JORNALISTA EMANUEL ANDRADE INICIA EM FORMATO LIVES O PROJETO CONVERSA MUSICAL

O jornalista, professor e pesquisador Emanuel Andrade, abrirá a partir desde semana uma série de entrevistas no formato de lives,  por meio do projeto ‘Conversa Musical’, com artistas de vários estilos da Música Popular Brasileira. A iniciativa faz parte das atividades aprovadas, no final do ano passado, pela Lei Aldir Blanc, do Ministério da Cultura. As entrevistas serão realizadas através de sua rede social – Instagram (@emanueldeandradefreire), incialmente às quartas-feiras e sábados.

A conversa de abertura da série acontecerá na próxima quarta-feira (21) às 18 h,  com o poeta cantador e escritor pernambucano radicado em Salvador (BA), Maviael Melo, que lançou recentemente o livro ‘O Espelho dos Girassóis’, para o qual Andrade assinou o texto da orelha. Segundo o jornalista, apenas o bloco das três primeiras entrevistas está inserido no contexto da lei cultural. Os próximos blocos de conversas seguem como atividade de extensão da Universidade da Bahia (Uneb), o que vai resultar numa pesquisa sobre a representação do Nordeste na MPB e o discurso político e poético dos cantores/letristas.

“A pesquisa, na prática, já vem ocorrendo há anos com entrevistas já feitas com vários artistas, todos de origem nordestina, a exemplo de Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Belchior e Gilberto Gil. A meta é ampliar o elenco de artistas do Nordeste, independente de onde estejam vivendo agora, mas que sua produção musical seja analisada de maneira direta o objetiva com suas particularidades discursivas”, observa Emanuel Andrade.

Depois da entrevista de Maviael Melo, a conversa do dia  24 de abril  será com o cantor, compositor e professor de canto Tadeu Mathias, paraibano de Campina Grande, radicado no Rio de Janeiro desde os anos 1980. Tadeu participou de várias turnês de Elba Ramalho e é autor da canção ‘Me perdoa’, gravada pela cantora (também paraibana).

A terceira entrevista da série acontece na quarta-feira (28) com o sanfoneiro, cantor e compositor e Targino Gondim, um dos autores de ‘Esperando na janela’ e outras canções de sucesso. A ideia central do Conversa Musical é descortinar o trabalho artístico de cada um a partir do processo de criação, bastidores das parcerias, ideias das canções, letras e contexto, entre outra curiosidades.


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PROFESSOR E PESQUISADOR GILMAR DE CARVALHO MORRE DE COVID-19 AOS 71 ANOS

O pesquisador e professor Gilmar de Carvalho, 71 anos, morreu por complicações de Covid-19 na manhã deste domingo (18), em Fortaleza. Natural de Sobral, Ceará, Gilmar também era jornalista e estudioso da cultura cearense.

A informação foi divulgada pela amiga, curadora e pesquisadora, Dodora Guimarães, em suas redes sociais. Dodora lamentou a morte do pesquisador e afirmou que "a cultura brasileira perde um de seus mais dedicados colaboradores, e a cultura do Ceará o seu mais competente tradutor". Ele estava internado desde 20 de março último em uma UTI de um hospital particular.

A Associação Cearense de Imprensa (ACI) também lamentou a morte de Gilmar. Pelas redes sociais, a amiga mencionou que "ele foi sócio da entidade por mais de duas décadas. Sua dedicação à pesquisada cultura popular, com vasta produção bibliográfica, e a atuação como professor de gerações de jornalistas são imensas".

O governador Camilo Santana (PT) lamentou a morte em nota nas suas redes sociais. "Recebi com muito pesar a notícia da morte do professor Gilmar de Carvalho, vítima da Covid-19", disse. "Gilmar era também um dos mais respeitados pesquisadores da cultura popular cearense", acrescentou.

Gilmar de Carvalho era bacharel em direito e em Comunicação Social pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo e doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Era professor do Departamento de Comunicação Social desde 1984 e integrante do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFC desde 2004.

Gilmar trabalhava em pesquisa atividades de ateliês xilográficos da região do Cariri como a Lira Nordestina em Juazeiro do Norte, acompanhando a produção de várias edições de livros de cordel, álbuns de gravuras e matrizes.

Confira nota Secretaria Cultura do Ceará:

A partida do professor Gilmar de Carvalho é uma perda incomensurável para o Ceará. O Gilmar doou toda sua inteligência e atuação acadêmica e política para o Ceará. Para um Ceará que brota debaixo do chão e flora com a cultura de sua gente. Assim foi como professor, pesquisador, jornalista, escritor, curador.

Gilmar sempre estava desenvolvendo algum projeto. Um livro, uma exposição, um seminário, um museu, uma curadoria, uma pesquisa. Nada era para ele. Todos os seus projetos acadêmicos e artísticos tinham um caráter social e coletivo. Sempre voltado para reconhecer, valorizar, promover os saberes e fazeres, as artes e ofícios dos mestres e mestras da cultura popular e tradicional.

Sim, tal como um São Francisco, Gilmar fez sua opção em conviver com os saberes e os lugares dessas pessoas simples por entre as veredas do sertão cearense e nordestino. Gente humilde de uma riqueza milenar que se reinventa o tempo todo. Era isso que animava o Gilmar em sua busca incessante no encontro com a cultura popular. Diria que uma busca também espiritual e de amizade onde ele também de reinventava e ganhava energia para sua luta.

Gilmar não era só um pesquisador em busca de fontes para seu trabalho acadêmico. Ele se tornava um amigo terno e cuidadoso para a vida inteira de muitos mestres e mestras da cultura que encontrou ao longo de sua vida tão intensa e bonita. Assim ele foi com Patativa do Assaré: um amigo, um cúmplice, um parceiro, um editor, um irmão. Assim foi também com cada rabequeiro, cordelista, xilogravurista, violeiro, aboiador, louceira, artesão e brincante do reisado, do maracatu, do pastoril, do coco.

Em nossa gestão na Secult, tocamos alguns projetos com o Gilmar de Carvalho. Quase todos os dias ele passava pela Ascom/Secult ou pelo gabinete para trocarmos utopias e projetos. A mostra anual de rabequeiros no Cineteatro São Luiz é um deles. Mas foi a publicação do livro de Patativa que mais nos mobilizou. O livro “O melhor do Patativa do Assaré” foi editado pelas Secretarias da Cultura e da Educação do Estado do Ceará em parceria com a Fundação Instituto Patativa do Assaré e  organizado pelo professor Gilmar de Carvalho. 

A obra reúne um conjunto de poemas que foi escolhido pelo Gilmar em escutas e conversas com o próprio Patativa para composição da antologia. O resultado é um livro organizado não apenas com a autorização formal de Patativa do Assaré. Trata-se, de um livro organizado pelos dois: o editor e o poeta. Gilmar e eu acalentávamos um sonho de fazer chegar a todas as escolas a obra de nosso poeta maior. Conseguimos, amigo! Agora vamos dar sequência na etapa de formação de professores para difusão da obra literária do Patativa em todas as escolas públicas do ensino médio do estado.

Recordo que o lançamento do livro ocorreu em uma data muito especial no Memorial que leva o nome do Poeta em sua cidade natal. Lançamos o livro no dia 05 de março de 2020, data de nascimento do poeta, ocasião em que Gilmar recebeu a Comenda Patativa do Assaré das mãos da vice-governadora do Estado do Ceará, professora Izolda Cela. Uma Comenda instituída e sancionada por lei pelo governador Camilo Santana.

Nos últimos dois anos, vínhamos conversando com o Gilmar sobre a implantação do Museu de Arte Popular dos Mestres e Mestras da Cultura do Ceará que vamos instalar no museu desativado da Emcetur. O Gilmar tinha sido convidado para ser o curador e pensar conosco o projeto museológico. Este museu é uma luta dele e será também um legado seu.

Mas no campo pessoal, perdi um grande amigo. Um professor que conheci aos meus vinte e poucos anos e que, certa vez, saiu em minha defesa num dia de entrevero inusitado numa programação cultural lá pelos idos dos anos 1990 na UFC. Veio conversar comigo, deu-me uns conselhos para que eu acreditasse na minha capacidade crítica e criativa. 

E foi assim que nos tornamos amigos. Além disso, ele era um grande amigo da Luiza de Teodoro, minha mestra, amiga e um amor na minha vida. Depois nos encontramos em São Paulo quando fui fazer meu mestrado em História na PUC e tive a alegria de assistir a defesa de sua tese de doutorado nessa mesma universidade. Tornei-me leitor de suas obras acadêmicas e literárias. Então, para mim foi uma alegria imensa quando ele escreveu a apresentação para o meu livro “Patativa do Assaré – o poeta passarinho” com ilustrações de Mariza Viana, publicado em 2004 e adotado pelo PNBE do MEC em 2006.

O fato é que o Ceará perde uma pessoa que fez muito por nosso estado e pelos cearenses. Que dedicou sua inteligência e sua criatividade crítica para o Ceará. Mas eu perdi um amigo afetuoso e vizinho querido da Maraponga. Por isso choro com sua partida. Choro pela lembrança daquela manhã em minha juventude universitária em que ele me aconselhou e choro porque vamos tocar o projeto do Museu de Arte Popular dos Mestres e Mestras da Cultura do Ceará sem a sua presença física.

Hoje é um dia triste para muitos amigos e amigas do Gilmar, do Gil, do professor, do doutor, do mestre, do parceiro, do companheiro, do camarada Gilmar de Carvalho. Mas é também um dia para celebração de sua vida, memória e toda sua obra. Um dia para a gente agradecer, agradecer, agradecer por tudo que ele fez, o que deixa como legado e como inspiração para gente seguir na luta por um mundo mais justo e democrático.

Siga seu caminho de luz, amigo! Você também é um passarinho!

Obrigado por tudo, viu!

Abraço terno,

Fabiano dos Santos Piúba-Secretário da Cultura do Estado do Ceará

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PARA EX-MINISTROS, AGENDA AMBIENTAL PERDEU FÔLEGO NO BRASIL

Em um panorama distinto ao de outros países, ex-ministros do Meio Ambiente e especialistas avaliam que a agenda ambiental vem perdendo espaço no debate político brasileiro. O movimento ocorre, para eles, pela atenção do eleitorado a temas mais “urgentes”, como saúde e educação, ou por desinteresse do governo federal. 

Titular da área, o ministro Ricardo Salles é alvo de duas ações sob a suspeita de agir para atrapalhar investigações sobre madeireiras ilegais na Amazônia — caberá à ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidir se ele será formalmente investigado.

No campo da representação, os números da Frente Parlamentar Ambientalista da Câmara são expressivos, mas os 216 integrantes não significam um amplo escopo de atuação. De acordo com o presidente do bloco, Rodrigo Agostinho (PSB-SP), seis deputados federais participam ativamente das discussões:

"Minha vida foi toda voltada para o meio ambiente, mas me capacitei para debater outros assuntos. Eleitoralmente, se dependesse apenas da agenda ambiental para ser eleito, não estaria onde estou hoje. Por outro lado, a maior parte dos 513 deputados da Câmara tem eleitores cientes da importância do meio ambiente e os cobram por isso.

Ex-ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc já foi eleito deputado estadual seis vezes no Rio, mas diversifica as bandeiras. Hoje no PSB, ele foi, nos anos 1980, um dos fundadores do PV. O próprio declínio do Partido Verde é uma tradução da baixa adesão à agenda: ao lado da Rede, que também tem o meio ambiente como um pilar, soma cinco vagas no Congresso, contra nove na legislatura anterior.

Em janeiro deste ano, reportagem do BLOG NEY VITAL, mostrou que  9 ex-ministros do Meio Ambiente pediram auxílio aos líderes da França, Alemanha e Noruega para proteger a Amazônia, pois encontra-se num momento de “dupla calamidade pública: ambiental e de saúde“.

A carta foi enviada no dia (26.jan.2021) e contou com as assinaturas de José Goldemberg, Rubens Ricupero, Gustavo Krause, Izabella Teixeira, José Sarney Filho, José Carlos Carvalho, Marina Silva, Carlos Minc e Edson Duarte, todos ex-titulares da pasta hoje ocupada por Ricardo Salles. 

Os ex-ministros relatam que, em 2020, a Amazônia sofreu aumento do desmatamento e das queimadas florestais durante o período de estiagem por conta da fumaça gerada, houve um aumento de internações por problemas respiratórios em 25% que contribuíram para o aumento da taxa de mortes por covid-19 no Estado do Amazonas.

“Conhecendo de perto a realidade amazônica, os signatários desta carta, ex-ministros do Meio Ambiente do Brasil, sabem por experiência que nem o governo federal nem os governos locais possuem todos os meios indispensáveis para socorrer as populações mais frágeis e vulneráveis da região.” 

Por conta dessa situação, os ex-titulares do Meio Ambiente pedem ajuda imediata “sob a forma de doação de materiais, equipamentos e medicamentos vitais para assegurar a sobrevivência”. No pedido, incluíram insumos como oxigênio, equipamentos para instalação de UTIs (unidades de terapia intensiva), remédios e EPIs (equipamentos de proteção individual).

Na carta, ainda, solicitaram que os líderes europeus façam uma intermediação com outros países vizinhos para um “pedido de socorro que lhes dirigem os necessitados habitantes das nossas florestas, tão severamente assolados pela pandemia”.

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ROBERTO CARLOS É UM PSICÓLOGO SOCIAL DO BRASIL, DIZ CAETANO VELOSO NOS 80 DO REI

Da mesma forma que muitos brasileiros cuja juventude transcorreu a partir dos anos 1960, Caetano Veloso teve nas canções gravadas por Roberto Carlos uma referência para a vida.

“Se você pensa”, “Quero que vá tudo pro inferno” e “Curvas da Estrada de Santos” são as que marcam, para mim, a dimensão da potência de sua arte. Elas tinham o que faz de Roberto um caso de realização do domínio do folclore urbano internacional e um psicólogo social do Brasil, com uma contundência que nossa defensiva MPB estava longe de alcançar — revela Caetano, um dos poucos compositores que tiveram o privilégio de ser gravados por Roberto.

O Rei chega esta segunda-feira aos 80 anos como uma imbatível e insubstituível figura da cultura nacional: muitos tentaram, mas até hoje ninguém além dele pode ser reconhecido, dentro da música popular brasileira, como o cronista do sentimento nacional — a voz das canções que mais fundo tocam a psiquê coletiva, oferecendo conselhos, confessando-se humano também, irradiando empatia e falando de amor. No divã das músicas de Roberto, nada fica sem uma resposta amiga, sejam os traumas da infância, sejam os dilemas da paixão, os grilos do sexo, os mistérios da existência ou os desafios da fé.

Traduzindo, todo mundo tem uma canção de Roberto Carlos que parece feita sob medida. Como as 80 personalidades ouvidas pelo GLOBO, que escolheram a sua preferida entre tantas. Nomes como o amigo de fé Erasmo Carlos, o humorista Marcelo Adnet, a jornalista Mariana Gross e a cantora Marisa Monte, entre outros.

— Quando Roberto está falando da mãe em “Lady Laura” ele traz o que as pessoas sentem em relação às suas próprias mães. Há uma coisa importante, que é a sinceridade. Ele não grava uma música se não concorda com a mensagem — analisa o pesquisador Paulo Cesar de Araújo, que em junho lança mais uma biografia do Rei, “Outra vez (1941-1970)”.


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PRONERA ENFRENTA DESAFIOS MAS OS BONS FRUTOS ACONTECEM NO VALE DO SÃO FRANCISCO

O educador Paulo Freire dizia que não basta somente conhecer a realidade, mas que é preciso também intervir nela. É exatamente isso o que vem fazendo o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). A professora, Tatiane de Souza Santos é pedagoga, especialista em Educação no Campo pelo Pronera. Tatiane avalia que atualmente as escolas do campo estão passando por dificuldades.

"Não são todas as comunidades que tem internet para os alunos terem acesso. Além da escassez de uma boa internet muitos deles não possuem instrumentos suficientes para as suas aulas como por exemplo celulares ou notebooks. Falta o incentivo do Governo Federal e do Governo do Estado que também não tem uma política que favoreça a educação no campo", diz Tatiane, que também possui formação superior em Letras, especialização em Psicopedagogia Clinica e Institucional e mais especialização em Ciências da Educação. Tatiane concluiu mestrado em Ciências da Educação.

Apesar das dificuldades Tatiane é um exemplo de como o Pronera consegue mudar a realidade dos jovens e adultos que puderam concluir as cinco primeiras séries do Ensino Fundamental e superar o analfabetismo. Dezenas de trabalhadores rurais completaram através do Pronera o nível médio. Outros, já graduados em nível superior. As parcerias com as universidades públicas permitiram a oferta de cursos nos níveis Educação de Jovens e Adultos (EJA), técnico profissionalizante, superior e pós-graduação.

Tatiane trabalha em Petrolina e Lagoa Grande. Petrolina possui uma área rural abrangente e vários bons exemplos existem nas áreas de assentamentos. Através de um intercambio, o estudante da área de assentamento Danilo Araújo cursa, medicina na Venezuela.

As metodologias de ensino do Pronera são voltadas para áreas relacionadas às demandas da população destacando o aprofundamento de temas da vida rural, como cooperativismo, convivência com o semi-árido e educação ambiental.

Nos 13 anos do Pronera, a Educação só avança nos assentamentos. O programa, apesar de sofrer uma "certa perseguição do Governo Federal chegando inclusive a acabar o programa" vem crescendo e tornou-se um dos mais importantes instrumentos de mudança social no campo.

O decreto nº 20.252 publicado no Diário Oficial de 20 de fevereiro de 2020 reorganiza a estrutura do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), enfraquecendo programas importantes para o desenvolvimento dos Movimentos Sem Terra e Quilombolas.

Na reestruturação, o governo extingue a Coordenação responsável pela Educação do Campo. Assim, fica inviabilizada a continuidade do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária, o Pronera, voltado para a formação de estudantes do campo. A medida é mais um ataque do Governo Bolsonaro aos movimentos populares e aos trabalhadores do campo

Para Isabela da Cruz,  formada no curso de Direito do Pronera na Universidade Federal do Paraná (UFPR ), não é de hoje que a política pública voltada para melhorias de vida no campo vem sendo sucateada.

Tatiane explica que o Pronera é um programa de educação de trabalhadores rurais em projetos de assentamentos de reforma agrária. Onde teve o objetivo de fortalecer educação criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais com metodologias voltadas para realidade dos camponeses. 

"Os objetivos específicos do Pronera era alfabetizar jovens e adultos ,escolarizar, formação de continuada de professores e produção de materiais de leitura e de elevação de consciência do seu sujeito. Os principios Teórico são o  caráter de interação que são as parcerias formadas com os governos e instituições, os  de caráter multiplicador que são a busca dos assentados de convencimento do processo de escolarização para sua vida e para fortalecer as identidades e o caráter participativo quer elaboração de projetos que de fato fortalecer a sua identidade enquanto sujeito camponês para melhoria e a qualidade da sua vivência permanência no campo. princípios".

De acordo com os dados o Pronera já garantiu o direito à educação pública para cerca de 167 mil alunos na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) e formado 5.300 alunos em cursos superiores e outros 9 mil no ensino médio tradicional

"Para falarmos do Pronera é necessário que compreendamos que o mesmo faz parte de uma luta de classes ,da classe dos trabalhadores ou seja da emancipação dos povos do campo. Onde mostra que é educação do campo tem uma matriz pedagógica, tem memórias de lutas e resistências, tem os marcos legais que regulamenta, tem projeto de formação humana, tem projeto político pedagógico e o mesmo foi concebido com derramamento de sangue dos vários camponeses exemplo disso foi o massacre do eldorado dos carajás. O dossiê  educação do campo: 20 anos do Pronera, lançada agora no mês de abril, traz claro todos esses dados que aqui explanado", diz Tatiane.

O Pronera atua em todos os níveis de ensino, da alfabetização à pós-graduação, estimulando, desenvolvendo e coordenando projetos voltados à vida no campo, sempre para promover o desenvolvimento sustentável.

Os resultados se efetivam por meio de sólidas parcerias com organizações e movimentos sociais, além de 46 universidades públicas e comunitárias de todo país.

O foco, em jovens e adultos, assegura desenvolvimento verdadeiro aos assentamentos porque alia conhecimento e autonomia. Os trabalhadores descobrem a educação sem sair do campo.

Tatiane ainda destaca que neste período de pandemia os Projetos Pedagógicos estão sendo realizados para fortalecer a identidade  camponesa e plantio de árvores nativas da caatinga.

"A nossa luta agora é fortalecer a ainda mais espaço de educação do campo legitimando nossas experiências enquanto estudantes, enquanto assentados, enquanto sujeito que fazem de educação do campo que fazem do Pronera instrumento de transformação da nossa realidade", finalizou Tatiane.

O Pronera foi uma conquista dos movimentos sociais do campo e se transformou em política pública de educação do campo, em 16 de abril de 1998, por meio da Portaria nº. 10/98, vinculado ao gabinete do Ministério Extraordinário da Política Fundiária. Em 2001 foi incorporado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
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MST LANÇA PARADA PELA VIDA E REAFIRMA O ISOLAMENTO PRODUTIVO

Mais de um ano de coronavírus pelo mundo e o Brasil segue sendo o epicentro global da pandemia, com quase 370 mil vidas oficialmente perdidas devido à Covid-19. Mortes que poderiam ter sido evitadas com medidas adotadas pelo governo federal como o isolamento social, o uso de máscara, investimentos públicos no Sistema Único de Saúde (SUS) para conter a pandemia e pagamento do auxílio emergencial de 600 reais para manter o isolamento social, entre outros.

Na contramão da maioria dos chefes de nações, o governo Bolsonaro tem adotado uma política de omissão e genocídio da população, se recusando a adotar medidas nacionais. Em defesa da vida de todo o povo brasileiro, o MST realiza uma grande “Parada Pela Vida” entre os dias 17 e 30 de abril, nos espaços e territórios organizados pelo Movimento.

A Parada Pela Vida se insere num momento importante da história do MST, ao ser lançada no meio da Jornada Nacional de Lutas de abril, que este ano é marcada pelos 25 anos do Massacre de Eldorado do Carajás.

O cuidado é uma conduta individual, mas deve estar inserida num compromisso coletivo do Movimento para salvar a vida dos companheiros e companheiras, e ao mesmo tempo, evitando que adoeçam e tenham que enfrentar as sequelas que tem sido cada vez mais frequente. Por isso, o MST criou um protocolo para todas e todos possam seguir fielmente neste período de luto e luta.

O protocolo ressalta a necessidade da disciplina consciente independente da tarefa desempenhada no Movimento.

O objetivo geral da Parada é evitar aglomerações, suspendendo qualquer evento como festas, baladas, passeios em rios e cachoeiras, jogos de futebol ou outros esportes coletivos. Entre as medidas estão o uso de máscara, distanciamento social e higienização constante das mãos.

Confira abaixo o “Protocolo do Povo Sem Terra em tempos de pandemia” e as “Dez medidas necessárias para o enfrentamento do povo à Covid-19“; Baixe, divulgue e siga as instruções para salvar vidas!

Realizar de 17 a 30 de abril uma grande PARADA PELA VIDA. Com a continuidade da proliferação do vírus e o ritmo lento da vacinação, o isolamento social é a única forma de salvar vidas;

Pressionar os prefeitos e governadores para decretar uma PARADA TOTAL de pelo menos 21 dias, com auxílio emergencial complementar para os trabalhadores e pessoas necessitadas;

O isolamento social para o povo Sem Terra deve ser ISOLAMENTO PRODUTIVO, para Plantar Árvores e Produzir Alimentos Saudáveis. Devemos PLANTAR A SOLIDARIEDADE e enfrentar a pandemia da fome – 19 milhões de brasileiros e brasileiras estão passando fome, 116,8 milhões vivem em situação de insegurança alimentar e, destes, 43,4 milhões não tem alimentos em quantidade suficiente;

Praticar a PEDAGOGIA DO EXEMPLO: a militância deve ser a principal referência na defesa da vida e nosso comportamento deve ter como base a ética revolucionária;

Aplicar e difundir os CUIDADOS EM SAÚDE, garantindo o uso correto de máscaras, observando bem a qualidade e o ajuste ao rosto, manter o distanciamento social e sermos rigorosos na higiene, lavando as mãos com água e sabão ou usando álcool em gel 70%. Fazer uso de nosso conhecimento em terapias de cuidados, homeopatia e fitoterapia, alertando que nada substitui a vacina e o atendimento médico quando necessário. A demora na busca por ajuda pode ser fatal;

Garantir um PROTOCOLO DE CUIDADOS com controle coletivo para todo nosso Movimento, principalmente para os companheiros e companheiras que precisam estar na linha de frente das ações de solidariedade, ações simbólicas, comercialização, agroindústrias, escolas e etc.;

Assegurar PRÁTICAS SAUDÁVEIS DE VIDA, com comida saudável, exercícios físicos e busca de equilíbrio emocional e mental. Cuidar da nossa imunidade e da nossa humanidade;

Desenvolver um PLANO DE COMUNICAÇÃO DIRETA COM NOSSA BASE nos estados, nas brigadas, regionais e em cada acampamento e assentamento. Os dirigentes locais são referências às nossas famílias e por isso devem produzir e compartilhar materiais diversos e de forma permanente;

Criar COLETIVOS DE CRISE NOS ESTADOS, para tomar as medidas necessárias para salvar vidas e evitar adoecimentos. Fazer barreiras de conscientização nas nossas áreas, dialogar com pastores, padres, freiras, donos de estabelecimentos comerciais e etc. Monitorar casos de adoecimento, óbitos e manter informação atualizada de cada localidade;

Organizar PLANOS ESTADUAIS para organizar a vida do Movimento até setembro, garantindo nossa organicidade, zelo pelas linhas políticas e princípios organizativos do MST. (Fonte: Site MST PE)

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JOSÉ SARAMAGO: UM DIREITO QUE RESPEITE, UMA JUSTIÇA QUE CUMPRA

O massacre de Eldorado dos Carajás completa neste sábado (17). Dezenove integrantes do MST foram brutalmente assassinados pela polícia. Em abril de 1997, o fotógrafo Sebastião Salgado, o escritor português José Saramago e o compositor Chico Buarque lançam um livro/cd para relembrar o fato e marcar a importância da luta pelo chão: Terra (Companhia das Letras, 1999). 

As fotos de Salgado retratam de forma realista os assentamentos e a vida dos trabalhadores rurais. A introdução, a cargo de Jose Saramago lembra das promessas não-cumpridas do governo brasileiro pela reforma agrária.

Entre as canções de Chico, duas exclusivas: Levantados do Chão (com Milton Nascimento) e Assentamento, que narra o sentimento de um migrante ao perceber que a cidade grande “não mora” mais nele. (informações de Brasil Almanaque da Cultura Popular)

Abaixo, leia o prefácio do livro, escrito por José Saramago

.É difícil defender

só com palavras a vida

(ainda mais quando ela é 

esta que vê, severina).

João Cabral de Melo Neto

Oxalá não venha nunca à sublime cabeça de Deus a idéia de viajar um dia a estas paragens para certificar-se de que as pessoas que por aqui mal vivem, e pior vão morrendo, estão a cumprir de modo satisfatório o castigo que por ele foi aplicado, no começo do mundo, ao nosso primeiro pai e à nossa primeira mãe, os quais, pela simples e honesta curiosidade de quererem saber a razão por que tinham sido feitos, foram sentenciados, ela, a parir com esforço e dor, ele, a ganhar o pão da família com o suor do seu rosto, tendo como destino final a mesma terra donde, por um capricho divino, haviam sido tirados, pó que foi pó, e pó tornará a ser.

Dos dois criminosos, digamo-lo já, quem veio a suportar a carga pior foi ela e as que depois dela vieram, pois tendo de sofrer e suar tanto para parir, conforme havia sido determinado pela sempre misericordiosa vontade de Deus, tiveram também de suar e sofrer trabalhando ao lado dos seus homens, tiveram também de esforçar-se o mesmo ou mais do que eles, que a vida, durante muitos milénios, não estava para a senhora ficar em casa, de perna estendida, qual rainha das abelhas, sem outra obrigação que a de desovar de tempos a tempos, não fosse ficar o mundo deserto e depois não ter Deus em quem mandar.

Se, porém, o dito Deus, não fazendo caso de recomendações e conselhos, persistisse no propósito de vir até aqui, sem dúvida acabaria por reconhecer como, afinal, é tão pouca coisa ser-se um Deus, quando, apesar dos famosos atributos de omnisciência e omnipotência, mil vezes exaltados em todas as línguas e dialectos, foram cometidos, no projecto da criação da humanidade, tantos e tão grosseiros erros de previsão, como foi aquele, a todas as luzes imperdoável, de apetrechar as pessoas com glândulas sudoríparas, para depois lhes recusar o trabalho que as faria funcionar –  as glândulas e as pessoas. Ao pé disto, cabe perguntar se não teria merecido mais prêmio que castigo a puríssima inocência que levou a nossa primeira mãe e o nosso primeiro pai a provarem do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. A verdade, digam o que disserem autoridades, tanto as teológicas como as outras, civis e militares, é que, propriamente falando, não o chegaram a comer, só o morderam, por isso estamos nós como estamos, sabendo tanto do mal, e do bem tão pouco.

Envergonhar-se e arrepender-se dos erros cometidos é o que se espera de qualquer pessoa bem nascida e de sólida formação moral, e Deus, tendo indiscutivelmente nascido de Si mesmo, está claro que nasceu do melhor que havia no seu tempo. Por estas razões, as de origem e as adquiridas, após ter visto e percebido o que aqui se passa, não teve mais remédio que clamar mea culpa, mea maxima culpa, e reconhecer a excessiva dimensão dos enganos em que tinha caído. É certo que, a seu crédito, e para que isto não seja só um contínuo dizer mal do Criador, subsiste o facto irrespondível de que, quando Deus se decidiu a expulsar do paraíso terreal, por desobediência, o nosso primeiro pai e a nossa primeira mãe, eles, apesar da imprudente falta, iriam ter ao seu dispor a terra toda, para nela suarem e trabalharem à vontade. Contudo, e por desgraça, um outro erro nas previsões divinas não demoraria a manifestar-se, e esse muito mais grave do que tudo quanto até aí havia acontecido.

Foi o caso que estando já a terra assaz povoada de filhos, filhos de filhos e filhos de netos da nossa primeira mãe e do nosso primeiro pai, uns quantos desses, esquecidos de que sendo a morte de todos, a vida também o deveria ser, puseram-se a traçar uns riscos no chão, a espetar umas estacas, a levantar uns muros de pedra, depois do que anunciaram que, a partir desse momento, estava proibida (palavra nova) a entrada nos terrenos que assim ficavam delimitados, sob pena de um castigo, que segundo os tempos e os costumes, poderia vir a ser de morte, ou de prisão, ou de multa, ou novamente de morte. 

Sem que até hoje se tivesse sabido porquê, e não falta quem afirme que disto não poderão ser atiradas as responsabilidades para as costas de Deus, aqueles nossos antigos parentes que por ali andavam, tendo presenciado a espoliação e escutado o inaudito aviso, não só não protestaram contra o abuso com que fora tornado particular o que até então havia sido de todos, como acreditaram que era essa a irrefragável ordem natural das coisas de que se tinha começado a falar por aquelas alturas.

Diziam eles que se o cordeiro veio ao mundo para ser comido pelo lobo, conforme se podia concluir da simples verificação dos factos da vida pastoril, então é porque a natureza quer que haja servos e haja senhores, que estes mandem e aqueles obedeçam, e que tudo quanto assim não for será chamado subversão.

Posto diante de todos estes homens reunidos, de todas estas mulheres, de todas estas crianças (sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra, assim lhes fora mandado), cujo suor não nascia do trabalho que não tinham, mas da agonia insuportável de não o ter, Deus arrependeu-se dos males que havia feito e permitido, a um ponto tal que, num arrebato de contrição, quis mudar o seu nome para um outro mais humano. Falando à multidão, anunciou: “A partir de hoje chamar-me-eis Justiça.” E a multidão respondeu-lhe: “Justiça, já nós a temos, e não nos atende. 

Disse Deus: “Sendo assim, tomarei o nome de Direito.” E a multidão tornou a responder-lhe: “Direito, já nós o temos, e não nos conhece.” E Deus: “Nesse caso, ficarei com o nome de Caridade, que é um nome bonito.” Disse a multidão: “Não necessitamos caridade, o que queremos é uma Justiça que se cumpra e um Direito que nos respeite.” 

Então, Deus compreendeu que nunca tivera, verdadeiramente, no mundo que julgara ser seu, o lugar de majestade que havia imaginado, que tudo fora, afinal, uma ilusão, que também ele tinha sido vítima de enganos, como aqueles de que se estavam queixando as mulheres, os homens e as crianças, e, humilhado, retirou-se para a eternidade. A penúltima imagem que ainda viu foi a de espingardas apontadas à multidão, o penúltimo som que ainda ouviu foi o dos disparos, mas na última imagem já havia corpos caídos sangrando, e o último som estava cheio de gritos e de lágrimas.

No dia 17 de Abril de 1996, no estado brasileiro do Pará, perto de uma povoação chamada Eldorado dos Carajás (Eldorado: como pode ser sarcástico o destino de certas palavras…), 155 soldados da polícia militarizada, armados de espingardas e metralhadoras, abriram fogo contra uma manifestação de camponeses que bloqueavam a estrada em acção de protesto pelo atraso dos procedimentos legais de expropriação de terras, como parte do esboço ou simulacro de uma suposta reforma agrária na qual, entre avanços mínimos e dramáticos recuos, se gastaram já cinqüenta anos, sem que alguma vez tivesse sido dada suficiente satisfação aos gravíssimos problemas de subsistência (seria mais rigoroso dizer sobrevivência) dos trabalhadores do campo.

 Naquele dia, no chão de Eldorado dos Carajás ficaram 19 mortos, além de umas quantas dezenas de pessoas feridas. Passados três meses sobre este sangrento acontecimento, a polícia do estado do Pará, arvorando-se a si mesma em juiz numa causa em que, obviamente, só poderia ser a parte acusada, veio a público declarar inocentes de qualquer culpa os seus 155 soldados, alegando que tinham agido em legítima defesa, e, como se isto lhe parecesse pouco, reclamou processamento judicial contra três dos camponeses, por desacato, lesões e detenção ilegal de armas. 

O arsenal bélico dos manifestantes era constituído por três pistolas, pedras e instrumentos de lavoura mais ou menos manejáveis. Demasiado sabemos que, muito antes da invenção das primeiras armas de fogo, já as pedras, as foices e os chuços haviam sido considerados ilegais nas mãos daqueles que, obrigados pela necessidade a reclamar pão para comer e terra para trabalhar, encontraram pela frente a polícia militarizada do tempo, armada de espadas, lanças e alabardas. Ao contrário do que geralmente se pretende fazer acreditar, não há nada mais fácil de compreender que a história do mundo, que muita gente ilustrada ainda teima em afirmar ser complicada demais para o entendimento rude do povo.

Pelas três horas da madrugada do dia 9 de Agosto de 1995, em Corumbiara, no estado de Rondônia, 600 famílias de camponeses sem terra, que se encontravam acampadas na Fazenda Santa Elina, foram atacadas por tropas da polícia militarizada. Durante o cerco, que durou todo o resto da noite, os camponeses resistiram com espingardas de caça. Quando amanheceu, a polícia, fardada e encapuçada, de cara pintada de preto, e com o apoio de grupos de assassinos profissionais a soldo de um latifundiário da região, invadiu o acampamento. varrendo-o a tiro, derrubando e incendiando as barracas onde os sem-terra viviam. Foram mortos 10 camponeses, entre eles uma menina de 7 anos, atingida pelas costas quando fugia. Dois polícias morreram também na luta.

A superfície do Brasil, incluindo lagos, rios e montanhas, é de 850 milhões de hectares. Mais ou menos metade desta superfície, uns 400 milhões de hectares, é geralmente considerada apropriada ao uso e ao desenvolvimento agrícolas. Ora, actualmente, apenas 60 milhões desses hectares estão a ser utilizados na cultura regular de grãos. O restante, salvo as áreas que têm vindo a ser ocupadas por explorações de pecuária extensiva (que, ao contrário do que um primeiro e apressado exame possa levar a pensar, significam, na realidade, um aproveitamento insuficiente da terra), encontra-se em estado de improdutividade, de abandono. sem fruto.

Povoando dramaticamente esta paisagem e esta realidade social e económica, vagando entre o sonho e o desespero, existem 4 800 000 famílias de rurais sem terras. A terra está ali, diante dos olhos e dos braços, uma imensa metade de um país imenso, mas aquela gente (quantas pessoas ao todo? 15 milhões? mais ainda?) não pode lá entrar para trabalhar, para viver com a dignidade simples que só o trabalho pode conferir, porque os voracíssimos descendentes daqueles homens que primeiro haviam dito: “Esta terra é minha”, e encontraram semelhantes seus bastante ingénuos para acreditar que era suficiente tê-lo dito, esses rodearam a terra de leis que os protegem, de polícias que os guardam, de governos que os representam e defendem, de pistoleiros pagos para matar. Os 19 mortos de Eldorado dos Carajás e os 10 de Corumbiara foram apenas a última gota de sangue do longo calvário que tem sido a perseguição sofrida pelos trabalhadores do campo, uma perseguição contínua, sistemática, desapiedada, que, só entre 1964 e 1995, causou 1 635 vítimas mortais, cobrindo de luto a miséria dos camponeses de todos os estados do Brasil. com mais evidência para Bahia, Maranhão. Mato Grosso, Pará e Pernambuco, que contam, só eles, mais de mil assassinados.

E a Reforma Agrária, a reforma da terra brasileira aproveitável, em laboriosa e acidentada gestação, alternando as esperanças e os desânimos, desde que a Constituição de 1946, na seqüência do movimento de redemocratização que varreu o Brasil depois da Segunda Guerra Mundial, acolheu o preceito do interesse social como fundamento para a desapropriação de terras? 

Em que ponto se encontra hoje essa maravilha humanitária que haveria de assombrar o mundo, essa obra de taumaturgos tantas vezes prometida, essa bandeira de eleições, essa negaça de votos, esse engano de desesperados? Sem ir mais longe que as quatro últimas presidências da República, será suficiente relembrar que o presidente José Sarney prometeu assentar 1.400.000 famílias de trabalhadores rurais e que, decorridos os cinco anos do seu mandato, nem sequer 140.000 tinham sido instaladas; será suficiente recordar que o presidente Fernando Collor de Mello fez a promessa de assentar 500.000 famílias, e nem uma só o foi; será suficiente lembrar que o presidente Itamar Franco garantiu que faria assentar 100.000 famílias, e só ficou por 20.000; será suficiente dizer, enfim, que o actual presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, estabeleceu que a Reforma Agrária irá contemplar 280.000 famílias em quatro anos, o que significará, se tão modesto objectivo for cumprido e o mesmo programa se repetir no futuro, que irão ser necessários, segundo uma operação aritmética elementar, setenta anos para assentar os quase 5.000.000 de famílias de trabalhadores rurais que precisam de terra e não a têm, terra que para eles é condição de vida, vida que já não poderá esperar mais. Entretanto, a polícia absolve-se a si mesma e condena aqueles a quem assassinou.

O Cristo do Corcovado desapareceu, levou-o Deus quando se retirou para a eternidade, porque não tinha servido de nada pô-lo ali. Agora, no lugar dele, fala-se em colocar quatro enormes painéis virados às quatro direções do Brasil e do mundo, e todos, em grandes letras, dizendo o mesmo: UM DIREITO QUE RESPEITE, UMA JUSTIÇA QUE CUMPRA.

JOSÉ SARAMAGO

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