SERTÃO MUSICAL E FESTIVAL DA PROFESSORA ELBA RAMALHO, REFERÊNCIA NO PENSAMENTO SOBRE A MÚSICA DE LUIZ GONZAGA

“Minha morena, venha pra cá pra dançar xote, se deita em meu cangote e pode cochilar, tu sois muié pra homem nenhum botar defeito, por isso satisfeito com você vou dançar”. (”Cintura fina”, Luiz Gonzaga).

Os versos de Mestre Lua têm um significado especial para Elba Braga Ramalho. Não apenas por terem sido matéria de estudo dela, mas porque bem antes, ainda menina, era embalada por eles que ela vivia um sertão festivo, farto de vida e encantamento. Onde a música, desde os primeiros anos, dava o tom dos sorrisos e reuniões de família.

“O sertão me remete àqueles bois mascarados que entravam na cidade e a gente corria com medo. Sair no domingo, de manhã cedo, depois de uma missa e ir pra um curral num carneiro selado tomar leite mugido. Tempos bons de fartura, das férias de julho, de tertúlia. Sertão pra mim é o do ‘tá bonito pra chover’”, narra, elegante, a mulher dos 73 anos escondidos sob uma vaidade nada exagerada. “Eu gosto de estar bem”, confessa ela com um encarnado discreto na boca, brincos de pérola e vestido de estampa azul e amarelo.

Nascida em Limoeiro do Norte, a geminiana de 20 de junho de 1940 guarda lembrança mesmo é dos tempos vividos em Russas. O pai, funcionário público, mudava-se muito e a família o acompanhava para diminuir a saudade e permitir-lhe que visse os filhos crescerem. Elba é a segunda filha a quem chamaram Elba. “A primeira morreu ainda bebê, mas meus pais teimaram em me dar mesmo o nome”, conta.

De família marcada pela música, tinha como tio o maestro Orlando Leite, a quem considera seu “pai musical”. Além dele, a avó tocava violão e bandolim; o avô, flauta , violão e órgão. Ainda bem pequena, envolta nos 5 anos de idade, foi levada pela mãe - que pintava e também tocava violão - às aulas de piano. “Tive uma vivência cercada de música”, enfatiza.

Também nesse aspecto a memória do sertão é positiva. “A vida musical no interior era muito rica. Havia piano nas casas mais abastadas, uma banda de música atuante. A igreja também tinha uma vida musical intensa”, recorda. O piano Essenfelder, onde toca até hoje, foi presente do pai, que ganhou o instrumento numa rifa há exatos 60 anos. Na sala de luz azulada, no meio dos livros e CDs devidamente catalogados, perto do computador com o qual ela divide as horas livres de hoje, ele está lá, imponente, à espera da companheira de longa data.

A vinda para Fortaleza marca o início de uma aproximação mais madura entre Elba e a música. Foi no Conservatório Alberto Nepomuceno que ela começou a aprofundar os estudos. “Aqui eu comecei uma vida nova”.

Depois de se graduar em piano, foi para o Rio de Janeiro estudar Canto Orfeônico. Voltou para dar aula na Universidade Estadual do Ceará e a curiosidade própria dos acadêmicos fez Elba buscar disciplinas que lhe dessem outro olhar para a música. Foi assim que estudou, por sua conta, filosofia e depois chegou ao mestrado em Sociologia da Universidade Federal do Ceará.

Vem dessa época também o interesse pela música da infância, a cantoria nordestina, o som do sertanejo. É quando começa, nas pesquisas de Elba, o flerte entre o popular e o erudito.

“Depois que terminei o mestrado, Luiz Gonzaga não me deixava em paz”, diz Elba. Instigada pelos alunos, curiosos em descobrir as soluções harmônicas da música do Rei do Baião, ela teve de investigar a paisagem sonora do artista que, como diz, “foi o principal urbanizador da música do nordeste”. “Ele sintetizou e colocou elementos novos nessa música”, ensina.

Responsável por uma das pesquisas mais emblemáticas sobre Gonzaga e a maneira como sua música traduziu o nordeste, desenvolvida na Universidade de Liverpool, na Inglaterra, Elba está há cinco anos afastada das atividades acadêmicas. Diz que sente falta dos encontros, dos diálogos, da troca com estudantes e colegas. Só não tem saudade das burocracias.

Elba sabe que a liberdade de hoje é justa. “A gente merece um tempo pra ser dono do seu tempo”, resume ela. E por isso as viagens ao sabor da vontade; a dedicação ao piano, que ainda agora a faz tomar aulas, as horas gastas na Internet ou escutando os compositores preferidos: Bach, Mozart e, claro, Luiz Gonzaga - do qual ela não enjoa.

Tanto o mestrado quanto o doutorado de Elba Braga Ramalho resultaram em publicações. O primeiro foi Cantoria Nordestina: Música e Palavra (Terceira Margem, 2000) e o segundo, Luiz Gonzaga: a síntese poética e musical do sertão, cuja segunda edição foi lançada no ano passado por ocasião do centenário do Rei do Baião.

Além dos livros, a professora lançou dois CDs pela Universidade Estadual do Ceará. Carlos Magno em Cantoria, em 2000, e Vanda Ribeiro Costa: Louvação-Missa Breve do Sertão e outras canções, no ano de 2008. Em ambos ela fez a curadoria.

Agora, prepara-se para publicar a tese de seu pós-doutorado, concluído mesmo depois de ter se afastado da Universidade em função da aposentadoria. Uma homenagem à pianista e compositora Esther Sciliar (prima do escritor Moacir Sciliar), com quem Elba conviveu nos tempos de curso de Canto Orfeônico no Conservatório Nacional de Canto Orfeônico, mo Rio de Janeiro.

“Elba é uma amiga sempre presente, mesmo quando está distante. Atenciosa, generosa, discreta, é capaz de grandes gestos sem fazer alarde. Tenho orgulho de ser amigo dela. Defendeu uma das mais belas e consistentes teses sobre Luiz Gonzaga. Está aberta para o mundo. Adora música. Preciso dizer mais?”

"A professora passou a assinar também com o sobrenome Braga para tentar deixar de ser confundida com a cantora Elba Ramalho, sua xará."

Elba é casada com o médico Ary Ramalho há 50 anos. Com ele teve três filhos – César, Cristina e Leonardo – e conta 5 netos. 

*Gilmar de Carvalho, pesquisador de cultura popular e jornalista


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CANTORES ALCYMAR MONTEIRO E ALMIR ROUCHE COBRAM DAS AUTORIDADES POLÍTICAS AÇÃO PARA A CLASSE TRABALHADORA DA CULTURA

Vai completar um ano no próximo mês de março que cultura foi um dos primeiros setores a parar em meio à pandemia do coronavírus. Festejos juninos, sessões de cinema, shows de música, estreia de peças, concertos e exposições de arte foram suspensos logo na chegada do vírus ao país. 

Em função da crise sanitária provocada pela covid-19, eventos culturais, que acabam movimentando a economia foram canceladas e "a preocupação para este ano 2021 começa a afligir a classe artística." 

"Menos política e mais ação. Nós cantores somos geradores de emprego e renda. Tem músicos que precisam voltar a trabalhar para garantir o ganha pão". Foi o desabafo do cantor e compositor Almir Rouche. "Não existe uma política na prática dos governantes com relação em dialogar e buscar uma saída digna para os trabalhadores da cultura no Brasil. Não podemos viver só de promessas", avaliou Alcimar Monteiro.

Todas as atividades, que dependem da aglomeração de gente e da venda de ingressos, foram interrompidas, mas não houve um plano para suprir a renda dos profissionais do setor. Este tema foi debatido na Rádio CBN, Recife, com apresentação de Aldo Vilela e participação do cantor e compositor Alcymar Monteiro e Almir Rouche.

A crise da cadeia que tem no artista sua ponta mais reconhecida, atinge em cheiro quem atua por trás das câmeras ou dos palcos. É o que garante Inti Queiroz, produtora cultural e docente em gestão cultural pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

“Muita gente acha que o setor cultural é basicamente de artistas. Mas além de artistas e produtores, nós temos técnicos, figurinistas, costureiras, maquiadores, montadores de palco, logística, eletricistas... Existem algumas produções onde a gente tem mais de mil pessoas trabalhando, em um espetáculo como o Fantasma da Ópera, por exemplo. É muito difícil dizer de fato quem trabalha com cultura ou não no Brasil, justamente por ser um setor autônomo com muita dificuldade de ser reconhecido como um trabalho”, explica.

A Pesquisa Percepção dos Impactos da Covid-19 nos Setores Culturais e Criativos do Brasil,revelam que os setores da cultura e da economia criativa foram os mais afetados pela pandemia do novo coronavírus, “porque tendem a voltar à atividade só no fim da crise”.

A Pesquisa Percepção dos Impactos da Covid-19 nos Setores Culturais e Criativos do Brasil,revelam que os setores da cultura e da economia criativa foram os mais afetados pela pandemia do novo coronavírus, “porque tendem a voltar à atividade só no fim da crise”. 

A análise foi feita pelo sociólogo Rodrigo Amaral, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP) e um dos idealizadores do estudo.

Como em todos os setores da economia, o impacto da pandemia sobre a cultura e a economia criativa é muito forte, afirmou. 

Os dois setores movimentam R$ 171,5 bilhões por ano, o equivalente a 2,61% de toda a riqueza nacional, empregando 837,2 mil profissionais. Antes da pandemia, esses segmentos culturais e criativos tinham previsão de gerar R$ 43,7 bilhões para o Produto Interno Bruto (PIB) até 2021. O PIB é a soma de todas as riquezas produzidas pelo país.

O levantamento foi concebido a partir do esforço conjunto de pesquisadores, gestores públicos, universidades e instituições culturais, interessados em registrar a visão de indivíduos e coletivos sobre os impactos da covid-19 nas suas áreas de atuação, nas cadeias de produção e distribuição.

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) foi a relatora do Projeto da Lei Emergencial da Cultura Aldir Blanc. A lei determina o repasse de R$ 3 bilhões para o setor cultural e foi sancionada integralmente para repassse dos recursos a estados e municípios.

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MOVIMENTOS SOCIAIS E CUT REALIZAM PROTESTO CONTRA BOLSONARO NESTE SÁBADO (23

 

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) Pernambuco realiza neste sábado (23), uma carreata contra o presidente da República, Jair Bolsonaro (Sem partido).  A concentração para o ato está marcada para 9h30 na orla 1 de Petrolina. 

A data marca o Dia Nacional de Mobilização, organizado pelas Frentes Brasil Popular e Povo sem Medo, com o apoio da CUT, e contará com atos em várias cidades do Brasil.  Os protestos tem três pautas principais: Vacina Já e mais recursos para o SUS, a volta do auxílio emergencial e o fora Bolsonaro. 

Até o momento, além do Recife e Petrolina, estão previstos atos nas capitais: Florianópolis (SC), Belo Horizonte (MG), Goiânia (GO), João Pessoa (PB), Palmas (TO), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Campo Grande (MS) e Rio Branco (AC).

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MARÍLIA PARENTE LANÇA PRIMEIRA CANÇÃO REPORTAGEM

Jornalista premiada, a cantora e compositora pernambucana Marília Parente une os dois mundos pelo qual tão bem transita e lançou a sua primeira “canção-reportagem”. O single “Para la Tierra Volver” conta a história dos camponeses jurados de morte e em situação de conflito fundiário no Engenho Fervedouro, em Jaqueira, na Zona da Mata do Estado. A canção está disponível em todas as plataformas digitais.

De acordo com a cantora, o single nasce com uma proposta diferente e chama a atenção para uma história real. 

“Fiquei chocada ao tomar conhecimento de que havia uma lista de dez camponeses jurados de morte em Jaqueira. Um deles tomou sete tiros em uma emboscada, quando voltava para o Engenho em sua moto, e sobreviveu. Ao perceber que a história vinha sendo pouco divulgada, senti uma nova necessidade: a de ser uma compositora menos existencial e mais aqui e agora. As pessoas estão fartas de histórias tristes, mas elas precisam saber do que acontece debaixo de seus narizes. A música torna tudo mais palatável”, disse.

Após o primeiro disco “Meu Céu, Meu Ar, Meu Chão e seus Cacos de Vidro” (2019) onde conectou a música nordestina com as culturas pop e oriental e o rock, em "Para la Tierra Volver" Marília revela uma faceta mais folk com forte influência da Nueva Canción. 

“Além da história contada em versos, uma forte característica de Bob Dylan, outra novidade é que me arrisco por outro registro vocal, mais médio e grave, quase oposto ao que utilizei até aqui. Consequência da influência de cantoras como Joan Baez, Mercedes Sosa e até Sandy Denny, do Fairport Convention. Talvez eu nunca mais volte a cantar assim ou repita depois, é tudo parte de uma linda aventura”, completa.

A ficha técnica tem violão de aço principal da própria Marília, gaitas de Rodrigo Cm, guitarras e baixo de Rodrigo Padrão e bateria de Caio Wallerstein. A música foi masterizada e mixada por Tonho Nolasco, que também gravou o segundo violão e o mellotron. A capa do single faz referência ao projeto gráfico do disco “Bryter Layter”, de Nick Drake, e conta com foto de Cláudia Parente, mãe de artista, e arte assinada por Juvenil Silva. Detalhe: foto feita em Exu Pernambuco, terra de Luiz Gonzaga.

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LIVRO SOBRE JUVENTUDE RURAL NO SEMIÁRIDO É LANÇADO PELA EMBRAPA

A publicação reuniu um conjunto de instituições parceiras e é resultado do Projeto Pedagroeco, executado entre os anos de 2017 a 2019. Será lançada nesta quinta (21), em evento on-line.

“Os jovens do campo querem ser valorizados, acessar internet e mídias digitais, participarem de formações para a agricultura, precisamos de projetos que gerem renda e educação, queremos permanecer no campo”, destaca o jovem Luiz César da Silva, 19 anos, morador da Comunidade Sítio Pedra Miúda, em Mata Grande, Alagoas.

César é um dos milhares de jovens que driblam as dificuldades para permanecerem no campo pelo desejo de seguir o caminho dos pais: trabalhar na agricultura. Dados do Censo Agropecuário de 2017 apontam o envelhecimento dos trabalhadores rurais sem reposição nas camadas etárias mais baixas como um dos principais obstáculos ao crescimento da agricultura familiar no Brasil.

E César também é um dos 150 jovens que participaram do Projeto Pedagroeco – Metodologia de produção pedagógica de materiais multimídia com enfoque agroecológico para a agricultura familiar, que foi implementado com estes atores sociais nos estados de Alagoas, Sergipe, Bahia, Piauí e Paraíba.

Durante mais de dois anos, a Embrapa atuou em parceria com universidades, institutos federais de educação, organizações não governamentais que compõem a Articulação  Semiárido Brasileiro (ASA), além do Ponto de Cultura Grãos de Luz e Griô em um projeto que teve justamente o objetivo de estimular o protagonismo juvenil e a divulgação de experiências dos jovens sertanejos e suas famílias com a agricultura familiar e com a agroecologia, com o foco na comunicação para o desenvolvimento e na valorização da cultura local.

A trajetória e os resultados deste projeto foram registrados no livro que a Embrapa e as instituições parceiras lançam nesta quinta-feira (21), nas redes sociais. A publicação Juventudes, Identidades e Saberes Agroecológicos – relatos sobre experiências e diálogos entre o Pedagroeco e a Pedagogia Griô no Nordesteapresenta os resultados do Projeto e traz a visão dos jovens que vivenciaram a experiência. O lançamento acontece, às 19h, durante o Encontro Nacional da Pedagogia Griô, na página do Facebook “Pedagogia Griô”.

Composto por sete capítulos, o livro apresenta leituras de diversos atores e reúne, portanto, uma multiplicidade de formações tais como educadores populares, agricultores, técnicos agrícolas, pedagogos, engenheiros-agrônomos, biólogos, geógrafos, cientistas sociais, jornalistas, historiadores entre outras. Traz os relatos de experiências do Projeto em cada um dos estados e apresenta a proposta metodológica que foi sendo construída no percurso.

A publicação pode ser baixada gratuitamente no repositório de publicações da Embrapa, disponível no endereço https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/1125276/juventudes-identidades-e-saberes-agroecologicos-relatos-sobre-experiencia-e-dialogos-entre-o-pedagroeco-e-a-pedagogia-grio-no-nordeste.

“Não se trata de um guia metodológico. Longe disso. Mas o livro inspira, do ponto de vista metodológico, outras intervenções, outras possibilidades de diálogo entre a ciência e as comunidades locais, sejam assentamentos, comunidades quilombolas e diversos grupos sociais”, salienta o pesquisador Fernando Curado, que atua na Embrapa Alimentos e Territórios, com sede em Maceió (AL).

AGROECOLOGIA: O projeto envolveu quatro centros de pesquisa da Embrapa: Embrapa Tabuleiros Costeiros, Embrapa Algodão, Embrapa Semiárido, Embrapa Meio-Norte e organizações não governamentais com atuação em agroecologia e no sertão nordestino.

A base metodológica do trabalho foi a Pedagogia Griô – proposta pedagógica facilitadora de rituais de vínculos e aprendizagem entre idades, escolas, comunidades, grupos étnicos-raciais e de gênero, territórios de identidade, saberes ancestrais de tradição oral e as ciências, artes e tecnologias universais. Por meio de uma parceria com o Ponto de Cultura Grãos de Luz e Griô, com sede em Lençóis (BA), foi possível trabalhar a Pedagogia Griô como fio condutor dos processos de aprendizagem.

“A Pedagogia Griô articula pautas importantes no mundo contemporâneo, promovendo o diálogo e a interação com a tradição, para reinventá-las. Então são contribuições que acontecem nessas relações intergeracionais que a Pedagogia Griô facilita em suas práticas pedagógicas, tanto afetivas quanto científicas”, afirma Lilian Pacheco, que é a criadora da Pedagogia Griô.

Para a analista da Juliana Andrea Oliveira Batista, coordenadora do Projeto, e uma das editoras técnicas do livro, ao abraçar a Pedagogia Griô, o Pedagroeco ampliou seu olhar para as questões de identidades, ancestralidades e territorialidades da juventude agroecológica que convive com o Semiárido. Juliana atua na Supervisão de Inclusão Tecnológica da Secretaria de Inovação e Negócios da Embrapa (SIN), em Brasília. Ela destaca, ainda, a importância da participação das organizações não governamentais, entre elas, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), que trouxe o componente da comunicação popular e o olhar da convivência com o Semiárido para a metodologia.

“Para nós da Embrapa um dos ganhos do projeto foi o exercício da construção coletiva e da escuta, pois ressignificamos o projeto a partir da visão e da experiência dos movimentos sociais. E isso fez com que o Pedagroeco fosse incorporado às agendas de trabalho das organizações parceiras, ultrapassando, assim, os muros da Embrapa”, afirmou Juliana, destacando, ainda que o trabalho em rede foi outra grande lição.

Durante todo o processo formativo, os jovens foram instigados a compreender suas realidades, ancestralidades, modos de vida e a relação com a agricultura praticada por suas famílias. Como desafio, contaram suas histórias e sistematizaram as experiências agroecológicas em formato multimídia: vídeos produzidos a partir de celulares, áudios, fotografias, cordel, poesia, teatro.

Por isso, a comunicação popular foi outro componente importante do projeto. Gleice Mary Gomes, assessora pedagógica da Associação dos Agricultores Alternativos (Aagra), com sede em Igaci (AL), diz que o Pedagroeco foi abraçado pela instituição justamente pelo fato de favorecer a divulgação das experiências agroecológicas das comunidades. “A Aagra sempre realizou cursos de formação em agroecologia para a juventude, então, o projeto só veio a fortalecer este trabalho, pois trouxe para o debate as diversas formas de comunicação que podem ser usadas para a divulgação das experiências nas comunidades e assim valorizá-las e transformá-las em exemplos a serem seguidos”, explica.

Gleice conta que os jovens atendidos pela Aagra passaram a perceber nas suas comunidades tradições que antes passavam despercebidas, como, por exemplo, os alimentos tradicionais que são produzidos pelos mais velhos, atualmente bastante valorizados em circuitos gastronômicos.

“Um dos desdobramentos importantes foi o fato de alguns jovens do projeto passarem a se inserir em atividades produtivas rurais já desenvolvidas por suas famílias. Hoje temos jovens produzindo de forma agroecológica ou se capacitando para fazerem a transição agroecológica. Essa ideia de que é possível viver no campo passou a se efetivar na prática”, finalizou a técnica da Aagra. Uma das coordenadoras da Aagra na época, Cristianlex Soares dos Santos confirma que o projeto passou a fazer parte de uma das linhas de ação da instituição. “A expectativa é dar continuidade ao projeto no âmbito da instituição”, ressalta.

Um dos destaques da publicação são os relatos das experiências vivenciadas por jovens como o alagoano Luiz César da Silva, o sergipano, Egídio dos Santos Neto, o piauiense Miguel Andrade, a paraibana Sidineia Camilo entre tantos outros.

Para Egídio dos Santos Neto, assessor técnico do Centro Dom José Brandão de Castro, participar das oficinas influenciou positivamente inclusive em suas atividades profissionais.  Morador da Aldeia Xokó, da Comunidade Indígena Ilha de São Pedro, em Porto da Folha (SE), ele destacou que as oficinas permitiram maior conexão com sua ancestralidade e identidade. “Hoje, nos encontros e capacitações reservamos um momento para a conexão dos participantes com sua ancestralidade para valorização de suas identidades individuais e comunitárias”, detalha.

Egídio já atuou em diversos projetos que tem como base o desenvolvimento de estratégias de convivência com o semiárido, por exemplo, a implantação de tecnologias sociais como o biodigestor, roçados consorciados, a produção agroecológica de quintais produtivos, a criação de pequenos animais e, recentemente, participou de um projeto do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) voltado para a recuperação de áreas degradadas, uma parceria com o Ministério do Meio Ambiente.

Mailson Melo, por sua vez, relata que as oficinas contribuíram para fortalecer o seu trabalho com o turismo comunitário em Mocambo (SE). “O turismo de base comunitária tem contribuído para o resgate de nossas origens, da nossa essência”, afirmou o estudante que atua no município como integrante da Pastoral da Juventude Rural da Comunidade Quilombola de Mocambo (SE).

"Compreendemos que esse processo de empoderamento da juventude vem de experiências anteriores. Mas a afirmação da identidade e da ancestralidade e a vivência nas comunidades potencializam essa condição da juventude", ressalta Magda Cruciol, analista da Embrapa Informática Agropecuária, que também coordenou as atividades do projeto, trabalho iniciado quando ainda atuava na Embrapa Meio-Norte.

“As famílias que residem em comunidades rurais têm na agricultura a principal atividade econômica. Nós queremos seguir o caminho dos nossos pais, o caminho da agricultura que nos fez ser quem somos hoje. Porém, precisamos de investimentos, diz o estudante Luiz César da Silva. “O Pedagroeco nos deu visibilidade, permitiu um debate sobre as perspectivas para a agricultura e para o campo, mostrou nosso potencial e a importância de nossas origens e ancestralidades”, afirmou Luiz César da Silva, hoje estudante de Geografia da Universidade Federal de Alagoas, e morador da Comunidade Sítio Pedra Miúda, na cidade de Mata Grande.

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'O QUE É QUE JUSTIFICA NESTE MOMENTO O BRASIL NÃO TER VACINAS DISPONÍVEIS PARA A SUA POPULAÇÃO", QUESTIONA MÉDICA E PESQUISADORA DA FIOCRUZ

Ao ser contemplada com o Prêmio São Sebastião, promovido pela Arquidiocese do Rio de Janeiro, a pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Margareth Dalcomo fez um desabafo sobre a escassez de vacinas no país, classificando como "injustificado" o fato de o Brasil não ter disponíveis os imunizantes para a população.

"O que é que justifica que, neste momento, um país como o Brasil, a décima ou nona economia do mundo, não tenha uma capacidade competitiva de servir, de servir à nossa obrigação para a qual nós fomos formados. Nós, como médicos, que somos pesquisadores, que temos uma vida pública, o que é que pode justificar, neste momento, cardeal Dom Orani [arcebispo do Rio], que o Brasil não tenha as vacinas disponíveis para a sua população? Isso é absolutamente injustificado. Não há nada, nenhuma explicação que possa justificar isso", lamentou Dalcomo.

Atualmente, o Brasil enfrenta dificuldades para liberar uma carga de 2 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca, produzida pelo governo da Índia em parceria com o instituto indiano Serum.

Ao mesmo tempo, laboratórios brasileiros esperam que a China libere a exportação de dois tipos de ingrediente farmacêutico ativo (IFA) produzido em solo chinês. O IFA é a "matéria-prima" para que as vacinas sejam processadas e produzidas no Brasil.

O atraso afeta a produção brasileira da vacina de Oxford, prevista em um contrato da Fiocruz com o laboratório Astrazeneca; e a produção da CoronaVac, fruto de parceria entre o Instituto Butantan e o laboratório chinês Sinovac.

A indefinição sobre o cronograma de importação desses produtos coloca em risco a continuidade do programa de imunização brasileiro – que pode ser interrompido se as novas doses não ficarem prontas até o início de fevereiro.

Visivelmente emocionada, Dalcomo afirmou, no início do discurso, ter recebido a notícia de que as vacinas não viriam da China ou da Índia.

"Eu acho que agora é a hora da sociedade brasileira mostrar, realmente, o que eu tenho tentando chamar [atenção] como médica e como cidadã de consciência cívica. É absolutamente inaceitável que, neste momento, no Brasil, a gente tenha acabado de receber a notícia de que as vacinas não virão da China, e que não virão da Índia", acrescentou.

Em vídeo enviado nesta quarta-feira (20) à TV Globo, a pesquisadora esclareceu que a afirmação sobre as vacinas se referia ao atraso e à "enorme expectativa" de que os imunizantes finalmente cheguem.

"Na verdade, as vacinas chegarão, mas com um atraso que gera em nós uma enorme expectativa. E é com essa expectativa que todos nós continuamos comprometidos pessoal e institucionalmente, para fazer materializar essa ânsia de toda a população brasileira."

A cientista também lembrou que, embora a Fiocruz tenha firmado um acordo de cooperação no ano passado para a entrega do IFA da vacina Oxford/AstraZeneca, o atraso na chegada do insumo representou um fracasso na gestão diplomática.

"Depois de nós termos feito um acordo de cooperação como fizemos, estabelecido ponto a ponto desde agosto do ano passado, que uma instituição pública como a Fiocruz, com a sua linha de produção absolutamente pronta, toda a IFA, o insumo farmacêutico pronto e pago para chegar ao Brasil, e que as gestões diplomáticas tenham fracassado até esse ponto."

Ao retomar as críticas sobre o atraso, Dalcomo foi mais enfática ao dizer que, no momento, a única explicação possível para que país não tenha vacinas para a população é, nas palavras dela, a "incompetência diplomática".

"Não há nada, neste momento, que justifique [o atraso], a não ser a desídia absoluta, a incompetência diplomática do Brasil que não permite que cada um dos senhores aqui presentes, as suas famílias ou aqueles que vocês amam estejam amanhã, ou nos próximos meses, de acordo com o cronograma elaborado, estejam recebendo a única solução que há para uma doença como a Covid-19."

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, negou nesta quarta que problemas políticos e diplomáticos tenham atrasado as negociações do Brasil com Índia e China, nas últimas semanas, para a importação de ingredientes e de vacinas prontas contra a Covid-19.

"Nós não identificamos nenhum problema de natureza política em relação ao fornecimento desses insumos provenientes da China. [...] Nem nós do Itamaraty, aqui de Brasília, nem a nossa embaixada em Pequim, nem outras áreas do governo identificaram problemas de natureza política, diplomática", afirmou Araújo.

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PARA LA TIERRA VOLVER, DE MARÍLIA PARENTE

No dia 16 de julho de 2020, o Engenho Fervedouro ouviu o estampido de sete tiros disparados contra o agricultor Edeilson Alexandre Fernandes da Silva. As sete balas alojaram-se no seu corpo e o eco dos tirombaços procuraram abrigo nos montes e vales, das matas e plantações do município de Jaqueira, em Pernambuco. 

Como na força de uma canção resistente, Edeilson não morreu, não partiu, não tombou para dentro da terra. Com os olhos turvos, com o sangue em fervo, com a hora próxima, seguiu sobre sua moto até ser vencido pela dor. O chão lambeu seu rosto, mas ele estava vivo.

A história dessa emboscada, os pormenores da luta, o diário do assentamento nas terras do Fervedouro, abriram o tempo fechado e salpicaram-se sobre a letra de um poema de Marília Parente, compositora, ativista e pilar de resistência pernambucana. À letra, aplicou-se um tecido de música; à música, um arranjo de canção; à canção, o convívio da voz. À essa luta-canção aplicou-se o título Para la tierra volver. O violão folk, de textura latina, a gaita rural, a guitarra roqueira, bateria comedida, contrabaixo pontuando, em conluio lúdico e orquestrado respiram um oxigênio vindo de um mundo de inspirações e esperanças.

Ninguém atravessará a história de Edeilson sem se perguntar sobre seu corpo fechado, sobre sua fome de viver, sobre seus olhos que insistiram em ver o verde e, em fé, ver o Fervedouro sair da utopia e entrar na canção real. Ninguém, nenhum ouvido, pisará nas plataformas digitais sentindo a canção na voz de Marília e vestirá a roupa da emboscada. A sua voz brinca fugindo das balas. O seu canto é o próprio olho aberto, o seu olho é a justa interpretação de sua alma. Uma canção de quase seis minutos, bem arranjada, cumprindo o seu propósito de adensar poesia à luta pelo chão.

Para la tierra volver tem alma e saber. Belo arranjo, acidentes bem controlados e dosados, melodia sem experimentos inúteis: é um poema em ascensão. Todo o conflito rural, as lutas pela posse da terra, sendo essa mesma terra a dona de tudo e de todos, o panorama das serras e a velha estação ferroviária da Great Western, com um trem que nunca mais chegará a Jaqueira, estão presentes na canção, são a canção, são seu som fundamental. A produção do single é de Marília Parente e Antonio Nolasco. “Não se pode conter a sina de um camponês, da terra ver tudo nascer y para la tierra volver”. Esta canção está marcada para viver.

O texto original foi postado na Revista Kuruma'tá.

*Aderaldo Luciano, nascido em Areia, na Paraíba, é poeta pautado pela estética da poesia do povo. Estudioso da poesia e da música do Brasil profundo, é mestre e doutor em Ciência da Literatura, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Até junho de 2017 manteve uma coluna semanal no programa Sabadabadoo – A Gente Gosta de Sábado na Rádio Globo (Rio e São Paulo): o Cordel de Notícias.


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