MISSA CELEBRA 35 ANOS DE SAUDADES DO REI DO BAIÃO, LUIZ GONZAGA

O Brasil celebra no próximo 02 de agosto, sexta-feira, os trinta e cinco anos da morte do cantor e compositor Luiz Gonzaga, o Rei do Baião.

Para lembrar a memória do filho mais ilustre, será realizada no domingo (04), a MISSA DA SAUDADE, a partir das 11hs, no Parque Aza Branca. (Asa com Z na grafia usada por Luiz Gonzaga).

O ex-secretário de Educação e Cultura de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo, Roberto Pereira, avalia que o nome de Luiz Gonzaga é daqueles que, quanto mais se afasta no tempo, mais se vai da lei da morte se libertando.

De acordo com Roberto Pereira, a vida e obra de Luiz Gonzaga deixaram o legado da nordestinidade, colimando-se com os maiores da música brasileira, cantando o forró e o baião. 

"Da economia criativa quando se interligou ao artesanato de couro no chapéu, no gibão, nas alpercatas. Da gastronomia em seu repertório, ênfase para a Feira de Caruaru e Ovo de Codorna, dentre outras composições suas e de parceiros, a exemplo de Zé Dantas e Humberto Teixeira. Os seus ritmos ainda - e sempre! - animam a musicalidade nordestina e brasileira", finalizou Roberto Pereira.

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GOVERNO FEDERAL PERCORRE BIOMAS DO BRASIL PARA DISCUTIR EMERGÊNCIA CLIMÁTICA

De 30 de julho a 15 de agosto, oito cidades brasileiras vão sediar as plenárias do Plano Clima Participativo, encontros presenciais com o intuito engajar a sociedade civil no envio de propostas, tirar dúvidas sobre o processo e informar sobre as etapas da elaboração da estratégia que vai guiar a política climática do país até 2035. É também um espaço para apresentar e defender contribuições, além de incentivar reuniões para debater e elaborar novas propostas. 

A elaboração do Plano Clima é conduzida pelo Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM), integrado por representantes de 22 ministérios, pela Rede Clima e pelo Fórum Brasileiro de Mudança do Clima, e tem dois pilares principais: a redução das emissões de gases de efeito estufa e a adaptação de cidades e ambientes naturais às mudanças do clima. 

O lançamento das plenárias será em Brasília, nesta terça-feira, 30 de julho, no Palácio Itamaraty, das 15h às 17h. Os demais sete encontros ocorrerão em cidades diferentes, cada um representando um bioma específico: em Recife (PE), Costeiro-Marinho; em Teresina (PI), Caatinga; em Macapá (AP), Amazônia; em Imperatriz (MA), Cerrado; em Campo Grande (MS), Pantanal; em São Paulo (SP), Mata Atlântica; e em Porto Alegre (RS), Pampa. 

A ampla participação da sociedade, em espaços presenciais e digitais, consultas diretas à população e debates com especialistas em meio ambiente, organizações da sociedade civil, conselhos de políticas públicas, movimentos sociais e sindicais, será liderada pelos ministros Marina Silva (Meio Ambiente) e Márcio Macêdo (Secretaria-Geral da Presidência da República), que estarão presentes em todos os encontros. Em Brasília, nesta terça, também estarão presentes os ministros Alexandre Silveira (Minas e Energia) e Mauro Vieira (Relações Exteriores).

Das plenárias sairão propostas que poderão ser incluídas na primeira versão do documento, que será apresentado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na COP 29, no Azerbaijão, em novembro. 

PARTICIPAÇÃO SOCIAL — Cerca de 6,3 mil participantes já interagiram com o processo no site do Brasil Participativo. Ao todo, foram 439 propostas, com 698 comentários e 11.232 votos.

O modelo usado para o Plano Clima é o mesmo do PPA Participativo (Plano Plurianual 2024-2027) realizado no ano passado. Com metodologia de participação presencial e digital, o processo resultou na maior participação social da história do Governo Federal. 

INSCRIÇÕES — Para participar dos eventos, é necessário fazer inscrição clicando neste link (https://www.even3.com.br/planoclima/). Basta escolher a cidade da plenária, clicar na opção “Quero participar das atividades” e fazer login para se cadastrar.

PLANO CLIMA — A última fase de elaboração do Plano Clima será em 2025, com a formulação de planos setoriais e a realização da 5ª Conferência Nacional de Meio Ambiente e Mudança do Clima em maio. A partir do texto, o Governo Federal deve propor outras mudanças na legislação ambiental do país.

Todo o processo de formulação de instrumentos da Política Nacional sobre Mudança do Clima, com participação direta da população, será apresentado na 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), que acontece no Brasil, em Belém (PA), em novembro de 2025.

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PROGRAMA A VOZ DO BRASIL COMPLETA 89 ANOS

Duas músicas dominam a noite da Rádio Comunitária Mumbaça FM: uma rádio do povo (104,9). Primeiro, às 19h, O Guarani, de Carlos Gomes, anuncia o início de A Voz do Brasil, programa que completa nesta segunda-feira (22), 89 anos de transmissão.

A outra música que mexe com a comunidade quilombola Mumbaça, na cidade de Traipú (AL), é o Hino à Negritude, que toca às 20h, assim que o histórico programa acaba. Fora as músicas, a emissora leva informação às 400 famílias que moram no lugar.

“A Voz do Brasil tem uma importância para a gente por conta da notícia”, diz o agricultor Manoel Oliveira, de 53 anos. Como ele é administrador da associação de moradores da comunidade, também trabalha na rádio.

“É assim que sabemos o que acontece nos ministérios, no Congresso e na Justiça. O agricultor faz questão de acompanhar”. No local, praticam agricultura de subsistência principalmente com mandioca, milho, feijão, inhame e amendoim. “Eu acompanho A Voz do Brasil sempre aqui na rádio”.

Alternativa unificada-O programa ainda tem transmissão obrigatória no país, mas teve o horário flexibilizado. Segundo avalia a professora e pesquisadora em comunicação Nelia Del Bianco, da Universidade de Brasília (UnB), A Voz do Brasil cumpre o papel da comunicação de governo de dar ciência à população de realizações de interesse público.

“Não se presta, portanto, a propaganda, mas à qualificação da informação para pessoas que precisam saber como é a aplicação dos impostos que paga direta ou indiretamente.”

Para o professor Luiz Artur Ferraretto, responsável pelo Núcleo de Estudos de Rádio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o programa de rádio acaba oferecendo uma alternativa mais unificada de comunicação pública, em vista, inclusive, de respeitar espaços para os poderes e partidos políticos com distribuição dos conteúdos de maneira mais equilibrada:

“Eu acho que é muito relevante porque chega a todos os brasileiros e a todas as brasileiras que queiram receber essa informação. Basta sintonizar em determinados horários a emissora de rádio mais próxima de si mesmo”.

A notícia-Também liderança, da comunidade quilombola Armada, José Alex Borges Mendes, de 47 anos, no município de Canguçu (RS), diz que o rádio é um veículo que chega a todos já que há menos o hábito de ler notícias. Ele entende que A Voz do Brasil ajuda a compreender os programas sociais e as leis.

“Acho que é muito importante ter esse mecanismo para poder dar conta de informar essa população que tem uma carência da informação”. Ele acompanha o programa no radinho de pilha de casa. A comunidade Armada tem 60 famílias.

“A gente espera, ansioso, que consiga ter nossas titulações no nosso território. Mas, pelo outro lado, a gente sabe que tem um conflito entre sociedade civil e os grandes empresários para devolver o nosso território”.

Estratégia-Segundo avaliam os pesquisadores, o rádio continua sendo um veículo estratégico para o país, inclusive por ser uma meio de integração e instrumento de informação em dias de desastres, como ocorreu no Rio Grande do Sul neste ano. A professora Nélia Del Bianco afirma que a audiência de rádio no país ainda é significativa.

“O interesse por notícias alcança 45% da audiência de rádio”, diz a professora da UnB. Ela cita que, em média, uma pessoa escuta de três a quatro horas de rádio, tempo médio que pode ser superior no interior do país. “Em emergências resiste diante da falta de energia, porque pode ser ouvido em rádio a pilhas. É o último a ficar mudo diante da adversidade”.

O professor da UFRGS, Luiz Ferraretto, explica que regiões do seu Estado ficaram sem veículos locais. “Nesse tipo de região, evidencia-se a necessidade de uma atuação dos poderes públicos. Nesse sentido, A Voz do Brasil se torna muito relevante para essas regiões”.

Marina Silva lembra que seu pai, borracheiro, era ouvinte assíduo do programa. Em maio, ela foi entrevistada por A Voz do Brasil - Juca Varella/Agência Brasil

As histórias de comunidades fazem lembrar as funções que historicamente A Voz do Brasil cumpriu no interior do País. Uma delas é lembrada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.

Ela recorda da imagem do pai seringueiro aguardando o programa começar… Segundo relata, tudo poderia mudar a depender das notícias que seriam trazidas. Ela diz que pelo rádio, as pessoas poderiam entender mais sobre sua comunidade, que está ligado a uma cidade, um estado e um país.

“Tive experiências muito fortes. Eu me lembro que meu pai, quando assumiu o [presidente Emílio] Garrastazu Médici (1969), na época da ditadura, com o ouvido colado n'A Voz do Brasil (...). Olhou para a minha mãe e disse: não falou nada que vai aumentar o preço da borracha”, recordou a ministra em entrevista à Rádio Nacional, da EBC, em setembro do ano passado.

“Ele ouvia A Voz do Brasil, a BBC, de Londres, e A Rádio Tirana, da Albânia. Tudo porque ele ficava mudando de notícia em notícia”. (Agencia Brasil)

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PADRE CICERO 90 ANOS DE SAUDADES

Milagres, guerra e política marcaram a vida de Padre Cícero Romão, considerado um dos personagens mais importantes da história do Brasil. Este sábado (20) marca os 90 anos de morte do sacerdote, que ainda hoje mobiliza centenas de milhares de pessoas a Juazeiro do Norte (CE) todos os anos.

Nascido em 1844, no Crato (CE), sertão cearense, Padre Cícero (mais conhecido como Padim Ciço) é considerado santo por uma multidão de devotos e Juazeiro do Norte é tido como um local sagrado.

A cozinheira e costureira Marinez Pereira do Nascimento, de 58 anos, que é mestra de cultura popular, relatou a devoção que tem à Padre Cícero e à Maria de Araújo, beata que protagonizou os famosos milagres das hóstias.   

“Minhas letras [de músicas de coco] falam muito sobre o Padre Cícero porque, para mim, ele é santo. O Padre Cícero veio para transformar Juazeiro. Ele é um enviado de Deus para a região do Cariri. Se não fosse o Padre Cícero, não existia Juazeiro, não existia romaria. A beata Maria de Araújo, para mim, faz e fez o mesmo papel que Nossa Senhora”, explicou.

A santificação dada pelo povo ao Padre Cícero e à Maria do Araújo tem origem nos chamados milagres das hóstias. Conta-se que as hóstias ministradas pelo Padre viraram sangue na boca da beata Maria de Araújo.

O suposto milagre - rejeitado pela Igreja Católica, que chegou a excomungar o sacerdote e proibir que ele realizasse missas - levou multidões para Juazeiro, criando um dos maiores movimentos populares e religiosos da história do país.

Da religião para política-O historiador e professor Régis Lopes, da Universidade Federal do Ceará (UFC), ressalta que a partir do trabalho religioso, Padre Cícero se tornou um importante político do seu tempo.

“O político é uma consequência do religioso. O prestígio que ele tem em relação aos devotos, às notícias sobre os milagres e toda essa repercussão que vai entrar em choque com a Igreja e em sintonia com essas tradições sertanejas transforma o Padre Cícero em um santo vivo. Então, tudo decorre daí. O prestígio político dele vem daí”, explicou.

O religioso foi prefeito de Juazeiro por sucessivos mandatos, chegando a ocupar o cargo de vice-governador do Ceará.

Visão equivocada-Filho de romeiros, o professor, escritor e memorialista Renato Dantas, de 75 anos, critica a visão que considera equivocada de parte da academia e que intelectuais têm de Juazeiro e dos romeiros, retratados muitas vezes como “fanáticos”.

“Comecei a estudar para saber até que ponto nós poderíamos ser fanáticos ou guardadores de uma memória da religiosidade popular. Cheguei à conclusão de que Juazeiro é o repositório dessa memória e que os romeiros e as romeiras consideram aqui um espaço sagrado”, explicou.

Para o juazeirense, o sonho que Padre Cícero teria tido - no qual Jesus teria orientado ele a “tomar de conta” daquele povo - os milagres das hóstias e a guerra de 1914 do Ceará são os três elementos que constroem essa religiosidade.

“A forma como o Juazeiro foi se construindo nesse local sagrado foi um sonho, um milagre e uma guerra. Para mim, são os três aspectos que consolidam a posição de Padre Cícero no Juazeiro, da compreensão romeira a respeito de Juazeiro”, defendeu Dantas.

Revolta de Juazeiro-Em 1914, ocorreu a chamada Revolta ou Sedição de Juazeiro. O governo do Ceará mandou cercar a cidade na tentativa de desarticular o poder que Padre Cícero exercia na região. A resistência armada popular conseguiu não apenas romper o cerco, mas marchar até Fortaleza e derrubar o então governo local de Franco Rabelo.

“O fato é que Juazeiro só consegue se revoltar por conta da força de atração do Padre Cícero em Juazeiro. Ele chama mesmo as pessoas para defender Juazeiro. Se não houvesse esse prestígio, não teria acontecido nada porque Juazeiro era uma cidade pequena, não tinha como construir um batalhão”, contou o professor Régis Lopes.

Anos antes, em 1911, a atuação de Padre Cícero levou à autonomia política de Juazeiro do Norte, que até então era um distrito do Crato. Apesar do envolvimento político, o historiador Régis Lopes diz que o Padre dedicava seu tempo e energia para questões religiosas, deixando as articulações políticas para o aliado Floro Bartolomeu.

“Para muita gente, o Floro era o prefeito de Juazeiro porque na prática ele era quem fazia mesmo essa articulação. As preocupações do Padre Cícero eram outras. A documentação escrita do Padre Cícero mostra que a vida dele, o gosto dele, era em relação a ser padre da Igreja”, acrescentou o historiador.

Santo popular-Padim Ciço morreu rompido com o Vaticano. Em 2015, a Igreja se reconciliou com o religioso e, em 2022, foi anunciado o início do processo para a sua beatificação. Em outubro de 2023, Padre Cícero foi incluído no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria do Brasil por Lei sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva.

O historiador Régis Lopes, da UFC, defendeu que, do ponto de vista sociológico, Padre Cícero é santo, ainda que não reconhecido oficialmente pelo Vaticano. “Só existe santo se tem devoto. Essa é a lógica básica de qualquer romaria. Tem que ter uma base social que vai construindo essa ideia de santidade”, explicou.

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BILIU DE CAMPINA

Não vou seguir sem deixar aqui umas linhas sobre meu amigo Biliu de Campina, que dias atrás bateu-o-31, para usar uma expressão bem de Campina Grande, da cidade que era a cara dele, a cidade onde nasceu. E onde escolheu viver: por afeto, destino, missão, comodidade e esperteza. 

 Não imagino Biliu morando em outra cidade senão a “Rainha da Borborema”. Mesmo que alguma loteria improvável o transformasse em milionário, ele nunca iria morar numa ilha do Caribe. O mais provável é que montasse um cabaré chamado “Rosa de Acapulco” e fosse morar nos fundos. 

 Digo um cabaré, mas não pensem que estou fazendo apologia do lenocínio. Longe disso. É que a palavra cabaré me evoca música, antes de qualquer outra coisa. Cabaré é um lugar onde se vai para ouvir música ao vivo, conversar, dançar, aproveitar a vida. Suave é a noite, enquanto se tem no mesmo recinto Jaime Seixas ao piano, Apolo na bateria, um crooner de voz encorpada arrastando um bolero pelos cabelos, e a cerveja é gelada, e a felicidade é uma arma quente. 

 Esse ambiente de música pela música, sem gêneros, sem fronteiras, une os músicos da noite, aproximando as pontas extremas do ofício, o profissionalismo e a boemia. Biliu celebrizou-se como forrozeiro e defensor do forró, mas seu conhecimento e sua vivência musical puxavam raízes genéticas desde as antigas jazz-bands da Campina de cem anos atrás, dos blocos de carnaval, das orquestras que tocavam nas tertúlias dos clubes aristocráticos. (Campina só tem um, o Campinense; e basta.) 

 Viramos amigos aos vinte e poucos anos, porque eu já era amigo de seu irmão João Xavier, o famoso Lanka que fabricava os melhores pandeiros do Nordeste. (Uma voz moleca me atanaza: “Do Brasil! Diz que é do Brasil!...”.  Não precisa.) 

 Lanka era mais velho do que a gente e era uma espécie de líder informal de um grupo de boêmios, e aí talvez não valha a palavra “líder”, e sim “puxador de cordão”. Todos os fins de semana, os “Originais do Samba” se encontravam a partir da sexta à noite ou sábado de manhã, na casa de alguém. Eram quatro, cinco, seis carros cheios de gente: homem, mulher, menino, todos convergindo para um terraço ou um fundo de quintal, cada qual trazendo seu violão, seu cavaquinho, sua tumbadora, seu afruchê, seu pandeiro, sua flauta, sua sanfona. 

Falei, um pouco acima, dos músicos profissionais que tocavam nos cabarés (todos eles exímios instrumentistas).  Sua contrapartida amadora eram esses agrupamentos informais, que não viviam da música: um era gráfico, outro trabalhava em oficina, este era bancário, o outro pequeno comerciante, três ou quatro eram estudantes, tinha Fulano radialista, tinha Sicrano de ocupações incertas e não-sabidas. 

 Falei nos estudantes, não foi? Pois é, nesse tempo Biliu estava fazendo o curso de Direito (em que se formou), Elba Ramalho estudava Economia e eu Ciências Sociais, na UFPB; Tadeu Mathias, que era talvez o mais novo e uma espécie de mascote da turma, devia estar no segundo grau.  O importante é que todos tinham outra ocupação, nenhum deles vivia da música: viviam para a música. 

Era a Batucada de Lanka, o nome informal que a cidade conhecia. Mal saía o elepê com os sambas-enredos do Carnaval carioca do ano seguinte, e todo mundo já comprava e esses sambas viravam a trilha sonora obrigatória de todos os fins de semana. Cantava-se de tudo, de Moreira da Silva a Ataulfo Alves, da MPB de Chico-Caetano-Gil até os forrós de Jackson e Gonzagão.   

 Isso era nos anos 1970, e muita água ainda iria chover no Açude Velho antes que Biliu gravasse seu primeiro disco, entrasse no circuito profissional de rádio, palco e estúdio, e adotasse o cognome “Biliu de Campina”, com que se celebrizou fora do circuito Praça da Bandeira / Parque do Povo / Calçadão. Compondo suas canções irreverentes, cantando Rosil Cavalcanti, Zito Borborema, Manezinho Silva, Jacinto Silva, Geraldo Correia, Gordurinha, João Gonçalves...   

 Uma coisa curiosa nos tempos de hoje é o modo como a música – o ato de cantar e tocar instrumentos – se confunde, na cabeça das pessoas, com a profissão de músico. Como se o objetivo de toda pessoa que gosta de tocar e cantar fosse virar cantor profissional. Pode ser um sintoma da monetização geral da vida, da existência. Tudo que fazemos pode se tornar fonte de renda, pode se tornar uma profissão, pode se tornar um bilhete informal na grande loteria da fama e da fortuna. 

 A música (e não só ela) já foi um fim em si, está virando cada vez mais um artifício para ganhar dinheiro. (Não sou contra isto – sou compositor profissional e já ganhei a vida com música, em diferentes fases da minha vida.) Mas vai ser um profissional muito insosso e muito desbotado aquele que só vê na música o ganho. O profissional que liga mais para o borderô do que para o repertório. O cara que não reconhece uma clave de sol mas sabe muito bem o que quer dizer um cifrão. 

 Toda profissão que mexe com as artes precisa ter essa consciência de que se trabalha para o público, para as platéias, para as pessoas em geral, e se trabalha tanto de forma amadora quanto de forma profissional. Um indivíduo pode ser enfermeiro profissional e músico amador, pode ser um engenheiro / motorista / médico / jornalista / advogado / contabilista / alfaiate / lavrador de profissão... e músico amador. 

 Essas pessoas criam uma espécie de Música Invisível Brasileira, que não é captada pelas pesquisas nem monetizada pelo mercado. É a música que está fora dos estúdios e dos palcos, mas que está viva no cotidiano de gente rica, gente pobre, gente média, independente de idade ou cor ou classe social. A música que é feita e fruída pelo simples prazer de fazer música, de participar delas, de se deixar levar pela correnteza das melodias e dos ritmos. Música é isso. O resto é consequência. 

Não importa que tipo de música. Rock de garagem. Samba de fundo de quintal. Quarteto de câmara na sala de um apartamento. Piano de happy-hour em uisqueria. Hip-hop em palco de festa. Seresta de tiozões num restaurante à beira-mar. Canto gregoriano de mosteiro. Forró de latada. Chacundun de churrascaria. Bolero de cabaré. 

Surgem grandes talentos no meio dessa música invisível, e muitos deles tornam-se nomes conhecidos no país inteiro, saem na revista, aparecem na TV, viram atratores nas redes sociais. Nada contra. O erro é quando pensamos que este é o objetivo principal de fazer música: ser “um dos melhores” e ganhar muito dinheiro. Não é. O objetivo da música é colorir a vida e destilar as emoções.  É educar nosso espírito, transmitir um senso de harmonia, de proporção, de estrutura, a capacidade de reconhecer coisas complexas quando traduzidas em estímulos sensoriais. E, por cima disto, ensinar a telepatia da criação coletiva, em que mentes diferentes e corpos diferentes deixam-se levar em uníssono por uma melodia, um ritmo, e nesse momento deixa de haver separação entre a mente e o corpo, entre o indivíduo e o grupo. Torna-se tudo uma coisa só. 

 A Música Fonográfica é apenas o cocoruto desse imenso iceberg. A que é visível, o que sai na imprensa, o que tem fã-clubes e seguidores de redes sociais. A que movimenta dinheiro, e portanto interessa a todos os grupos que lucram alguma coisa quando dinheiro é movimentado. Todos nós precisamos de dinheiro, e assim como é legítimo um barbeiro tocar violão também é legítimo ele querer largar a barbearia e ganhar a vida com o violão dele. Não se pode legislar escolhas-de-vida pessoais. 

E assim voltamos ao meu velho Biliu de Campina, ranzinza, popeiro, rival de Seu Lunga, irreverente, trocadilhista, língua ferina, falava mal de todo mundo e nunca fez o mal a ninguém. Biliu do pavio curto e da conversa comprida, Biliu do ouvido afiado, que pegava tom ouvindo buzina de carro e “plin” de celular. Que passou mais de quarenta anos de vida impedindo que a Paraíba se esquecesse de Jackson do Pandeiro. Que pirateava os próprios discos quando o disco estava vendendo pouco. 

 Que defendia os artistas da terra, “porque os de Marte ou de Saturno não precisam de defesa”. Que implicava com a expressão “forró pé de serra”, porque no alto da Serra o forró é melhor ainda. Que cantava no Parque do Povo, depois de um show alheio que puxou 20 mil pessoas, e ele entrava no palco e cantava duas horas de coco sem parar, para 300 pirangueiros embaixo de chuva, que berravam palavrões com ele e ele dava a resposta no mesmo tom. 

 Chamo a isso de Música Invisível Brasileira porque, no curioso mundo de fantasia eletrônica em que existimos hoje, a gente só vê o que é feito de pixels eletrônicos (seja num celular, numa TV ou num computador), e não enxerga o que é feito de carne e osso. (Texto Braulio Tavares-Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), 

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INDÍGENAS SE REÚNEM PARA DISCUTIR RESTAURAÇÃO ECOLÓGICA

Povos originários de diferentes etnias estiveram reunidos esta semana no 1º Encontro Indígena de Restauração Ecológica (I EIRE), com o objetivo de trocar experiências e técnicas de coleta, produção e plantio de sementes, modelos de agroflorestas e agroecologia praticados em seus territórios. O I EIRE foi realizado dentro da 5ª Conferência da Sociedade Brasileira de Restauração Ecológica.

Nas últimas três décadas, áreas privadas eliminaram 21% da vegetação nativa, enquanto terras indígenas perderam 1%, ajudando a barrar o desmate nacional. Na Amazônia, as derrubadas nesses territórios caíram 42% de agosto de 2023 a março de 2024. Foi a menor taxa destrutiva desde 2018.

Povos originários podem desmatar parcelas de suas terras para construir e plantar, mas elas são alvo da retirada de madeira, agropecuária e garimpo ilegais. Ao mesmo tempo, tais espaços abrigam cerca de 80% da biodiversidade mundial, diz a Organização das Nações Unidas. 

Por isso é importante recuperar a vegetação natural em terras indígenas, e elas têm o que mostrar. “Queremos (…) dar visibilidade aos saberes ancestrais na conservação e na recuperação dos ecossistemas e integrá-los aos conhecimentos técnico- científicos”, disse Lucia Alberta, diretora de Promoção ao Desenvolvimento Sustentável da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). 

O órgão indigenista quer inserir a pauta indígena em políticas e ações de restauração ecológica, como na revisão do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg), no desenho da Plataforma de Acompanhamento da Recuperação Ambiental (Recooperar), de editais públicos e de um banco de áreas prioritárias para recuperação em terras indígenas. 

O 1º Eire aconteceu de 8 a 10 de julho na Universidade Federal do Vale do São Francisco, em Juazeiro (BA) e Petrolina (PE), e foi apoiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Serviço Florestal dos Estados Unidos, Pacto pela Restauração da Mata Atlântica e Instituto Sociedade, População e Natureza.

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VEREDAS DESAPARECEM E TRANSFORMAM REALIDADE DESCRITA POR GUIMARÃES ROSA

Entidade central na literatura e no sertão evocado pelo escritor João Guimarães Rosa (27/06/1908-19/11/1967), presente na obra prima do autor desde as primeiras menções, o ecossistema de vereda vem sendo dizimado desde as regiões Noroeste e Norte de Minas Gerais, também na chamada trijunção mineira com Goiás e Bahia. Imortalizada na literatura nacional sob o título Grande sertão: veredas, a paisagem vai definhando na vida real no mesmo compasso do bioma que a abriga, o Cerrado, o segundo mais devastado do Brasil, atrás apenas da Amazônia, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais.

Nesse ritmo de destruição, avaliam especialistas, não haverá espaço para a sobrevivência do Cerrado natural e das veredas, o que aproxima essa paisagem do primeiro título pensado por Guimarães Rosa para o que se tornaria sua obra maior, mencionado há 70 anos na revista O Cruzeiro: em 17 de abril de 1954, a publicação revelava que o autor batizaria seu livro como Veredas mortas. O nome consagrado foi outro. Já o título abandonado soa, hoje, como premonição.

Os impactos, condições ambientais e climáticas em 55 municípios mineiros, baianos e goianos que têm registros literários e históricos deixados por Guimarães Rosa naquela época mostram uma brutal degradação, por meio da série de reportagens especiais Veredas mortas, produzida pelo Estado de Minas, que toma emprestado o título original da obra-prima — mais atual que nunca.

A destruição-Percorrer as paragens que inspiraram Grande sertão: veredas é lançar os olhos por uma paisagem cada vez mais devastada. É o que se avista também pelos caminhos por onde o autor cavalgou acompanhando sertanejos, em uma travessia de gado na qual se inspirou para o livro — descrita no diário A boiada. Situação tão mais preocupante quando se considera que ali está a "caixa d'água" que irriga afluentes do Rio São Francisco — e também as memórias de Rosa —, como o Urucuia, o Paracatu e o Rio das Velhas.

Irreconhecíveis a muitos desses registros literários, econômicos ou geográficos, as matas extensas e de vegetação tortuosa e os buritis imponentes característicos das veredas vão sucumbindo, tombando para dar lugar aos eucaliptos, plantações, pastagens e erosões em desertificação. O Cerrado arde em carvão; rios secam; veredas são soterradas; nascentes se retraem solo adentro. O calor, marca do sertão, torna-se mais e mais esturricante, agravando todo o processo. E se realimentando dele.

Dados compilados pela equipe do EM a partir do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) — órgão das Nações Unidas (ONU) — indicam que a média de temperaturas máximas no já bastante degradado sertão rosiano pode aumentar 1,4°C entre 2021 e 2040, e até 2,52°C, entre 2041 e 2060, simplesmente se nenhum impacto ambiental, emissão de carbono ou calor for refreado. Ou seja, nada precisaria piorar para a situação já crítica seguir se degradando, já que na última década a temperatura global se elevou 1,1°C, segundo as mesmas fontes.

O mesmo levantamento prevê para as áreas em nível mais avançado de desertificação do Brasil — Cabrobó (PE), Gilbués (PI), Inhamus (CE), Irauçuba (CE), Jaguaribe (CE) e Seridó (PB) — ampliações médias menos dramáticas, de 1,1°C e 2,05°C, respectivamente, nas mesmas condições.

Menos chuvas-Já as chuvas nos 55 municípios do sertão imortalizado por Rosa apresentariam no mesmo cenário de curto prazo (2021 a 2040) uma estiagem maior, com redução da precipitação anual de 1,81%. Por outro lado, as destrutivas chuvas com máximas de um dia — tempestades concentradas em pouco tempo, gerando grande estrago, erosões e pouca absorção de água pelo solo para recarga de nascentes — aumentariam em média 4,38%, segundo as modelagens do IPCC e análises de especialistas.

"Essa situação de a temperatura até superar o aumento nas regiões com maior índice de desertificação no Brasil, bem como uma redução da chuva anual e ampliação de eventos extremos de tempestades, acredito serem diretamente ligadas ao uso e à ocupação do solo, em práticas como desmatamentos e queimadas", indica o professor Antoniel Fernandes, dos departamentos de Geografia e Biologia da PUC Minas. (Correio Braziliense)

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CRATO: EXPOSIÇÃO DEBAIXO DO BARRO DO CHÃO HOMENAGEIA GILBERTO GIL

O Cariri sempre esteve presente na vida e na obra de Gilberto Gil, em especial na sua relação com o cancioneiro de Luiz Gonzaga, filho de Exu, terra pernambucana que faz fronteira com o Crato, cidade onde está localizado o Centro Cultural do Cariri. Nesse cenário, será aberta a exposição Debaixo do Barro do Chão com obras que se conectam com a musicalidade de Gil. A mostra estará disponível para visitação do público a partir do dia 11 de julho.

Com obras de Corrinha Mão na Massa, da cidade de Missão Velha, da Mestra Fanca e das Irmãs Cândido, de Juazeiro do Norte e do Mestre Jaime, da Barbalha, a instalação apresentará peças construídas a partir da música De onde vem o baião e outras que se relacionam com a vida e obra do homenageado, e da materialidade imantada da terra. Além das obras, a exposição será composta por registros fotográficos e depoimentos em vídeo.

As “Marias” Cândido Monteiro traz nas peças a identidade do estilo herdado pela mãe, a Mestra Maria de Lourdes Candido. A argila é preparada pela família, incluindo os homens, que preparam o material e se responsabilizam pelo forno, onde as peças são cozidas. Trabalhando a partir de temas retirados do cotidiano, narram histórias pessoais e coletivas, celebrações religiosas e festas tradicionais modeladas no barro.

Mestra Fanca conta a história do Cariri através de seus bordados em tecido, intitulados de “panôs”. Com imagens e textos de sua criação, tece a identidade cultural e salvaguarda em sua arte a memória oral da cultura da região, e de fatos históricos do país. Já Mestre Jaime, mantém viva a cultura da fabricação de ladrilhos hidráulicos, há mais de 60 anos, quando herdou de seu ex-gestor a fábrica onde mora até hoje com seus onze filhos e esposa. Atualmente, o trabalho é conduzido pelo seu filho Cícero José e seu neto, João Paulo.

Estátuas, potes, peças decorativas de barro compõem a arte da mestra ceramista Maria do Socorro Nascimento, a Corrinha Mão na Massa, conhecida por sua inventividade e habilidade com as mãos que a tornaram empreendedora e uma referência de empoderamento feminino

Debaixo do barro do chão tem curadoria de Fabiano Piúba e apresenta a cultura como meio de se chegar e atravessar, como a origem que vem da terra e compõe melodia com a trajetória de Gilberto Gil, exemplo que nos apresenta a cultura como horizonte para a transformação, assim como um bem comum, como a natureza que está inerente em nós.

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ELEIÇÕES MUNICIPAIS 2024 E MUDANÇAS CLIMÁTICAS

 O aquecimento global é uma consequência direta do modo de vida que os seres humanos impuseram ao planeta. O modo de produzir e o modo/hábitos perdulários de consumo provocam, com maior intensidade e frequência, catástrofes e eventos climáticos extremos em várias partes do mundo, com ondas de calor e frio, chuvas torrenciais (desmoronamentos e inundações), secas, incêndios florestais de grande magnitude e aumento do nível do mar.

Do ponto de vista científico, não existem mais dúvidas que tais fenômenos ocorrem devido à ação humana, elevando o aumento médio da temperatura do planeta. Principalmente pelo uso de fontes energéticas fósseis (petróleo e derivados, carvão mineral e gás natural), desmatamento desenfreado e da agropecuária extensiva.

Se não evitarmos as causas do aquecimento nos próximos anos, as mudanças no clima continuarão a causar catástrofes, colocando em risco a própria sobrevivência da vida na Terra. Banir os combustíveis fósseis e conter o desmatamento são tarefas prioritárias. A natureza nunca foi inimiga, e sem ela não existirá vida em nossa Casa Comum.

No Brasil, um dos mais ricos países em abundância de fauna e flora, avançamos na geração de energia elétrica com fontes renováveis (sol, vento, biomassa), mas infelizmente ainda não adotamos as medidas necessárias para conter o desmatamento em todos os biomas. A ganância incentivada pelo capitalismo, pelos meros interesses econômicos, tem reduzido drasticamente a vegetação e as florestas.

Logo mais teremos eleições que vão escolher novos prefeitos (as) e parlamentares, para compor os legislativos municipais em mais de 5.000 municípios. É um momento propício para a reflexão acerca das questões ambientais e para debater propostas de como enfrentar os desafios da crise climática. Sem a consciência das pessoas sobre a importância da conservação e da preservação ambiental, estamos fadados à derrota.

A Constituição Cidadã de 1988 estabelece que todas as esferas do Poder Público – federal, estadual, municipal - devem promover o equilíbrio ambiental como garantia para as gerações futuras. O papel dos municípios é fundamental no desenvolvimento e implementação de políticas públicas ambientais de enfrentamento às causas e efeitos das mudanças climáticas.

Ninguém mora na União, nos Estados. As pessoas moram nos municípios. É neles, que os serviços são prestados, as crianças estudam, os adultos trabalham, os alimentos são produzidos, a vida acontece. Daí a importância de comprometer as autoridades executivas e legislativas com a defesa da Mãe Terra. Já os munícipes, precisam fazer a escolha certa dos homens e mulheres que governarão pelos próximos 4 anos.

O Nordeste semiárido, o mais populoso do mundo, com 30 milhões de moradores, é um dos locais mais vulneráveis às mudanças climáticas. Estudos, com o uso de satélites, indicam a redução drástica da vegetação no bioma Caatinga, que diminui de tamanho, ano a ano, favorecendo a redução das chuvas, com diminuição da produção de alimentos e aumento das temperaturas. Isto afeta diretamente seus habitantes.

Logo, nas eleições municipais é fundamental que o debate também seja pautado na questão ambiental, pois a realidade do dia a dia ocorre na esfera municipal. Um dos aspectos mais importantes para tornar uma cidade saudável, sustentável, e assim melhorar a qualidade de vida das pessoas, na área urbana e rural, é a participação social, que se dá também nas eleições.

A pergunta que não quer calar é "Até quando esperar para começar as mudanças tão necessárias?

Escolher prefeitos (as) vereadores (as) comprometidos em mudar a atual realidade contribuirá para melhorar a qualidade de vida nos municípios, cujo papel é fundamental no enfrentamento da crise climática e ambiental. Daí você eleitor (a):

- Procure conhecer o passado e a biografia do candidato (a) e a trajetória de seu partido na defesa do meio ambiente e das causas populares.

- Investigue as alianças do partido do candidato (a) e seus projetos, quais os interesses que defende e quem financia.

- Confronte o discurso e a prática do candidato (a). Não vote nos negacionistas que negam a crise climática. Nem naqueles que usam as redes sociais para mentir e propagar o ódio. Não vote em mentirosos, demagogos e postulantes burgueses, ou apadrinhados por bancos e latifundiários.

- Não se venda por nada. Analise a campanha do candidato, não confie em palavras vazias. Olho nos oportunistas que fazem da política trampolim para enriquecerem. Vote em candidatos a prefeito (a) e vereador (a) comprometidos com as lutas populares.

- Fuja do cabresto. Não vote em quem o padre, patrão, pastor manda votar.

- Não vote em quem ataca os grupos, associações, sindicatos, organizações não governamentais que defendem os pobres.

- Procure conhecer as propostas. Se são factíveis, ou meras promessas. No passado fez o que pelos pobres e vulneráveis/ Como propõem estimular maior participação social no seu governo?

- Discuta com seu candidato (a) algumas propostas que devem estar presentes no processo eleitoral e integrar o programa de governo, sua atuação parlamentar. Sugestão:

· Promover ações de prevenção, proteção e recuperação ambiental, como a criação e incentivo a viveiros com distribuição de mudas nativas e frutíferas para a população.


 Incentivar a agricultura familiar no município, com distribuição de insumos necessários no contexto de práticas agroecológicas.

 Combater o desmatamento regional.

· Atender às melhorias reivindicadas pelas populações rurais, incentivando a permanência no campo (iluminação, recuperação de estradas, transporte, internet, saneamento, ...).

· Fortalecer e potencializar os Conselhos Municipais de Defesa do Meio Ambiente.

· Criar os Conselhos Municipais de Educação Ambiental, instituindo nas escolas (urbanas e rurais) temas relacionados às mudanças climáticas, à preservação e importância da natureza na vida das pessoas.

· Combater as "fake news", o negacionismo ambiental, com estratégias institucionais de checagem, além de informação direta em sites institucionais sobre a situação climática e seus impactos.

 Fortalecer a governança e a gestão dos bens comuns da natureza, do financiamento, proteção e recuperação dos mananciais.

· Garantir recursos no planejamento orçamentário para a gestão hídrica e do meio ambiente, com ampla participação e controle social.

Recente pesquisa, promovida pela Confederação Nacional dos Municípios, registrou que só 2 em cada 10 municípios estão preparados para enfrentar os impactos das mudanças climáticas. Esta situação impõe a intensificação de estratégias e ações urgentes para evitar que a população sofra mais.

Devemos aproveitar o processo eleitoral em curso como um momento auspicioso para a discussão, conscientização e proposição de políticas públicas sociais, rumo a conquista de municípios sustentáveis e resilientes diante do aquecimento global, maior desafio já enfrentado pela humanidade!

Heitor Scalambrini Costa-Professor associado aposentado da Universidade Federal de Pernambuco. Graduado em Física, Mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares e Doutorado em Energética. Membro da Articulação Antinuclear Brasileira.


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ARTIGO: DO SEMIÁRIDO A AMAZONIA

É sina da população do Semiárido a de migrar. Com efeito, a região não tem como sustentar uma população que cresce. As pessoas migram a procura de melhores condições de vida. Arriscam-se até. E, nesse processo, podem acontecer muitas coisas.

O caso das migrações do Semiárido para a Amazônia já é muito conhecido. As pessoas foram empurradas pelas crises de secas, especialmente a de 1877-79, e atraídas pela promessa de eldorado. Lá, na Amazônia, os problemas de cada um seriam resolvidos. Se tinham fome, só precisava ir ao rio, sempre bem próximo, pegar um peixe, e comer. Trabalho não faltava, os seringais se espalhavam.

Estudamos o assunto quando da realização da primeira ICID – Conferência Internacional sobre Variações Climáticas e Desenvolvimento Sustentável de Regiões Semiáridas. O tema ainda é atual, para todas as regiões. Lá, na ICID, tivemos uma apresentação sobre as migrações do Nordeste para a Amazônia, feita por Tania Bacelar e Jean Bittoun. Ver o artigo publicado no livro da ICID chamado “Climate Variability, Climate Change and Social Vulnerability in the Semi-arid Tropics”, editado por Jesse Ribot, Antonio Magalhães e Stahis Panagides, publicado pela Universidade de Cambridge.

Na década de 1950, o então jovem escritor paraense chamado Leandro Tocantins escreveu o livro “Um Rio Comanda a Vida”. Segundo esse escritor, esse livro foi a raiz dos seus livros posteriores, já que foi muito prolífico na sua vida. Ele escreveu, em um dos capítulos do “Rio Comanda a Vida”, que o estado do Acre basicamente foi anexado ao território brasileiro por causa dos nordestinos do Semiárido que foram expulsos pela seca de 1877, especialmente pelos cearenses. Em qualquer comunidade do Acre onde se chegasse se poderia fazer o teste. Todos eram nordestinos, a maioria era do Ceará. Com isso, eles conseguiram ocupar um espaço vazio para tirar seringa e aumentar o território brasileiro em cerca de 150.000 km2.

Hoje a situação está mudada, mas nem tanto. Nas solenidades no Acre, ainda se canta o hino do Ceará. Os cearenses chegaram ao Acre, encontraram uma esposa indígena, procriaram, muitos morreram, muitos ficaram dependentes do dono do seringal por toda a vida, alguns enriqueceram e puderam mostrar a pujança de Manaus e de Belém durante o ciclo da borracha. Nessa labuta, o rio era sempre o meio de transporte, o canal de riqueza e de pobreza. As cidades foram se estabelecendo nas margens do rio, que comandava tudo.

Leandro Tapajós fala dos batelões, os barcos comandados por árabes (sírios e libaneses) que dominavam o comércio nos recantos dos rios na Amazônia. Era a civilização aquática, a união entre o semiárido e a Amazônia, o seco e o úmido, as secas do Nordeste e as cheias dos rios amazônicos. Mas a mesma pobreza, a mesma população sobre quem se baseava o bem-estar de uma pequena minoria.

Nesse quadro, o Rio Amazonas despontava como o Deus de todas as águas, o rei que comandava tudo. Ainda é assim, embora a Amazônia esteja cada vez mais devastada para suprir a fome do mundo em novas madeiras, em soja e em gado.

Por Antonio Rocha Magalhães

armagalhaes@gmail.com

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A SINA DE CANTADOR DO POETA ALDY CARVALHO

O cantador e poeta petrolinense Aldy Carvalho é  um artista completo, nascido no sertão de Pernambuco, cuja obra reflete o rico universo nordestino. Como poeta, cantador, escritor, compositor e violonista, sua arte é um verdadeiro mosaico de sons e histórias.                     

Recentemente Aldy lançou  nas redes o single "É  Preciso Amar" (Arnaldo Carvalho e José  Verismar dos Santos), um xote envolvente e de mensagem positiva da vida, onde Aldy imprime seu estilo através  da excelente interpretação  e dos arranjos que concebeu para a música,  não  obstante isso esse poeta, cantador das barrancos do São  Francisco, não  para. Aldy segue autografando sua mais recente obra literária "O Menino Iluminado". O livro, no gênero codel, traz ilustrações  de Anna B. Gonzalez, que com sensibilidade artística primorosa enriquece mais ainda a obra do autor cantador.                                                     

Lançado  pela Companhia do Cordel Edições " O Menino Iluminado", conforme Ely Verissimo, é  um convite  a nos tornarmos crianças com tudo no que isso implica, sobretudo, que sejamos capazes de ver, novamente, o que se tornou invisível  aos nossos olhos, isto é, o divino que nos cerca e que está,  como sempre esteve, em nós  mesmos. Desde a infância, Aldy  encantava amigos e familiares com suas narrativas e causos. Hoje sua discografia e bibliografia são testemunhos vívidos desse talento. Com álbuns como Redemoinho, Alforje, Cantos d'Algibeira, SerTão Andante e o mais recente Tempo Menino além de obras literárias como *Memórias de Alforje, Via-Sacra: o caminho da luz, A Preá  e a Cobra e O Cavaleiro das Léguas, Aldy Carvalho se consolida como um dos grandes cantadores, contadores de histórias do Brasil, imortalizando o lirismo do sertão em suas criações.   

 Aldy estará  presente com seu "O Menino Iluminado" na FLAE (Feira Literária  de Associados Escritores) da AFPESP em São  Paulo de 22 a 26 de julho de 2024 e confirma sua presença como autor convidado na 27ª  Bienal Internacional do Livro de São  Paulo de 06 a 13 de setembro de 2024.                                                                   O livro "O Menino Iluminado" bem como outras obras literárias e musicais deste poeta e cantador podem ser adquiridos através dos contatos: 

www.companhiadocordel.com.br

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MORRE AOS 75 ANOS O FORROZEIRO BILIU DE CAMPINA


Severino Xavier de Souza, de 75 anos, mais conhecido como Biliu de Campina, morreu na tarde desta segunda-feira (8) no Hospital de Trauma de Campina Grande. Nascido em 1º de março de 1949, Biliu foi um compositor, cantor e advogado paraibano.

Biliu de Campina estava internado no Hospital de Trauma de Campina Grande desde o último dia 24 de junho, em virtude de uma queda que provocou um sangramento na cabeça. A situação de Biliu se agravou e ele precisou ser internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

Por ter 75 anos e uma condição de comorbidades, como hipertensão e diabetes, ele apresentou dificuldades para respirar e ficou entubado na UTI.

A informação da morte de Biliu foi confirmada inicialmente pela produção do artista. Segundo a produção, a morte do artista foi provocada por uma parada cardiorrespiratória. Por volta das 16h30 desta segunda (8), o Hospital de Trauma de Campina Grande confirmou a informação em uma nota (leia abaixo).

"O Hospital de Emergência e Trauma de Campina Grande informa, com profundo pesar, o falecimento do cantor e compositor, Severino Xavier de Souza, “Biliu de Campina”, de 75 anos, na tarde desta segunda-feira, às 14h55".

O velório de Biliu de Campina deve acontecer no Teatro Municipal Severino Cabral, no Centro de Campina Grande.

Forrozeiro formado em direito pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), trocou a advocacia pela música em 1978, quando iniciou a carreira artística, resgatando o forró de raiz, o cantor e compositor se auto-intitulava como o maior carrego de Campina Grande.

Na carreira musical, Biliu de Campina lançou três discos independentes: Tributo a Jackson e Rosil, Forró o Ano Inteiro e Matéria Paga, e lançou dois cds independentes: Do Jeito que o Diabo Gosta e Forrobodologia.

No ano de 2002, mantendo seu lado irreverente, lançou outro projeto, o cd 'Diga Sim a Biliu de Campina', trocadilho da campanha nacional do combate à pirataria, que dizia "Diga não a Pirataria".

Forrozeiro Nato-O forró de Biliu tem toda a essência dos forrós tradicionais, com um swing característico dos discípulos de Jackson do Pandeiro. Na sua história em Campina Grande, Biliu fez de tudo um pouco no meio da música, chegando a ser puxador de samba nos carnavais da Rainha da Borborema. Mas o que o artista fez por muitos anos foi subir no palco do Maior São João do Mundo, no Parque do Povo.

Carreira Artística-Biliu teve sua primeira composição gravada em 1984, "A Grande Herança", por Messias Holanda e criou a banda "Os ETs do Forró". Em seus três primeiros discos, incluiu, além de suas composições, outras já consagradas, como "O canto da ema", de João do Vale, Aires Viana e Alventino Cavalcanti, e "Sebastiana", de Rosil Cavalcanti. Gravou também "Galo I (trupizupe)" e Galo II (embalo geral) músicas do bloco Galo de Campina, com arranjos do maestro Gabymar Cavalcanti.

Em 1989, participou com Gilberto Gil de show realizado no Parque do Povo, em Campina Grande, no lançamento do movimento político-ecológico "Onda Azul" e que também serviu como homenagem aos 70 anos de Jackson do Pandeiro. Em 1999, foi homenageado durante o Forró Fest.

Foi essa mistura de ritmos, humor e tradição que levou o artista a ser homenageado com o troféu Ícone da Cultura do projeto Sesi Forró na empresa 2008. De lá pra cá, Biliu esteve presente em quase todas as edições do Maior São João do Mundo em Campina Grande.

No dia 30 de março de 2022, Biliu de Campina e outros artistas da região foram reconhecidos pelo estado como os novos mestres das artes, pela Lei Canhoto da Paraíba.

Biliu de Campina em uma de suas internações no Hospital Pedro I, em Campina Grande — Foto: SMS Campina Grande/Divulgação

Biliu de Campina em uma de suas internações no Hospital Pedro I, em Campina Grande — Foto: SMS Campina Grande/Divulgação

Estado de saúde debilitado-Em 2022, Biliu ficou internado no Hospital Municipal Pedro I, em Campina Grande, com um quadro de congestão pulmonar e precisou fazer sessões de diálise. Em julho do mesmo ano, ele deu entrada novamente em uma UPA da cidade e foi transferido para o Hospital Municipal Dr. Edgley, com edema agudo hipertensivo provocado por uma hipervolemia, que é o excesso de líquido nos pulmões em função de uma doença renal crônica. Após a recuperação, deixou o hospital no dia 6 de julho.

A última aparição de Biliu foi em 29 de março de 2023, durante um evento particular em Campina Grande, em que ele era o homenageado. Em 30 de março, o cantor procurou uma unidade hospitalar com um pico hipertensivo, pressão arterial, pressão alta, dificuldade na fala e outros sintomas difusos, o que levantou suspeita de AVC.

Já em junho 2024, Biliu de Campina foi internado no Hospital de Trauma de Campina Grande dois dias depois de ter o show no Maior São João do Mundo cancelado. Dias depois, Zezé di Camargo e Luciano homenagearam Biliu no palco principal do Parque do Povo.


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INDUSTRIA DO GESSO ESTÁ DESTRUINDO O BIOMA CAATINGA

 No Brasil, a indústria do gesso está destruindo um bioma precioso do nosso país: a Caatinga. A produção depende da queima de madeira, e as empresas estão desmatando cada vez mais, indo cada vez mais longe em busca de lenha. As consequências podem ser irreversíveis e ameaçam transformar o sertão pernambucano em um deserto.

O desmatamento e a falta de energias alternativas podem levar ao colapso da maior região produtora de gesso no país. Milhares de toras de madeira alimentam os fornos do polo gesseiro de Pernambuco - o maior do país, a 700 km do Recife. De lá saem 97% da gipsita do Brasil. É a quarta maior reserva do mundo.

"Gera muito emprego, gera renda para região”, afirma o economista e consultor Werson Kaval.

Dia e noite, sete dias por semana: 20 mil pessoas dependem direta ou indiretamente do que é produzido pelas 500 mineradoras, calcinadoras, fábricas de pré-moldados. Desde a década de 1960 que a Caatinga está virando carvão. Mas, agora, a natureza parece estar no limite. E as indústrias do gesso se tornaram vítimas do desmatamento que causaram.

"O setor gesseiro hoje vive um colapso iminente”, afirma Jefferson Araújo Duarte, presidente do Sindicato das Indústrias do Gesso do Araripe.

Com a escassez de árvores, a lenha está vindo cada vez mais de longe.

"Hoje, grande parte das empresas conseguem trazer essa lenha com 650, 700 km de distância”, Jefferson Araújo Duarte.

Para se transformar em gesso, a pedra de gipsita precisa passar por um processo de calcinação, ou desidratação, que é a retirada da maior parte da água. E, para isso, é preciso queimar muita lenha.

Depois da explosão nas minas, o britador quebra a gipsita. É para facilitar o transporte. Caminhões lotados levam o mineral que vai ser usado na construção civil, em hospitais, e até na agricultura para correção do solo. Só depois de triturada, a pedra segue para os fornos das calcinadoras. Sob altas temperaturas, a gipsita se desidrata, fragmenta e vira pó.

Só que com a tonelada da lenha custando cerca de R$ 230 e a do gesso vendida a R$ 250, a conta está difícil de fechar.

O frete é outro problema. Muitos caminhões irregulares circulam à noite abarrotados de lenha. O Fantástico acompanhou uma blitz da Polícia Rodoviária Federal em Araripina. Em poucas horas, quatro caminhões foram apreendidos com várias infrações.

Devastação na Caatinga-A apreensão de lenha sem comprovação da origem aumentou em 500% em 2023.

O engenheiro florestal Ivan Ighour estudou a devastação na Caatinga no polo gesseiro. Ele comparou imagens de satélites ao longo de dez anos na região.

"A informação que a gente tem com esse estudo é que ao longo do ano se extrai 11 mil campos de futebol aqui da região do Araripe, de forma legal e ilegal”, diz Ivan Ighour Silva Sá.

A vegetação da Caatinga não existe em nenhum outro lugar do mundo. É um bioma que só o Brasil tem. E nem assim ele conseguiu escapar do desmatamento. A natureza paga um preço alto por esta destruição. Com a terra mais seca, sem a cobertura vegetal, o processo de desertificação se agrava.

Segundo levantamento do MapBiomas, restam pouco mais de 57% da vegetação nativa da Caatinga no Nordeste.

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OS BIOMAS CAATINGA E CERRADO ESTÃO SENDO DESTRUÍDOS PELAS FORMAS DE EXPLORAÇÃO

Como amante da obra de João Guimarães Rosa, especialmente do romance Grande sertão: veredas, confesso que fiquei apreensivo e um pouco indignado com a produção de Grande sertão, filme de Guel Arraes e roteiro de Jorge Furtado, baseado na obra de Rosa. Fiquei pensando como poderiam ter a coragem de "brincar" com uma das obras mais importantes da literatura brasileira e mundial, um orgulho para o Brasil. Não concebia a ideia de que o cenário da obra poderia ser completamente diferente do que está no romance, tendo em vista que um dos objetivos de Guimarães Rosa foi justamente retratar o sertão do Brasil profundo, com suas mazelas e belezas características dessa região.

No entanto, ao assistir ao filme, coincidentemente na semana em que se comemora o nascimento de Guimarães Rosa, 27 de junho, vi que estava completamente enganado. Fiquei totalmente bem impressionado não só com a excelente produção, como também com os atores, todos, especialmente Caio Blat, que dá um verdadeiro show, tanto na fase jovem de Riobaldo, quanto na fase em que, mais velho, relata os fatos marcantes da sua saga. Também o cenário, que mais parece uma favela futurista, que mostra a realidade de uma sociedade na qual impera a "lei do mais forte"; de um lado, os "barões" da bandidagem, e, do outro, os "agentes da lei", imersos na corrupção, com as comunidades tendo que conviver com o fogo cruzado e com todo tipo de injustiça social, assim como nos dias atuais.

Aí vemos quão grandiosa é a obra de Guimarães Rosa, pois não se trata de uma literatura regionalista e datada, mas, sim, de uma obra que alcança uma linguagem universal e atemporal.  Daí, a possibilidade de transpor o roteiro para outras realidades. Conforme ressaltado por Antônio Cândido, um dos mais importantes críticos literários brasileiros, trata-se de uma obra que tem um caráter metafísico: "Não é uma obra regionalista, pois toca em problemas universais, problemas que atormentam o homem em qualquer parte do universo. Quem sou eu? Quem é você? Deus existe ou não? O diabo existe ou não? O que é o bem? O que é o mal? O culpado é ele ou sou eu? O homem faz o meio ou é fruto do meio? Em Grande sertão: veredas a terra não condiciona o homem, e o homem não condiciona a luta. Não há relação causal. Os três estão no mesmo plano, tudo está embaralhado. O sertão é o lugar onde a vontade do homem se fez mais forte que o poder do lugar. O bonito em Grande sertão: veredas é a extrema ambiguidade, é fluido, as coisas são e não são, tem o lado do bem e o lado do mal. Todas as vezes que se faz o mal, sem querer, se faz o bem. Isso é um paradoxo, a ambiguidade máxima".

Assim, saí feliz do cinema e mudei completamente meu sentimento inicial, e acredito que Guimarães Rosa também estaria feliz. Conversando com Lucas, meu enteado, que faz artes cênicas na Universidade de Brasília (UnB), ele colocou algo interessante. Acredita que Guimarães Rosa se sentiria honrado em ter sua obra passando por uma releitura, sendo transposta para uma realidade atual, em um cenário completamente diferente, de forma corajosa e que quebra a nossa ideia de sertão.

Por falar em sertão, o real, este, sim, está sofrendo bastante. Os biomas Cerrado e Caatinga, que abrangem o que é denominado sertão, estão sendo destruídos pelas formas  como estão sendo explorados e ocupados. A expansão desenfreada das atividades agropecuárias, incentivadas e legalizadas pelo poder público, sem uma estratégia minimamente aceitável de preservação dos biomas, ocasionada principalmente pela produção de commodities para exportação, está determinando um futuro sombrio. 

Está mais do que na hora de a sociedade refletir e debater se é isso que queremos. Do contrário, enfrentaremos problemas seríssimos, como o aumento da emissão de gases do efeito estufa, o aumento da seca e de processos de desertificação na Caatinga, a perda da biodiversidade e a diminuição da oferta de água no Cerrado. O Parque Nacional Grande Sertão Veredas e o Mosaico Sertão Veredas Peruaçu, localizados no sertão do noroeste de Minas Gerais e sudoeste da Bahia, que abrangem o cenário original da obra de Guimarães Rosa, são estratégias importantes e interessantes que unem cultura e meio ambiente e poderiam ser consolidadas e replicadas em outras partes do Cerrado e da Caatinga, ajudando na conservação do ambiente e do povo do sertão.

Guimarães Rosa, com certeza, estaria muito triste de presenciar o que está acontecendo no sertão. Apesar de a sua obra transpor fronteiras e o tempo, o cenário original e o povo do sertão foram suas mais fortes fontes de inspiração, pois, diferente do filme, sem as veredas, não há um grande sertão.

Cesar Victor do Espírito Santo — Engenheiro florestal e conselheiro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), representando a sociedade civil da Região Centro-Oeste

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TRIBUTO A VIRGOLINO A CELEBRAÇÃO DO CANGAÇO TEM INÍCIO NESTA SEXTA-FEIRA EM SERRA TALHADA

Para lembrar o nascimento de Virgolino Ferreira da Silva, o Lampião, a Fundação Cabras de Lampião vai realizar mais uma edição do festival multilinguagens Tributo a Virgolino – A Celebração do Cangaço.

 Entre a próxima sexta-feira e domingo, o Quintal do Museu do Cangaço, o Espaço Cangaço Fitness e o Sítio Passagem das Pedras vão receber apresentações de música, teatro, dança, fotografia, literatura, artesanato, gastronomia, visitas e trilhas, tudo fortalecendo a cultura popular local. Os serratalhadenses e os turistas vão poder conferir as exibições artísticas de graça.

"O Tributo a Virgolino" é uma vitrine de várias linguagens artísticas que celebra o legado cultural deixado pelos cangaceiros. Trata-se de uma homenagem à data de nascimento do Rei do Cangaço", comentou Cleonice Maria, presidente da Fundação Cabras de Lampião. O festival teve a sua primeira edição em 1993.

No primeiro dia de atividades, o Quintal do Museu do Cangaço vai receber, a partir das 21h, Coco Trupé de Arcoverde e George Silva. No sábado, as danças vão marcar presença no local, já pela manhã, a partir das 10h, com Sertão Latino, Ponto de Cultura Herdeiros do Xaxado e Grupo Cultural Sanfonar.

Mais tarde, começando às 15h, ainda no sábado, será a vez do Grupo Filhos do Sol, do Ponto de Cultura Mistura Pernambucano e da Companhia Soul Dance. À noite, das 21h em diante, Assisão, seguido por Grudinho e Trio The Grud's, é quem vai tomar conta da festa. No domingo, às 9h, a tão aguardada Celebração ao Cangaço, composta por diversos grupos da cultura popular, subirá ao palco.

Já o Espaço Cangaço Fitness terá um dia inteiro dedicado à criançada. No sábado, das 9h às 17h, acontecerá a Oficina Brincanças. Serão vivências de artes cênicas e de cultura popular ministradas por Bruna Florie. O público-alvo será formado por todos aqueles com idades entre 6 e 12 anos.

Por fim, o Tributo a Virgolino - A Celebração do Cangaço também vai oferecer uma opção verde e saudável para quem quer conhecer a história e a cultura locais. É que o Sítio Passagem das Pedras será o ponto de partida para a Trilha dos Mirantes e para a Trilha dos Umbuzeiros. Os participantes conhecerão Pedras da Emboscada, onde aconteceu o primeiro confronto armado entre os irmãos Ferreiras (família de Lampião) e Zé Saturnino (primeiro inimigo). Ruínas da antiga casa-grande da Fazenda Pedreira, pertencente a Zé Saturnino, também fazem parte do roteiro. Para participar, basta agendar o horário, para um dos três dias do evento, no Museu do Cangaço.

O evento também contará com barracas com comidas regionais e artesanatos. A programação será realizada com o incentivo do Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura (Funcultura), através da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), Secretaria de Cultura de Pernambuco, Governo de Pernambuco.





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FLÁVIO JOSÉ DIZ QUE VIDA E OBRA DE LUIZ GONZAGA MERECEM MAIS RESPEITO.

Com mais de 35 anos de carreira e auto intitulado seguidor de Luiz Gonzaga, o cantor e sanfoneiro Flávio José teme pelo futuro do forró. Segundo ele, em muitas cidades neste São João havia apenas um artista do ritmo.

O artista contou que teme pelo futuro do forró e conta que se apresentou em cidades onde era o único representante do ritmo.

"Lá para a região da gente aconteceram muitas praças que tinha apenas um artista de forró, as outras atrações eram modismo, etc e tal. Mas é tão bom mudar, tem que aprender a corrigir. Eu só fico preocupado é porque, algumas praças só tinha eu. E se amanhã não tiver nem eu? Vai ficar mais complicado", disse ele instantes antes de se apresentar no São Pedro no Parque de Exposições.

Ele contou ainda que se entristece quando vê a obra de Luiz Gonzaga sendo levada a direção oposta à original.

"No ensinamento de Luiz Gonzaga, eu gravei um disco, o 'Flávio José Canta Luiz Gonzaga'. Eu penei para ouvir muito a obra de Luiz Gonzaga, para dizer palavra por palavra o que ele disse e cuidar muito bem da obra dele, que merece o maior respeito do mundo. Eu fiz esse disco com sucesso tremendo", contou ele, que seguiu.

"Eu fico muito triste quando vejo alguém pegar uma obra de Luiz Gonzaga e botar numa levada que não tem nada a ver. Parece que já se cansaram de fazer tantas coisas e o que resta agora é bulir, mexer numa obra como a do Luiz Gonzaga, que merece total respeito".

“Não, o forró é tão forte que ele aguenta tudo, até nomes de outras coisas que não têm nada a ver sendo chamados de forró. Então, o forró que eu conheço é o forró de Luiz Gonzaga, do Trio Nordestino, das tradições, isso aí sim, foi como eu falei anteriormente. Não teve renovação porque vários artistas desiludidos desistiram e jogaram a toalha. Agora, modismos que estão sendo chamados de forró, tem um monte, mas na minha concepção não têm nada a ver com forró”, completou o forrozeiro.


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UNIVERSIDADE REGIONAL DO CARIRI CONCEDE TÍTULO DE DOUTOR HONORIS CAUSA A GILBERTO GIL

A Universidade Regional do Cariri (URCA) CONCECE Título de Doutor Honoris Causa ao cantor, compositor, escritor e ativista, Gilberto Passos Gil Moreira. O evento será realizado no Terreiro das Artes do Centro Cultural do Cariri, no próximo dia 10 de julho, às 18h.

 A proposição para o Título é de autoria do ex-reitor da URCA, Professor Francisco do Ò de Lima Júnior, aprovada por unanimidade pelo Conselho Universitário, pela importância e o legado do artista e ex-ministro da Cultura. A proposição foi apresentada em julho do ano passado e apreciada pelos integrantes do conselho.

CONFIRA DISCURSO GILBERTO GIL QUANDO TOMOU POSSE NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

r. Presidente da Academia Brasileira de Letras, Acadêmico Merval Pereira,


Sra. Secretária Geral da Academia Brasileira de Letras, Acadêmica Nélida Piñon, Sras. e srs. Acadêmicos, Amigas e amigos aqui presentes, Meus filhos, meus netos... e Flora

Aqui estou, no limiar dos meus oitenta anos, no Salão Nobre da Academia Brasileira de Letras, onde já estiveram tantos escritores de minha admiração, alguns dos quais foram amigos queridos, na condição de primeiro representante da música popular do Brasil a ser eleito para esta instituição.

Entre tantas honrarias que a vida, generosamente, me proporcionou, essa tem para mim uma dimensão especial, não só porque aqui é a Casa de Machado de Assis, um escritor universal, e afrodescendente como eu, mas também porque a ABL, fundada em 20 de julho de 1897, representa, mesmo para quem a crítica, a instância maior, que legitima e consagra de forma perene a atividade de um escritor ou criador de cultura em nosso país.

Confesso que até recentemente não havia pensado em concorrer a uma cadeira da ABL, mesmo sabendo que Tom Jobim chegara a se inscrever em 24 de setembro de 1993, retirando em seguida a candidatura em homenagem a seu amigo Antônio Callado, eleito em março de 1994.

Sou filho de uma professora primária, Claudina, e de um médico, José Gil Moreira. A eles devo o meu amor às letras e à música. Foi de minha mãe que ganhei o primeiro violão, em 1961. Ela também leu, com paciência de mestra experiente, meus versos inspirados em leituras de Castro Alves, Gonçalves Dias, e Olavo Bilac, que comecei a escrever aos 17 anos. Tive a sorte de ter pais carinhosos, que me educaram para não ter medo de enfrentar os desafios que a vida fatalmente nos impõe. A imagem de meus pais está comigo nesta noite, e sua memória, é para mim uma bênção.

A Academia Brasileira de Letras é a Casa da Palavra e da Memória Cultural do Brasil. E tem uma responsabilidade grande no sentido de fortalecer uma imagem intelectual do país que se imponha à maré do obscurantismo, da ignorância, e demagogia de feição antidemocrática. Poucas vezes na nossa história republicana o escritor, o artista, o produtor de cultura, foram tão hostilizados e depreciados como agora. Há uma guerra em prol da desrazão e do conflito ideológico nas redes sociais da Internet, e a questão merece a atenção dos nossos educadores e homens públicos. A ABL tem muito a contribuir nesse debate civilizatório. E eu gostaria, aqui, de colaborar para o debate, em prol da cultura e da justiça.

O patrono da cadeira número 20, onde hoje tomo assento, é o escritor

JOAQUIM MANUEL DE MACEDO, nascido em Itaboraí, no Rio de Janeiro, em 24 de junho de 1820, e autor, entre outros títulos, de A moreninha, de 1844, o primeiro clássico do nosso romance romântico, já levado ao cinema e adaptado para novela de televisão. O ensaísta e acadêmico José Guilherme Merquior sobre ele observou: “O ‘Macedinho’ obteve o que Teixeira e Sousa não conseguira: dar respeitabilidade ao romance folhetinesco. (...) Enquanto Alencar inventaria o mito heroico – o índio cavalheiresco –, Macedo engendrou um mito sentimental: o da mocinha brasileira, sinhazinha ‘romântica’”.

Médico de formação, político liberal, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, defensor da educação para as mulheres, Macedo é autor também de Lições de História do Brasil, em 1861, e no ano seguinte, de Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro, reunião de crônicas anteriormente publicadas no Jornal do Commercio. Embora tenha escrito em vários gêneros, e ocupado postos importantes, o escritor, falecido em 11 de abril de 1882, viveu seus últimos anos atormentado por dificuldades financeiras. Destaquemos, de sua vasta produção, o poema A nebulosa, de 1857, que, no dizer de Antonio Candido, “abre as portas de um mundo romântico, onde poucos se moveram tão bem”. Citemos ainda As vítimas algozes – quadros da escravidão, de 1869, reeditado em 1988, no centenário da abolição da escravatura, pela Casa de Ruy Barbosa, e sua extensa obra teatral, composta, entre dramas e comédias, por 14 títulos, dentre eles A torre em concurso, de 1863, saborosa sátira que, segundo o crítico e acadêmico Sábato Magaldi, “fustiga mais de perto um dos vícios do país, existente até hoje: o complexo de inferioridade nacional, que só reconhece valor no estrangeiro e muitas vezes se abandona à sua falta de escrúpulos”. A figura gigantesca de José de Alencar parece hoje dominar quase todo o território do romance romântico brasileiro, mas Joaquim Manuel de Macedo é um nome a merecer resgate, para além de sua eterna Moreninha.

O fundador da cadeira nº 20 foi o jornalista, advogado, romancista e diplomata SALVADOR DE MENDONÇA, nascido em Itaboraí, no Estado do Rio, em julho de 1841, e irmão do acadêmico considerado o verdadeiro mentor da ABL, Lúcio de Mendonça. Na diplomacia serviu, entre outros postos, como cônsul-geral nos Estados Unidos, atuando no sentido do imediato reconhecimento do nosso então novo regime republicano junto ao governo norte-americano. Foi, juntamente com o irmão, um ativo integrante do movimento republicano no Brasil. Participou também, com Amaral Valente e Lafaiete Pereira, da Conferência de Washington, de 1889-1890, no intuito de ampliar a nossa integração comercial no continente; atuou na Assinatura do Tratado de Reciprocidade em 1891; e nas tratativas com o governo dos Estados Unidos no sentido de obter ajuda americana para fazer cessar a Revolta da Armada, o que de fato aconteceu em 1894.

Dele dirá Emílio de Menezes, seu sucessor nesta Casa: “Há na vida de Salvador de Mendonça, de tão difícil apreensão, um traço de suave e melancólica poesia, que a perfuma e aformoseia toda. É a revivescência do seu primeiro sonho de amor”. (...) Velho, fez reflorir, na velhice, o melhor trecho da mocidade de um homem. Morreu entre as rosas que cultivava paternalmente. Dizia ele que a sua melhor página era o conto escrito no início da carreira literária, dedicado à mulher amada, à sua primeira noiva e intitulado ‘A tua roseira’”.

O poeta, satirista e boêmio EMÍLIO DE MENEZES, nascido em 1866 em Curitiba, adotou o Rio de Janeiro, e aqui, tendo por base a Confeitaria Colombo, escreveu para diversos jornais, publicou poemas, ironizou figuras públicas, e até os seus próprios amigos. Muito dessa produção galhofeira corre o risco, hoje, de ser carimbada como politicamente incorreta, e mesmo de racista. Mas eram outros os tempos, e os jornais de então não só estimulavam esse tipo de literatura, como abriam generoso espaço para todo tipo de matéria que pudesse dar margem à polêmica e ao riso. O poeta e jornalista pernambucano Bastos Tigre, que o conheceu bem, escreve, em Reminiscências, que os seus sonetos: “Ouvidos a princípio com complacência, foram, em breve, aplaudidos com entusiasmo. E que bem os recitava ele! (...) Sobrava-lhe (...) talento, espírito, irreverência, alegria. Em pouco tempo dominou a roda, conquistou amigos, uns por admiração, muitos por medo da sua língua, que era um florete pela agressividade e pela elegância do ataque.

– Já sabes a última do Emílio? Era comum a pergunta nas rodas literárias, entre jornalistas e boêmios. E a “última do Emílio” – um trocadilho, uma sátira, um epitáfio – era repetida, às risadas, nos cafés e nos bares, nas livrarias e nos salões de barbeiro. E, em pouco tempo, toda a cidade a conhecia. O mais das vezes, a boa pilhéria acabava deturpada pelas várias edições de narradores. E, ainda, faltava a esses a graça do dizer, a comicidade verbal que lhe dava o autor.

Emílio era, de fato, excelente narrador. O tom da voz, a mobilidade da máscara colaboravam no efeito cômico das suas improvisações jocosas ou mordazes. (...) No comentário imediato ao caso do dia, no “a propósito”, no aparte à narrativa sisuda, na alcunha caricatural, no jogo de palavras, no equívoco, no disparate, no trocadilho, se havia, por vezes, maldade ferina, havia também, e principalmente, graça, chiste, agudeza”.

Machado de Assis, devido à vida boêmia do poeta, não simpatizava com a ideia da eleição de Emílio, tanto que ele só candidatou-se após a morte do grande escritor. Importante expressão de nossa poesia parnasiana, Emílio de Menezes foi eleito para a ABL em agosto de 1914. Consta que alguns votaram nele como uma espécie de salvo-conduto de que estariam protegidos dos dardos envenenados de seus versos.

Nas mãos de Emílio, uma simples notícia de jornal – “A sra. Pepa Ruiz e o sr. Pupo de Morais andam em negociações para o arrendamento do Mercado do Rio de Janeiro” – podia se transformar num bem urdido poema.

Leiamos o “Prosopopeia da Pepa ao Pupo”: Parece peta. A Pepa aporta à praça E pede ao Pupo que lhe passe o apito.

Pula do palco, pálida, perpassa Por entre um porco, um pato e um periquito.

Após, papando, em pé, pudim com passa, Depois de peixes, pombos e palmito, Precípite, por entre a populaça, Passa, picando a ponta de um palito. 

Peças compostas por um poeta pulha, Que a papalvos perplexos empunha, Prestando apenas pra apanhar os paios, Permita a Pepa por pastéis, pamonha...

– Que a Pepa apupe o Pupo e à popa ponha Papas, pipas, pepinos, papagaios!

Devido a problemas de saúde só tomaria posse, por meio de carta, poucas semanas antes de sua morte, de uremia, em 24 de abril de 1918.

HUMBERTO DE CAMPOS, nascido em Miritiba (hoje a cidade leva o seu nome), no Maranhão, em 25 de outubro de 1886, viveu apenas 48 anos, tempo suficiente, no entanto, para produzir uma obra imensa, que até o final dos anos 60 ainda era vendida em todo o país sob forma de coleção, pela editora Jackson. Em vida, foi autor de enorme sucesso, em especial com a literatura lasciva ou fescenina que publicava sob o pseudônimo de Conselheiro XisXis. Vale lembrar que depois de sua morte apareceram livros tidos como seus psicografados pelo médium Chico Xavier, havendo polêmica relativa ao pagamento dos direitos autorais, pois, pela doutrina, Humberto não seria um autor defunto, mas, à maneira de Brás Cubas, um defunto autor. Obteve grande sucesso outro livro seu, este indiscutivelmente póstumo: Diário secreto, em 2 volumes, publicados pelas Edições O Cruzeiro, cobrindo os anos de 1915 a 1934, e onde, em meio a informações preciosas sobre nossa vida cultural e política, Humberto de Campos também destila maledicência e ironia sobre importantes personalidades com quem conviveu, entre eles um companheiro de Academia, Paulo Barreto, pseudônimo sob o qual ficou popular o admirável João do Rio. Dono de temperamento polêmico e de estilo cristalino, foi ficcionista, crítico literário, memorialista, poeta, e um dos cronistas mais populares do Brasil. Ingressou nesta “Casa dos 40” (a expressão é dele), em 1919, e pouco depois foi eleito deputado federal pelo seu Estado até ser cassado quando da Revolução de 30. A capacidade de trabalho e a produção literária do notável maranhense impressiona ainda mais quando se sabe que a partir de 1928, diagnosticado com a hipertrofia da hipófise que apressou o seu fim, muitas vezes teve de cumprir os compromissos de escritor e jornalista em meio a sérias dores físicas. Quando faleceu, em 5 de dezembro de 1934, o comércio do Rio deJaneiro, em sua homenagem, fechou as portas na hora do seu sepultamento.

O pernambucano MÚCIO LEÃO, nascido em 1898 e falecido aos 71 anos no Rio de Janeiro, formou-se em Direito em 1919, quando se transferiu para o Rio de Janeiro. Aqui trabalhou no Correio da Manhã e no Jornal do Brasil, até fundar, em parceria com alguns amigos, entre eles o poeta Cassiano Ricardo, o jornal A manhã, onde criou e dirigiu o suplemento “Autores & Livros”, publicado, com algumas interrupções, entre 1941 e 1950, e que continua a ser uma fonte de consulta imprescindível aos historiadores e estudiosos de nossa literatura. Aguarda-se a reedição desse valioso material, que compreende textos inéditos dos maiores escritores contemporâneos, ilustrados por artistas do naipe de Vieira da Silva, Goeldi, e Portinari, além de repor em circulação um nome de nosso passado literário a cada edição. 

Múcio foi secretário geral da ABL, seu presidente em 1944, e na Casa promoveu a edição de importantes obras, entre elas vários volumes do historiador e filólogo João Ribeiro. Publicou contos, romances, ensaios literários, e dois livros de poemas: Tesouro Recôndito, em 1926, e Poesias, em 1949. Neste, assim define o poeta:

“Poeta, ser estranho, ser enigmático entre os seres! Vejo-o, isolado das cores, das formas e das ideias, Isolado, nessa crepuscular solidão que o acompanha”.

AURÉLIO DE LYRA TAVARES, nascido em João Pessoa, na Paraíba, em novembro de 1905, e falecido no Rio de Janeiro em 1998, foi general do Exército, historiador de temas militares, memorialista, e embaixador do Brasil na França. Foi recebido nesta Casa por Ivan Lins, o notável historiador do Positivismo no Brasil, em abril de 1970. Em seu discurso, Ivan ressaltou as qualidades literárias do empossado: “Autor de mais de trinta livros, numerosos artigos em revistas e jornais, além de importantes conferências, ensaios e discursos, foi como escritor que a Academia vos elegeu. (...) Sois um escritor nato e empunhais a pena, como quem respira, por irreprimível impulso, a fim de externar as manifestações de uma inteligência forte, cultivada em todos os ramos do saber e dotada de acentuadas aptidões literárias, não só na Prosa, mas até na Poesia (...). 

É desconhecida, no entanto a produção poética de Lyra Tavares. Entre as obras que publicou merece destaque A engenharia portuguesa na construção do Brasil, de 1965 – que mestre Alberto da Costa e Silva reputa como uma notável contribuição aos nossos estudos históricos –, A independência do Brasil na imprensa francesa, em 1973, e O Brasil de minha geração, dois volumes de memórias publicados em 1976-1977.

A mim, na condição de vítima da repressão militar que tomou conta do Brasil a partir de 1964, a ponto de ter sido preso, e em seguida obrigado a deixar o país em julho de 1969 – assim como fizeram outros amigos meus, entre eles Caetano Veloso – me causou a princípio um certo desconforto o ter de tratar aqui de um dos três integrantes da Junta Governativa Provisória que comandou o Brasil de 31 de agosto a 30 de outubro de 1969. Mas, ao contrário, na constatação de como gira, às vezes com ironia, a roda da História, do ponto de vista acadêmico, os que conheceram e conviveram com o general Lyra Tavares nesta Casa reiteram o seu comportamento sempre afável e solidário, sua cultura literária e histórica e sua dedicação aos valores que balizam a história da ABL.

Por último, destaco meu antecessor imediato, o jornalista advogado

MURILO MELO FILHO, nascido em 1928, em Natal, autor de vários livros, e que por anos foi atuante colunista político nas páginas da revista Manchete. 

Murilo, ou “Murilinho”, como era carinhosamente referido, já aos doze anos assinava textos no Diário de Natal. Ele nos deixou aos 91 anos, em maio de 2020, e a impressão que permaneceu em todos com quem conviveu foi a de um homem do diálogo, sempre gentil e prestativo. Desenvolveu por esta Casa um sentimento de afinidade verdadeiramente amoroso. Não recusava convite para representá-la em outras academias estaduais e municipais, sempre fazendo questão de comparecer com o fardão da ABL. Entre os seus livros destacam-se O desafio brasileiro, com sucessivas edições; O modelo brasileiro, com apresentação do economista Mario Henrique Simonsen;  Tempo diferente, de 2005, uma antologia de perfis de personalidades que conheceu ao longo de sua vida de incansável jornalista, entre elas Jânio Quadros, Carlos Lacerda, Café Filho, Otto Lara Rezende, Guimarães Rosa e Rachel de Queiroz.

Sobre Tempo diferente manifestou-se o cientista político e acadêmico Candido Mendes: “Murilo Melo Filho integra o núcleo desta geração Manchete, que hoje dá à Academia esta colaboração inédita, de membros vindos de um momento antológico – e dramaticamente fugaz – de um jornalismo inovador no país. (...) Existe nestas páginas a caprichosa tessitura de toda uma instigante era da sociedade brasileira, com revelações de muitos bastidores. (...) Na análise de cada um desses personagens, constrói-se a leitura de um momento brasileiro, graças à pertinácia de memória de Murilo,


nas vidas que atravessou com a determinação da sua esplêndida escuta de jornalista”.


Já o filósofo e acadêmico Tarcísio Padilha, presidente da ABL de 2000 a 2001, afirmou: “Ele portava a marca da civilidade e da boa convivência.


Entrevistou grandes homens públicos e chefes de Estado. Pergunto, então: quem tem medo de Murilo Melo Filho? Porque, de modo geral, quem participa tão ativamente da trepidante vida jornalística dificilmente escapa das paixões político-partidárias. Mas Murilo atravessou o Rubicon com simplicidade, coerência e caráter.


Alçou-se sempre acima das dissenções, com o respeito e a generalizada simpatia sobre sua trajetória. Suas obras, sobretudo o Testamento político, narram as histórias de muitas décadas de intensa e febril atividade jornalística, nas conversas soltas e formatadas pelo seu espírito objetivo e cordial”.


O último livro de Murilo Melo Filho é dedicado a esta Casa. Os senhores da palavra – Academia Brasileira de Letras humanas e bem-humoradas, de 2014, uma obra que se ombreia ao Anedotário geral que Josué Montello dedicou à ABL. No entender do filólogo e acadêmico Evanildo Bechara, “o agradável nessa leitura, além do simples sorriso, é a interpretação das personalidades envolvidas nas histórias – muito bem selecionadas e melhor ainda narradas. Em muitos casos, junta-se o humorismo à saudade, num reencontro com amigos queridos”. E Arnaldo Niskier, que com ele conviveu por cinco décadas, escreveu sobre este livro: “Nele Murilo Melo Filho reuniu textos e frases sobre o que 80 acadêmicos – todos já mortos – disseram, fizeram e discutiram ao longo de sua passagem pela nossa Academia Brasileira de Letras. São fatos bem-humorados, contados com a graça própria de intelectuais sábios e cultos, aqui compilados com verve e estilo.


(...) O autor teve a preocupação de reconstituí-los com cuidado e exatidão”.


Sras. Acadêmicas, Srs. Acadêmicos,


Nascido em Salvador, passei a minha infância em Ituaçu, no interior


do Estado. Contemplo desta tribuna o menino que fui e me espanto. A curiosidade e algumas interrogações daquela época permanecem vivas em mim. Sempre procurando acompanhar o desenvolvimento das novas tecnologias no que elas possam contribuir para o bem de todos, costumo me perguntar: O que será do Brasil em meio a esse mundo de pandemias e guerras? Que destino aguarda a Amazônia? O que os políticos estão fazendo para acabar com a fome e o analfabetismo? Quando conseguiremos alcançar a tão sonhada independência científica e tecnológica? Até quando o Brasil será o “país do futuro” de Stefan Zweig?


Não tenho respostas ou verdades consolidadas, nem sei se as terei um dia.


Procurei, junto com alguns brilhantes companheiros de geração, colaborar para que o Brasil fosse respeitado e amado mundo afora. Participei de movimentos culturais como a Tropicália, que continua dando frutos por aí.


Tive grandes êxitos e alegrias nesta vida. Mas também fundas tristezas, a maior e a mais dolorosa a perda de meu filho Pedro Gil. Mas não desanimo, porque é preciso resistir sempre.


Nesta noite estão comigo em pensamento todos aqueles que me incentivaram na minha trajetória que começou com Claudina e José Gil, meus pais, e que hoje ganha afetuoso reconhecimento na Casa do grande escritor, e também filósofo, Machado de Assis.


Apesar dos tempos politicamente sombrios que vivemos, aposto na


esperança. Contra a treva física e moral, que haja ao menos a chama de uma vela, até chegarmos a toda luz do luar. Permitam-me recordar alguns versos meus:


Se a noite inventa a escuridão


A luz inventa o luar


O olho da vida inventa a visão


Doce clarão sobre o mar


Essa é nossa aposta, na vida e na alegria. Agradeço, pelo estímulo inicial que me trouxe até aqui, aos acadêmicos Marcos Vilaça, Cacá Diegues, Merval Pereira e Antonio Carlos Secchin, que, somados ao sempre amoroso aconselhamento de Flora, minha mulher, contribuíram na minha decisão de postular um lugar nesta Casa. Ao acadêmico Secchin, agradeço a generosidade em me receber com o discurso que ouviremos a seguir. E, dele, endosso os versos do poema “Luz”, composto unicamente por monossílabos, num total de 32, e que revela nossa busca solidária pelo espaço solar da liberdade, e a crença em comum de que a luz verdadeira é a que nasce dentro de nós:


Ao ver


O não 


Que sai


Da dor


O som


Da voz


Já vai


No sim


No tom


Do céu


Não vi


Mais luz


Do que


No sol


Que há


Em mim


Em maio de 1968, na capa do meu segundo LP, e já integrado à Tropicália, apareço envergando um fardão e usando pincenê. Ao recordar esse episódio escrevi um poema para este evento.


Sempre houve críticas à Academia, que a Casa de Machado não faria jus ao sonho que sonhara ser um dia: todos ali representados por alguns.


Tal ampla representatividade sonhada por Nabuco e demais fundadores jamais fora alcançada de verdade, jamais todos os saberes e sabores.


Eu mesmo, nos meus tempos de aventuras, cheguei a envergar um garboso fardão, vestido então como ironia dura, a fantasia pura da ilusão!


Juntava-me, naquele instante, aos muitos que alfinetavam a Instituição mal sabia eu quais os intuitos, do destino astuto a interrogação.


Um amigo lembrou-me outro dia que as ironias sempre trazem seu revés.


Papéis trocados, eis aqui, vida vadia: fardão custoso, bordado a ouro, vistoso, me revestindo da cabeça aos pés.


Aos que me ouviram aqui, e aos que acompanham essa cerimônia pela internet, aquele abraço, e muito obrigado!


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