Do escritor Virgilio Siqueira-músico e poeta confira TEXTO-Homenagem a Celestino Gomes
Pronto! Agora, não mais incomodas
Agora a falsa ternura que brota das acomodadas e incomodadas faces
Mistura-se, sem nenhum pudor, à sagacidade de tua irreverência
Agora, não és mais um louco
Mas um excêntrico que os normais não conseguem entender e aceitar
(Mesmo sendo, cada um dos que hoje assim te veem
Parte do batalhão impiedoso que te julgava e condenava sumariamente)
Ora, mas agora nada mais importa!
Que fazer, se as mortíferas balas perdidas do mundo não te atingiram
E se o teu perturbativo jeito de ser, jamais se perturbara?
Diante de nós, acomodados sonâmbulos que nunca sonham
Eras um delírio permanente
Ou uma centelha que incandescia a escuridão que somos
E trespassava o breu impenetrável de nossa hipocrisia
Cotidianamente estabelecida
Covardemente aceita
Se eras, perante o mundo
Indiferente aos valores que se impõem a todos
Eras também, para este mesmo mundo, uma proposta de alento
Contida na inquietude de teus dias intensamente vividos
E em tuas noites, das quais não dependias para o sonho
Pronto!
Agora, não és mais uma ilha perdida
Na imensidão de uma cidade vazia, estéril
E hoje, mais que nunca, pálida, triste e pobre
A covardia, a servidão e o medo
Tranquilos, podem pastar na grama dos jardins das praças
Livres que estão dos afogueados ferrões e dos flamejantes chicotes
Que se manifestavam em tuas atitudes e em tua língua de farpas
Teus raros amigos saberão – alguns
Silenciar a dor da perda que não é perda
Outros tecerão e bradarão palavras em teu louvor no momento preciso
E assim, haverão de elevar-te o nome que já é, em si mesmo, celeste
Agora tu és o que sempre foste sem que nunca percebêssemos
Um caudaloso rio submerso a irrigar luzes e cores
A fazer que brotem da sequidão do solo do sertão
Arco-íris tingidos com tonalidades que nos acalentam e libertam
Agora, é como se em tua inquietação
Pairasse uma brandura que não se acomoda
E retinisse, numa candura que insiste em dizer-nos
Que és feito de fogo, de rio, e de sol.
Pronto!
Agora dormem, sob o cerro de tuas pálpebras
As mais incandescidas imagens que concebeste
Em comunhão com os encantos dos entardeceres
Revestidos com enigmáticas tramas de tonalidades
Da mesma forma que dormem, em teu corpo inerte
Todas as cores e luzes que explodiram de teus pincéis
De teus anseios e de tuas mãos
Que teceram com raios de estrelas, de lua e de sol
Todos os encantos e desencantos, reais e fictícios
Que te faziam viver como sonhar
Como dormem, ainda
Acalentadas pela perpetuação do teu último suspiro
Repousadas na fartura do teu emblemático bigode
Todas as imagens
Minuciosamente capturadas pela agudeza de tuas retinas.
Pronto!
Agora, tudo está definitivamente vivo
Quando cintilam as luzes que se manifestam nas cores de tuas telas
E nas formas das marcantes figuras esculpidas pelas tuas mãos
Concebidas pela humanidade que explodia em teu peito
E pela fecundidade dos teus argutos olhos azuis.
Pronto!
Agora és o que sempre foste e o que sempre serás
Um homem liberto das amarras dos conceitos e dos preconceitos
A anti-razão do sonho, enfim realizado
Expresso no desejo maior de sentir-se, um dia, misturado
Às ternas e acolhedoras águas do amado
Velho Chico.
Já o Cantor Maciel Melo FEZ uma homenagem a Celestino Gomes. "Fiz uma música dedicada a três pintores por quem sempre tive muita admiração. Um é Celestino Gomes, filho de Petrolina; O outro é Mateus Veloso, que conheci ainda na adolescência; o terceiro é Ivan Marinho, companheiro de muitos anos. Começamos juntos, eu nos bares das noites recifenses, ele nas telas, nas paredes, nos recitais de poesias, nas salas de aula. Sonhávamos muito, enquanto ele pintava eu tocava violão. Foram os melhores anos de minha vida".
Na letra Maciel Melo compara o pintor e o cantor:
'Quando pinta o pintor
Pinta a cor
Do pensamento do poeta
Pinta as linhas do verso
Tinge a métrica
Desenha sua canção
E os acordes de um violão
Pelos dedos da mão
Se transformam em aquarela
Pinta pra ele ou pra ela
Com a tinta da emoção
Quando canta todo cantador
Seu pinho é seu cavalete
E do seu amigo velho e alto tamborete
Vê uma paisagem bem precisa
Decantando a Monalisa
Faz um quadro, entoa um rosto
Sinfoniando o sol posto
Traz a tela para os dedos
Sonorizando segredos
Canta o gosto e o desgosto
Quando se pinta ou se canta
Quando se escreve ou se fala
Quando se escuta ou se cala
Pode estar se pintando um mundo
Emoldurando o ser
Com as cores do bem viver
Nas telas do bem amar...