BELEZAS DO RIO SÃO FRANCISCO. OPARÁ. VELHO CHICO

O São Francisco é o maior suporte hídrico de desenvolvimento econômico e social da região nordeste, suas belezas cênicas e paisagísticas proporcionam serviços ecossistêmicos de valoração sentimental imensurável. O Velho Chico é cultura, é poesia, é encanto do nascer ao pôr do sol. Suas águas e sua flora são berçários para uma diversidade de vida, ele é proteção, é abrigo, é um gigante que serve ao seu povo. 

Um rio fonte de vida e de inspiração a todos que o conhecem. Da nascente à foz o Velho Chico transmite história, encantos e grandes emoções. Suas belezas estão representadas na arte, nas histórias do cangaço, no sentido religioso pelo próprio nome do santo São Francisco, nas lendas populares, no amor, nas músicas e nos diferentes olhares, vivências, sentimentos e mistérios. Nas diversas representações artísticas, a canção mais conhecidas é “Petrolina, Juazeiro”, que ressalta duas cidades em estados diferentes unidas pelas belezas do rio. 

Falar do rio São Francisco é falar da identidade do nordeste, da vida no semiárido, do potencial agronômico do Vale do São Francisco, das diversas represas e geração de energia ao longo do seu percurso, é destacar as dunas de Sobradinho, as memórias das cidades submersas, com destaque para o livro “Sento-Sé, Memórias de Uma Cidade Submersa, da jornalista Adzamara Amaral”. Suas ilhas e seus encantos, as comunidades tradicionais ribeirinhas, os cânions rasgando a Caatinga na divisa de Alagoas e Sergipe e a emoção da foz em Piaçabuçu.

Os benefícios do rio não tem preço, tem valores! O turismo e o lazer são atividades que contribuem para a conservação ambiental, tornando-se inspiração para quê a percepção humana esclareça que os recursos naturais valem mais do que se pensa e, portanto são necessárias medidas de conservação e preservação para manutenção das belezas, dos recursos e das diferentes formas de vida que o rio abriga.

Autoras: *Maria Regina de Oliveira Silva-Mestre em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental pela Universidade do Estado da Bahia-UNEB

*Aldean Lima de Souza-Professora de Biologia e Pós-graduanda em Vigilância Epidemiológicas das Doenças Infecciosas e Parasitárias. Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL



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MAIS DE CINCO MIL MULHERES RURAIS COMEÇAM A UTILIZAR AS CADERNETAS AGROECOLÓGICAS

Mais de cinco mil mulheres rurais agricultoras, assentadas de reforma agrária e de povos e comunidades tradicionais de toda a Bahia, estão recebendo treinamento para a utilização da Caderneta Agroecológica. 

A ferramenta metodológica, que permite à agricultora fazer a gestão de tudo o que é produzido na propriedade familiar, a partir das anotações do que é vendido, trocado, doado e consumido. 

A ação está sendo realizada via assistência técnica e extensão rural (Ater) do Governo do Estado, executada por meio de prestadoras de Ater contratadas via Chamada Pública da Superintendência Baiana de Assistência Técnica e Extensão Rural (Bahiater), vinculada à Secretaria Estadual de Desenvolvimento Rural (SDR).  

As mulheres estão conhecendo esse instrumento pedagógico em atividades coletivas realizadas nas comunidades rurais atendidas, a exemplo da oficina realizada na comunidade do Engenho de São João em Cruz das Almas, nesta semana, pela equipe do Instituto de Desenvolvimento Social e Agrário do Semiárido (IDESA), prestadora de Ater, contratada para executar a chamada pública ATER Mulher, em comunidades rurais do Recôncavo Baiano, que teve a participação da coordenadora técnica da Bahiater, Carmem Miranda. 

Carmem Miranda explica por que é importante levar essa ferramenta a mais para agricultoras baianas: "O ATER Mulher vem para dar visibilidade ao trabalho das mulheres e a caderneta agroecológica é um instrumento que vai possibilitar a ela saber a renda e o tanto de produto que ela tem no quintal. A partir daí se dá visibilidade ao trabalho da mulher. Ela começa a se ver enquanto agricultora, enquanto colaboradora, enquanto mulher que contribui na finança da casa, da família. Ela consegue ver o quanto ela produz e a diversidade da produção, um elemento fundamental. A caderneta realmente contribui para a auto-organização das mulheres, para a conquista da autonomia e eleva sua autoestima. Ela revoluciona a vida no campo, a vida das mulheres". 

A agricultora Rosa dos Santos, da comunidade Engenho de São João, é uma das beneficiárias do ATER Mulher. Ela destacou a importância do serviço de Ater e a ação das cadernetas: "Estamos trabalhando com a caderneta e antes a gente não anotava nada, passava em branco. Hoje estou muito feliz por essa conquista, para a partir de hoje anotar as nossas vendas, o nosso consumo, as doações e as trocas. A caderneta vai facilitar a autonomia e a nossa autoestima". 

Lidiane Braga, coordenadora do projeto ATER Mulher no Recôncavo pelo IDESA, observa que a oficina é o momento de apresentar às agricultoras essa ferramenta: "Irá possibilitar a elas organizarem e fazerem o levantamento de toda a sua produção e toda a renda que é gerada na unidade produtiva familiar e é uma ferramenta de empoderamento feminino". 

CADERNETAS AGROECOLÓGICAS: A ferramenta começou a ser adotada, em 2019, pelo Pró-Semiárido, projeto do Governo do Estado executado pela Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR/SDR). A ação já apresenta resultados econômicos e refletiu o processo de aplicação das Cadernetas Agroecológicas junto a 374 agricultoras envolvidas no Pró-Semiárido. Dentre os dados expostos, está o valor da produção gerado por elas, que ultrapassou R$1,2 milhão em um ano de anotações. 

A Caderneta Agroecológica foi concebida, em 2011, pelo Centro de Tecnologias Alternativas na região de Zona da Mata em Minas Gerais (CTA/ZM), em interlocução com o Grupo de Trabalho Mulheres da Articulação Nacional de Agroecologia - (GT/ANA). O Programa de Formação em Feminismo e Agroecologia (CTA), em 2013, foi o primeiro a utilizar a metodologia das Cadernetas. Logo após, também em 2013 e em 2015, o GT da ANA aplicou esse instrumento dentro de um programa de formação, cuja temática principal foi "Feminismo e Agroecologia", financiado pela União Europeia e levado a todas as regiões do país. 

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RIO SÃO FRANCISCO: OPARÁ RIO QUE É MAR

 

“Riacho do Navio corre pro Pajeú, o rio Pajeú vai despejar no São Francisco, o rio São Francisco vai bater no ‘mei’ do mar, o rio São Francisco vai bater no ‘mei’ do mar…”

Neste dia 4 de outubro, dia de aniversário do Rio São Francisco, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco saúda todos que fazem sua parte para preservar esse grande patrimônio brasileiro.

Há 520 anos, uma expedição naval comandada por Américo Vespúcio que descia parte da costa brasileira para reconhecimento, deparou-se com a imensidão da foz de um rio grandioso. Desse encontro nasce o primeiro relato oficial em relação ao Rio São Francisco e a data do seu batismo pelos portugueses, que escolheram esse nome por ser o dia 4 de outubro o dia do santo São Francisco. Pelos índios daquela região, o Rio era conhecido como Opará, o rio-mar.

Hoje, o São Francisco é o Velho Chico, é o rio da integração nacional, o rio do Cerrado, da Caatinga e do Sertão, o rio do Brasil, o rio que sofre, o rio que precisa de uma solução.

O maior rio inteiramente brasileiro possui 2.820 km de extensão e responde por 75% da disponibilidade de água doce para o Nordeste. Sua bacia abriga 505 municípios e cerca de 18 milhões de pessoas. Possui 168 afluentes e percorre sete unidades da Federação – Minas Gerais, Bahia, Goiás, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Distrito Federal. Por sua grande extensão, foi dividido em quatro regiões, para melhor planejamento: Alto, Médio, Submédio e Baixo São Francisco. (Fonte: CHBSF)

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RODA DE DIÁLOGO: LANÇAMENTO DA CARTILHA SERTÃO ANTI NUCLEAR ACONTECE NESTA TERÇA (5)

Acontece nesta terça-feira, às 19h30, o lançamento da Cartilha Articulação Sertão Antinuclear: NÃO à usina nuclear. O evento é promovido pela Pastoral da Comunicação  da Diocese de Floresta, Pernambuco e será transmitido no canal do facebook pascom diocesefloresta. 

A mediação da roda de conversa é do educador,  comunicador social, diretor da TV Raízes da Cultura, Libânio Francisco.

A antropóloga pós-doutora Vânia Fialho participa da conversa. Ela é coordenadora do Núcleo de Pernambuco do Projeto Nova Cartografia Social  e o Doutorando Whodson Robson da Silva.

O texto “Sumir do mapa e outros scripts: táticas de matar e de resistir no confronto de indígenas e quilombolas com a central nuclear em Itacuruba”, desenvolvido por Whodson Silva e sua orientadora Vânia Fialho, no mestrado em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco, foi agraciado com a primeira colocação na premiação. Esse trabalho é resultante da agenda de pesquisas do núcleo do Projeto Nova Cartografia Social em Pernambuco que, desde 2015, tem acompanhando etnograficamente as mobilizações de indígenas e quilombolas no Sertão de Pernambuco contra a instalação de seis usinas nucleares no Rio São Francisco. 

Além da dissertação de Whodson Silva, o desenvolvimento da pesquisa, coordenada pela professora Vânia Fialho, prevê outras duas teses de doutorado a serem defendidas até 2022 sobre temas diretamente correlatos, especificamente sobre a cadeia de produção energética e seus impactos no Sertão nordestino.

A coleção Cadernos da Nova Cartografia Social dos Sertões se destina à publicação de trabalhos que registram situações de unidades de mobilização de Povos e Comunidades Tradicionais e demais identidades coletivas emergentes no Nordeste do Brasil. As publicações apresentam, como convergência, as dinâmicas identitárias objetivadas em movimentos, associações e outras formas político- organizativas, bem como a pluralidade de modos de resistência na região central do território
brasileiro, referenciada como Sertão. 

A cartilha destaca que a região do Sertão de Itaparica é apontada desde a década de 1980 como uma área de interesse para um empreendimento nuclear e, já nessa época, movimentos antinucleares tiveram sua expressão. Entretanto, é a partir de 2009, com a instalação do escritório da Eletro-nuclear em Recife, que o município de Itacuruba passa a ser destaca do como a “Rota de expansão d energia nuclear brasileira”

A cartilha argumenta dezenas de motivos para dizer NÃO à usina nuclear em Itacuruba, no Nordeste e no Brasil:
As centrais nucleares expõem a sociedade ao risco de acidentes de alta radioatividade, que podem trazer consequências catastróficas à vida das pessoas e ao meio ambiente;
Não há tecnologia capaz de resolver o problema dos lixos nu- cleares produzidos, cuja deposição final demanda altos investimentos;
Uma usina nuclear pode causar grandes danos ao meio ambiente, em especial ao Rio São Francisco;
O Brasil não precisa de usinas nucleares para atender às suas necessidades de energia elétrica. Soma-se o fato de que esta fonte representa apenas 3% da matriz energética brasileira;
A decisão de construir usinas nucleares no Brasil é política e antidemocrática. A população em geral e as pessoas diretamente impactadas não tiveram oportunidade de se manifestar;
A energia elétrica de matriz nuclear é caríssima, sendo injustificável o investimento econômico. O custo para o encerra mento adequado das atividades das usinas antigas também é altíssimo;
É mentirosa a afirmação que tal empreendimento contribuirá com a geração de empregos locais e resolverá os problemas sociais dessa região. 
A população de Itacuruba, que já sofreu uma série de violências com a construção da Usina Hidrelétrica de Itaparica, sabe que essas obras não trazem benefícios nem autonomia local. 
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UM LOBO SOLITÁRIO DA "MPB" BOSSA NOVA, RESISTE EM JUAZEIRO E RECOMEÇA EM SALVADOR

Maurício Dias Cordeiro, o "Mauriçola", agora Maurício Dia, sem o "S", porque existem outros "Mauricios" Dias por aí , tirando seu "sossêgo autoral e ele nunca gostou muito do apelido cunhado na adolescência, quando fazia parte do "Êxodus", um bando de cabeludos, filhos dos "Novos Baianos" e da "tropicália" que fazia música e teatro em Juazeiro nos anos 70. 

Maurício tem uma longa história e estrada, começou nos festivais universitários de Juazeiro, em 1973, com o "Exodus", acompanhou Caetano Veloso, em uma meteórica apresentação no festival que tinha o troféu João Gilberto. Depois desembarcou no Teatro Vila Velha em Salvador(palco dos tropicalistas e dos "Novos Baianos), ganhou tablados de casas noturnas do "Porto da Barra", fez parte de um disco chamado "Momo 82" que reunia Banda Eva, Durval Lélis, Lazzo Matumbi, Paulinho Camafeu, Pepeu Gomes, antes da "axé music", que não era sua praia,   aí se mandou  para São Paulo. Em 1983, gravou na poderosa CBS o seu primeiro vinil, com Erva Doce, um "reggae" que fez sucesso. 

Maurício já gravou muitos "Cd's", na realidade, ainda inéditos, porque  nunca bem foram divulgados, estão todos hoje nas plataformas digitais: "Spotify" "Deezer", "Youtube"  Globo play.. "apple music"...E a gora, depois de um longo silêncio e exílio musical, ele retorna aos palcos de Salvador, nos dias 21 e 28 de outubro, 21h. na "Varanda do Sesi Rio Vermelho" um espaço "cult" da música em "soterópolis". Já chega de novo acompanhado de grandes músicos para mostrar o poder da  sua música planetária, um "pop" brasileiro baseado em "bossa nova", com uma força criativa surpreendente, em tempos tão obscuros, também na nossa música. 

Maurício é  um grande compositor, assina a grande maioria das suas composições, mas tem parceiros como Luiz Galvão dos "Novos baianos", Antonio Risério, em "Saudade de Salvador" e musicou um poema de João Gilberto: "pingos molhados" que ele promete cantar, é uma "bossa nova" incrível.  

Então vamos tirar os buracos e pedras do caminho para a sua música chegar, quem sabe agora, para um público bem maior, uma geração que não sabe quase nada de João, Jobim, Caymmi, Noel, já esqueceu Raul, Cazuza e Renato Russo.. apesar de Caetano, Gil, Chico e tantos "lumes" ainda explodindo estrelas " supernovas". 

Como um "lobo solitário", Maurício resiste e avisa que "sonhos não desistem! Ele não faz concessões pra fazer sucesso, das "margens bossanovistas do rio São Francisco", vem sua força 

"Pra gente não perder toda esperança, achar que tudo acabou, não cair em solidão, ódio, rancor, e o sonho ruir, onde era pra ser uma nação.. compositor, um samba, de amor, um samba" 

E ainda no seu bardo: " Foi um samba dos "novos baianos" que abriu minha cabeça, me ensinou, a pisar com os tamancos da tropicália, nas pedras rolantes, mutantes, do Raul Seixas rock n'roll Aquele sol não quis se por, quase morri de amor, por Brigitte e por Bardot  (Fonte: Ascom/Maurício Dia/Sesi rio vermelho) 


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POR QUE AGRICULTORES E PESQUISADORES DEFENDEM QUE A AGROECOLOGIA PODE SANAR A FOME NO BRASIL

O 3 de outubro, Dia Nacional da Agroecologia, chega nesse ano de 2021 no momento em que mais da metade da população brasileira vive com insegurança alimentar. Mais do que um modelo de agricultura baseado em conhecimentos tradicionais de interação com o ambiente por meios sustentáveis; agricultores, pesquisadores e ativistas ouvidos pelo Brasil de Fato apontam que a agroecologia é o caminho para responder à crescente devastação do meio ambiente, para desenvolver soberania nacional e capaz de sanar a fome de toda a população. 

"A agroecologia se apresenta, nesse contexto de sindemia covídica como a estratégia possível de enfrentamento à fome porque ela traz o olhar a partir de um passo atrás ao ato de se alimentar", descreve Islândia Bezerra, pesquisadora e presidenta da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA). "O passo da produção de alimentos que enfatiza a natureza como sujeita de direitos", resume. 

Marcos José de Abreu, conhecido como Marquito, é vereador em Florianópolis pelo PSOL e foi autor do projeto de lei que fez da capital santa catarinense o primeiro município do país a banir agrotóxicos de seu território. 

Em sua opinião, as cadeias agroecológicas - diferentemente do setor econômico do agronegócio - estão pouco suscetíveis ao mercado financeiro global de commodities. Assim, avalia Marquito, "o modelo mais adequado para alcançarmos uma soberania nacional é o agroecológico". 

Chirlene Barbosa trabalha com agroecologia há mais de duas décadas no município de Bom Jardim, no agreste Pernambucano. "Eu sei o que é fome" diz, ao contar que era pequena quando o pai morreu e a "mãe ficou com sete filhos para criar". 

Produtora de hortaliças, frutas e legumes, Chirlene narra que "terra é vida" e que mesmo que o dinheiro fique escasso, hoje a mesa é farta. Ela garante que é possível agricultores agroecológicos abastecerem "todos os bancos de comida", mas é preciso "os governos investirem mais", pois "muitas vezes não tem como essa produção chegar às pessoas", comenta. 

"É falta de interesse político das autoridades", salienta o agricultor agroflorestal Helenito Lopes. Hermes, como é chamado mais comumente, vive com outras 80 famílias no Assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Sepé Tiaraju, no município de Serrana, próximo a Ribeirão Preto (SP). 

"Somos nós agricultores familiares que produzimos a maior parte do que a população consome", constata Hermes, assentado em uma área considerada referência em práticas agroecológicas e agroflorestais desde o início dos anos 2000. "Esse governo quer desmobilizar as organizações sociais fechando a torneira para o incentivo das atividades agroecológicas e dando muita grana para o agronegócio". 

Em uma fala feita em 2014, mas bastante atual, o então relator especial da ONU sobre o direito à alimentação, o professor belga Olivier de Schutter, expôs que “a erradicação da fome e da malnutrição é um objetivo alcançável. Para tanto, contudo, não será suficiente apenas refinar a lógica dos nossos sistemas alimentares", alertou: "ela precisa, ao contrário, ser invertida”.

INCENTIVOS: As dificuldades para aplicar essa inversão no Brasil parecem proporcionais à sua urgência. Os dados do "Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia Covid-19 no Brasil", feito pela Rede PENSSAN em 2021, são alarmantes. Das 116,8 milhões de pessoas com insegurança alimentar no país, 43,4 milhões não tinham comida o suficiente e 19 milhões estavam efetivamente passando fome. 

Os números evidenciam porque o Brasil, que tinha em 2014 saído do Mapa da Fome - levantamento das nações que têm 5% ou mais de sua população subalimentadas - voltou a figurar na lista. 

Em 27 de setembro a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por pedido da Associação Civil Ação Educativa, entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal para obrigar o governo Bolsonaro a implementar políticas públicas de combate à fome. 

Denunciando um "desmonte da política de segurança alimentar", a ação reivindica, entre outras medidas, que o governo revogue a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), garanta repasses financeiros ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e invista R$1 bilhão no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Esses dois programas são citados por Islândia como exemplos de políticas públicas federais importantes na potencialização da agroecologia, ao lado de iniciativas estaduais e municipais. "As políticas existem, mas quando comparadas aos investimentos do Estado no setor do agronegócio, estamos na periferia no sentido de acessibilidade", diz. 

Em setembro, a Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), em parceria com a Friedrich-Ebert-Stiftung Brasil (FES Brasil), lançou o artigo "Desafios para o Abastecimento e Soberania Alimentar no Brasil". Nele, os autores avaliam que o PAA, ao longo dos anos passou a priviliegiar compras institucionais de médias e grandes cooperativas. 

O artigo questiona, ainda, que uma série de entraves burocráticos passaram a impossibilitar a participação de diversas comunidades no programa, "particularmente comunidades quilombolas, indígenas e pequenas cooperativas de agricultura familiar". 

Enquanto isso, o Ministério da Agricultura aprovou, em 2020, o registro de 493 agrotóxicos, o número mais alto da série histórica, compilado desde 2000. Dos 1059 agrotóxicos registrados desde janeiro de 2019 no Brasil, cerca de um terço é proibido na União Europeia por serem considerados perigosos para a saúde e o meio ambiente.

Além disso, a isenção de impostos das quais goza a agroindústria no Brasil representou, no ano passado, R$29,2 bilhões. Em 2019, as exportações feitas pelo setor renderam aos cofres públicos apenas R$16,3 mil. 

REDES: A despeito da priorização estatal ao agronegócio e do desemprego crescente, as iniciativas autônomas de solidariedade no enfrentamento à fome se espalharam pelo país desde o pandemia de Coronavírus.

"São várias as experiências", sorri Islândia, ao elencar as feitas pelo MST, o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento de Agricultura Urbana, as cozinhas solidárias do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), as comunidades quilombolas, indígenas. "Estão trazendo o debate da produção e consumo de alimentos saudáveis para um contexto de escassez", descreve.  

Hermes relata que o início da pandemia foi um choque para as famílias do Assentamento Sepé Tiaraju. "Todas as portas se fecharam para quem trabalhava com venda em feiras locais, em congressos, o PAA e o PNAE pararam. O povo nosso aqui ficou desesperado né, o que a gente vai fazer com tanto alimento?", conta. "E a gente começou a perceber que tinha gente nas cidades passando muita dificuldade".

A partir da articulação do que chamam de Grupos de Consumidores Agroecológicos, os assentados do Sepé e de outras comunidades do MST mobilizaram parceiros para comprar seus produtos e os doarem para a população periférica de Ribeirão Preto. "A gente chegou a juntar mais de oito toneladas. E agora já estamos num novo projeto", relata Hermes.  

"Ninguém vê o agronegócio distribuindo alimentos. O agronegócio não vai poder jamais fazer uma ação de solidariedade distribuindo alimentos, porque ele não produze alimentos", avalia Islândia: "Ele produz commodities, voltados à exportação". 

"O que pode ser que o agronegócio faça?", reflete a presidenta da ABA. "Pode distribuir cestas, com produtos comestíveis ultra processados. Diferentemente de quem produz comida, frutas, legumes, raízes, tubérculos, leite e derivados. São essas organizações sociais de base que estão fazendo o enfrentamento à fome", sintetiza. 

Na visão de Bezerra, no entanto, o combate à insegurança alimentar "não pode ser feito única e exclusivamente pela sociedade civil organizada", mas também "no campo das macro políticas públicas".

Marcos Abreu faz uma avaliação similar, defendendo ser estratégico o foco no âmbito municipal. Aliada às denúncias da pressão que a bancada ruralista faz em defesa do agronegócio na esfera nacional, Marquito acredita que "as leis e políticas locais são de alto impacto". 

O LEGADO DE ANA MARIA PRIMAVESI: As discussões levantadas pelo Dia Nacional da Agroecologia evidentemente não vêm de hoje. A data, inclusive, é o dia do nascimento de uma das históricas defensoras de modelos de agricultura alternativos ao agronegócio. 

Ana Maria Primavesi nasceu na Áustria e chegou ao Brasil nos anos 1950, escapando da perseguição nazista nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. Docente e engenheira agrônoma próxima a comunidades tradicionais e movimentos ligados à luta pela terra, ela revolucionou a visão da agricultura ao se atentar para a importância da saúde do solo ao pensar no que se produz a partir dele. 

Os olhos de Islândia Bezerra se enchem de água quando ela se lembrou das poucas vezes em que teve a oportunidade de escutar Primavesi ao vivo. A pioneira da agroecologia brasileira faleceu em 2020, aos 99 anos. 

Do conhecimento deixado por Primavesi, Islândia destaca que "para além do conhecer e conceber o solo como berço da nossa própria existência, ela deixou um legado de questionar o modelo que usa veneno e que reverbera em todo o planeta". 

"Com evidências científicas, Ana Primavesi nos ensinou que a terra não precisa de veneno. Ninguém precisa de veneno", constata Bezerra. 

E é justamente a troca de conhecimentos, aliada à luta por maiores incentivos para as produções agroecológicas e agroflorestais o que Hermes considera serem os caminhos "para a gente matar a fome do nosso povo". (Fonte: Gabriela Moncan Brasil de Fato)


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MARINALVA E SUA GENTE *TEXTO-ÉRICO SÁTIRO

Campina Grande, 1948. Dona Donzinha cuida em casa de sua filha Maria, nascida às vésperas das festas juninas. Enquanto acalentava a então caçula e cuidava dos outros pequenos, a mãe ouvia a filha mais velha, Inês, pedir autorização ao pai para ir ao cinema com o irmão Ademar. Com o consentimento de Seu Manoel, Inês saía de casa com o irmão, mas não para ir ao cinema, e sim à rádio fazer o que mais gostava: cantar. Escapando da rigidez do pai, que não queria saber de cantora na família, assim surgiu o talento de Inês, que se tornou a famosa artista Marinês, a “Rainha do Xaxado”. 

O que Seu Manoel não esperava era que, além de Marinês, ele teria outra filha cantora, Maria, o bebê que estava em casa com a mãe enquanto a irmã dava seus primeiros passos na música. Mais tarde, ela ficaria conhecida como Marinalva.

O surgimento musical das irmãs não foi fácil. O universo dos cantores nordestinos, desde o seu início, foi dominado pelos homens, assim como na grande maioria das classes trabalhadoras brasileiras do século passado. Eram muitos “reis” para poucas “rainhas”. Devagarzinho, no entanto, e superando preconceitos, elas começaram a surgir. Carmélia Alves, Marinês, Anastácia, Hermelinda, Clemilda e Elba Ramalho são algumas que constam em qualquer lista de mulheres forrozeiras, com seus baiões, xotes e xaxados, entre outros ritmos. Marinalva, apesar do grande talento, vem sendo injustamente esquecida, tanto que não há praticamente nada sobre ela em livros ou mesmo em textos na internet (os poucos que existem trazem informações desencontradas).

Ao contrário da irmã mais famosa, que era natural de São Vicente Ferrer/PE, Marinalva (Maria Caetano de Oliveira) nasceu em Campina Grande/PB em 10/06/1948, sexta dos nove filhos (quatro homens e cinco mulheres) de Seu Manoel (Manoel Caetano de Oliveira), mecânico e armeiro, e de Dona Donzinha (Josefa Maria de Oliveira). Em Campina, cresceu nos bairros Liberdade e Quarenta e, curiosamente, era chamada pelos parentes próximos por outro nome.

 “A gente a chamava de Consuelo ou de Maria Consuelo. A origem do apelido eu não sei não. Depois foi que ficou Marinalva mesmo”, explica o irmão Sussuanil, zabumbeiro, que atualmente reside no Rio de Janeiro/RJ e ainda atua em forrós junto com seu irmão Lourival (ambos tocaram muito tempo com Marinês). O apelido definitivo – Marinalva – só viria no início da carreira profissional, por sugestão do músico e produtor Abdias, então marido de Marinês, referência clara para o surgimento desse nome artístico (o “e sua gente”, acrescentado a Marinês por ideia de Chacrinha, também foi incorporado por Marinalva).

Oficialmente, a data de nascimento de Marinalva, constante em certidão de registro, é 10/02/1948, mas a cantora também possuía documentos com a data de 10/06/1948. Em razão do testemunho de seus familiares, que confirmaram que o aniversário dela era comemorado em 10/06, presume-se que houve um erro quanto ao mês em sua certidão de nascimento.

Não tendo encontrado, por parte de seu pai, a mesma resistência sofrida pela irmã mais velha para iniciar na música, a caminhada de Marinalva como cantora surgiu quando ela tinha cerca de 14 anos de idade, em programas de calouros, onde interpretava canções não apenas de forró, mas também de outros estilos, a exemplo de músicas do repertório de Ângela Maria. A carreira profissional se iniciou por volta de 1966, já sob o nome artístico de Marinalva e Sua Gente, fazendo apresentações em locais como circos, cinemas e rádios de Campina Grande e de outras cidades, como Recife, onde, naquele ano, foi uma das atrações do programa de auditório Comandos da Alegria, da Rádio Clube, em quadro que divulgava novos artistas. Foi uma das primeiras forrozeiras paraibanas a se destacar no cenário da música nordestina.

DÉCADA 70; Seu primeiro disco veio em 1970, com o título Eu também sou de lá, lançado pelo selo Maraca, com destaque para faixas como “Jacaré dos Homens” (Elino Julião) e “O solteirão” (J. Cavalcante/Antônio dos Passos), que foi gravada no mesmo ano por Jackson do Pandeiro. Na canção que dá nome ao disco, de autoria de João Silva e J. B. De Aquino, a cantora se apresenta: “Nasci pra cantar/essa é minha sina/eu também sou de Campina/também quero xaxear”. Após ao lançamento do primeiro LP, Marinalva começou a ser convidada a participar de coletâneas diversas, inclusive assinando algumas canções. Os principais discos foram O fino da roça – vol. 3 (1971), Quermesse (1971), O fino da roça – vol. 4 (1972), Quermesse – vol. 2 (1972) e Fogo na geringonça – vol. 2 (1972), que incluíam músicas da cantora e de nomes como Zé Calixto, Antônio Barros, Messias Holanda e Genival Lacerda, amigo e conterrâneo que muito ajudou a cantora nesse período. Mas foi a partir de 1974 que a paraibana começou a criar discos mais marcantes. Em Poeira do Caminho (1974), gravado em São Paulo sob direção de Pedro Sertanejo, Marinalva mostrou sua qualidade com um bom repertório. Músicas como “Enquanto há vida, há esperança” (Antônio Penha/Wanderley Silva), “Eu vim de longe” e “O bom do xaxado” (ambas de Joca de Castro/Genival Lacerda) mostram a evolução da intérprete. Outro destaque, a toada “Poeira do caminho” (Joca de Castro/Genival Lacerda) apresenta uma das temáticas preferidas da cantora: o Nordeste, com suas belezas, seu povo, seus dramas e problemas.

Os outros dois álbuns gravados por Marinalva nos anos 70 comprovam que a década representou, musicalmente, a melhor fase de sua carreira, principalmente pela poesia nordestina contida em diversas letras. Com produção de Jackson do Pandeiro, a cantora lançou pela Chantecler/Alvorada os LPs Viva o Nordeste (1977) e Tardes Nordestinas (1978). Pra quem conhece a obra de Jackson, fica fácil perceber a semelhança na sonoridade desses discos com outros gravados ou dirigidos por ele naquela época, a exemplo de O Rei do Coco, do pernambucano Bezerra da Silva. Nesses álbuns de Marinalva, a cozinha percussiva do Rei do Ritmo é bem perceptível em faixas como “Vou me incendiar” (Raymundo Evangelista/J. B. de Aquino), “Retirante, não” (João Silva/J. B. De Aquino), “Eu vou pra Bahia” (Alba), “Chuva caiu” (Cecéu) e “Chega pra lá meu bem” (Ignácio Virgulino/Marinalva). “Tarde nordestina” (no singular, ao contrário do título do LP), de autoria de D. Matias e Naldinho, tornou-se o principal

SUCESSO: No mesmo período, participou, com duas músicas, da coletânea Canjica, pamonha e rojão (1977), da qual também faziam parte Jackson do Pandeiro (como produtor e intérprete), Severo, Manezinho Silva, Alventino Cavalcanti e Haroldo Francisco (Kojak do Forró).

Duplo sentido e década de 80: O forró com letras de duplo sentido, popularizado na década de 70 por Genival Lacerda e seguido por artistas como Messias Holanda e Zenilton, tornou-se praticamente uma preferência nos anos 80 por parte das gravadoras, que lucravam bastante com a boa venda de discos que exploravam o tema. Sandro Becker, Zé Duarte e Clemilda, a partir da primeira metade da década, juntaram-se aos principais nomes do gênero gravando músicas apimentadas, mas antes do sucesso desses três Marinalva já começava a acrescentar em seu repertório o duplo sentido. O LP De rolha na boca (1980) trouxe a temática escancarada no próprio título, retirado da faixa homônima de autoria do cantor e compositor João Gonçalves, mestre no estilo, em parceria com Micena do Icó. Não se pode dizer, entretanto, que Marinalva tenha feito discos de duplo sentido, pois, apesar de quase todos os seus LPs seguintes possuírem músicas com letras do gênero, elas nunca chegaram a predominar no repertório – eram, no máximo, duas ou três por disco.

Mesmo tendo gravado canções de sentido dúbio, Marinalva parecia não se sentir muito à vontade com a temática. Em 1991, ao saber que sua gravação de “Tarde nordestina” havia sido escolhida para integrar a coletânea Brazil Classics 3 – Forró etc., produzida principalmente para o mercado internacional pelo músico David Byrne, ex-líder da banda norte-americana Talking Heads, a cantora demonstrou alívio: “É muito bonita. Fala das coisas do Nordeste, do sofrimento dessa gente do sertão. Ainda bem que não foi daquelas indecentes, de duplo sentido”, declarou (Matéria “Forró a laser agita o mercado americano”. Jornal do Brasil, 15/06/1991). No encarte do CD, o texto assinado pelos professores, escritores e estudiosos de música Larry Crook e Charles A. Perrone destaca que Marinalva costumava fazer “canções tipicamente nostálgicas como Tarde Nordestina”. Moda na época, o duplo sentido acabou sendo responsável pelo maior sucesso de Marinalva naquele período: “Forró na Bica” (João Gonçalves/Marinalva), regravada em 1986 por Sandro Becker.

“Forró na bica” fazia parte do disco Um bom forró, que sucedeu Cheguei (último álbum com o ex-marido e sanfoneiro Zezinho, lançado em 1983), e que marcou uma mudança no som da forrozeira. A partir da parceria com seu marido Aracílio Araújo, houve uma “acelerada” em geral nas músicas, que ficaram mais dançantes, trazendo o álbum Um bom forró arranjos de sanfona mais ariscos, principalmente em faixas como “Um bom forró” (João Gonçalves/Marques Irmão), “Quero me divertir” (Aracílio/Marinalva/Calisto Moreira), “A noite é minha” (Aracílio/Marinalva) e “No cheiro de forró” (Aracílio/Marinalva) – esta última regravada por Flávio José em 1991. Foi o primeiro trabalho de Marinalva com Aracílio Araújo e também com Quartinha (zabumba), que permaneceu trabalhando com ela por vários anos. “Marinalva cantava muito. Muito, muito mesmo. Era um Luiz Gonzaga de saia. No palco ela ia pra lá, pra cá, como Elba Ramalho. Além de grande artista, era uma pessoa muito legal, era minha amiga e comadre”, comenta o zabumbeiro, destacando a energia da intérprete em suas apresentações.

Após Um bom forró, a paraibana lançou Enxugue o rato (1986), que trazia a versão cantada para a faixa-título de Luiz Moreno, com participação de Abdias. O disco foi gravado no Rio de Janeiro e contou com Marcos Farias, músico, produtor e maestro, filho de Marinês, na produção (junto com seu pai Abdias) e nos arranjos. Na sequência, veio o disco Marinalva e sua gente (1987), seu melhor e mais animado trabalho dessa fase (junto com Um bom forró). Seguindo o exemplo de nomes como Jorge de Altinho e Nando Cordel, Marinalva e sua gente contou com a inserção de metais em faixas como a regravação de “Jacaré dos Homens” (Elino Julião) e o pot-pourri de abertura com “Saudade de Campina Grande” (Rosil Cavalcanti), “Não dá pé” (Cecéu) 3 e “É tempo de voltar” (Dominguinhos/Anastácia), músicas anteriormente gravadas por Marinês.

 Esse pot-pourri inclusive foi utilizado pela cantora na apresentação, em rede nacional, no programa Clube do Bolinha, da TV Bandeirantes. Marinalva e sua gente foi o último disco gravado na década pela artista, que também realizou trabalhos em álbuns de outros músicos, como no LP Merengue dela (1986) de Arlindo dos 8 Baixos, onde tocou triângulo e atuou como assistente de produção, e no LP Bom pra forrozar (1989), de Duda da Passira, cantando em uma faixa.

Foi também na década de 80 que Marinalva viu crescer sua popularidade no Nordeste. Era convidada frequentemente para programas locais de televisão, em canais como a TV Tupi de Recife, a TV Jornal do Commercio (Rede Bandeirantes) e TV Universitária. A agenda de shows também era cheia, com apresentações em diversas cidades nordestinas, sendo anunciada como uma das maiores atrações de grandes festividades. Os anúncios e notícias abaixo comprovam que Marinalva era uma das mais principais cantoras nordestinas do período:

FINAL CARREIRA: 1990 foi o ano de lançamento do LP Pra lá de bom, lançado pela Polydisc, com praticamente todas as músicas assinadas por Aracílio Araújo (com parcerias), além de “Pescador Potoqueiro” (João Silva/Messias Holanda) e “Os pernilongos” (João Gonçalves/Marinalva), ambas de duplo sentido. No ano seguinte participou do LP Daquele jeito, do cantor Agamenon Show, cantando em uma das faixas. Em 1992 veio Coração teimoso, último disco da cantora, que trouxe as versões de “Resto de amor” (Cecéu) e “A separação” (Jorge de Altinho/Feliz Barros/Gisa Rocha), sucessos com o Trio Nordestino, além da regravação de “Tarde Nordestina” (D. Matias/Naldinho). Com arranjos do acordeonista Severo, o disco mostra a cantora em plena forma, principalmente em “Coração teimoso” (João Silva), comprovando que seu talento poderia proporcionar ainda, por muitos anos, outras grandes interpretações.


As apresentações musicais de Marinalva, que àquela época normalmente contavam também com seu marido Aracílio Araújo (triângulo), Quartinha (zabumba) e Cicinho (sanfona), duraram até por volta de 1993, quando a cantora começou a enfrentar problemas de saúde. Diabética, chegou a perder parte de um dos pés, dificultando sua locomoção, especialmente em viagens. “A gente fazia muitos shows em Pernambuco e também na Bahia. Por questões de saúde, ficou difícil pra ela continuar”,

relembra Aracílio. A partir daí, Marinalva passou a se dedicar apenas ao lar, atuando esporadicamente em gravações de outros artistas, como no coro de discos de Aracílio Araújo e Santanna (ainda se apresentando como Luís de Santana), e no dueto com Ivan Ferraz em “Mané e Zabé” (Zé Dantas/Luiz Gonzaga), música que marcou a carreira de Marinês por ter sido sua primeira gravação, em 1956, cantando com Luiz Gonzaga. Em 1998 Marinalva ainda participou da décima edição do festival Forró Fest, organizado anualmente pelas TVs Cabo Branco (João Pessoa) e Paraíba (Campina Grande). Na ocasião, interpretou a canção “Mulher forrozeira”, de Aracílio Araújo, ficando com o 3ª lugar no concurso. “Ela recebeu uma sanfona avaliada em dez mil reais como prêmio”, recorda-se, com orgulho, o compositor. A música, assim como as demais finalistas, ganhou versão de estúdio, registrada no CD Forró Fest 10 anos.

Nos anos 2000, Marinalva continuou sofrendo com problemas de saúde em consequência da diabetes e praticamente não atuou artisticamente. Em 11/09/2004, por complicações decorrentes de um AVC sofrido poucos dias antes, faleceu, aos 56 anos, na cidade de Recife/PE.

VIDA FAMILIAR:  Não foi somente junto aos seus irmãos que Marinalva teve influência artística. Nos seus casamentos, a paraibana sempre se relacionou com pessoas ligadas à arte. Ainda muito jovem, em uma de suas apresentações Marinalva conheceu o artista circense Arlindo Fernandes, com quem teve seu primeiro filho, Ricardo, nascido em 1965. Pouco tempo depois, separou-se de Arlindo e passou a viver com o sanfoneiro conhecido como Gonzaguinha (que inclusive gravava com ela e tocava nos shows), com quem permaneceu cerca de cinco anos e teve o filho Ronaldo, em 1971. Logo após o nascimento de Ronaldo, no entanto, a união com Gonzaguinha foi desfeita, tanto que o garoto foi criado e registrado pelo marido seguinte de sua mãe, Zezinho (José Bernardo Filho), também acordeonista e que permaneceu com Marinalva até por volta de 1983. Zezinho também atuava artisticamente com ela nas apresentações e em vários discos – o último foi Cheguei. Com ele, a forrozeira teve duas filhas, Jussara (1978) e Janaína Maria (adotiva). Já separado de Marinalva, Zezinho, também conhecido como Zezinho do Acordeon ou Zezinho da Paraíba, destacou-se nos anos 90 na banda Mastruz com Leite, tocando por vários anos no famoso grupo. Desde aquela década radicou-se em Fortaleza/CE, onde também gravou alguns CDs em carreira solo.

Após a separação com Zezinho, Marinalva teve como marido o cantor e compositor Aracílio Araújo, com quem foi casada até o final de sua vida. Aracílio, que possui 8 CDs gravados, teve várias composições interpretadas também por diversos outros artistas, como Alceu Valença, Elba Ramalho, Fagner, Marinês, Adelmário Coelho e Flávio José. É dele a canção “Deixe o rio desaguar” (também gravada por Félix Porfírio e Flávio José, entre outros), que se tornou uma espécie de hino da transposição do rio São Francisco. Foi fundamental na carreira da esposa, atuando nos discos (desde Um bom forró até Coração teimoso) e compondo diversas canções que fizeram parte do repertório dela. O casal teve os filhos Marcílio (1985) e Marcelino (por adoção). Marcílio (zabumba e vocal) e seu irmão Ronaldo (sanfona), aliás, seguiram os passos dos pais e são músicos em Olinda, onde atuam há mais de 10 anos na banda Forró sem Fronteiras. Em relação às cidades onde residiu, Marinalva, além de Campina Grande/PB, morou em João Pessoa/PB e também, por curtos períodos, no Rio de Janeiro/RJ, Salvador/BA e Aracaju/SE. Nos anos 80 mudou-se definitivamente para Olinda/PE, sua última cidade.

DISCOGRAFIA: Para a pesquisa sobre a discografia de Marinalva, foram consultados diversos sites de música (principalmente o Forró em Vinil) e de comércio de discos, bem como jornais e acervos de colecionadores, sendo encontrados 11 LPs solo e 11 participações em coletâneas (6 delas com músicas inéditas e outras 5 com fonogramas extraídos de discos anteriores). O total de gravações, incluindo duetos em discos de outros artistas, foi de 140. Dessas, assinou como compositora, com parcerias, em 25. Teve também uma composição gravada por Arlindo dos 8 Baixos (mas não gravada por ela), totalizando 26 composições, várias delas com o marido Aracílio Araújo, que explicou que, na verdade, o processo de criação não passava pela esposa: ele fazia a canção sozinho e registrava o nome dela como co-autora. Todos esses números, entretanto, podem ser maiores, tendo em vista a escassez de fontes disponíveis para consulta.

Dos discos individuais relacionados abaixo, somente o Pra lá de bom, atualmente, não está disponível para audição nas plataformas digitais de streaming. Todos os demais, bem como algumas coletâneas, podem ser encontrados:

Discos solo

Eu também sou de lá (1970, Maraca)

Poeira do caminho (1974, CBS/Tropicana)

Viva o Nordeste (1977, Chantecler/Alvorada)

Tardes nordestinas (1978, Chantecler/Alvorada)

De rolha na boca (1980, Rozenblit)

Cheguei (1983, Rozenblit)

Um bom forró (Palco) (Não foram encontrados registros, provavelmente foi lançado em 1985)

Enxugue o rato (1986, Polygram/Memória)

Marinalva e sua gente (1987, Polydisc)

Pra lá de bom (1990, Polydisc)

Coração teimoso (1992, Somarj)

Coletâneas

O fino da roça vol. 3 (1971, Fontana)

Quermesse (1971, Fontana)

O fino da roça vol. 4 (1972, Fontana)

Quermesse vol. 2 (1972, Fontana)*

Fogo na geringonça vol. 2 (1972, Fontana)

Forró (1976, Phonogram/Polyfar)*

Canjica, pamonha, rojão (1977, Chantecler/Alvorada)

O fino do fino da roça (1979, Polygram/Sinter)*

O fino do fino da roça vol. 2 (1980, Polygram/Sinter)*

Puxando fogo (1985, Polygram/Sinter)*

Forró fest 10 anos (1998)

* Discos sem canções inéditas de Marinalva.

A FALTA DE RECONHECIMENTO: Ótimos discos, mais de 20 anos de carreira, participação em várias coletâneas e uma boa popularidade no Nordeste no período em que atuou. Isso tudo, porém, não foi suficiente para que o nome de Marinalva se tornasse conhecido nacionalmente. Mesmo quem não conhece muito bem a música nordestina certamente sabe quem é Marinês, mas, provavelmente, nunca ouviu falar em Marinalva. Alguns motivos podem explicar o fato. Primeiramente, ela surgiu artisticamente em um período em que o forró, ofuscado por gêneros diversos, era pouco valorizado fora da região nordestina. Segundo, porque lhe faltou uma melhor estrutura de apoio na carreira, um empresário ou gravadoras que investissem mais no seu talento.

“Marinalva cantava muito bem. Tinha uma voz linda, afinada, mas não tinha uma boa estrutura em volta dela. Não tinha o tirocínio artístico da irmã, por exemplo. Era um pouco desorganizada. Somente nos anos 80 é que as coisas se ajeitaram mais”, opina Aracílio Araújo, viúvo da cantora, a respeito do assunto. Além desses fatores, faltou também a Marinalva uma música que estourasse nas rádios de todo o país, como aconteceu com “Severina Xique-Xique” (João Gonçalves/Genival Lacerda) e “Prenda o Tadeu” (Antônio Sima/Clemilda), sucessos com Genival Lacerda e Clemilda, respectivamente. Essa lacuna pode ser explicada pela falta de um empenho maior por parte das gravadoras junto à mídia ou mesmo por não ter tido uma maior sorte. 

O jornalista e escritor Luís Antônio Giron, em texto publicado em 1991 na Folha de São Paulo sobre o já mencionado CD Brazil Classics 3 – Forró etc. (Matéria “David Byrne acha que o forró é uma mistura de ska com polca”, Folha de São Paulo, 19/06/1991), ao mesmo tempo em que elogia a cantora por sua interpretação de “Tarde nordestina”, sugere que a falta de sucesso da paraibana no sul se devia a sua “estigmatização pela baixa qualidade de seu repertório”, comparando-a a Clemilda. Certamente se referia às composições de duplo sentido, demonstrando desconhecer o trabalho em geral de Marinalva, já que menos de 10% das canções gravadas por ela tinham letras maliciosas. A respeito de ter sido irmã de uma cantora já famosa, claro que o fato já lhe servia como um bom cartão de visitas, mas, no geral, o parentesco não foi fundamental em sua carreira. 

“Marinalva não gostava de explorar o fato de ser irmã de Marinês, não ficava usando isso para se promover, tinha uma carreira independente. Pode escutar todos os discos de Marinês. Você não vai encontrar sequer uma participação de Marinalva”, explica Aracílio Araújo.

Todos esses aspectos abordados, no entanto, não justificam o esquecimento sobre a cantora no Nordeste, principalmente em Pernambuco, onde ela desenvolveu boa parte da carreira, e em sua terra natal. A Paraíba, berço de grandes nomes do forró como Jackson do Pandeiro e Sivuca, normalmente reconhece a importância de seus valores artísticos, mas praticamente não se fala, não se escreve e não se toca Marinalva. Até mesmo em Campina Grande seu nome é pouco citado. O Forró Fest e o Troféu Gonzagão, eventos sobre a música nordestina realizados anualmente no estado e que já homenagearam inúmeros paraibanos, nunca lembraram de Marinalva. 

Logicamente, pelo que representou, é normal que Marinês, um dos grandes pilares da história do forró, seja bem mais mencionada, mas Marinalva também merece ter seu destaque. Nunca é tarde para a arte, para que as novas gerações (re)descubram valores do passado. E, quem sabe, essa redenção não se inicie pela Paraíba – e sua gente?

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