MESTRE DA CULTURA RAIMUNDO ANICETO: UMA SAUDADE EM SOM DE PIFE

O Professor, mestre e doutor em Ciência da Literatura Aderaldo Luciano numa carta endereçada ao cantador cantor Beto Brito, relatou a certeza, "e vai colocar isso em um livro, que Deus era um tocador de pife e foi soprando nele, num pife feito de taboca, que deu vida ao Homem com seu sopro fiel".

Visitei no Crato, Ceará, o mestre da cultura de tocar pife, Raimundo Aniceto, 86 anos, nascido em 14 de fevereiro de 1934. Fui na casa do líder da Banda Cabaçal de Pife dos Irmãos Aniceto.  A Banda de Pífe é Patrimônio Cultural Imaterial.

No mês de outubro do ano passado (2020), a jornalista Beatriz Jucá, destacou em reportagem para o EL País, que se calou o pífano de Raimundo Aniceto. Mestre Raimundo Aniceto era o mais antigo dos integrantes da banda cabaçal Irmãos Aniceto. Enérgico mestre da cultura popular brasileira, Raimundo exaltava a ancestralidade do Cariri cearense e a magia do sertão na sonoridade do seu pífano e na dança. 

Raimundo era base de uma família que dança e toca há mais de 200 anos, inspirada na observação da natureza e na sonoridade transmitida de pai para filhos pelo ouvido. Raimundo era o último vivo de sua geração do grupo e já dedicava 80 de seus 86 anos à arte popular. Durante décadas, viajou pelo Brasil e pelo exterior para mostrar a força cultural dos seus. Mas nunca se afastou do seu rincão, o Crato.

Não se deslumbrou nem mesmo com a Europa, onde fez uma turnê em 2004. Surpreendeu-se, sim, com “o mundo de gente” que se juntou a cada apresentação feita em praças portuguesas e espanholas. 

Nos últimos anos, Raimundo aceitou o convite do Sesc-Ceará para transformar a própria casa onde morava em um museu aberto. Com muita generosidade, converteu seu lar em uma rica ponte para a magia cultural do sertão. O motivo? “Meu pai me ensinou como era a cultura. A cultura é coisa séria. É onde está nossa vida”, dizia.

Fotografias de apresentações dele e dos irmãos lotaram as paredes. Geladeira, fogão e cadeiras passaram a dividir o espaço dos cômodos com dezenas de objetos históricos do grupo formado ainda no século XIX ― todos os integrantes descendentes do índio Kariri José Lourenço da Silva (o Aniceto) e de Maria da Conceição. 

A história está colada em placas espalhadas na sala e no corredor: os meninos (seis filhos) passaram a ser chamados de Aniceto pelo apelido do pai. Ainda criança, começaram a produzir instrumentos musicais feitos de cabaça e taboca ― o alicerce da banda cabaçal.

O tradicional pífano de Raimundo Aniceto está acomodado sobre pregos cravados nas paredes, ao lado das coloridas vestimentas dos brincantes. Mas nunca ficou ali esquecido pelo mestre como mero adorno. Nem mesmo quando o AVC que sofreu há pouco mais de quatro anos lhe roubou a capacidade de falar palavra e parte da força da mão direita. 

Quando estive em sua casa-museu em agosto de 2019, Raimundo tentava conversar em um idioma próprio, já que sua dicção estava muito prejudicava pela doença. Cabia à sua esposa tentar traduzi-lo. A melhor coisa no mundo que achava era receber visita e encontrava um jeito de se comunicar ― se não era possível fazê-lo pelo verbo, o fazia pela força cultural que carregava em si.

A sala então virou espetáculo para uma plateia de três pessoas, onde ele dançava e brincava sua cultura popular, na época aos 85 anos. Pegava o pífano e tirava dele ainda algum som, mesmo com a falta de força nas mãos e no sopro. Sem pronunciar qualquer palavra, tentava ensinar aos visitantes a sua arte. 

Esta foi uma tarefa que assumiu durante toda a sua vida: disseminar e ensinar sua cultura para que ela siga viva mesmo quando seus parentes deixam este mundo. “Meu pai faleceu aos 104 anos e deixou essa banda. Seis filhos, que são tudo tocador e artista. Hoje a banda está repleta de sobrinho, filho já dos meninos que morreram”, contou Raimundo em uma entrevista ao músico Antônio Nóbrega, há alguns anos. “A gente quer continuar como meu pai deixou. É se acabando um, e nós botando outro pra não se acabar a tradição”.

Raimundo Aniceto Faleceu aos 86 anos. Mas a história da banda cabaçal criada pelo seu avô ao pé da chapada do Araripe, lá no Crato, deve continuar a ecoar. 

“Ele deixa um legado grande, fica tudo. Foi um grande homem, um grande pai e será sempre lembrado pela família e na cena cultural popular”, diz a filha, Socorro. 

O grupo Irmãos Aniceto agora segue com seus sobrinhos na dianteira. Não há como pegar uma zabumba feita com timbaúba e couro de bode, uma tarefa geralmente executada por Raimundo lá nos fundos de sua casa, sem lembrar do grande mestre. Sua casa-museu também seguirá aberta ao público. Como ele mesmo explicava: "A gente não quer deixar essa raiz se acabar mais nunca. Só se o mundo se acabar de uma vez só. Isso é uma alegria do nosso Brasil”.

Serviço
Museu Casa do Mestre Raimundo Aniceto – Crato

Onde: Rua Dr. Manuel Macêdo, bairro Seminário 

(Fonte: BEATRIZ JUCÁ/El País)

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USINA NUCLEAR: PERDEMOS A BATALHA, NÃO A GUERRA, AFIRMA PROFESSOR HEITOR SCALAMBRINI

USINA NUCLEAR: PERDEMOS A BATALHA, NÃO A GUERRA.

O título retrata o estado de ânimo e de espirito diante das últimas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), definindo que legislar sobre atividades nucleares cabe exclusivamente a União Federal. Este entendimento ocorreu após o ajuizamento, pelo Procurador Geral da República, de ações de inconstitucionalidade contra artigos e dispositivos de Constituições Estaduais que defendiam e protegiam suas populações e o meio ambiente, de uma “catástrofe nuclear”.  

Por exemplo, no caso de Pernambuco, o artigo 216 de sua Constituição Estadual restringia a instalação de usinas nucleares em seu território, desde que todas outras fontes energéticas já tivessem sido utilizadas. Segundo decisão do STF este dispositivo foi anulado, e assim, do ponto de vista jurídico, esta decisão vai facilitar a instalação de usinas nucleares em seu território, conforme defende o atual (des)governo federal.

As usinas nucleares, termoelétricas que transformam o calor produzido pelas reações nucleares em energia elétrica, é uma tecnologia em declínio de aceitação, principalmente pela possibilidade de ocorrer acidentes extremos, ou seja, vazamento de material radioativo para a atmosfera. Além do custo da energia gerada ser considerada uma das mais caras entre as opções energéticas para termoelétricas. Hoje seu custo por MWh está em torno de 4 vezes maior que o produzido pelas usinas solares fotovoltaicas e eólicas.


Países como a Alemanha, Itália, Áustria, Bélgica, entre outros, já abandonaram esta tecnologia. Na França e no Japão novas instalações de usinas nucleares sofrem grandes resistências, de inúmeros e representativos grupos sociais. Nota-se, mundialmente entre os povos, um posicionamento majoritário contrário à tecnologia nuclear, pois, além do risco de uma tragédia com espalhamento de material radioativo para o solo-terra-ar; as usinas nucleares são caras, sujas e perigosas.


Diferentemente daqueles que defendem tal tecnologia para o Brasil, a nucleoeletricidade em nada contribui para a transição energética. No Brasil real as usinas Angra I e Angra II contribuem com menos de 2% da potência total instalada na matriz elétrica. O Plano Nacional de Energia (PNE) 2050 projeta uma ampliação da geração nuclear entre 8 e 10 Gigawatts (GW). Mesmo que esta potência seja agregada à matriz elétrica nos próximos anos, a contribuição da fonte nuclear continuaria mínima e desnecessária para segurança energética do país.

Existem inequívocos interesses econômicos e militares em promover as usinas nucleares, em detrimento ao interesse público. Econômicos, pois são construções caras, 5 bilhões de dólares cada usina de 1.200 Megawatts (MW), obviamente de grande interesse dos vendedores dos equipamentos e das empreiteiras. Do ponto de vista militar, um acordo binacional está em pleno andamento com a França para a construção de submarinos nucleares com o apoio da França, cujo custo ao pais é estimado em 35 bilhões de reais. E sem dúvida na área militar, o desejo sempre desmentido é pela construção de artefatos nucleares, como a bomba nuclear. 

Assuntos gravíssimos e de interesse da sociedade brasileira, que impliquem consequências para as gerações futuras, não estão sendo devidamente debatidos. Um deles é a nuclearização do pais em um continente até então pouco provido de atividades nucleares.

Heitor Scalambrini Costa-Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco

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FESTA LITERÁRIA OCUPA CENTRO HISTÓRICO DE SALVADOR

Entre as mais de 100 atividades previstas na programação deste ano da Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), que começa nesta quarta-feira (17),  há espaço também para a música, o teatro, artesanato e a gastronomia.

De hoje (17) a domingo (21), quase uma centena de escritores, artistas, chefes e quituteiras convidadas pela Fundação Casa de Jorge Amado ocuparão os 123 espaços do Centro Histórico de Salvador (BA), destinados a celebrar a cultura, estimular a leitura e incrementar o turismo e o comércio na capital baiana. Este ano, o evento homenageia o escritor alagoano Graciliano Ramos (1892-1953), autor de Vidas Secas, São Bernardo e outros clássicos brasileiros.

Entre os escritores que confirmaram presença nas mesas de debates, bate-papos, saraus e apresentação de novos livros estão Itamar Vieira Júnior, autor do romance Torto Arado, que se tornou um recente fenômeno de vendas, e a ensaísta e crítica literária Heloísa Buarque de Hollanda, de Explosão Feminista e vários outros títulos, além de Ronaldo Correia de Brito, que, este ano, publicou o livro de crônicas A Arte de Torrar Café.

As atrações musicais estarão a cargo de Margareth Menezes, Paulinho Boca de Cantor (Novos Baianos), Jau (ex-Olodum) e a banda Sertanília, conhecida por fundir ritmos tradicionais do sertão (coco, maracatus, sambadas e terno de reis) à música erudita.

O acesso a todos os eventos presenciais será gratuito, mas quem não puder ir ao Pelô poderá acompanhar pelo canal do evento no YouTube – incluindo parte da programação infantil que, entre outras atrações, reservou espaço para a contação de histórias.

Vinte e oito bares e restaurantes do Centro Histórico vão integrar a chamada Rota Gastronômica Amados Sabores, oferecendo pratos exclusivos, inspirados no tema Amado Sertão – Comida Sertaneja da Bahia, a preços entre R$ 23 e R$ 69. A programação culinária contará ainda com oficinas gastronômicas a cargo do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Uma das oficinas, Vidas Secas: Comida de Sustança, tem relação com a obra mais famosa de Graciliano Ramos, abordando o preparo de pratos típicos como efó, farofa d´água, rabada e sarapatel. A conversa acontecerá na plataforma Microsoft Teams, nos dias 18 e 19.

Já a Rota das Artes será composta por dez ateliês de artistas visuais que atuam e vivem no Centro Histórico de Salvador. Percorrendo-a, o público interessado poderá apreciar, gratuitamente, pinturas, mosaicos e esculturas, com diferentes técnicas. Os ateliês participantes ficarão abertos ao público durante todos os dias da Flipelô, a partir das 10h.

A programação completa do evento está disponível em https://flipelo.com.br/programacao/. (Fonte: Agencia Brasil)
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LANÇAMENTO EM RECIFE DO 1º SALÃO DE TURISMO DO VALE DO SÃO FRANCISCO ACONTECE NESTA QUARTA (17)

O Vale do São Francisco possui riquezas culturais, históricas e naturais que ganham cada vez mais espaço no roteiro turístico dos brasileiros. É pensando no desenvolvimento das cidades dessa região que, em 2022, será realizado o 1º Salão de Turismo do Vale, no município de Petrolina.

 Em Recife, a proposta será apresentada oficialmente para empresários, operadores, guias turísticos e outros convidados no próximo dia 17 (quarta-feira), às 10h, no Centro Cultural Cais do Sertão, com um coquetel de lançamento. O evento conta com a participação do secretário de Turismo e Lazer de Pernambuco, Rodrigo Novaes. 

Na oportunidade, a Comissão Organizadora do salão apresentará o potencial da região, além dos objetivos, resultados esperados e metas do projeto pioneiro no sertão nordestino. A iniciativa já tem a parceria de mais de 20 cidades de Pernambuco e da Bahia, que enxergam na proposta a possibilidade de fomentar toda a cadeia turística do Vale do São Francisco.

"O desenvolvimento do nosso turismo passa pela discussão de políticas públicas para capacitação profissional e o fortalecimento dos negócios locais. O potencial é gigantesco e o salão vai funcionar também como uma grande vitrine turística das cidades ribeirinhas do Velho Chico", destaca Luciano Correia, um dos idealizadores da proposta.

Programado para acontecer nos dias 28 de abril a 1º de maio de 2022, o 1º Salão de Turismo do Vale do São Francisco terá uma estrutura de aproximadamente 5.000m², na orla de Petrolina, com exposições, palestras, workshops, simpósios, espaço gastronômico, artesanato local, rodadas de negócios e uma programação vasta de capacitações. 

O lançamento regional do salão aconteceu no último dia 04 de novembro, em Juazeiro-BA, cidade-irmã da pernambucana Petrolina, às margens do rio São Francisco. O evento contou com a presença de prefeitos e secretários de Turismo da região, representantes de instituições de ensino, lideranças políticas e outros convidados. Depois da capital pernambucana, a proposta será lançada também em Salvador-BA e Aracaju-SE.

Organização: Idealizado por Luciano Correia e Gilberto Pires, o 1º Salão de Turismo do Vale do São Francisco tem como realizadores a Cooperativa Mista de Profissionais, Produtores e Empreendedores Familiares do Submédio do São Francisco (Coopemvale) e a Criatur. A correalização do evento é da Secretaria de Turismo e Lazer de Pernambuco, por meio da Empresa Pernambucana de Turismo (Empetur),do Governo do Estado da Bahia e de mais de 20 prefeituras do Vale do São Francisco.

SERVIÇO: Coquetel de Lançamento em Recife do 1º Salão de Turismo do Vale do São Francisco

Data: 17 de novembro de 2021

Horário: 10h

Local: Centro Cultural Cais do Sertão - Recife (PE)

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TERRA YANOMAMI E O RETRATO DO ABANDONO: CRIANÇAS YANOMAMI SOFREM COM DESNUTRIÇÃO E FALTA DE ATENDIMENTO MÉDICO

Crianças doentes, desnutridas e sem atendimento médico. O Fantástico passou duas semanas dentro da terra Yanomami, a maior reserva indígena do Brasil, e constatou um cenário desolador.

Comunidade indígena constrói posto de saúde por conta própria após mortes por malária na Terra Yanomami.

No meio da selva amazônica, duas mães Yanomami com os filhos pequenos no colo deixam a comunidade Macuxi Yano em direção aonde viram o helicóptero seguir. Debaixo do sol forte, elas remam em uma canoa por duas horas, em busca de ajuda para as crianças, que ardem em febre.

O esforço, porém, é em vão: quando chegam na comunidade Xaruna, o helicóptero que poderia levá-los ao posto de saúde em Surucucu já tinha partido. Encontram apenas um técnico de enfermagem munido de frascos de dipirona, xarope para tosse e uma balança. Era a primeira visita de um profissional de saúde no local em cerca de dois anos.

Desoladas, as duas mães não escondem a angústia. Uma delas chora. Se de helicóptero a ida até o posto levaria 25 minutos, a pé, são 15 dias de caminhada pela floresta.

O posto em Surucucu, referência na região por ser a maior unidade de atendimento dentro da terra indígena, se resume a um barracão de madeira de chão batido e com estrutura precária.

Na unidade, uma outra mulher e o filho, também de Macuxi Yano, são atendidos depois de cinco dias atrás de socorro. A mãe, Maria Cláudia Yanomami, de 20 anos, chora ao relembrar a busca cansativa por assistência para o filho doente, Leo, de 2 anos. Nem todos conseguem como eles. Na semana anterior, um pajé da mesma comunidade dela morrera de malária por falta de atendimento.

As cenas evidenciam a precariedade na assistência de saúde nas comunidades na Terra Yanomami, atingida pela desnutrição e malária - situação em grande parte agravada pelo garimpo ilegal.

Com mais de 370 aldeias e quase 10 milhões de hectares que se estendem por Roraima, fronteira com a Venezuela, e o Amazonas, a reserva Yanomami, a maior do país, enfrenta problemas tão grandes quanto a sua extensão territorial.

Ao todo, são 28 mil indígenas que vivem isolados geograficamente em comunidades de difícil acesso, mas que, em grande parte, já sofreram alguma intervenção de fora, com a ocupação de não indígenas, como é o caso dos garimpeiros - estimados em 20 mil.

Durante quatro dias do mês de outubro o g1 acompanhou equipes do Fantástico e percorreram as comunidades Heweteu I, Heweteu II e Xaruna, que ficam no coração da floresta e estão entre as mais vulneráveis da região.

A viagem foi feita a convite do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye'kuana (Condisi-YY), em Boa Vista, e teve o apoio do Greenpeace, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e da Hutukara Associação Yanomami.

O Condisi-YY é um órgão oficial, mas com autonomia, a quem compete fiscalizar as ações de saúde na região, de responsabilidade do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (Dsei-Y). O Dsei, por sua vez, é subordinado à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde.

Em um cenário dramático, a reportagem registrou cenas inéditas e exclusivas de crianças extremamente magras, com quadros aparentes de desnutrição e de verminose, além de dezenas de indígenas doentes com sintomas de malária nas três comunidades visitadas, como em Heweteu II (na foto acima).

O procurador do Ministério Público Federal em Roraima, Alisson Marugal, ao analisar o material, classificou as imagens de "chocantes".

"São imagens chocantes e demonstram muito bem a realidade vivida pelo povo Yanomami. São imagens que não conseguimos observar por documentos, relatórios. Só o trabalho da imprensa consegue revelar o que acontece no interior da floresta. Os Yanomami estão sozinhos e invisibilizados."

O presidente do Condisi-YY, Júnior Herukaki Yanomami, que tem contato intenso com as comunidades, resume o drama:

"A saúde Yanomami está em colapso".

No entanto o coordenador do Dsei-Y, Rômulo Pinheiro, o distrito sanitário responsável por garantir a prestação de saúde aos Yanomami, minimiza a situação. Segundo ele, essa "não é uma realidade em toda a reserva".

Indicado pelo Ministério da Saúde para responder aos questionamentos da reportagem, ele atribui os problemas à complexa logística da Terra Yanomami e diz que "trabalha para somar". Ele atribui a responsabilidade a outros entes federados, embora a legislação diga que a saúde indígena compete exclusivamente à União.


"Sabemos que temos que melhorar, sim. Muita coisa tem que ser melhorada. Estamos trabalhando diuturnamente para melhorar essa situação, principalmente dessas regiões onde a reportagem foi feita. Estamos trabalhando, solicitando de outros órgãos, porque a saúde como um todo é tripartite, é competência da União, dos estados e dos municípios. Então, devemos todos, unidos, tentar combater esses problemas lá instalados", afirma Pinheiro.

No entanto, segundo o advogado do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Ivo Cípio Aureliano, a responsabilidade da saúde indígena compete apenas à Sesai. Quando a situação é grave e o indígena precisa receber atendimento fora da reserva, o hospital para onde ele é levado pode até estar sob gestão estadual ou municipal, mas ele continua sob a guarda da Sesai.

"A atenção diferenciada à saúde dos povos indígenas é um direito conquistado na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei nº 9.836 de 1999, conhecida como Lei Arouca, que estabelece o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do SUS com base nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, sob a responsabilidade do governo Federal. A criação da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), no ano de 2010, foi resultado disso", resume Aureliano.

O Ministério da Saúde também afirma ter destinado R$ 216 milhões à saúde Yanomami desde 2019. O montante foi para aquisição de insumos, bens, medicamentos, contratação de pessoas, entre outros.

A desnutrição infantil, de acordo com servidores da saúde que atuam no polo base de Surucucu, está diretamente ligada à malária e ao garimpo.

O avanço da extração ilegal de ouro contamina rios e destrói recursos naturais da floresta, afugentando a caça. Doentes, os adultos não conseguem buscar comida para a família ou cultivar plantações, o que impacta na dieta das crianças, as mais fragilizadas.

O isolamento geográfico e a falta de comunicação com as autoridades deixam as comunidades ainda mais vulneráveis. Ironicamente, é aos invasores que os indígenas recorrem quando, no limite, precisam de socorro e não o encontram.

Como não falam português, eles se valem de mímicas para vencer a barreira do idioma e explicar que necessitam de atendimento. Os garimpeiros, então, usam celular com internet via satélite para contatar os postos de saúde.

Foi o caso do bebê Leo, atendido em Surucucu:

"Ele está há dias com tosse, diarreia, febre. Não come direito e não anda por conta da fraqueza. O socorro demorou muito para chegar, a gente solicita, solicita e nada. Tive que procurar garimpeiros, que ligaram para pedir ajuda. Estou muito preocupada sem saber como salvar meu filho", conta a mãe, Maria Cláudia.

A indígena, a propósito, mesmo não falando uma palavra na língua portuguesa, tem esse nome por uma razão comum na Terra Yanomami: para facilitar na identificação, profissionais da saúde ou, às vezes, até garimpeiros, acabam escolhendo, informalmente, nomes em português para os Yanomami, que passam, então, a adotá-los.

COBRANÇAS AO GOVERNO FEDERAL: Para o gerente de povos isolados da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Luciano Pohl, que acompanhou a missão conduzida pelo Condisi-YY, da qual a reportagem fez parte, a situação em que vivem os indígenas de comunidades Yanomami reflete a completa ausência do governo federal.

Segundo ele, é um cenário "que necessita de cuidados emergenciais" e "que a falta do estado está gerando um problema seríssimo para a população Yanomami".

"O estado está ausente, incapaz e inoperante. A gente vê uma estrutura do Dsei precária para atender a todas as comunidades, pouca gente, pouco remédio. A gente não vê a Funai. Chegamos a perguntar [aos indígenas] sobre a Funai e eles mal a conhecem. Então, isso é uma grande falta", diz. (Rede Globo e G1/Programa Fantástico)

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FILME DE PIXINGUINHA TRAZ EMOÇÃO E EXEMPLO PARA JOVENS NEGROS

O impulso de combater "violências estúpidas" sofridas por um Brasil "talentoso, resistente e imensamente carinhoso", que anda sufocado, mas pode ser salvo "por meio da arte", bateu forte no discurso da diretora Denise Saraceni, quando assumiu o desafio de contar a história humana projetada no longa-metragem Pixinguinha — Um homem carinhoso, em exibição na cidade. 

Autor dos arranjos de Ta-hí (eternizada por Carmen Miranda), compositor de Rosa e Carinhoso e solista de flauta, fundamental para sucessos dos Oito Batutas, como Urubu malando, Pixinguinha (ou Alfredo da Rocha Vianna Filho) inspirou a direção musical do maestro Cristóvão Bastos no filme, incrementada pelos voos de choro, bossa nova e jazz.

Ao buscar a alma do mestre do choro (morto em 1973), a cineasta encontrou a capacidade visceral de Seu Jorge, intérprete do instrumentista. Semelhanças de vida e de "dificuldades com a cor da pele", além dos ganhos de um "carisma abissal", levaram à escolha do protagonista. "Foram definitivos, os estudos de Seu Jorge, a sensibilidade, a concentração e a coragem de dialogar com o Pixinguinha, com uma flauta que aprendia a tocar nos sets. A cada etapa, ele entendia o momento emocional do personagem, e entrava comovendo a todos no set", conta Denise.Para "solar" com o Pixinguinha das telas (interpretado por vários atores), a produção encorajou o uso de imagens reais do artista. 

"Ele entra para confirmar emoções muito precisas. Nas cenas da montagem do sax, da sua cantoria francesa e ao tocar piano para a esposa Beti, Pixinguinha está vivo no filme, e na nossa memória cultural", destaca a diretora. Codirigido por Allan Fiterman, o longa se apoia, pelo que revela Seu Jorge (em material de divulgação), nas admirada aura angelical e na doçura do instrumentista. "A 

preocupação maior foi trazer a atmosfera de generosidade do Pixinguinha, da pessoa com simplicidade no olhar", pontua.

Deixar viva a nossa maior referência de brasilidade, nas palavras da cineasta, é meta da produção. "Pixinguinha certamente é muito conhecido em Paris e no Japão, mas gostaria que o filme potencializasse seu legado nas comunidades carentes e ávidas de bons exemplos. 

Nossos negros, muitas vezes, são apenas titulares nos filmes, quando bandidos. Pixinguinha é um artista criador de nossa identidade. Precisamos contar histórias potentes para um público desprezado", observa.

A divulgação da fita em telões ambulantes, com promoção de debates, vem idealizada na fala da diretora. "Tenho certeza de que quem não conhece Pixinguinha — a grande maioria da nossa população — vai se emocionar com o filme e buscar mais e mais informações na internet, e, quem sabe, em bibliotecas", comenta Denise.

No filme, pesa o plano pessoal, no exame do relacionamento intenso com Albertina Pereira, a Beti (papel de Taís Araújo) e no desafio de ter filhos. O plano artístico abarca a ida para Paris, em 1922, em vivência com o "centro cultural do mundo naquela época", como ressalta a cineasta.

Resumo do choro: A história do gigante artista acatou uma narrativa sintética. "A música ajudou muito, porque ela, por si, já é um roteiro", diz Denise. Com o filme comercializado para Globo, Telecine e GloboPlay, o que permitiu viabilizar a finalização do projeto nascido em 2010, há a ideia de uma série musicada. O resgate da figura do gênio musical, pelo cinema, era visto como obrigação.

Concomitante à realização do filme, a Fundação Moreira Salles organizou um arquivo transformado em site. Denise Saraceni ressalta que foram publicados muitos livros e partituras importantes, nos 100 anos de Pixinguinha (em 1997). A escuta singular de Pixinguinha (obra de Virgínia de Almeida Bessa) respaldou a pesquisa para o roteiro de Manuela Dias e a estrutura musical, a partir do enfoque da música popular no Brasil, entre 1920 e 1930.

Encarando Alfredo da Rocha Vianna Filho como um "cara da nossa família", Denise Saraceni registrou o artista que, aos olhos do multi-instrumentista Seu Jorge, ganha a dimensão de "uma escola" e "que deixou de herança todo o código do genoma da nossa música". (Fonte: Correio Braziliense. Foto Divulgação)

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COP26 CHEGA A ACORDO PARA ACELERAR LUTA CONTRA A MUDANÇA CLIMÁTICA

Os quase 200 países presentes na COP26 de Glasgow aprovaram neste sábado (13) um texto para acelerar a luta contra a mudança climática e esboçar as bases de um futuro financiamento do plano, mas sem garantir o objetivo de limitar o aumento de temperatura mundial em +1.5º C.

O Pacto de Glasgow pelo clima propõe que os Estados membros apresentem em final de 2022 novos compromissos nacionais de corte nas emissões de gases de efeito estufa, três anos antes do previsto, embora "levando em consideração as diferentes circunstâncias nacionais".

A aprovação do acordo correu risco devido à oposição no último minuto de Índia e China, contrárias ao parágrafo sobre a necessidade de eliminar a dependência do carvão e ao fim dos subsídios aos combustíveis fósseis.

Com 24 horas de atraso em relação à agenda oficial, a COP26 aprovou um texto que possibilita consultas formais para criar fundos estáveis para a mitigação e a adaptação e para estudar os pedidos de indenizações por danos e perdas dos países mais vulneráveis a médio prazo.

O documento não define uma data exata, nem valores. "O que este texto está tentando fazer é tapar buracos e iniciar um processo", especialmente em relação às finanças para adaptação, ou seja, para se precaver diante do que pode acontecer no futuro, explicou Helen Mountford, do World Resources Institute.

O texto “é tímido, é fraco e a meta de 1,5ºC mal está viva, mas dá um sinal de que a era do carvão está acabando. E isso é importante”, reagiu Jennifer Morgan, diretora executiva do Greenpeace.

Os países em desenvolvimento, os mais afetados pelo aquecimento global, brigaram até o fim com unhas e dentes para garantir avanços financeiros, com um resultado discreto.

As decisões da COP exigem consenso, e Glasgow não foi exceção, com negociações exaustivas até o último minuto na mesma sala onde ocorreu a assembleia geral, com os delegados em pé, documento em mãos.

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