DOUTOR EM MÚSICA CLIMÉRIO DE OLIVEIRA PARTICIPA DO DEBATE SOBRE A RADIOGRAFIA DO FORRÓ

Para apresentar uma radiografia de Luiz Gonzaga e do Forró,  o doutor em música pela Unirio Climério de Oliveira é convidado do Cais do Sertão na faixa Conexão Cais. Autor de uma pesquisa de doutorado em que esmiúça o legado do Rei do Baião, Climério conversa com o pedagogo e educador do Cais Sandro Santos. A live será nesta quinta-feira (15), pelo Instagram @caisdosertao, a partir das 17h.

"Debater o legado social e musical de Luiz Gonzaga é sempre uma prioridade na nossa programação online. No mês de aniversário do museu, reforçamos a nossa admiração pelo artista e a importância de existir uma instituição cultural como o Cais situada no coração do Recife", comenta a coordenadora de Conteúdo do Cais, Clarice Andrade.

Mediado pelo pedagogo e educador do Cais Sandro Santos, o bate-papo vai trazer à tona o legado do forró na formação da música brasileira e a jornada sociocultural de Gonzagão. A live também foca a carreira acadêmica e o nascimento da Associação Respeita Januário, da qual Climério é membro-fundador.

PROGRAMAÇÃO MENSAL: O mês de abril contará com mais uma Conexão Cais. No dia 29, a faixa recebe o trio As Januárias, que reflete sobre o forró, o xaxado, o baião e a receptividade dos gêneros no mercado fonográfico. A conversa contará com mediação do músico-educador Diogo do Monte.

A celebração do aniversário do centro cultural contará também com um webinário, que promete refletir sobre o papel dos museus no século 21. Transmitida ao vivo e via canal do YouTube do museu, a roda de conversa contará com a participação do arquiteto responsável pelo projeto da sede do Cais, Marcelo Ferraz; e outros convidados: o professor titular do Programa de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Luiz Amorim e a doutoranda em Desenvolvimento Urbano/Arquitetura (UFPE) Lívia Nóbrega. Será no dia 20 de abril, às 20h, com mediação do vice-chefe do Departamento de Antropologia e Museologia (DAM), da UFPE, Hugo Menezes.

O Cais do Sertão segue fechado para visitação presencial, em respeito às medidas de controle ao novo coronavírus determinadas pelo Governo de Pernambuco.

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RIO SÃO FRANCISCO: O POVO INDÍGENA PANKARÁ E AS USINAS NUCLEARES


O povo indígena Pankará Serrote dos Campos, município de Itacuruba, Estado de Pernambuco, vive às margens do Rio São Francisco, também reconhecido como o grande Opará, pelos povos indígenas do Sertão de Itaparica. O velho Chico se trata de um verdadeiro território tradicional, pois, bem antes da chegada dos colonizadores na região, a mesma já era ocupada por diversos Povos Indígenas.

O Opará é de fundamental importância para o Bem Viver dos Povos, tanto do ponto de vista material, quanto em relação à religiosidade, de modo que é possível identificar uma grande área de ocupação tradicional, com a presença de vários Sítios Arqueológicos. Todavia, pela proximidade junto ao rio São Francisco, a região sempre foi cobiçada pela colonização, com interesses junto às águas, favorecendo a implantação de cidades e áreas de produção agrícola e pastoril, em detrimento dos povos indígenas e demais comunidades tradicionais.

“O Opará é de fundamental importância para o Bem Viver dos Povos, tanto do ponto de vista material, quanto em relação à religiosidade”. Na década de 1950 começam a ser implantadas ao longo do Rio São Francisco várias hidrelétricas desde o estado de Minas Gerais, passando pela Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas. Uma dessas barragens, a barragem de Itaparica (Gonzagão), teve suas comportas fechadas em 1988, o que provocou a inundação de toda a região, alagando a antiga cidade de Itacuruba, assim como outras cidades ao longo das margens do rio, inundando extensas faixas de terra, entre essas, parte do território tradicional do povo Pankará Serrote dos Campos.

Diante disso, os povos do Opará foram obrigados a saírem de seus territórios tradicionais e muitas famílias foram removidas para outras localidades, sendo alojadas nas chamadas Agrovilas, construídas pela CHESF – Companhia Hidrelétrica do São Francisco -. Por outro lado, outras muitas famílias recusaram abandonar as terras não alagadas e assim permaneceram, com o objetivo de rearticular suas forças, diante do intenso processo de violência sofrido pelo Estado e suas grandes obras.

Com o passar do tempo e dos anos traumáticos, começaram a organizar suas comunidades em busca da demarcação territorial dos poucos pedaços de terra/território que sobraram das inundações promovidas pelo Estado brasileiro. A partir da promulgação da Constituição de 1988, a qual reconheceu o direito imemorial e imprescritível à terra, o povo Pankará Serrote dos Campos, mais fortalecido e empenhado na luta pela demarcação do território tradicional, obteve seu reconhecimento como povo indígena Pankará por volta dos anos 2.000.

Durante o processo de luta pela demarcação do território, porém, esse povo acabou surpreendido com o projeto de instalação de um complexo de usinas nucleares em suas terras, confirmado pela empresa estatal brasileira Eletronuclear, através do Plano Energético nacional para o ano de 2050. O projeto prevê a construção de um conjunto de 6 reatores nucleares, criando uma sobreposição de interesses ao território, propondo mais uma vez a expulsão da comunidade do seu local de origem com a instalação de uma grande obra.

“Durante o processo de luta pela demarcação do território, porém, esse povo acabou surpreendido com o projeto de instalação de um complexo de usinas nucleares em suas terras”

Assim, diante de mais uma ameaça ao seu território tradicional e à toda a bacia do Rio São Francisco, o grande Opará, o Povo indígena Pankará Serrote dos Campos se vê obrigado a peregrinar em defesa de seus direitos. Desde 2008 promove a resistência contra o projeto das usinas nucleares, em defesa da terra e da vida, já que estão contra a “energia da morte”, articulando e mobilizando todos os setores que são atingidos pelo projeto nuclear, como as comunidades vizinhas, outros povos indígenas, comunidades quilombolas, pescadores tradicionais, ciganos, agricultores familiares, trabalhadores rurais e um grande números de cidadão residentes das cidades próximas. Bem como a população das capitais Nordestinas, visto que todas elas estão no raio a ser atingido, direta e/ou indiretamente, em caso de qualquer falha mínima ou acidente nuclear, caso as usinas nucleares sejam construídas.

Ainda, enfrentam também uma batalha política no Estado de Pernambuco, pois tramita a PEC 09/2019 (Projeto de Emenda Constitucional) que tenta alterar o artigo 216 da Constituição do Estado de Pernambuco, o qual proíbe a instalação de usinas nucleares nesse Estado, até que sejam esgotadas as demais fontes de recursos energéticos no estado, como solar e eólica.

“Diante da ameaça o povo Pankará Serrote dos Campos se vê obrigado a peregrinar em defesa de seus direitos.” Para tanto, o povo indígena Pankará Serrote dos Campos estabelece um intenso processo de resistência, articulação e mobilização, envolvendo intelectuais, a Arquidiocese de Recife e Olinda, Diocese do município de Floresta/PE, pastorais sociais, professores/as universitários, estudantes, o Movimento Negro Unificado – MNU -, povos de terreiros e as populações em geral. Para que todos somem nessa luta em defesa da vida, em defesa do Grande Opará, o Rio São Francisco, junto a resistência Nacional, ao lado dos atingidos elas usinas nucleares em Angra dos Reis/RJ, assim como os atingidos nas áreas de mineração espalhadas por todo o Brasil, com destaque ao município de Caetité/BA e Santa Quitéria/CE, como também junto ao movimento internacional contra as Usinas Nucleares e contra a energia nuclear no Mundo.

Recife, 10 de abril de 2021. Conselho Indigenista Missionário – CIMI. Regional Nordeste




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CARNAÍBA (PAJEÚ DAS FLORES) GUARDA MEMÓRIA DO FILHO MAIS ILUSTRE: MÉDICO COMPOSITOR ZÉ DANTAS


Na década de 1940, o aparelho de rádio ficava instalado em um ponto de destaque na sala de estar da família brasileira. Era o veículo de comunicação do momento. Através dessas ondas radiofônicas, os sucessos de Luiz Gonzaga atingiram todo o território nacional, reformulando para sempre os imaginários do país sobre o Nordeste. As composições que emanavam daquela voz nasalada de tenor caboclo, tão comum nas toadas sertanejas, vinham de grandes poetas da cultura nordestina. Um deles era o médico José de Sousa Dantas Filho, que assinava suas letras como ZéDantas.

Em 1947, o Brasil respirava uma aurora democrática após o fim do Estado Novo, ditadura de Getúlio Vargas que exerceu em Pernambuco o autoritarismo em seu mais alto nível com o interventor Agamenon Magalhães. Foi nesse ano que Luiz, já famoso pelas transmissões na Rádio Nacional, do Rio, conheceu o então estudante de medicina José Dantas numa farra no Grande Hotel, na praia do Pina. Era o início de uma parceria que renderia brilhantes obras, proporcionadas pela combinação magnífica da interpretação de Gonzagão com o conhecimento folclórico das composições de Zé.

A primeira parceria gravada foi Vem morena, em janeiro de 1950. A partir daí foram surgindo outros sucessos, como A dança da moça, Forró de Mané Vito, Paulo Afonso, Vozes da seca, Riacho do navio, São João do arraiá, Volta da Asa Branca, Acuã (a favorita de Zé), Xote das meninas, Forró em Caruaru, Siri jogando bola, Farinhada, Letra I, Sabiá, entre outras. Sem a parceria, talvez o baião não tivesse uma repercussão nacional tão estável, sendo o ritmo do momento até a dominação da bossa nova, no final da década de 1950. Outro responsável pela longevidade foi Humberto Teixeira, também grande dupla de Gonzaga.

José de Sousa Dantas Filho nasceu em Carnaíba, quando o município ainda distrito do município de Pajeú das Flores. Ele foi estudou no Recife ainda muito jovem, quando já começou a publicar as primeiras composições na Revista Formação, publicada pelo Colégio Americano Batista. Quando chegavam as férias, ele ansiava pela volta ao Sertão. 

"Ali, vivendo no meio dos sertanejos, dos quais me tornava amigo, ia recolhendo ditos, estórias, cantorias... toda riqueza da vida sertaneja. E quando regressava ao Recife, levava as melhores coisas daquilo que havia recolhido, para mostrar aos amigos nas rodas que eu frequentava. Foi nessa época que escrevi a primeira crônica sobre folclore", disse Zédantas, em matéria em sua homenagem publicada pelo Diario em 8 de junho de 1969.

José concluiu os estudos no colégio Marista, no Recife. Aprovado em medicina na então Universidade do Recife (a atual UFPE), ele se formou em 1949 e seguiu para o Rio de Janeiro, estagiando no Hospital dos Servidores do Estado, onde se especializou em obstetrícia e foi efetivado. O Rei do Baião também já morava na então capital federal do Brasil. Mesmo no Rio de Janeiro, Zédantas nunca esqueceu de Pernambuco, elevando o nome do estado e de todo o Nordeste brasileiro nas músicas que compunha.

As músicas de Zédantas estão entre as mais populares da história do forró no Brasil. Na época, elas penetraram desde as festas dos casebres do interior ao baile do mais grã-fino palacete, pois refletiam sobre uma psicologia que dominava praticamente toda a nação, mas usando de referências sertanejas. Em Xote das meninas, ele faz um paralelo entre a flor de mandacaru, no sinal que precede a chuva dando fecundidade à terra, com a menina que, enjoada da boneca, torna-se mulher. Em outras, faz alertas aos poderes públicos para com os nordestinos em miséria. Tudo isso remetendo a uma noite mágica de São João.

Nas horas de folga, o médico dedicava-se à divulgação do baião, chegando a trabalhar na Rádio Nacional como produtor do programa No mundo do baião. Ele ainda chegou a trabalhar na Rádio Mayrick, sendo diretor do Departamento Folclórico. Mais do que um grande compositor, ele foi um perspicaz folclorista, estudioso das curiosidades e do comportamento musical da gente sertaneja. A ele interessava tudo que dissesse respeito ao folclore regional nordestino, fosse vindo da viola (instrumento dos cantadores de desafio, principalmente nas feiras) ou do pandeiro (remetia a época das senzalas, quando ritmavam os sambas dos escravos nos terreiros).

Em 1961, quando estava na fazenda de Luiz Gonzaga, em Miguel Pereira, região serrana do Rio, Dantas rompeu o tendão do pé. Depois de um ano tomando fortes remédios para sanar as dores, ele teve os rins comprometidos e faleceu precocemente no Rio, em 11 de março de 1962, aos 41 anos. Duas semanas antes da morte, foi visitado por Gonzaga, que levava um gravador. Nele, Zédantas colocou músicas que havia feito, já enfermo, todas gravadas pelo Rei do Baião: Balança rede, Praias do Nordeste, Forró do Zé Antão, entre outras. Quando o disco saiu, Zé já tinha morrido. Mas suas músicas, já regravadas por vários cantores de sucesso, como Alceu Valença, Gal Costa, Maria Bethânia, Fagner e Gilberto Gil, ficaram eternizadas.

Apesar de todo o sucesso nacional de Zédantas como compositor, foi necessário o esforço de vários moradores para que o artista e médico tivesse reconhecimento merecido na sua própria terra natal, Carnaíba. Em 1975, as professoras recém-formadas Margarida Pereira, Joana Darc Malaquias e Bernadete Patriota tiveram a ideia de fazer uma festa na Escola Estadual João Gomes dos Reis. Elas resolveram trabalhar músicas de Zé, porque tinham o conhecimento de que ele nasceu na cidade. Através de uma carta, enviada por uma prima do compositor, as professoras conseguiram entrar em contato com Dona Iolanda, a viúva.

"Poucos dias depois, Iolanda respondeu com uma relação das músicas dele, além de recortes de jornais e revistas, o que nos ajudou a fazer a festa", relembra Margarida, que hoje é secretária de cultura do município. "Em 1978, o tenente João Gomes da Lira foi eleito vereador e propôs colocar um busto de Zédantas na cidade. A prefeitura não fez, então ele mesmo conseguiu esse busto, inaugurado no mesmo ano. Foi um evento de grande repercussão, quando a família e o próprio Luiz Gonzaga compareceram."

A festa em homenagem a Zédantas foi se espalhando por todas as escolas da Carnaíba. A proporção cresce com a chegada do Padre Luizinho, que segue como o pároco da cidade. "O ano de 1993 foi muito pesado, pois o Sertão sofria uma seca muito grande e perdurava a dominação de poucos ricos em cima de muitos pobres. Carnaíba já tinha uma história muito bonita, com muitos músicos e maestros, mas era muito atrasada no sentido político, com uma religião bem mais tradicional. Eu apostei na obra de Zédantas para alcançar os jovens e os estudantes, fazendo justiça com o nome dele. Zédantas nunca esqueceu de nós, do homem, da terra, das relações com a natureza", diz Luizinho.

A primeira festa ocorreu naquele ano de 1993, sendo encabeçada pela igreja. Uma carta inspirada em Vozes da seca foi lida, denunciando a situação de abandono da região. "Pegamos a música e começamos a trabalhar em cima da pobreza, da exploração. Assim nasceu o Grupo de Educação Base, que uniu toda a comunidade, sobretudo músicos e sanfoneiros. A cidade carrega até hoje esse atrativo, com uma grande festa que mobiliza toda a cultura", diz o padre.

Ainda demoraram anos para o poder público chegar junto ao evento, que só não foi realizado em 2004, 2020 e 2021 (devido à pandemia). Até hoje, uma carta sobre a situação do município e do Sertão é lida. "Visitamos as cidades vizinhas para divulgar a festa. Nós nunca tivemos Zédantas como exclusivo de Carnaíba. Ele é do Pajeú, do Nordeste, do Brasil e do mundo, ele tem essa dimensão", avalia Margarida. "Ainda assim, temos muito orgulho. Mesmo sendo um homem da cidade grande, ele não desprezou as suas raízes e exaltou o nosso forró."

CELEIRO: Carnaíba é um celeiro de artistas. A centenária Associação Filarmônica Santo Antônio atualmente conta com 20 integrantes, em sua maioria oriundos da Escola de Música Maestro Israel Gomes. A instituição foi criada em 2005 e instalada no antigo prédio da Estação Ferroviária, oferecendo aulas de percussão, sanfona, sopro em metal e madeira, violão, teclado e pífano. De lá já saíram artistas para bandas e cursos universitários em música.

O Conservatório Carnaibano de Música Maestro Petronilo Malaquias foi criado como extensão da escola. Também existe o Museu Zé Dantas, com histórias e objetos do compositor. No Recife, existe um acervo sobre Zédantas no Museu Caís do Sertão, no Bairro do Recife. (Fonte Diário de Pernambuco/Emanuel Bento)

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COMO JACQUES LACAN RENOVOU A PSICANÁLISE E A APROXIMOU DAS CIÊNCIAS HUMANAS

Neste 13 de abril, o psicanalista francês Jacques Lacan (1901-1981) completaria 120 anos. Sua obra foi responsável por construir alicerces filosóficos para a psicanálise e transbordou sua influência a outros campos das ciências humanas.

Com Lacan, que se considerou um comentador de Sigmund Freud, propondo um retorno a suas ideias, a psicanálise bateu asas de sua fundamentação nas ciências biológicas e encontrou desenvolvimento na relação com a linguística. Sua afirmação de que o inconsciente se estrutura como linguagem, somada às noções de simbólico, imaginário e real, são algumas das contribuições decisivas de seu trabalho.

Seu nome completo era Jacques Marie Émile Lacan, nascido na cidade de Paris em 1901, em plena belle époque. Formado em medicina, especializou-se na psiquiatria com uma tese de doutorado defendida em 1932 que não fez eco entre os pares, mas acertaria direto na cabeça dos surrealistas, um encontro que tingiria decididamente os rumos teóricos de Lacan.

Por mais de 20 anos, manteve um seminário semanal, sensação entre a intelectualidade perambulante pela França, reunindo frequentadores que iam do antropólogo Claude Lévi-Strauss ao cinemanovista Glauber Rocha, passando por entidades como Michel Foucault e Gilles Deleuze. Foi nesses encontros públicos que realizou a maior parte de sua obra, já que publicou pouquíssimos livros. Disse até o fim que era freudiano, realizando uma radicalização das ideias e do projeto de Freud, uma afirmação que até hoje provoca controvérsias na psicanálise. Morreu em 9 de setembro de 1981.

Para compreender a trajetória de Lacan, é preciso ter em vista que a psicanálise se instala tardiamente na França em relação a países como Inglaterra, Alemanha, Itália e Estados Unidos. Em grande parte, por conta do influente Pierre Janet, psicólogo concorrente de Freud que chegara mesmo a acusar o austríaco de plágio.

“Na França, a psicanálise entra de uma maneira diferente de outros países”, explica o psicanalista e professor do Instituto de Psicologia (IP) da USP Christian Dunker. “Ela entra na cultura ligada ao Surrealismo, às vanguardas críticas e à epistemologia marxista, a uma psiquiatria inquieta com a sua própria época, uma psiquiatria que é ao mesmo tempo teoria da cultura.”

Dessa forma, quando Lacan começa a ganhar reconhecimento, nos anos 1950, a psicanálise já estava assimilada à psiquiatria e à psicologia em diversos países, ainda que chegando atrasada na França. “Podemos caracterizar Lacan como uma espécie de crítico da psicanálise da sua época – de reinventor da psicanálise para alguns –, alguém que recolocou a psicanálise no debate com a ciência, com a filosofia, com a cultura e com a literatura”, comenta o professor.

O outro lado dessa história, continua Dunker, é que Lacan também representou os embates dentro da própria psicanálise e sua dificuldade em sustentar uma unidade. “Ele é expulso da principal associação de psicanálise e surge, então, como o primeiro modelo alternativo para a formação de psicanalistas. Ele tem uma renovação teórico-conceitual, mas também uma renovação da maneira de praticar a psicanálise e da maneira de formar psicanalistas.”

O grande salto, feito por Lacan, das ciências biológicas para as humanidades tem a ver com a reconfiguração do conceito de inconsciente, fortemente influenciada pela linguística – de Ferdinand de Saussure a Roman Jakobson – e pela antropologia de Lévi-Strauss. Para Lacan, o inconsciente seria estruturado como linguagem.

“Parecia natural enfatizar que a criança se desenvolve, que sua sexualidade vai se desdobrando e se construindo, que existem padrões nessa relação de cuidado, momentos genéticos nessa relação: com a mãe, com o pai, o processo de socialização, a entrada na escola”, explica Dunker. “A psicanálise estava muito orientada para isso e para entender as dificuldades dos sujeitos a partir dessa história de desenvolvimento.”

De acordo com o professor, Lacan não nega completamente essa perspectiva, mas chama a atenção para outras dimensões. “O lado da linguagem, da cultura, do simbólico, que está mais conectado com o que fazemos com nossos pacientes. Quando recebemos nossos pacientes, falamos com eles e escutamos o que dizem, reconstruímos sentido, analisamos formações de sonhos, de sintomas e de lapsos que sempre são formações expressas e estruturadas como uma linguagem.”

Essa torção no conceito de inconsciente foi revolucionária. Saía de cena a ideia de um depósito acumulando camadas e camadas de antiguidades – como o próprio Freud concebia – para se pensar o inconsciente nas relações da fala e nas interações de linguagem. Ele não estava mais nas profundezas, mas na superfície.

Para chegar a essas reflexões, foi determinante na biografia de Lacan seu encontro com os artistas surrealistas, uma aproximação que aconteceu na juventude e retumbou por toda a sua vida.

O começo de tudo envolve a tese de doutorado sobre a paranoia, que Lacan defendeu em 1932. O círculo psiquiátrico – área dentro da qual o trabalho foi produzido – não deu atenção ao estudo, que passou despercebido pelos pares. Entre os intelectuais e artistas surrealistas, entretanto, a tese despertou interesses agudos, motivados pelo fascínio que o grupo já manifestava pela psicanálise. Foi isso que fez o primeiro ensaio de Lacan ser publicado na extravagante revista do movimento, a Minotaure, em 1933.

Com esse envolvimento, Lacan se aproxima de André Breton, Georges Bataille, Salvador Dalí e Pablo Picasso, de quem se torna terapeuta particular. Aprofunda-se, daí, em filosofia, línguas orientais, na antropologia de Michel Leiris e nos textos de Battaile. “Esse giro da psiquiatria para a psicanálise chega tarde, com 34 anos”, comenta Dunker. “E ele foi guiado pelos surrealistas. É o convívio com eles que faz Lacan vir para a psicanálise.”

Esse itinerário com desvio pela estação surrealista deixa marcas evidentes na obra de Lacan, segundo o professor. “Por exemplo, em um de seus conceitos mais importantes, que é o de real. Se nós não distinguirmos o que é o imaginário, o simbólico e o real, nossa clínica fica mais difícil. E de onde Lacan tira esse tema do imaginário? Da conversa com Sartre. E o tema do real vem do método surrealista de duplicar a realidade, porque ela só pode ser apreendida em seus interstícios, indiretamente, em suas deformações.”

IMAGINÁRIO, SIMBÓLICO E REAL: Outra peça importante do quebra-cabeça lacaniano é exatamente a distinção e a definição dos conceitos de imaginário, simbólico e real.

“O imaginário é o registro da alienação humana, o registro da loucura humana. É o registro em que confundimos o mundo com aquilo que percebemos do mundo. Nós confundimos a realidade com a realidade tal qual ela é para mim. É o registro, portanto, da percepção e da antecipação de sentido”, explica Dunker.

 O imaginário, segundo o professor, é assim uma espécie de bolha narcísica na qual estamos presos e encontramos nossa própria imagem, ao mesmo tempo em que não a reconhecemos nos outros. É o território de afetos como agressividade e ódio, mas também de paixão e fascinação com a relação que temos com nossos ideais.

Já o simbólico diz respeito à linguagem e, de maneira mais abrangente, aos nossos universos sociossimbólicos. É um conceito que passa pelo entendimento da sociedade e da cultura como um sistema de trocas, no qual sempre tornamos uma coisa equivalente e ao mesmo diferente de outra com a qual é trocada. Na linguística, que inspirou a formação do simbólico lacaniano, as unidades básicas da troca são os signos, compostos pelo significante – a imagem acústica da palavra – e o significado, que seria o conceito.

“Lacan vai dizer que o significado, às vezes, é um efeito imaginário do funcionamento do simbólico”, conta o professor. “O simbólico funciona de forma inconsciente, usamos a linguagem sem saber quais são as regras: estudamos na escola as regras de gramática, semântica, sintaxe, as regras pragmáticas, mas isso tudo já sabemos antes. Como sabemos disso sem saber que sabemos? É pelo nosso funcionamento simbólico.”

É exatamente a existência e extensão do simbólico que definiria, por contraste, o ser humano das outras espécies. A falta de inconsciente nos animais não estaria vinculada à ausência de razão, afeto ou consciência, mas à falta de uma cultura baseada na fala. “Nós somos capazes de fazer metáforas e alegorias, de dizer uma coisa e aludir a outra, de mentir, de enganar o outro, de fazer ironias. Tudo isso são propriedades da linguagem que Lacan vai associar ao campo do simbólico”, aponta Dunker.

Um dos efeitos do simbólico, dessa relação continuada de trocas, é a existência do sujeito. “Lacan vai redefinir o inconsciente como o discurso do outro, o grande outro”, pontua o professor. “O que é esse grande outro? É o simbólico, a linguagem, a alteridade em suas diferentes figuras. Na figura da morte, da cultura, da história, desse outro sexo que não é o meu, na figura do estrangeiro. Tudo isso vai compor uma redescrição do inconsciente estruturado como uma linguagem e do outro como o discurso do inconsciente.”

Com o avanço de suas pesquisas, Lacan gradualmente descobre e valoriza o fato de que o simbólico não se encaixa perfeitamente no imaginário. Há uma descontinuidade na passagem de um para o outro que ele chama de real: uma dimensão que nunca é perfeitamente completada, sobreposta ou mesmo alcançada pelo imaginário ou pelo simbólico.

“No fundo, o interessante da noção de real em Lacan é que ela é um desafio lógico”, conta Dunker. “O real representa o que é impensável, inominável e ainda assim existe. Representa a repetição e se mostra na repetição. Para Freud, é uma das figuras do traumático e da pulsão de morte, aquela insistência no masoquismo, no sofrimento, na insistência em voltar para os mesmos sintomas. O real como repetição, não como sentido. É como esse retorno repetitivo, ao mesmo tempo em que é cada vez diferente de si mesmo. O real como aquilo que não cessa de não se inscrever.”

Conforme o professor explica, para Lacan, o real é o que retiramos da realidade para que ela se pareça com uma unidade dotada de sentido. Quando acreditamos nesse sentido, é justamente porque vemos a realidade enquanto uma sutura simbólico-imaginária e deixamos de perceber que essa visão de mundo só foi possível porque suprimimos o real. “Por isso, o melhor sinônimo de real é o impossível”, define Dunker.

Evidentemente, a centralidade da linguagem na teoria lacaniana desova diretamente na prática terapêutica. O resultado é uma abordagem atenta à forma e à maneira como o paciente fala, voltada para ajudá-lo a escutar o que está dizendo, para além das intenções de sua própria vontade.

“Os analistas lacanianos são mais escassos em explicações, em devolutivas de entendimento, porque não acreditamos que a pessoa se transforme tanto meramente se reentendendo. Esse reentendimento é um pouco imaginário. O importante é quando nos flagramos em ato dividido”, explica Dunker. 

“Nós vamos examinar as incongruências, as contradições, as divisões, não para acusar a pessoa, mas para permitir que ela se reconheça como um sujeito. Inclusive, como um sujeito do próprio tratamento. É ele quem se analisa, não somos nós que o tomamos como objeto e o colocamos como objeto de uma análise. É ele quem sabe, não nós.”

Outra característica, quase folclórica, da sessão psicanalítica lacaniana é sua duração variável, com encontros que podem durar duas horas e outros encerrados em 15 minutos. “É um tempo que decorre do que você está falando”, comenta o professor. “Você pode ser interrompido no meio de uma frase, pode ser convidado a ficar em uma palavra e associá-la fora da sessão. Você pode ter variações do encontro regidas pela própria lógica do encontro. A sessão não tem um tempo predeterminado, é variável, porque vai depender da realidade daquele encontro, da fala que está acontecendo naquele encontro.”

Dunker também salienta que outro aspecto da terapia de orientação lacaniana é o que chama de “relação poética” entre terapeuta e paciente. “A escuta lacaniana muitas vezes pode se fazer de forma enigmática, oracular, a relação com o analista pode ser uma relação de curiosidade, uma relação poética, uma relação em que o silêncio pode ter uma importância grande”, explica o professor. (Fonte Jornal da USP)

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ARQUEÓLOGO E ARTESÃO LEONARDO FARIAS LEAL PARTICIPA DA MOSTRA VIRTUAL DE ARTES VISUAIS

Entre o mês de junho a novembro de 2021, será realizado o 9 Festival Cultural do Brasil em Viena, maior evento da cultura do Brasil na Áustria.  O Festival é organizado pela Sociedade Austro Brasileira de Educação e Cultura-Papagaio, fundada no ano de 2009 em Viena, pela brasileira Vanessa Noronha Tœlle. 

Detalhe: o arqueólogo e artesão Leonardo Farias Leal nascido em Floresta, Pernambuco, formado em São Raimundo Nonato, Piauí, Leonardo mora em Juazeiro, Bahia, conhecido no mundo das artes como "Mané Gostoso Neto", autor de centenas de cordeis, entre eles, A moça que virou carranca, O romance do Nego d'agua,  O cari encantado ou a Serpente dourada, e que tem um trabalho desenvolvido em Juazeiro Bahia será um dos participantes.

Atualmente Leonardo mora em João Pessoa, Paraíba.

O evento acontece desde 2013 com a parceria do Weltmuseum Wien, museu de etnologia da Áustria. Mais de 700 artistas brasileiros já passaram pelo Festival que tem como objetivo a divulgação e internacionalização da Cultura do Brasil. 

Diversos estados brasileiros já foram representados no Festival que em 2014 foi premiado pelo edital IBRAM/IPHAN e passou a ser considerado Ponto de Memória do Brasil na Áustria. Em 2020, devido a Pandemia, o Festival passou por adaptações e inseriu atividades virtuais na programação cumprindo assim o seu objetivo com responsabilidade e seguindo todas as regras exigidas pelas autoridades locais. 

Agora em 2021, a organização do evento pensando criteriosamente em nos mantermos saudáveis e em prol da cultura e da arte vem com a 9. edição de forma híbrida com o tema "Os Brasis", apresentado um Brasil plural através da arte, da gastronomia, da dança, da música, da literatura, do cinema, do artesanato, das manifestações culturais onde todo público poderá ter acesso de forma gratuita a toda programação. 

Para a organização do evento, é muito importante que a cultura do Brasil neste momento seja democratizada e que os artistas encontrem espaços para divulgar seus trabalhos, se expressar, debater e trocar conhecimentos. 

A Cultura é a base de uma sociedade e ela precisa ser livre. 

Mais informações: 

www.festivalculturaldobrasil.org


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ARLINDO DOS OITO BAIXOS É HOMENAGEADO EM LIVE NESTA TERÇA (13)

No dia 16 de abril, o sanfoneiro pernambucano Arlindo dos Oito Baixos completaria 79 anos, se vivo estivesse. Patrimônio Vivo de Pernambuco, in memorian, o músico continua sendo uma grande referência para os adeptos e apreciadores de uma tradição musical que teve expoentes como Januário e Luiz Gonzaga, citando os mais famosos. 

Para marcar a data, a Secult-PE/Fundarpe realiza, nesta terça (13), a transmissão virtual de uma conversa sobre o instrumento que virou símbolo do artista. O fole de Arlindo dos Oito Baixos - Legado e salvaguarda está marcada para as 19h, nos canais do Youtube da Secult-PE/Fundarpe e do Cais do Sertão.

Participam da transmissão Ivison dos Oito Baixos, um tocador caruaruense entusiasta da formação em Oito Baixos, o produtor cultural Anselmo Alves e o músico e pesquisador Leo Rugero. A mediação será feita por Leda Dias, que é pesquisadora da sanfona e atualmente gerente de políticas culturais da Secretaria de Cultura de Pernambuco.

"A passagem do aniversário de Arlindo traz a possibilidade de conversarmos sobre o instrumento que ele representava como expoente maior aqui no estado de Pernambuco. O fole de oito baixos tem uma importância fundamental para nossa música nordestina, como base para expressões musicais do Nordeste, vinculadas basicamente ao forró, e vemos que grandes nomes começaram com o fole de oito baixos, como Dominguinhos, Luiz Gonzaga e Sivuca", afirma a mediadora do encontro virtual desta terça.

Segundo Leda Dias, a relação do fole com o Nordeste brasileiro vai além da simples adoção do instrumento.

 "Aqui ele recebeu uma a afinação diferenciada. Ou seja, existe uma característica peculiar para o fole de oito baixos no Nordeste brasileiro. Então a gente deve conversar um pouco sobre isso, a importância como patrimônio e também a situação atual. Discutir o que a gente espera no mercado da música para o fole de oito baixos, quando a gente vê artistas jovens, como Ivison, que é um excelente tocador, desenvolve um trabalho sobre o instrumento e reinventa essa arte do fole dos oito baixos", concluiu.

SERVIÇO O Fole de Arlindo dos Oito Baixos - Legado e Salvaguarda

Onde: Canais do YouTube da Secult-PE/Fundarpe e do Cais do Sertão

Quando: Terça (13), às 19h


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POETA BAIANO OSANAH SETÚVAL EXPÔE RELATOS DE UMA VIDA ATRAVÉS DE SENTIMENTOS E EMOÇÕES NO LIVRO POETA POR INTEIRO

Eis que chega, da cidade baiana de Juazeiro, ribeirinha do São Francisco, o poeta que faz de seus conflitos, suas angústias e suas emoções o ponto de partida para o surgimento da obra 'Poeta Por Inteiro'. Pedagogo de formação, Osanah Rodrigues Setúval, escancara seus sentimentos mais profundos, expondo em seus poemas as variações emocionais de toda uma vida.  

Devido à pandemia do novo coronavírus, o livro ainda não teve lançamento presencial, mas está disponível no mercado através de sites de venda e pode ser adquirido acessando os endereços eletrônicos listados abaixo. 

Editado pela Nobres Letras, 'Poeta Por Inteiro' é uma obra autobiográfica com narrativa que transita pelas experiências do autor com a dor, o sofrimento e a depressão, extraídas de sua jornada a caminho do amor, de maneira inteira e completa. Em 136 páginas, está explícito o desejo do autor em dar ao leitor a certeza do quanto o amor e a paixão o tornaram completo.  

Tendo Mário Quintana e Fernando Pessoa como fontes de inspiração, o autor se define e classifica sua poesia. "Desde cedo, talvez inspirado pela boa infância que tive, já me vi poeta. O poeta não precisa escrever uma só linha para sentir-se. Ele sente ao olhar o caminhar das pessoas, o movimento da natureza, vivendo as primeiras paixões e, quando coloca no papel, é porque já viveu ou vive. Assim aconteceu comigo. A minha verve é forjada em experiências de vida. Muitos leitores se encontrão em 'Poeta Por Inteiro', pois nele mostro que enfrentei a dor e as dificuldades superando com o amor e a coragem de quem quis viver e ser inteiro em tudo".  

Acorde 

Dia afora, noite adentro, 

Não se permita a sofrer, 

Desate o nó da forca, 

O espelho quer te ver 

Repare nas cores, 

Ganhe o espaço, seja sideral, 

Grite longamente e um 

Ouvido amigo vai te ouvir. 

Depois disso, confesse em alegria 

E o amor em festa vem a ti. 

'Poeta Por Inteiro' revela os conflitos do autor em diferentes situações mostrando seu limite diante da fronteira da vida e a escolha pelo enfrentamento tendo a poesia como alimento espiritual na busca pela renovação, pela reconstrução do espírito e das emoções. Fortalecido pela ideia de pertencimento visível no uso constante do 'ser', 'Poeta Por Inteiro' é, para ele, o amadurecimento da sua existência: "Vale o esforço em segurar-se na proa, não temer as ondas, enfrentar as correntezas, tomar em vaga o controle da nau".  

Links das Livrarias: 

https://www.amazon.com.br/dp/6558402173/ref=cm_sw_r_wa_awdb_imm_WSHXR0DBZK1W52GJ1FMY 

https://www.pacolivros.com.br/poeta-por-inteiro 

https://www.travessa.com.br/poeta-por-inteiro-1-ed-2021/artigo/e212049a-30fb-4be3-ad23-c4cd6f9cf1ac 

(Texto: jornalista Cristina Laura)

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