VEM VER O VENTO QUE É O VERSO DAS POETAS DO PAJEÚ

– Vamo?:

Se eu pudesse não via

um canário na prisão

É de cortar coração

quando ele canta mêo dia

Quando é de noite ele chia

sentindo o cheiro das pranta

Tempera sua garganta

canta sem tá com vontade

E pra matar a saudade

um passarin preso canta (Severina Branca, maio de 2019, em Mundo Novo)

Severina Branca (1945) nasceu pra explicar que o feminino de poeta só pode ser poesia. Com essa resposta como princípio, saímos em maio de 2019, acompanhadas de outras perguntas: O que faz do Pajeú um território tão associado à prática da poesia? Por que existe uma ode a ela no cotidiano? Como uma comunidade aprende a defender o valor de se ensinar poesia? Quando foi que a poesia surgiu no imaginário da população? Desde quando a poesia mora na rotina desta região? Como nascem tantos poetas em uma mesma geografia? São poetas as mães que gestam na barriga os poetas? Onde estão as poetas deste território marcado pela poesia? Com esse mapa de perguntas, iniciamos a trajetória do projeto As poetas do Pajeú, que vem se desenvolvendo ao longo dos últimos três anos.

QUEM PROCURA, ACHA: Nas livrarias, nas publicações, antologias e coletâneas de literatura pernambucana, nas mesas de glosas, na boca das pessoas, quando pedimos referências de poetas do Sertão do Pajeú: quase não encontramos mulheres. Dizemos que nossa inquietação nasce ao notar a escassez da presença, para dizer que sentíamos mesmo muita falta das poetas no palco da palavra do Pajeú.

A partir disso é que organizamos uma busca por rádio, carros de som, intervenções públicas com faixas, batendo na porta das casas das pessoas, conversando com professoras, no supermercado, por telefone, e-mail, no Instagram, no Facebook, no WhatsApp, de carro, percorrendo comunidades rurais e 17 cidades, além de outras ativações de uma equipe de cinco mulheres em imersão, com a contribuição de tantas outras, nessa busca.

Nosso ímpeto em empreender uma iniciativa que desse maior visibilidade às mulheres poetas do Sertão do Pajeú, considerando produções dos últimos 100 anos, configura, de fato, uma pesquisa audaciosa, que está em andamento ainda e que esperamos que continue para além dessa ação. Consideramos fundamental questionar o lugar ocupado pelas poetas no cenário do Sertão do Pajeú, assim como compreender a realidade social, as diferentes gerações, a diversidade de enunciações, de características temáticas, formais e o desenvolvimento da poesia nas modalidades falada ou escrita, por exemplo.

O projeto, que propõe uma fissura na suposta harmonia estabelecida no uso da nomenclatura poetisa frente ao vocábulo poeta, encara o ruído em experimentar diante da tradição como um traço inerente à natureza de nossa proposta. Reivindicando uma reestruturação da linguagem, uma reconfiguração do imaginário e do olhar, vivemos e registramos um sertão plural, verde, líquido, narrado por mulheres.

Dessa forma, contrapomos um sistema histórico e socialmente organizado que tende a inferiorizar e invisibilizar as mulheres através da narrativa de um sertão masculino, seco, árduo. Com o entendimento que a pesquisa possibilita não só a criação de uma narrativa focada na produção das poetas da região, mas também uma reflexão analítica que pretende confluir na palavra poeta, como termo que comporta a existência e produção poética das pessoas, sem enquadrá-las em binarismos, atitude que pode provocar debates, transformação e reordenação das estruturas de convivência.

Como se pode notar, no processo de pesquisa, houve cuidado para reunir estratégias de entrecruzamentos, encontros, contatos para podermos aprender sobre a poesia do Pajeú, reverberar esse patrimônio cultural e produzir conhecimento a partir dele com uma equipe formada exclusivamente por mulheres. A metodologia de investigação permitiu traçar dois caminhos para encontrar a poesia feita por mulheres no Pajeú, atentas à multiplicidade de manifestações do fazer poético: debruçamo-nos sobre material bibliográfico e transitamos tanto pelas cidades mais conhecidas como por estradinhas de terra de povoados de difícil acesso para encontrar vivências plurais.

Essa imersão no cotidiano do Pajeú nos presenteou com momentos de franca beleza, como escutar as irmãs do Sítio Serrinha – Maria de Lourdes, Maria Valderisa e Ana Maria – declamarem versos passados de geração em geração na família, escutar os poemas enquanto juntas debulhávamos feijão verde e víamos a feitura do queijo coalho. Registrar Jéssica Caitano, cantando junto ao pandeiro, na Cachoeira do Pinga, no sertão verde e fértil, nos alimentou com paisagens, situações, experiências poéticas,para além do Triunfo dos versos.

Da geração mais antiga de mulheres da zona rural de São José do Egito, fomos para a comunidade quilombola de Brejo de Dentro, em Carnaíba, ler e ouvir a jovem Beatriz Eduarda, que na sombra de um cajueiro também compartilhou seus afazeres e desejos de poeta, conectados às pisadas e ao ritmo do coco cultivados pelo pai, José Josinaldo, que fez questão de dançar e cantar um pouco de sua arte.

Vento de ventilador

Que não vence a maresia

Moleque dentro da rede

Fazendo “estripulia”

Gavião voando solto

Ou brigando com galinha

O matuto do sertão,

Feijão, arroz e farinha

A festa de fim de ano,

Conversa do dia a dia

A mãe, o pai, a criança,

Avó, cunhada e tia

Os “bebo” no meio da rua

Desafiando a polícia,

A melancia na rama,

Macaxeira com linguiça,

A pega de boi no mato

E reunião de família

Isso tudo e um pouco mais

É que faz a poesia!!! (Isso tudo e um pouco mais é que faz a poesia, Beatriz Eduarda, 2004)

Atravessamentos típicos do Pajeú, região que se conecta pelo rio, onde há um diálogo e interação intersemiótica entre as artes, o que podemos ver de forma bem potente nas rimas do rap-coco-cibernético de Jéssica Caitano, no teatro de Odília Nunes, nas canções e nos poemas que marcam as apresentações de As Severinas, banda composta por Isabelly Moreira, Marília Correia e Monique D’Angelo, por exemplo.

Essa efervescência artística que encontramos no Pajeú configura-se a partir da heterogeneidade que marca a relação particular de cada um dos 17 municípios pajeuzeiros com a experiência poética. Há inegavelmente um maior quantitativo de poetas em cidades como São José do Egito, Tabira e Afogados da Ingazeira, por exemplo; no entanto, houve um cuidado na organização do acervo de poemas em ter acesso às poetas de cidades que possuem um menor quantitativo populacional e também apresentam um número mais reduzido de poetas encontradas, como Flores, Solidão e Brejinho.

Configurou-se, portanto, como um dos objetivos do projeto trazer além de nomes já consolidados, como o de Bia Marinho e o de Beatriz Passos, os de poetas ainda pouco conhecidas dentro do território do Pajeú, ou até mesmo que nunca foram publicadas, ou recitadas, já que nesse contexto cultural a prática de oralizar publicamente a poesia é bem mais recorrente quando comparada à de publicar. Se, por um lado, o registro escrito permite essa possibilidade de apreensão do poema de outrora, por outro, o contato aprofundado com a poesia do Pajeú nos fez pensar que pode ser limitada a experiência de, algumas vezes, ler os versos em um livro ou em uma tela de computador, já que há um destaque à presença do corpo na construção de sentidos do fazer poético sertanejo, que delineia uma poesia pensada para um público que escuta, não apenas lê.

QUEM NÃO LÊ, LEMBRA: Antes de ser letra, a poesia do Pajeú é voz, distante de uma composição ou leitura silenciosa, ela chama a música até mesmo na arte de declamar, com um propósito de partilha, encontro público. Constatamos que as marcas da oralidade estão tanto nos poemas escritos quanto nos falados, seja através da rima, do ritmo, da escolha vocabular que remete à fala na modalidade escrita, seja a partir da entonação, da cadência, da ênfase sonora, das pausas marcando som e silêncio, nos gestos, na dramatização de uma poeta performando seu poema na modalidade falada da língua. Dessa forma, a oralidade é uma das características constitutivas da poesia do Pajeú.

Nesse sentido, trata-se de uma experiência absolutamente distinta escutar, por exemplo, Severina Branca dizer seus poemas e de uma forma única performar, com musicalidade e trabalho de voz específicos, agregando sentido ao oralizar as composições. Há uma vivência de corpo, de voz, de olhar, de boca e de ouvidos que exercitam a poesia ora memorizando para compartilhar ora escutando com atenção, revelando-se uma prática comunitária da habilidade poética. Como Severina, outras poetas da geração antiga, Rafaelzinha e Luzia Batista, por exemplo, configuram-se como artistas na tradição oral, cultivam essa poesia que pode ser percebida através da memória como artifício, ao produzir e reproduzir os versos sem apoio da escrita e com elaboração poética de excelência.

No entanto, a técnica de criar e registrar apenas na memória também está atravessada pela possibilidade do esquecimento, já que se trata de um material vivo e mutável que abrange o processo lacunoso da recordação, podendo promover adaptações, o que expõe ainda mais camadas da construção do conhecimento e da cultura com base na língua em sua modalidade falada. Nessa trama, demonstra-se a importância de incentivar agentes e trabalhos da memória cultural, ou seja, desenvolver empreendimentos que se respaldam em registrar em diversas mídias a produção oral para que ela permaneça ecoando nas gerações futuras. O projeto As poetas do Pajeú se alinha e fomenta essa perspectiva.

As poetas da poesia falada serviram-se das peculiaridades da modalidade da língua que dominavam e desenvolveram poesia, disseram e cantaram seus poemas, no caso de Severina Branca e Luzia Batista continuam reverberando seu fazer poético. Ao escutar os relatos das mulheres com mais idade, evidenciam-se as dificuldades da cultura patriarcal que fazia com que elas abandonassem as vivências artísticas por conta do casamento ou dos filhos, como nos testemunhou D. Luzia. Por isso, provavelmente, há um número limitado de registros em mídias escritas ou audiovisuais das poetas não letradas, já que seria mais curto o tempo que desfrutavam como poetas. Ademais, constata-se, ontem e hoje, o preconceito que acaba subvalorizando e tratando com demérito essas valiosas contribuições artísticas da oralidade.

Em relação a essa situação, essas produções culturais que vêm de uma contínua reverberação a partir do contato entre as gerações enquanto manifestação oral estão recebendo possibilidades de registro em artefatos da memória cultural, tanto através de iniciativas audiovisuais quanto de publicações literárias.

Por exemplo, D. Luzia Batista, que fez sucesso em sua juventude nos anos 1970 e 1980, nos improvisos das cantorias, mas só aos 66 anos publicou seu primeiro livro, a partir da iniciativa de Isabelly Moreira e Vinícius Gregório de organizar sua produção poética. Também no que se refere às poetas da escrita, há o livro póstumo de Clene Valadares que está no prelo, editado por sua filha Anaíra Mahin.

Empreendimentos como esses se assemelham aos anseios do projeto As poetas do Pajeú, pois permitem uma política da memória contra o apagamento, o esquecimento de poetas que ainda não obtiveram o devido reconhecimento público e podem não ter registros de sua poesia em mídias da recordação. Diante dessa constatação, o projeto pretende disponibilizar o acesso ao acervo construído durante a pesquisa a partir de um arquivo rizomático, em uma pluralidade de mídias – poemas escritos, em áudios e em vídeos – exatamente por entender o caráter plural do Pajeú.

Nessa trilha, precisamos enfatizar outra camada da poesia do Pajeú que está relacionada a uma poesia da oralidade: as mesas de glosas e as cantorias. Populares e prestigiosos são esses encontros de poetas, redutos tradicionalmente pouco ocupados pelas mulheres. Ainda assim, na antiga geração, Anita Catota e Luzia Batista fizeram sucesso nesse cenário.

Por outro lado, a nova geração de mulheres que desenvolve o improviso nas mesas de glosas já conjuga a espontaneidade dos versos articulados em poucos minutos e com motes compartilhados com a experiência da escrita, sobretudo, em coletâneas regionais e nacionais, como é o caso de Francisca Araújo, Dayane Rocha, Elenilda Amaral, Erivoneide Amaral e Milene Augusto.

Observamos que o desejo pelo exercício da poesia elaborada em uma comunicação poética engendrada no “aqui e agora”, no improviso e na fala, não está associado intimamente a ser ou não letrada, senão a uma mais complexa tradição poética compartilhada através da experiência oral e de partilha pública da comunidade. Traços esses que podemos encontrar como ecos em manifestações poéticas que acontecem em diferentes países e culturas, através das batalhas de improviso do rap e do slam, por exemplo.

EM TODO CANTO HÁ UM MUNDO NOVO

Quis fugir do conforto do meu ninho,

Engasguei no silêncio dos meus lábios,

Pois só vi, nas lonjuras do caminho,

Passos tolos buscando rumos sábios.

Voltei sem explicar essa magia...

Pois só sei contemplar a Poesia

Sendo ela que em tudo me completa,

Entre tantas razões, por ser perfeita...

E, pra tentar desvendar do que foi feita,

Sonhos às vezes, meu Deus, que sou Poeta! (Trecho de poema de Francisca Araújo, 1995)

Quando pensamos o local e o global, os desdobramentos se multiplicam em distintas gradações e caminhos. Assim, podemos notar uma articulação da tradição poética da região com novas formas de produzir, divulgar, apreender poesia, conjugando as características locais com perspectivas nacionais e globais do cenário literário, dissolvendo barreiras, promovendo contatos e se espalhando pelo mundo.

Atualmente, essa característica parece estar mais evidente, embora poetas como Clene Valadares já apresentassem traços rizomáticos e multiculturais, ao produzir poemas em inglês sobre experiências em diversos países. Junto a ela e mantendo a poesia como tradição de família – outra característica do Pajeú –, a sua filha Anaíra Mahin também explora a subjetividade em relação a um território familiar, marcando o encontro entre mãe e filha através de uma casa-ruína e de um país no desamparo.

Na minha casa brotou uma mata

Os espíritos de ferrão defendem a ruína

Por toda parte há estilhaço

Como se a casa estivesse nas entranhas

me habita uma borboleta de madeira com cheiro de chuva

Ouço dentro o som da panela que ampara essa goteira antiga

Ouço a louça frágil

como uma guerra que findou

sem socorro

Com os olhos secos

a vista traga mormaço

O vento cisca as telhas

Esfrego as janelas

A casa assim é palavra ao avesso (Anaíra Mahin, 1986)

Como evidenciamos na pesquisa e podemos ver nesta reflexão crítica, a produção das poetas do Pajeú está fortemente ligada às práticas da tradição oral, seja na poesia de bancada (das poetas que não improvisam), seja na das mesas de glosas, ambas poetas costumam dizer, declamar, performar seus poemas. Há uma variedade formal, ainda que se cultivem muito as formas fixas, com versos e estrofes metrificados, a presença do soneto se destaca, nesse sentido, junto aos poemas de verso livre, mais exercitados pela nova geração quando comparada com as gerações anteriores.

Quanto às temáticas, as poetas meditam sobre um universo complexo, sobre uma infinidade de assuntos, por exemplo: a própria vida, no sentido filosófico de poemas ontológicos de Carmen Pedrosa, Dulce Lima e Maria Cinthia Pio; a paisagem e o território na poesia de Elenilda Amaral, Verônica Sobral e Rafaelzinha; as particularidades da mulher nos poemas de gozo e maternidade de Dayane Rocha; a sociedade e a política nos versos de Celeste Vidal e Maria Samara; a metalinguagem presente na poesia de Thaynnara Queiroz. Essas constituem um pequeno panorama para citar alguns nomes do amplo universo poético das mulheres do sertão do Pajeú, que também tratam de amor, desilusão e saudade, dentre tantos outros aspectos da existência.

I

Quando é de manhãzinha

No tempo da trovoada

Canta alegre a passarada

Lá nas matas da serrinha

Vê-se logo a andorinha

Voando sem direção

Quando vê preparação

Muito cedo se levanta

Toda passarada canta

Quando chove no Sertão

II

Nem bem amanhece o dia

O xexeú se acorda cedo

Canta lá no arvoredo

Sua linda melodia

O concriz com alegria

Também faz sua canção

O bacurau pelo chão

Pulando de planta em planta

Toda passarada canta

Quando chove no Sertão

III

Canta o “galo-de-campina”

Canário e salta-caminho

Canta todo passarinho

Quando vê uma neblina

Todo pássaro faz buzina

Quando a chuva cai no chão

Lá na lagoa o carão

Prepara sua garganta

Toda passarada canta

Quando chove no sertão

IV

A jaçanã na lagoa

Vai logo se sacudindo

Quando a chuva vai caindo

Ela acha ser uma boa

Toda passarada voa

Causando admiração

Até mesmo o mergulhão

Dentro d’água se levanta

Toda passarada canta

Quando chove no Sertão (Efigência Sampaio de Lima Bezerra, 1935-1999)

*TEXTO MARIANA DE MATOS, ROSE LIMA, THAYS ALBUQUERQUE E UILMA QUEIROZ-REVISTA CONTINENTE 2018

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CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DA BAHIA REALIZA NESTA QUINTA (29) EVENTO PARA CELEBRAR OS 100 ANOS DE PAULO FREIRE

Com o tema ‘Paulo Freire e formação política: uma experiência coletiva’, o Conselho Estadual de Educação da Bahia (CEE-BA) realiza, nesta quinta-feira, 29 de abril, mais um evento em celebração ao Centenário de Paulo Freire. O Círculo de Cultura será transmitido pelo canal CEEBahia no YouTube, a partir das 19h, e terá a participação do professor Dr. Sérgio Coelho Borges Farias (UFBA) como convidado e do vice-presidente do CEE, Roberto Gondim, como mediador do encontro.

Sérgio Farias – Cursou Mestrado em Educação na Universidade Federal da Bahia – UFBA e Doutorado em Artes na Universidade de São Paulo. Especializou-se em Política e Administração Cultural, em curso promovido pela OEA, no Brasil e no Equador (1982). Realizou estágio Pós-Doutoral na área de Performance, Teatro e Oralidade, na Universidade de Paris Ouest - Nanterre/La Défense (2001). É Professor Titular na Área de Didática e Metodologia do Ensino na UFBA, foi Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq, docente, orientador e coordenador nos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Artes Cênicas. É ator e diretor teatral, tendo participado em mais de 30 espetáculos produzidos em São Paulo e em Salvador. Participou da criação e foi Diretor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA. Foi Assessor para as áreas de Arte e Cultura da Reitoria da Universidade Federal do Oeste da Bahia. Fonte: ASCOM/CEE-BA

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INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE CITA REPATRIAÇÃO DAS ARARINHAS AZUIS PARA COMEMORAR O DIA NACIONAL DA CAATINGA

Hoje, dia 28, se comemora o Dia Nacional da Caatinga, único bioma 100% brasileiro e um dos biomas mais povoados (são mais de 20 milhões de brasileiros vivendo nos 850 mil km²) que representam cerca de 11% do território nacional, abrangendo todos os estados do Nordeste e do norte de Minas Gerais. 

Nos últimos anos, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ampliou o número de unidades de conservação federais neste bioma e comemora a repatriação de 52 exemplares de ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), que retornaram ao seu lar, a caatinga baiana, em março dE 2020. Essa ave estava extinta na natureza e é endêmica da região.

A diversidade, a riqueza de espécies e o número de endemismos da Caatinga foram, por muito tempo, considerados baixos. Entretanto, pesquisas recentes demonstram o contrário. São registradas para o bioma, até o momento, 3.200 espécies de plantas, 371 de peixes, 224 de répteis, 98 de anfíbios, 183 de mamíferos e 548 de aves. 

A Caatinga é o lar da ave com maior risco de extinção no Brasil, a ararinha-azul (Cyanopsitta spixii), e de outra espécie ameaçada, a arara-azul-de-lear (Anodorhynchus leari). Outras aves endêmicas identificadas pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave), do ICMBio, na Paraíba, são o soldadinho-do-araripe, beija-flor-de-gravata-vermelha, bico-virado-da-caatinga, tem-farinha-aí, zabelê. Na lista de animais endêmicos, há também o sapo-cururu, asa-branca, cotia, gambá, preá, veado-catingueiro, tatu-peba e o sagüi-do-nordeste, entre outros.

Para ampliar a conservação da biodiversidade da Caatinga, há dois anos o ICMBio criou três unidades de conservação federais: a Área de Proteção Ambiental (APA) Boqueirão da Onça, o Parque Nacional Boqueirão da Onça e o Refúgio de Vida Silvestre da Ararinha-Azul, todas na Bahia. A criação da APA e do Parque Boqueirão da Onça, que juntas têm quase 9.000 km², foi fundamental na proteção das onças-pintadas. No Brasil, a onça-pintada vive em diversos biomas, mas é na Mata Atlântica e na Caatinga que a espécie está mais ameaçada, sendo considerada criticamente em perigo de extinção.

Extintas da natureza, 52 exemplares de ararinha-azul retornaram ao seu lar em março deste ano: a caatinga baiana. As aves vieram da Alemanha, por meio da organização não-governamental alemã Association for the Conservation of Threatened Parrots (ACTP) que, em parceria com o Governo Federal, trouxe as aves para o Brasil. Elas estão no Refúgio de Vida Silvestre da Ararinha-Azul, unidade de conservação federal criada em 2018 especialmente para recebê-las, antes de serem soltas na natureza.

O ICMBio tem outra unidade que protege o bioma, como a Estação Ecológica (Esec) Raso da Catarina (BA), que abriga uma área significativamente conservada do bioma Caatinga. E é nesta região do Raso da Catarina e no Boqueirão da Onça que vive outra espécie endêmica da caatinga: a arara-azul-de-lear. A espécie é categorizada como Em Perigo de extinção e está contemplada no Plano de Ação Nacional para Conservação das Aves da Caatinga, coordenado pelo Cemave. Um censo, realizado em 2018 pelo Cemave e instituições parceiras, apontou que nesta região vivem 1.700 arara-azul-lear.

BIOMA: A área da Caatinga é de 844.453 Km² (IBGE, 2004) e a totalidade de seus limites encontra-se dentro do território brasileiro, ou seja, seu patrimônio biológico não é encontrado em nenhuma outra região do mundo. Faz limite com outros três biomas do país, a Amazônia, a Mata Atlântica e o Cerrado. De todos os estados em que ocorre a Caatinga, o Ceará é o que possui maior parte do seu território formado por esse bioma.

A região se caracteriza por apresentar clima tropical semiárido, com chuvas inferiores a 750mm anuais na maior parte do domínio e temperatura média anual em torno de 26°C. 

“As Caatingas são espaços de resiliência, poucas regiões vivem stress hídricos tão permanentes, mas as formas de vida que ali residem se relacionam com a abundância e a escassez de uma forma equilibrada, harmônica e de fruição, vivendo cada dia cada estação como se fosse única”, argumenta o analista ambiental do Cemave, em Cabedelo, na Paraíba, Elivan Souza, que vive o dia a dia na caatinga. (FONTE: ICMIBio)

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SER (TÃO) CAATINGA: CORES E SABORES DA RESISTÊNCIA

A Caatinga, bioma do sertão do país, é o único bioma exclusivamente brasileiro, e se estende por todo interior do Nordeste oriental, ocupando 18,3% do território do nordeste brasileiro, também presente nas regiões do extremo Norte do estado de Minas Gerais e Sul do Maranhão e Piauí. Esse verdadeiro patrimônio biológico e cultural é o tema do Programa Comida de Verdade na próxima quarta-feira (28).

Como não pode ser encontrado em nenhum outro lugar do planeta, a Caatinga tem como identidade ser genuinamente brasileira e é marcada não só pelo clima semiárido, mas também pela cultura sertaneja e um espírito de trabalho e partilha que vão além dos biomas e da biodiversidade, subvertendo a imagem de que a caatinga é só seca ou deserto. “[A Caatinga] é rica culturalmente e tem um potencial turístico enorme, mas também que ainda é visto com muito preconceito diante do senso comum e da mídia”, afirma Aline, uma das apresentadoras do próximo Comida de Verdade.

Para ela, estar no Comida de Verdade é falar dos frutos da Caatinga e adentrar na cozinha do povo sertanejo e “puxar um tambor”. “Participar do programa Comida de Verdade é adentrar na cozinha do povo, do sujeito brasileiro de todos os cantos “desses Brasis”. E nesse programa em particular, especial da Caatinga, é adentrar na cozinha dos sertanejos que estão localizados nos territórios do bioma Caatinga, que se alimentam, se nutrem, mas também se espelham na resistência das plantas e dos animais para a sua existência nesse território”.

O Programa desta semana também traz o Plano Nacional “Plantar árvores, produzir alimento saudáveis” do MST e comenta como a campanha está inserida na realidade da Caatinga, com agroflorestas e quintais produtivos de árvores simbólicas como o Umbu, considerada árvore da vida que guarda água.

“A culinária popular, tradicional desses Brasis é muito diversa. E a Caatinga tem tudo a ver porque comida de verdade fala de gente simples, de comida feita de forma tradicional e simples, com os nutrientes que a gente tem no quintal, que a gente tem no lote, nas áreas de reserva, do Umbuzeiro”, lembra Aline.

O programa também está repleto de informação e cultura com dicas de saúde e alimentação, como as feiras que abastecem os municípios menores da Caatinga. A cultura do cangaço ocupa a parte do visual, a partir da estética do programa que traz o cordel, Aboio, Xilogravuras e Repente para alegrar o final da tarde de quarta.

“Comida de verdade também tem tudo a ver com a Caatinga porque estamos falando de comida resistente, de comida popular, de comida para nutrir o corpo, mas também nutrir a alma, nutrir a luta em defesa da Reforma Agrária Popular. E, em particular nesse período de pandemia, também nutrir e oxigenar a vontade de ter um Brasil justo e igualitário, com comida tanto no campo como também na cidade”, conclui Aline.

Serviço: Quer entender mais sobre a Caatinga e porque ela têm tudo a ver com o Programa Comida de Verdade?

Então não esquece: é quarta-feira (28/04), às 19h00, nas redes sociais do MST e outros parceiros.

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CARIRI-A NAÇÃO DAS UTOPIAS *TEXTO DO CINEASTA ROSEMBERG CARIRY

O texto do cineasta e pesquisador cultural, Rosemberg Cariry, intitulado “CARIRI – A Nação das Utopias”, traz um pouco da parte mitológica dos índios Kariri. Por meio de uma narrativa simples, Rosemberg apresenta uma fração de como era as crenças e os mitos dos nativos que viviam na Chapada do Araripe, antes do extermínio colonizador europeu. Veja a seguir um fragmento desse importante texto construído principalmente pelo relato de história oral da resistência dos índios Kariri.

A região do Cariri cearense é um oásis, o verde coração do semi-árido nordestino. Apesar de ser uma terra de farturas e de portentos, sua história revela a tragédia do processo civilizatório sertanejo no destino de um povo - os Cariri (Kariri ou Quiriri) - que se fundiu na carne e na alma dos seus inimigos: fazendeiros, criadores de gados, agricultores e vaqueiros oriundos de Sergipe, de Pernambuco e da Bahia. Ao Cariri cearense, centro geográfico com eqüidistância para as principais capitais do Nordeste, desde meados do século XVII até os dias de hoje, continuam a chegar multidões sertanejas, em um fluxo constante, atraídas pela fertilidade e pela sagração do território como espaço mítico.

As narrativas míticas indígenas, dispersas em livros, poemas e contos populares, encontram-se fragmentadas e mescladas com narrativas religiosas judaico-cristãs e com as afro-brasileiras. Os mistérios iniciáticos dos mitos originais, como a escultura de um símbolo que tomba, fragmentaram-se em mil pedaços, deixando que se perdessem as chaves dos seus selos. Revisitar essas narrativas e tentar organizá-las em um “corpus” (dar-lhes uma coerência) é tarefa das mais difíceis, só possível através da psicologia profunda e do estudo dos arquétipos.

A narrativa popular, pelo mistério da arte, mergulha nas sombras e revela os arquétipos. Vale a pena enfrentar os perigos de uma jornada através do caleidoscópio de fragmentos míticos e arquetípicos do inconsciente coletivo em busca do mito original. Afirma a tradição que o Cariri era o território mítico de Badzé – o deus do fumo e civilizador do mundo. No princípio era a Trindade: Badzé era o Grande- Pai, Poditã era o filho maior e Warakidzã (senhor do sonho), o filho menor. Os dois irmãos habitavam a constelação de Órion. Badzé enviou Poditã, o seu filho preferido, para a terra Cariri e esse ensinou aos índios a reconhecer os frutos, a caçar animais, a fazer farinha de mandioca, a preparar utensílios de uso cotidiano, a dançar, a cantar e a fazer os rituais de pajelanças. 

Os índios viviam felizes, mas tinham apenas uma Única-Mulher, a Deusa-Mãe, princípio primevo do cosmo de onde se originaram todas as coisas. Eles desejavam mais... desejavam possuir muitas mulheres que pudessem preparar os alimentos que colhiam e caçavam e que gostassem de se deitar com eles nas redes para afugentar o frio da noite. Para satisfazer os desejos dos Cariri, Poditã orientou-os para que eles, quando fossem catar piolhos na Única-Mulher, ferissem a sua cabeça com um espinho mágico e a matassem. 

Depois, eles deveriam cortar o corpo da Única-Mulher em tantos pedaços quanto fossem os homens e cada homem deveria envolver o seu pedaço da mulher com capuchos de algodão. Os índios fizeram tudo, conforme as orientações de Poditã, e depois foram para a caça. Quando regressaram, viram admirados que, na aldeia, havia muitas mulheres. Elas alimentavam o fogo e tinham preparado uma grande quantidade de bebidas e comidas. Saciadas a fome e a sede, os índios e as índias sussurucaram em suas redes. Tiveram muitos curumins (crianças) e ficaram felizes, pois a Única-Mulher tinha se transformado na Iara – a Mãe das Águas (o feminino cósmico, inumano), o que assegurava a fertilidade da terra, possibilitando grande abundância de caças e de frutas.

Por tudo isso, os índios viviam felizes e agradecidos, dançando e cantando em honra de Poditã. Com ciúmes do irmão, Warakidzã desceu à terra Cariri, transformou as crianças índias em porcos-espinhos (o embrutecimento do espírito, o futuro negado), fazendo com que elas subissem num gigantesco pé de árvore (a árvore do bem e do mal?). 

Não satisfeito, pediu às formigas azuis para que roessem o tronco da árvore, derrubando-a por terra e deixando as crianças-porco-espinho para sempre encantadas no céu. A terra Cariri ficou um eterno “hoje”, sem amanhã. Depois de muitas tentativas inúteis de por a enorme árvore em pé, impossibilitados de subirem até os céus, os índios disseram a Poditã que estavam muito tristes e que queriam de volta a alegria das suas crianças (o seu futuro). 

Poditã ensinou então aos pajés que, invocando a proteção de Badzé, fumassem seus cachimbos com ervas mágicas e tomassem o vinho da jurema preta para ter visões proféticas, entrando, assim, em contato com o mundo dos encantados. Contente com a visita dos espíritos dos pajés e com as ofertas de fumo, Badzé castigou Warakidzã, desencantou as crianças-porco-espinho em curumins e as devolveu ao Paraíso da terra Cariri que voltou também a ter um amanhã.

O LAGO ENCANTADO: Os índios Cariri diziam provir de um “lago encantado”, provavelmente do Tocantins ou do Amazonas (ref. Capistrano de Abreu). O factual é que, habitantes do litoral nordestino, os Cariri foram sendo, pouco a pouco, empurrados para os sertões pelos Tupi, seus inimigos, e, posteriormente, pelos invasores europeus. Reza a tradição que eram de uma bravura e ferocidade estupendas, e como símbolo e troféu dos seus feitos épicos se ornamentavam com dentes de tubarão. 

O mito das águas tinha uma importância fundamental no sistema de crenças dos Cariri. A Deusa-Mãe, o espírito cósmico fecundante (a Única-Mulher), adquiriu, na cosmogonia Cariri, a simbologia da água representada pela Mãe d’Água – serpente sagrada que dorme nas profundezas da terra e guarda os segredos da vida e da morte.

NOTÍCIAS DA MÃE D'ÁGUA: Até algumas décadas atrás, a Mãe d’Água ainda habitava as fontes do sopé da Chapada do Araripe. Dona Amélia da Luanda, uma cabocla de 92 anos de idade, que mora próximo à “Nascente Batateiras”, no Crato, conta que na década de 20, seus irmãos chegaram a ver a Mãe d’Água (a Única-Mulher – o feminino inumano) e, por pouco, não morreram. Eles foram hipnotizados e atraídos pela insuportável beleza da Mulher-Serpente que flutuava na superfície das águas. Sua cabeleira de milhões de fios luminosos e verdes se ramificavam pela terra, como raízes. 

Os gritos da mãe verdadeira (o feminino humano) que, pressentindo o perigo, buscava os filhos na floresta, salvou-os de última hora. Não há quem possa ver, face a face, a Deusa-Mãe sem se dissolver nas suas profundezas. Dona Amélia da Luanda não informa se, depois de tão extraordinária “visão”, seus irmãos ainda ficaram “normais”. Com certeza não, possivelmente ou enlouqueceram ou viraram “iluminados” e saíram, pelos sertões afora, a profetizar os segredos do fim do mundo. 

A construção da usina hidroelétrica na “Nascente da Batateiras”, em 1939, terminou afastando a Mãe d’Água para as profundezas da terra. Como resquício dessa presença mágica da Mãe d’Água na “Nascente da Batateiras”, Dona Amélia da Luanda ainda aponta outros acontecimentos prodigiosos: em algumas noites, quando a lua está cheia (força feminina da fertilidade), ouvem-se as flautas e os zabumbas dos “caboclinhos” tocando dentro da floresta do Araripe. Esses “caboclinhos” são os curumins desencantados, festejando o regresso ao Paraíso Cariri.

O CARIRI VAI VIRAR MAR: As tribos Cariri, alocados na Missão do Miranda, guardaram codificados, na sua sensibilidade, intuição e memória, a evocação da “lagoa encantada” – lugar mítico das suas origens. Para eles todo o vale do Cariri era um mar subterrâneo. Debaixo da terra dormia a Serpente d’Água, cujo imenso caudal era represado pela “Pedra da Batateiras”, ao sopé da chapada do Araripe. 

Precisamente, onde hoje está situada a Matriz do Crato, erigida sob a invocação de N.S. do Belo Amor, era a cama da baleia ( na simbologia cristã : o peixe que guia a arca nas águas do dilúvio) Os pajés Cariri profetizavam que a “Pedra da Batateiras” iria rolar, todo o vale do Cariri seria inundado e as águas, em fúria, devorariam os homens maus que tinham roubado a terra e escravizado os índios. Quando as águas baixassem, a terra voltaria a ser fértil e livre e os Cariri voltariam para repovoar o “Paraíso”.

Não se sabe em que momento surgiu a lenda da “Pedra da Batateiras”, mas é possível que tenha surgido com o aldeamento dos índios Cariri na Missão do Miranda (1740 – 1750). É certo que, por volta de 1779, na mesma época em que eram despojados mais uma vez das suas terras, por decisão de José César de Meneses, governador de Pernambuco, os caboclos-cariri atribuíam a profecia de que “o Cariri iria virar mar” ao frei Vital Frescarolo, missionário apostólico capuchinho. 

Em um momento de crise, de dissolução da cultura e do sentido de “comunidade”, os caboclos-cariri buscavam, assim, uma “autoridade” exterior para dar à lenda foros de verdade sagrada e manter a coesão do grupo. Irineu Pinheiro registra que, em 1803, o frei Vital aldeou, nos sertões de Pernambuco, tribos da grande Nação Cariri.

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LIVRO RESGATA HISTÓRIA DOS ÍNDIOS KARIRI E O PROCESSO IDENTITÁRIO DOS POVOS ORIGINAIS DA REGIÃO

O Professor do Departamento de Direito da Universidade Regional do Cariri (URCA), doutor José Patrício Pereira Melo, lançou este mês, um dos primeiros e mais completos trabalhos relacionados aos índios kariri, povos originários da região sul do Ceará, e reúne informações importantes, com dados e análises, voltados ao fortalecimento da identidade dos povos Cariri Poço Dantas, em Crato.

O trabalho de pesquisa, que resultou na tese de doutorado do Professor Patrício Melo, foi realizado entre os anos de 2014 e 2020, na área de Direito, pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná, em decorrência de projeto realizado com apoio da Fundação Cearense de Apoio Pesquisa (FUNCAP) e Governo do Estado do Ceará.

O trabalho envolve resultados de uma pesquisa teórica e empírica, tendo como referência o Direito Socioambiental, além das áreas relacionadas ao Direito Constitucional, Direito Ambiental e os Direitos Sociais, positivados na Constituição. 

Segundo o autor, o trabalho vai além de um estudo apenas jurídico, e reúne um amplo relato historiográfico, além de descritivo do Cariri. A memória é reavivada dentro de um contexto de vivência dos ancestrais da região e dos que resistem. Isso inclui uma ampla explanação sobre o Geoparque Araripe Mundial da Unesco, além dos Kariri do passado e daqueles que resistem no território e buscam o fortalecimento da sua identidade.

Com uma ampla pesquisa, o Professor Patrício Melo afirma que os autores que referenciam o trabalho identificam no processo histórico, social e jurídico dos grupos étnicos submetidos à colonização, um dos maiores etnocídios da história, protagonizado pelos espanhóis e portugueses no século XVI. O que permitiu uma análise mais crítica e dialética, além de evidenciar a relação entre as diversas culturas e natureza.

A partir dos resultados das análises, percebeu-se que as sociedades originais sofreram grandes ataques, passando pela destruição da organização social, além do modo de produção coletiva, com consequências na convivência com a natureza, a cultura e a religiosidade.

O processo que se deu no Cariri ocorreu no final do século XVIII, quando os Cariri foram aldeados e em seguida expulsos da Missão do Miranda. A identidade dos índios Cariri do Sítio Poço Dantas, passa a ser desnudada, com isso, em sua história transcrita sob o enfoque do direito positivo.

O autor trabalha com uma análise ampla, abordando o modelo de colonização e eurocentrismo, o que faz com que os latino-americanos tenham o direito de agir para superar a cultura eurocêntrica, diretamente associada ao processo de desenvolvimento moderno, cujo progresso está submetido, exclusivamente, ao modo de produção capitalista.

Algumas questões passam a ser avaliadas, a partir de contextos diferenciados e levam a alguns pontos, como o da identidade Cariri, e o processo de etnogênese e da territorialização a que foram submetidos. Além disso, a invocação da sua memória coletiva à ancestralidade Kariri e a autoafirmação da identidade como característica predominante no processo de identificação. 

Outros pontos estão relacionados à compreensão e consciência social, além do pertencimento étnico do denominado índio Cariri. Isso tem a ver com a comprovação dos traços culturais ainda presentes nos Cariri, que reproduzem a cultura dos povos.

A pesquisa evidencia a grande contribuição que poderá ser dada a partir de todo o processo de identificação. Entre esses direitos atribuídos, em face do reconhecimento pelo Estado, ainda não iniciado, mas necessários para compor o devido processo legal junto à Fundação Nacional do Índio (FUNAI)/Ministério da Justiça.

Outros aspectos importantes dentro desse processo, está a terra indígena do aldeamento da Missão do Miranda, cuja doação aos índios Cariú e etnias agregadas, todas da nação Cariri, foi-lhes retirada em 1780 pelo Estado. O autor fortalece a discussão voltada ao direito e acesso às políticas públicas indigenistas, além do direito à autodeterminação.

Segundo o professor Patrício Melo, o livro envolve uma experiência revolucionária de autodeterminação dos Purépecha de Cherán no México, o que representa uma imersão na história e cultura mexicana, além dos ensinamentos para os povos indígenas da América Latina.

O debate é amplo em torno do Direito, envolvendo a proteção jurídica dos povos indígenas. As informações levantadas envolvem os estudos voltados à área do sítio Poço Dantas. Um dos pontos que chama a atenção no trabalho é a quantidade de índios autodeclarados na região, a partir do censo de 2010, com dados obtidos pelo Ipece. O que já demonstra uma diferença em relação ao Estado do Ceará. São 760 pessoas autodeclaradas índios na Região Metropolitana do Cariri.

É importante destacar que o autor faz uma diferenciação entre a descrição dos kariri do Brasil, e os Cariri do Cariri, para a descrição dos remanescentes. A partir do século XVIII, os índios chegaram a ser expulsos da missão do Miranda, em Crato. A resistência no século XXI à identidade Kariri passa a ser enfocada.

Quem são os índios Cariri: Os índios Cariri do Cariri descendem de um processo de uma mistura étnica, que teve a sua ligação mais recente nos séculos XVIII e XIX, desde os aldeamentos missionários que foram submetidos. 

Esses mesmos índios já eram resultantes de uma mistura de várias etnias que foram aldeados na missão dos Cariris Novo em Missão Nova, que é a atual Missão Velha. Posteriormente, Missão do Miranda, atual cidade do Crato. Os índios do Poço Dantas são descendentes do processo de aldeamento registrado no Cariri, ocorrido de forma semelhante em outras regiões do Nordeste. (Fonte: Site Urca)

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LICURI PRODUZIDO NA BAHIA É DESTAQUE NO IX WORKSHOP POTENCIAL BIOTECNOLÓGICO DA CAATINGA

O evento, que segue até esta quarta-feira (28), tem como objetivo trazer o conhecimento e o uso de plantas medicinais do bioma Caatinga, em especial, o licuri, e contemplar a diversidade cultural, por meio do conhecimento tradicional, incentivar o saber científico e as possibilidades de práticas integrativas ao público geral.

A iniciativa é do NBioCaat e conta com o apoio do Instituto Nacional do Semiárido (INSA), da Cooperativa de Produção da Região do Piemonte da Diamantina (Coopes), com sede em Capim Grosso/BA, da Social Economia Verde – Ecolume, do Comitê Estadual da Reserva das Biosfera de Pernambuco e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), da Universidade Federal do Rio de Grande do Sul (UFRGS), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

De acordo com José Tosato, coordenador de Pesquisa Inovação e Extensão Tecnológica (Cepex), vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), é imensa a tarefa de popularizar as ciências, os conhecimentos e as sabedorias das populações tradicionais, que, quando se juntam com o ensino, a pesquisa e a extensão formais, resultam em grandes avanços para a sociedade.

"Tecnologia e inovação precisam beneficiar quem mais precisa e ser úteis para a distribuição de renda, para tornar as pessoas mais felizes, com qualidade de vida. Quando pesquisadores e pesquisadoras trabalham junto com as comunidades e devolvem o conhecimento produzido para beneficiá-las diretamente, estamos cumprindo os objetivos mais nobre desse processo", ressaltou Tosato.

A coordenadora do NBioCaat, Marcia Vanuza da Silva, destacou que a pesquisa tem como protagonistas as comunidades tradicionais e suas organizações que, aliadas ao Núcleo, mostram todo esse potencial da Caatinga: "A gente faz esse trabalho para que retorne a essa população. Nesta IX edição, a gente traz, para o conhecimento de todos, esse, que a gente acha que é o ouro ainda (des)conhecido da Caatinga, o licuri. Esperamos que todos conheçam toda a potencialidade dessa planta endêmica da Caatinga, tão resiliente". Ela conta que além do licuri, pelo NBioCaat já foram catalogadas mais de 80 plantas inéditas, exclusivamente do Bioma Caatinga, com potencial alimentar, fitoterápico, ou para cosméticos.

 Francelma Silva, presidente da Coopes, reforçou que o workshop permite a possibilidade de abrir ainda mais as mentes sobre as potencialidades desse bioma: "Que a gente possa valorizar cada vez mais a nossa Caatinga e a nossa cultura".

Durante o evento, os/as participantes têm a possibilidade de conhecer o resultado de pesquisas já publicadas, que mostram as propriedades do licuri para diversas finalidades, que já eram conhecidas, em geral, por comunidades tradicionais, mas que passaram a ser comprovadas, cientificamente, após longo processo de escuta dessas comunidades e de estudos e testes acadêmicos.

PROGRAMAÇÃO: O evento conta com a apresentação da Coopes: Colhendo o Ouro (des)conhecido da Caatinga, das ações públicas destinadas à bioeconomia, do sistema produtivo do licuri, com a inovação sustentável para a bioeconomia do Nordeste e da segurança de usar o óleo de licuri. Durante o evento, o público pôde conferir também uma palestra sobre Soberania Alimentar na Caatinga e sobre Viveiros Educativos e sua importância no combate às mudanças climáticas na Caatinga, entre outros temas.

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