onde ele costuma passar as férias. “Foram muitas conversas e histórias. Julio não gravou entrevista comigo, porque já sabia de tudo. Era só uma pergunta aqui, outra ali. A gente andando de carro ou de avião, tinha sempre uma prosa sobre minha trajetória, mas nada pautado. Eram conversas informais”, destaca.

PESQUISA-Escrever a biografia demandou vasta pesquisa documental tanto em acervos de jornais e revistas quanto nos arquivos da família Valença, explica Moura. Uma fonte importante foi o material levantado pela pesquisadora Patrícia Pamplona para o filme “Alceu – Na embolada do tempo” (2019).

“É uma pesquisa com centenas de matérias sobre Alceu desde a década de 1970, material precioso. Um aspecto que procurei ressaltar na biografia, aliás, é o diálogo dele com o jornalismo cultural. Os jornalistas são personagens dessa narrativa. Além da pesquisa da Patrícia, tenho sido espectador privilegiado das conversas de Alceu com a imprensa, o que me permitiu resgatar coisas de que nem ele se lembrava”, aponta.

O cantor e compositor acompanhou o trabalho diligente do assessor no sentido de escarafunchar o baú de guardados sobre seu percurso. Moura chegou a conhecer a mãe de Alceu, Adelma, a guardiã do acervo do filho.

“Depois que minha mãe morreu, minha irmã Delminha ficou tomando conta do material. É uma coisa impressionante o que tem lá: o número de discos que eu vendia, as críticas que saíam na imprensa, coisas de que eu nem tomava conhecimento. Minha irmã mostrou tudo para o Julio, retratos meus quando era pequeno, de quando jogava basquete, retratos da minha família. Ele teve acesso a tudo de maneira muito natural. Brinco que Julio nasceu em São Bento do Una”, ressalta.

 O biógrafo acompanhou a aproximação de Alceu com a Orquestra Ouro Preto, mediada por Paulo Rogério Lage, escritor, produtor e idealizador do concerto “Valencianas”.

“Julio conhece meu pessoal todo em Minas Gerais, conhece os bastidores do meu espetáculo com a Orquestra Ouro Preto”, diz. Moura comenta que Lage é o autor da apresentação de seu livro “A luneta do tempo”.

A biografia traz resenhas, críticas de discos, passagens engraçadas, dificuldades, o sucesso e problemas com a ditadura. Alceu ficou preso por uma noite, no final dos anos 1960, quando cursava a faculdade de direito no Recife.

 O curso de verão em Harvard foi decisivo para Alceu. “Depois da prisão, Alceu vai para os Estados Unidos como estudante de direito, mas já com a verve do artista. Chegando lá, puxa o violão e vai tocar nas ruas. Era época do (festival) Woodstock, os hippies se identificam com aquela figura, com aquele som, e se juntam em torno dele para cantar e dançar. Alceu começa a fazer isso direto , até que um dia vai lá um jornalista conversar com ele”, relembra.

Moura afirma que não houve censura ou veto por parte do biografado. Porém, isso não significa ausência de divergências. “Não teve, em momento algum, o 'não vamos falar disso', mas houve, sim, pontos de que ele discordava. Nesses casos, abri espaço para o contraditório. Como tem muita coisa documentada em jornal, pude trabalhar com visão divergente da dele”, ressalta.

 PSICODELLIA NORDESTINA-Exemplo disso é a presença de Alceu na cena musical de Pernambuco no início dos anos 1970. “Ele diz que não fez parte do movimento psicodélico nordestino. Não se sente, de modo algum, participante dessa cena, que foi muito importante, muito forte. Mas Paulo Rafael, o 'maestro' de Alceu durante mais de 40 anos, emergiu desse ambiente. É quase uma convenção a ligação de Alceu com a psicodelia nordestina, mas ele refuta isso categoricamente”, aponta.

O jornalista destaca também o envolvimento do biografado com a política. Durante a campanha pelas Diretas Já, Alceu propôs a criação do Partido da Música Brasileira, fazendo articulações que culminaram na reunião no apartamento de Chico Buarque, no Rio de Janeiro, com a participação de diversas personalidades não só da área da música, como Fernando Henrique Cardoso e Dias Gomes.

“Era uma coisa completamente utópica, mas reverberou e chegou a ganhar espaço na imprensa. Alceu mal se lembrava dessa história”, diz Moura.

O biografado discordou de algumas análises de época ou da forma como alguns episódios foram tratados. “Política é uma coisa quente, especialmente em Pernambuco. Coloco sempre a visão do Alceu, mas sem deixar de trafegar por histórias mais espinhosas. Ele não gosta de se lembrar de algumas delas, o que é normal. Um amigo meu diz que a vida dele é um livro aberto com algumas páginas arrancadas”, pontua.

Moura conta que, no início, estava imbuído em fazer a “biografia definitiva” de Alceu, até porque a geração dele foi pouco biografada. Os jornalistas Regina Echeverria e J.B. Medeiros escreveram, respectivamente, sobre Fagner e Belchior, e não se tem notícia de mais livros sobre o grupo surgido a partir dos anos 1970 entre Pernambuco, Ceará e Paraíba.

“Meu editor falou para tirar da cabeça essa história de biografia definitiva, até porque o cara está aí, num momento ótimo da carreira, trabalhando. Então, é só uma biografia do Alceu. Outros poderão fazer outras, aprofundando alguns pontos pelos quais passei superficialmente. O que me cabe agora é pensar que, talvez um dia, eu faça um livro de memórias sobre o convívio com ele”, diz.

Alceu diz  em algum momento, pode encarar a empreitada de escrever uma autobiografia, mas não crê que isso seja necessário.

“É a visão de outra pessoa sobre mim, mas tenho certeza de que o livro é demais. Evidentemente, posso descobrir uma coisa ou outra que Julio não entendeu ou interpretou direito, porque o deixei livre para fazer como quisesse. Posso até, depois, fazer minha autobiografia, mas não vou fazer não. Estou certo de que a dele é muito boa”, pondera. (Fonte: Correio Braziliense)

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CEGO ADERALDO É HOMENAGEADO COM INSTALAÇÃO DE CINECLUBE

Aderaldo Ferreira de Araújo nasceu em 1878, no Crato. Quando completou 18 anos, ficou cego. A perda de um sentido nunca o impediu de trabalhar com o que mais amava: as artes.

Cego Aderaldo, como ficou conhecido, tocava viola e fazia repentes. Foi esse talento que o tornou famoso. Mas os mais atentos à biografia do artista sabem da sua paixão pelo cinema.

Rosemberg Cariry conta essa história em detalhes:

"Sua trajetória como 'cinemeiro', acompanhado de um velho projetor Pathé-Baby e de sua companhia de crianças, tornou-se lendária. Os filmes eram vistos e memorizados pelas crianças (seus filhos de criação), que lhe contavam a história vista nas fitas, com os tempos de duração de cada cena. Dessa forma, quando o filme era projetado para o público, Cego Aderaldo podia narrar, ao som da viola ou da rabeca, a história a que o povo estava assistindo", escreve Cariry.

O nome do artista foi escolhido para denominar um novo cineclube do Cariri. Nesta quinta-feira, às 18h, no Pequeno Palco do Centro Cultural do Cariri, será realizada a primeira exibição. O responsável pelo projeto é Elvis Pinheiro, um mediador de cinema, assim como Cego Aderaldo também foi.

"Entre os filmes que ele passava, estava 'Paixão de Cristo'. E era uma mediação impressionante. Eram filmes mudos, não tinham som, só tinha o que era contado pelas crianças. Estou orgulhoso de fazer parte dessa homenagem. E ainda mais no mês de junho, quando completo 21 anos de mediação de cinema" afirma Pinheiro.

Há um documentário sobre Cego Aderaldo, de 2011, dirigido por Rosemberg Cariry, que será exibido no dia 27 de junho, última quinta-feira deste mês, inclusive com a presença do diretor. Mas, para hoje, na primeira sessão, a escolha é outra. 

"Greta", do diretor Armando Praça, que tem Marco Nanini interpretando o protagonista Pedro, um enfermeiro de 70 anos, gay, que, para viver e amar, enfrenta o preconceito da sexualidade e do etarismo. 

Paulo Henrique-Jornalista e mestre em Biblioteconomia

PROGRAMAÇÃO No dia 13 junho é a vez do documentário “Danado de Bom” (2016), no qual relata a vida do Mestre João Silva, compositor e parceiro de Luiz Gonzaga, que não obteve o mesmo destaque que o companheiro, mas tem o seu nome em músicas inesquecíveis. A classificação indicativa da produção é livre para todos os públicos aproveitarem. Nesta edição, teremos a presença do músico e compositor Ermano Morais.

Já no dia 16, será exibido Limiar (2020), da diretora Coraci Ruiz. O filme tem classificação livre, e apresenta o enredo de uma mãe que acompanha a transição de gênero de seu filho adolescente. A obra aborda os diversos conflitos e incertezas encontrados neste processo. É importante destacar que, em especial, esta sessão acontece no domingo e tem início às 17h.

No dia 27 de junho, na semana que Aderaldo completaria 146 anos, o Cineclube recebe Rosemberg Cariry, diretor e roteirista do filme “Cego Aderaldo – O Cantador e Mito” para escutar suas diferentes perspectivas a respeito dessa personalidade. Além disso, o Cineclube contará com programação durante todo o mês com filmes de diferentes gêneros.

O Cineclube busca se tornar mais uma janela de cinema da região do Cariri e tem como proposta a partilha e a troca de saberes entre toda a gente cinéfila. Durante as exibições a sétima arte se unirá a música, poesia e gastronomia, discutindo também questões sociais, políticas e estéticas, incentivando o diálogo sobre cada obra fílmica.



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DIA DO MEIO AMBIENTE DESTACA AUMENTO DE DESERTIFICAÇÃO

Há mais de 40 anos, o ambientalista Nereu Rios dedica sua vida em tempo integral a coletar sementes por onde passa, gerar mudas e, finalmente, contemplar as árvores que fornecerão mais matéria-prima para que o ciclo recomece. Mas nos últimos anos, essa rotina tem mudado desde que o pesquisador de campo percebeu que multiplicar algumas espécies começou a ficar mais difícil.

“No Mato Grosso do Sul, há uns dez anos tenho coletado amostras de pau-ferro [Libidibia ferrea] que dá a vagem, mas não dá a semente”, diz. Nascido em Dourados (MS) e atualmente vivendo em Campo Grande (MS), Nereu se divide entre as mudas do viveiro em que trabalha e os caminhos que percorre por todo o Cerrado para acompanhar de perto a diversidade fruto de seu trabalho. Junto com a mudança das plantas, ele também percebe a mudança no cenário.

“Passando por Olhos D´Água, próximo de Alexânia (GO), eu estava mostrando para o meu filho uns ipês-roxos [Handroanthus impetiginosus] que a gente coletava há uns oito anos e que agora eles estão morrendo, porque virou monocultura margeando a estrada e quando eles pulverizam o milharal sai matando tudo”, destaca.

O pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), André Andrade, explica que para produzir semente, a planta precisa de muita energia, que adquire pela fotossíntese e exige muita água e luz solar, mas com a mudança climática, o ciclo natural sofre um distúrbio. “O que acontece com a mudança climática é que quando a gente tem períodos de estiagem muito grande, combinado com um ano de El Niño, como no final de 2023, tem muito sol, mas falta água, então, a planta para a fotossíntese que precisa, senão ela morre rápido, e como isso não consegue produzir a energia para gerar sementes”, explica.

A advertência também foi reforçada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que trouxe como tema para este 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente, o enfrentamento à desertificação e o desenvolvimento da resiliência à seca, alinhados com a declarada Década da Restauração de Ecossistemas. No centro da campanha está a frase: “Não podemos retroceder no tempo, mas podemos restaurar florestas, restabelecer os recursos hídricos e trazer o solo de volta. Nós somos a geração que pode fazer as pazes com a terra”. 

DESERTIFICAÇÃO-De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), bilhões de hectares de terra estão degradados em todo o planeta, o que causa desertificação e mais seca. A organização alerta ainda que isso já afeta metade da população mundial, especialmente comunidades rurais e pequenos agricultores, o que põe em risco metade do Produto Interno Bruto (PIB) global e pode gerar insegurança alimentar em todo o planeta.

Andrade explica que a restauração de ecossistemas é tão importante porque tem se mostrado a solução mais rápida e efetiva para equilibrar tanto o ciclo da água, quanto o ciclo do carbono e evitar que o planeta aqueça ainda mais e que piorem as consequências, como secas e chuvas extremas.

“A restauração de grandes áreas é uma estratégia que a gente consegue fazer agora, em 20, 30 anos é possível investir pesado nisso, para que no futuro a gente alcance a transição de energia, porque existe um limite para o carbono que as florestas conseguem armazenar, existe um limite que a gente vai conseguir segurar essas mudanças a partir da vegetação nativa”, conclui.

Missão de vida-Nereu Rios conhece o Cerrado desde jovem, se criou no campo em uma família de moveleiros e nas proximidades do então chamado arco do desmatamento, mas o convívio com a terra o fez admirar mais uma bela árvore florida do que a madeira tombada. E nessa “missão de vida”, como ele mesmo diz, aprendeu na prática que as escolhas de cada pessoa afetam o clima, a vegetação e até os insetos, que em um ambiente desequilibrado viram pragas.

“Sei que tem o bicho que come a seiva na vagem do pau-ferro e não deixa a semente se desenvolver, mas não é só ele o problema. O angelim-amargo [Andira anthelmia] faz uns quatro anos que eu não consigo coletar e tinha muito, assim como a guavira [Campomanesia adamantium], ano passado deu pouca. As coisas que produziam todos os anos, agora produzem ano sim, ano não, às vezes ficam dois três anos sem produzir”, explica. (Fonte Agencia Brasil)


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JOQUINHA GONZAGA PARTICIPA DO V SEMINÁRIO INTERNACIONAL BACIA CULTURAL SOCIODIVERSA DA CHAPADA DO ARARIPE

De 05 a 08 de junho, a Fundação Casa Grande, em Nova Olinda-CE, será palco para o V Seminário Internacional Bacia Cultural Sociobiodiversa da Chapada do Araripe – Patrimônio Mundial dá Humanidade. Reunindo especialistas, pesquisadores, gestores públicos, líderes políticos, universidades, acadêmicos e entusiastas do Brasil e de outras partes do mundo, nesta edição, o evento enfatiza a importância da gestão participativa dos territórios culturais, com foco no projeto museus orgânicos. As gravuras rupestres do Sítio Lajedo Preto do Sertão do Araripe pernambucano marcam a identidade visual desta edição.

Para o gerente de cultura do Sesc Ceará, Alemberg Quindins, o Seminário representa uma oportunidade importante para a troca de conhecimento em apoio ao tema. “Neste encontro, abordaremos a relevância da gestão colaborativa do patrimônio cultural e sua sociobiodiversidade, com destaque para as ações de conservação e progresso executadas no projeto Museus Orgânicos aqui no Ceará e Pernambuco. Teremos quatro dias imersos em uma programação dinâmica, incluindo painéis, debates e apresentações culturais, além da participação dos mestres da cultura popular desses museus vivos”, destaca.

Em fevereiro deste ano, a Chapada do Araripe entrou oficialmente na lista indicativa brasileira de bens que tem potencialidade para o reconhecimento como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A inscrição na lista é a etapa primordial e obrigatória para qualquer bem, seja cultural ou natural, iniciar um processo de reconhecimento como Patrimônio Mundial. A Chapada concorre com a proposta de um bem misto (natural e cultural).

Sobre a inclusão na lista e a realização de mais uma edição do Seminário, o presidente do Sistema Fecomércio Ceará, Luiz Gastão Bittencourt, parabeniza o esforço conjunto em torno desse processo. “Receber o reconhecimento como Patrimônio Mundial Misto terá impacto significativo em diversas aspectos. Ganharemos com a preservação do meio ambiente, da cultura, das tradições locais, do folclore e da gastronomia, não tenho dúvidas que essa conquista será um grande marco para todas as regiões abraçadas pela Chapada”, pontuou.

A Ministra da Cultura do Brasil, Margareth Menezes realiza a abertura do evento na quarta-feira, dia 5, às 10h da manhã. Também participam do momento a diretora regional do Senac Ceará, Débora Sombra; a secretária de Cultura do Ceará, Luísa Cela; a secretária de Turismo do Ceará, Yrwana Albuquerque; a secretária do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas do Ceará, Vilma Freire; a diretora do Memorial do Homem Kariri, Anna Beatriz; o reitor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Custódio Almeida; o reitor da Universidade Regional do Cariri (URCA), Kleber Oliveira; e o vice-reitor da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Viriato Campelo.

Na manhã de quarta-feira, às 11h, acontece a Conferência sobre Gestão Participativa do Território Cultural. O evento contará com a presença de Conceição Lopes, Coordenadora do Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciência do Patrimônio da Universidade de Coimbra, Portugal e Consultora Científica do Dossiê para tornar a Chapada do Araripe Patrimônio da Humanidade; Alemberg Quindins, Gestor Cultural e fundador da Fundação Casa Grande Memorial do Homem Kariri; além de Fabiano Piúba, Secretário de Formação Artística, Livro e Leitura do Ministério da Cultura.

No dia 06, acontece a palestra “Atuação das Organizações Sociais no Fortalecimento do Patrimônio Cultural da Chapada do Araripe”. O painel contará com a presença da diretora presidente do Dragão do Mar, Raquel Gadelha e do diretor presidente do Instituto Mirante de Cultura e Arte, Tiago Santana. A mediação ficará por conta da Secretária de Cultura do Ceará, Luísa Cela.

Já na sexta-feira, dia 07, a partir das 10h, Sabrina Veras, diretora de programação social do Sesc Ceará; Rudimar Constâncio, gerente regional de cultura do Sesc Pernambuco; e Hildegarda Sampaio, coordenadora regional de cultura do Sesc Piauí, vão conduzir a palestra “Sesc: Programas Sociais e Iniciativas para Fortalecer a Cultura”. No sábado, dia 08 marcando o encerramento, os participantes vão conferir a apresentação musical do sanfoneiro, cantor e compositor Joquinha Gonzaga.

Serviço-V Seminário Internacional Bacia Cultural Sociobiodiversa da Chapada do Araripe – Patrimônio Dá Humanidade

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ZÉ MARCOLINO VIVE

Zé Marcolino era poeta, carpinteiro, barbeiro e vaqueiro. O maior sonho dele, porém, era ser parceiro de Luiz Gonzaga. Só o “Rei do Baião” poderia levar muito além as suas canções que já animavam bailes e festas na região de Várzea Paraíba, distrito de São Tomé, onde hoje está localizado o município de Sumé. 

Para alcançar o sonho e ter seu talento reconhecido além do Cariri, José Marcolino Alves escrevia cartas para Gonzaga, sem nunca ter obtido qualquer resposta. Depois de um primeiro encontro casual marcado pelo desinteresse do Velho Lua, Zé Marcolino conseguiu não apenas ser gravado por seu ídolo, mas foi levado com ele para morar no Rio de Janeiro, produzir um álbum juntos e viajar em turnê pelo país. Dessa ligação, surgiu uma obra que até hoje ilustra o imaginário da identidade sertaneja nordestina.

É para reverenciar o cancioneiro de Zé Marcolino, imortalizado em interpretações próprias e de tantos outros cantores, que o 7º Festival de Música da Paraíba homenageia o autor de ‘Numa sala de reboco’, ‘Serrote Agudo’, ‘Quero Chá’, ‘Pássaro carão’, ‘Matuto aperreado’, dentre outros. As inscrições para o festival serão abertas na próxima terça-feira (dia 6) e seguem até o dia 6 de março, com as duas primeiras eliminatórias sendo realizadas na cidade de Sumé, onde serão apresentadas as 30 músicas selecionadas. A final está marcada para o dia 8 de junho, em João Pessoa, onde serão distribuídos mais de R$ 30 mil em premiações no evento promovido pelo Governo do Estado por meio da Empresa Paraibana de Comunicação (EPC), Fundação Espaço Cultural (Funesc) e Secretaria de Comunicação (Secom). Tudo para reverenciar o nome que virou sinônimo de São João.

Onde tem uma sanfona, um triângulo e uma zabumba, tem um cantador que, em algum momento, vai se lembrar de ‘Numa Sala de Reboco’. Mas para chegar em um de seus maiores sucessos, Gonzaga pediu para Zé Marcolino apresentar algumas outras canções. A primeira foi ‘Sertão do Piancó’, uma resposta à música gravada por Jackson do Pandeiro sobre o Sertão do Moxotó. Assim que terminou, Luiz Gonzaga perguntou quantas ele lhe daria pra levar consigo, e Marcolino mostrou ainda ‘Pássaro carão’ e ‘Serrote Agudo’. Luiz Gonzaga levou mais que as músicas, levou Marcolino para o Rio de Janeiro.

Essa história é contada em detalhes na autobiografia Vida, Versos e Viola (Fundarpe, 1990). “Para Zé Marcolino, a glória seria ser gravado por Lua. Tanto que ele cedeu as parcerias em músicas que já estavam prontas antes de conhecer Gonzagão. Ele não procurava fama. Era por satisfação própria”, defende o jornalista e crítico musical paraibano radicado no Recife, José Teles. “Se não fosse gravada por Gonzaga, a música de Marcolino já teria sido esquecida. O mesmo teria acontecido com a música de outros autores gravados por Lua. Gonzagão foi um grande curador da música nordestina”, acrescenta o especialista. Com a parceria formada, Luiz Gonzaga grava pela RCA, em 1962, o LP Véio Macho. Das 12 faixas, metade era assinada por Marcolino.

“Marcolino fazia uma música atávica. Com muito da poesia oral daquela região rica em repentistas, glosadores, e sabia criar grandes melodias para suas letras”, define José Teles. O único álbum a registrar essas características do paraibano em sua própria voz foi gravado pela Rozenblit, em 1983, no LP Sala de Reboco, em que Zé Marcolino foi acompanhado pelo Quinteto Violado, de Pernambuco. Um dos fundadores do grupo e único paraibano do quinteto pernambucano, Marcelo Melo já se encontrava com Zé Marcolino durante viagens pelo interior.

“Gonzaga dizia que Marcolino tinha uma voz muito grave, que não dava pra cantar. E a gente achava que não. Ele era um cara que tinha aquelas melodias que normalmente tem os cantadores e repentistas, mas embora ele tocasse muito pouco, tinha uma musicalidade vocal muito boa e muito característica do Sertão, do sertanejo. Ele não tinha conhecimento musical. Fazia a coisa intuitivamente, mas com muita certeza e era muito afinado, ele era um cara muito preciso na afinação”, define o campinense Marcelo Melo, responsável pelos vocais, violão e viola do Quinteto Violado. 

A parceria entre o grupo e Marcolino ficou registrada também na participação de ambos no programa Som Brasil, comandado por Rolando Boldrin, na Rede Globo.

Além de suas características artísticas, Zé Marcolino era conhecido por ser um imbatível contador de causos. “Ele tinha um jeito de contar as histórias e fazer com um humor bem típico sertanejo, aquela coisa que você conta com muita seriedade e a gente, quando vê, está morrendo de rir do jeito que ele fala. Ele guardava as características do comportamento, do imaginário sertanejo, com a qualidade que Gonzaga também tinha”, conta Melo. A parceria de Marcolino e Gonzaga, porém, não durou tanto assim. Depois de participar da divulgação do disco Véio Macho, em uma longa turnê que partiu do Sul do país, Zé Marcolino se aproveitou quando eles estavam no Crato realizando o último show para pegar um ônibus com destino a Campina Grande e não voltou mais ao Rio.

Depois de tantos anos tentando ser parceiro de Gonzaga, esse é o traço na biografia de Zé Marcolino que mais intriga José Teles. “O fato de ele ter tido a chance de se fixar no Rio apadrinhado por Luiz Gonzaga, e decidir voltar pro Sertão da Paraíba, onde morou até a morte. Dizem que houve um desentendimento no Rio entre ele e Gonzaga, mas não sei se é verdade”, especula o crítico. Teles aponta, porém, que esse desejo já estava expressado no xote ‘Matuto Aperreado’, gravado por Gonzaga. “Fico doido com tanta fala de gente / e a zuada de automóvel a me assustar / se na rua vou fazer um cruzamento / tenho medo, eu num posso atravessar / desse jeito, eu sou franco em dizer / mas um dia eu aqui não posso mais ficar”.

Por força de uma sina trágica, Zé Marcolino viria a morrer justamente em um acidente de carro, em 1987, quando uma vaca cruzou a pista no município de Carnaíba (PE). Uma perda sentida na cultura popular nordestina, que teima em não ter o legado de Marcolino apagado. “Ele e muitos autores do passado correm o perigo do esquecimento porque as editoras que autorizam a liberação das músicas que estão no seu catálogo cobram muito caro, e isso inviabiliza as regravações”, explica Teles. Na memória de quem conviveu com Zé Marcolino ou foi influenciado por sua obra, o que resiste são os elementos que criou no imaginário que representa a identidade sertaneja nordestina.

“Ele era um camarada que retratava dentro da sua poesia a ambiência, a ecologia, o comportamento brincalhão satírico do homem nordestino com muita qualidade. Marcolino se inspirava também nos elementos da natureza, nos cantos dos pássaros, no comportamento do fura-barreira, do pássaro que fica em cima da estaca, fazendo a tapia para o menino que atira nele com a baliadeira. Ele tinha essas características, o pássaro carão, que dá sinais à natureza através do seu canto. Tenho por Marcolino um respeito muito grande à obra dele por essa qualidade fantástica que ele tinha”, finaliza Marcelo Melo.

Texto r Joel Cavalcanti* publicado originalmente na edição impressa de 04 de fevereiro de 2024.

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