POR QUE AGRICULTORES E PESQUISADORES DEFENDEM QUE A AGROECOLOGIA PODE SANAR A FOME NO BRASIL

O 3 de outubro, Dia Nacional da Agroecologia, chega nesse ano de 2021 no momento em que mais da metade da população brasileira vive com insegurança alimentar. Mais do que um modelo de agricultura baseado em conhecimentos tradicionais de interação com o ambiente por meios sustentáveis; agricultores, pesquisadores e ativistas ouvidos pelo Brasil de Fato apontam que a agroecologia é o caminho para responder à crescente devastação do meio ambiente, para desenvolver soberania nacional e capaz de sanar a fome de toda a população. 

"A agroecologia se apresenta, nesse contexto de sindemia covídica como a estratégia possível de enfrentamento à fome porque ela traz o olhar a partir de um passo atrás ao ato de se alimentar", descreve Islândia Bezerra, pesquisadora e presidenta da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA). "O passo da produção de alimentos que enfatiza a natureza como sujeita de direitos", resume. 

Marcos José de Abreu, conhecido como Marquito, é vereador em Florianópolis pelo PSOL e foi autor do projeto de lei que fez da capital santa catarinense o primeiro município do país a banir agrotóxicos de seu território. 

Em sua opinião, as cadeias agroecológicas - diferentemente do setor econômico do agronegócio - estão pouco suscetíveis ao mercado financeiro global de commodities. Assim, avalia Marquito, "o modelo mais adequado para alcançarmos uma soberania nacional é o agroecológico". 

Chirlene Barbosa trabalha com agroecologia há mais de duas décadas no município de Bom Jardim, no agreste Pernambucano. "Eu sei o que é fome" diz, ao contar que era pequena quando o pai morreu e a "mãe ficou com sete filhos para criar". 

Produtora de hortaliças, frutas e legumes, Chirlene narra que "terra é vida" e que mesmo que o dinheiro fique escasso, hoje a mesa é farta. Ela garante que é possível agricultores agroecológicos abastecerem "todos os bancos de comida", mas é preciso "os governos investirem mais", pois "muitas vezes não tem como essa produção chegar às pessoas", comenta. 

"É falta de interesse político das autoridades", salienta o agricultor agroflorestal Helenito Lopes. Hermes, como é chamado mais comumente, vive com outras 80 famílias no Assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Sepé Tiaraju, no município de Serrana, próximo a Ribeirão Preto (SP). 

"Somos nós agricultores familiares que produzimos a maior parte do que a população consome", constata Hermes, assentado em uma área considerada referência em práticas agroecológicas e agroflorestais desde o início dos anos 2000. "Esse governo quer desmobilizar as organizações sociais fechando a torneira para o incentivo das atividades agroecológicas e dando muita grana para o agronegócio". 

Em uma fala feita em 2014, mas bastante atual, o então relator especial da ONU sobre o direito à alimentação, o professor belga Olivier de Schutter, expôs que “a erradicação da fome e da malnutrição é um objetivo alcançável. Para tanto, contudo, não será suficiente apenas refinar a lógica dos nossos sistemas alimentares", alertou: "ela precisa, ao contrário, ser invertida”.

INCENTIVOS: As dificuldades para aplicar essa inversão no Brasil parecem proporcionais à sua urgência. Os dados do "Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia Covid-19 no Brasil", feito pela Rede PENSSAN em 2021, são alarmantes. Das 116,8 milhões de pessoas com insegurança alimentar no país, 43,4 milhões não tinham comida o suficiente e 19 milhões estavam efetivamente passando fome. 

Os números evidenciam porque o Brasil, que tinha em 2014 saído do Mapa da Fome - levantamento das nações que têm 5% ou mais de sua população subalimentadas - voltou a figurar na lista. 

Em 27 de setembro a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por pedido da Associação Civil Ação Educativa, entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal para obrigar o governo Bolsonaro a implementar políticas públicas de combate à fome. 

Denunciando um "desmonte da política de segurança alimentar", a ação reivindica, entre outras medidas, que o governo revogue a extinção do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), garanta repasses financeiros ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e invista R$1 bilhão no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Esses dois programas são citados por Islândia como exemplos de políticas públicas federais importantes na potencialização da agroecologia, ao lado de iniciativas estaduais e municipais. "As políticas existem, mas quando comparadas aos investimentos do Estado no setor do agronegócio, estamos na periferia no sentido de acessibilidade", diz. 

Em setembro, a Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), em parceria com a Friedrich-Ebert-Stiftung Brasil (FES Brasil), lançou o artigo "Desafios para o Abastecimento e Soberania Alimentar no Brasil". Nele, os autores avaliam que o PAA, ao longo dos anos passou a priviliegiar compras institucionais de médias e grandes cooperativas. 

O artigo questiona, ainda, que uma série de entraves burocráticos passaram a impossibilitar a participação de diversas comunidades no programa, "particularmente comunidades quilombolas, indígenas e pequenas cooperativas de agricultura familiar". 

Enquanto isso, o Ministério da Agricultura aprovou, em 2020, o registro de 493 agrotóxicos, o número mais alto da série histórica, compilado desde 2000. Dos 1059 agrotóxicos registrados desde janeiro de 2019 no Brasil, cerca de um terço é proibido na União Europeia por serem considerados perigosos para a saúde e o meio ambiente.

Além disso, a isenção de impostos das quais goza a agroindústria no Brasil representou, no ano passado, R$29,2 bilhões. Em 2019, as exportações feitas pelo setor renderam aos cofres públicos apenas R$16,3 mil. 

REDES: A despeito da priorização estatal ao agronegócio e do desemprego crescente, as iniciativas autônomas de solidariedade no enfrentamento à fome se espalharam pelo país desde o pandemia de Coronavírus.

"São várias as experiências", sorri Islândia, ao elencar as feitas pelo MST, o Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o Movimento de Agricultura Urbana, as cozinhas solidárias do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), as comunidades quilombolas, indígenas. "Estão trazendo o debate da produção e consumo de alimentos saudáveis para um contexto de escassez", descreve.  

Hermes relata que o início da pandemia foi um choque para as famílias do Assentamento Sepé Tiaraju. "Todas as portas se fecharam para quem trabalhava com venda em feiras locais, em congressos, o PAA e o PNAE pararam. O povo nosso aqui ficou desesperado né, o que a gente vai fazer com tanto alimento?", conta. "E a gente começou a perceber que tinha gente nas cidades passando muita dificuldade".

A partir da articulação do que chamam de Grupos de Consumidores Agroecológicos, os assentados do Sepé e de outras comunidades do MST mobilizaram parceiros para comprar seus produtos e os doarem para a população periférica de Ribeirão Preto. "A gente chegou a juntar mais de oito toneladas. E agora já estamos num novo projeto", relata Hermes.  

"Ninguém vê o agronegócio distribuindo alimentos. O agronegócio não vai poder jamais fazer uma ação de solidariedade distribuindo alimentos, porque ele não produze alimentos", avalia Islândia: "Ele produz commodities, voltados à exportação". 

"O que pode ser que o agronegócio faça?", reflete a presidenta da ABA. "Pode distribuir cestas, com produtos comestíveis ultra processados. Diferentemente de quem produz comida, frutas, legumes, raízes, tubérculos, leite e derivados. São essas organizações sociais de base que estão fazendo o enfrentamento à fome", sintetiza. 

Na visão de Bezerra, no entanto, o combate à insegurança alimentar "não pode ser feito única e exclusivamente pela sociedade civil organizada", mas também "no campo das macro políticas públicas".

Marcos Abreu faz uma avaliação similar, defendendo ser estratégico o foco no âmbito municipal. Aliada às denúncias da pressão que a bancada ruralista faz em defesa do agronegócio na esfera nacional, Marquito acredita que "as leis e políticas locais são de alto impacto". 

O LEGADO DE ANA MARIA PRIMAVESI: As discussões levantadas pelo Dia Nacional da Agroecologia evidentemente não vêm de hoje. A data, inclusive, é o dia do nascimento de uma das históricas defensoras de modelos de agricultura alternativos ao agronegócio. 

Ana Maria Primavesi nasceu na Áustria e chegou ao Brasil nos anos 1950, escapando da perseguição nazista nos anos que se seguiram à Segunda Guerra Mundial. Docente e engenheira agrônoma próxima a comunidades tradicionais e movimentos ligados à luta pela terra, ela revolucionou a visão da agricultura ao se atentar para a importância da saúde do solo ao pensar no que se produz a partir dele. 

Os olhos de Islândia Bezerra se enchem de água quando ela se lembrou das poucas vezes em que teve a oportunidade de escutar Primavesi ao vivo. A pioneira da agroecologia brasileira faleceu em 2020, aos 99 anos. 

Do conhecimento deixado por Primavesi, Islândia destaca que "para além do conhecer e conceber o solo como berço da nossa própria existência, ela deixou um legado de questionar o modelo que usa veneno e que reverbera em todo o planeta". 

"Com evidências científicas, Ana Primavesi nos ensinou que a terra não precisa de veneno. Ninguém precisa de veneno", constata Bezerra. 

E é justamente a troca de conhecimentos, aliada à luta por maiores incentivos para as produções agroecológicas e agroflorestais o que Hermes considera serem os caminhos "para a gente matar a fome do nosso povo". (Fonte: Gabriela Moncan Brasil de Fato)


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MARINALVA E SUA GENTE *TEXTO-ÉRICO SÁTIRO

Campina Grande, 1948. Dona Donzinha cuida em casa de sua filha Maria, nascida às vésperas das festas juninas. Enquanto acalentava a então caçula e cuidava dos outros pequenos, a mãe ouvia a filha mais velha, Inês, pedir autorização ao pai para ir ao cinema com o irmão Ademar. Com o consentimento de Seu Manoel, Inês saía de casa com o irmão, mas não para ir ao cinema, e sim à rádio fazer o que mais gostava: cantar. Escapando da rigidez do pai, que não queria saber de cantora na família, assim surgiu o talento de Inês, que se tornou a famosa artista Marinês, a “Rainha do Xaxado”. 

O que Seu Manoel não esperava era que, além de Marinês, ele teria outra filha cantora, Maria, o bebê que estava em casa com a mãe enquanto a irmã dava seus primeiros passos na música. Mais tarde, ela ficaria conhecida como Marinalva.

O surgimento musical das irmãs não foi fácil. O universo dos cantores nordestinos, desde o seu início, foi dominado pelos homens, assim como na grande maioria das classes trabalhadoras brasileiras do século passado. Eram muitos “reis” para poucas “rainhas”. Devagarzinho, no entanto, e superando preconceitos, elas começaram a surgir. Carmélia Alves, Marinês, Anastácia, Hermelinda, Clemilda e Elba Ramalho são algumas que constam em qualquer lista de mulheres forrozeiras, com seus baiões, xotes e xaxados, entre outros ritmos. Marinalva, apesar do grande talento, vem sendo injustamente esquecida, tanto que não há praticamente nada sobre ela em livros ou mesmo em textos na internet (os poucos que existem trazem informações desencontradas).

Ao contrário da irmã mais famosa, que era natural de São Vicente Ferrer/PE, Marinalva (Maria Caetano de Oliveira) nasceu em Campina Grande/PB em 10/06/1948, sexta dos nove filhos (quatro homens e cinco mulheres) de Seu Manoel (Manoel Caetano de Oliveira), mecânico e armeiro, e de Dona Donzinha (Josefa Maria de Oliveira). Em Campina, cresceu nos bairros Liberdade e Quarenta e, curiosamente, era chamada pelos parentes próximos por outro nome.

 “A gente a chamava de Consuelo ou de Maria Consuelo. A origem do apelido eu não sei não. Depois foi que ficou Marinalva mesmo”, explica o irmão Sussuanil, zabumbeiro, que atualmente reside no Rio de Janeiro/RJ e ainda atua em forrós junto com seu irmão Lourival (ambos tocaram muito tempo com Marinês). O apelido definitivo – Marinalva – só viria no início da carreira profissional, por sugestão do músico e produtor Abdias, então marido de Marinês, referência clara para o surgimento desse nome artístico (o “e sua gente”, acrescentado a Marinês por ideia de Chacrinha, também foi incorporado por Marinalva).

Oficialmente, a data de nascimento de Marinalva, constante em certidão de registro, é 10/02/1948, mas a cantora também possuía documentos com a data de 10/06/1948. Em razão do testemunho de seus familiares, que confirmaram que o aniversário dela era comemorado em 10/06, presume-se que houve um erro quanto ao mês em sua certidão de nascimento.

Não tendo encontrado, por parte de seu pai, a mesma resistência sofrida pela irmã mais velha para iniciar na música, a caminhada de Marinalva como cantora surgiu quando ela tinha cerca de 14 anos de idade, em programas de calouros, onde interpretava canções não apenas de forró, mas também de outros estilos, a exemplo de músicas do repertório de Ângela Maria. A carreira profissional se iniciou por volta de 1966, já sob o nome artístico de Marinalva e Sua Gente, fazendo apresentações em locais como circos, cinemas e rádios de Campina Grande e de outras cidades, como Recife, onde, naquele ano, foi uma das atrações do programa de auditório Comandos da Alegria, da Rádio Clube, em quadro que divulgava novos artistas. Foi uma das primeiras forrozeiras paraibanas a se destacar no cenário da música nordestina.

DÉCADA 70; Seu primeiro disco veio em 1970, com o título Eu também sou de lá, lançado pelo selo Maraca, com destaque para faixas como “Jacaré dos Homens” (Elino Julião) e “O solteirão” (J. Cavalcante/Antônio dos Passos), que foi gravada no mesmo ano por Jackson do Pandeiro. Na canção que dá nome ao disco, de autoria de João Silva e J. B. De Aquino, a cantora se apresenta: “Nasci pra cantar/essa é minha sina/eu também sou de Campina/também quero xaxear”. Após ao lançamento do primeiro LP, Marinalva começou a ser convidada a participar de coletâneas diversas, inclusive assinando algumas canções. Os principais discos foram O fino da roça – vol. 3 (1971), Quermesse (1971), O fino da roça – vol. 4 (1972), Quermesse – vol. 2 (1972) e Fogo na geringonça – vol. 2 (1972), que incluíam músicas da cantora e de nomes como Zé Calixto, Antônio Barros, Messias Holanda e Genival Lacerda, amigo e conterrâneo que muito ajudou a cantora nesse período. Mas foi a partir de 1974 que a paraibana começou a criar discos mais marcantes. Em Poeira do Caminho (1974), gravado em São Paulo sob direção de Pedro Sertanejo, Marinalva mostrou sua qualidade com um bom repertório. Músicas como “Enquanto há vida, há esperança” (Antônio Penha/Wanderley Silva), “Eu vim de longe” e “O bom do xaxado” (ambas de Joca de Castro/Genival Lacerda) mostram a evolução da intérprete. Outro destaque, a toada “Poeira do caminho” (Joca de Castro/Genival Lacerda) apresenta uma das temáticas preferidas da cantora: o Nordeste, com suas belezas, seu povo, seus dramas e problemas.

Os outros dois álbuns gravados por Marinalva nos anos 70 comprovam que a década representou, musicalmente, a melhor fase de sua carreira, principalmente pela poesia nordestina contida em diversas letras. Com produção de Jackson do Pandeiro, a cantora lançou pela Chantecler/Alvorada os LPs Viva o Nordeste (1977) e Tardes Nordestinas (1978). Pra quem conhece a obra de Jackson, fica fácil perceber a semelhança na sonoridade desses discos com outros gravados ou dirigidos por ele naquela época, a exemplo de O Rei do Coco, do pernambucano Bezerra da Silva. Nesses álbuns de Marinalva, a cozinha percussiva do Rei do Ritmo é bem perceptível em faixas como “Vou me incendiar” (Raymundo Evangelista/J. B. de Aquino), “Retirante, não” (João Silva/J. B. De Aquino), “Eu vou pra Bahia” (Alba), “Chuva caiu” (Cecéu) e “Chega pra lá meu bem” (Ignácio Virgulino/Marinalva). “Tarde nordestina” (no singular, ao contrário do título do LP), de autoria de D. Matias e Naldinho, tornou-se o principal

SUCESSO: No mesmo período, participou, com duas músicas, da coletânea Canjica, pamonha e rojão (1977), da qual também faziam parte Jackson do Pandeiro (como produtor e intérprete), Severo, Manezinho Silva, Alventino Cavalcanti e Haroldo Francisco (Kojak do Forró).

Duplo sentido e década de 80: O forró com letras de duplo sentido, popularizado na década de 70 por Genival Lacerda e seguido por artistas como Messias Holanda e Zenilton, tornou-se praticamente uma preferência nos anos 80 por parte das gravadoras, que lucravam bastante com a boa venda de discos que exploravam o tema. Sandro Becker, Zé Duarte e Clemilda, a partir da primeira metade da década, juntaram-se aos principais nomes do gênero gravando músicas apimentadas, mas antes do sucesso desses três Marinalva já começava a acrescentar em seu repertório o duplo sentido. O LP De rolha na boca (1980) trouxe a temática escancarada no próprio título, retirado da faixa homônima de autoria do cantor e compositor João Gonçalves, mestre no estilo, em parceria com Micena do Icó. Não se pode dizer, entretanto, que Marinalva tenha feito discos de duplo sentido, pois, apesar de quase todos os seus LPs seguintes possuírem músicas com letras do gênero, elas nunca chegaram a predominar no repertório – eram, no máximo, duas ou três por disco.

Mesmo tendo gravado canções de sentido dúbio, Marinalva parecia não se sentir muito à vontade com a temática. Em 1991, ao saber que sua gravação de “Tarde nordestina” havia sido escolhida para integrar a coletânea Brazil Classics 3 – Forró etc., produzida principalmente para o mercado internacional pelo músico David Byrne, ex-líder da banda norte-americana Talking Heads, a cantora demonstrou alívio: “É muito bonita. Fala das coisas do Nordeste, do sofrimento dessa gente do sertão. Ainda bem que não foi daquelas indecentes, de duplo sentido”, declarou (Matéria “Forró a laser agita o mercado americano”. Jornal do Brasil, 15/06/1991). No encarte do CD, o texto assinado pelos professores, escritores e estudiosos de música Larry Crook e Charles A. Perrone destaca que Marinalva costumava fazer “canções tipicamente nostálgicas como Tarde Nordestina”. Moda na época, o duplo sentido acabou sendo responsável pelo maior sucesso de Marinalva naquele período: “Forró na Bica” (João Gonçalves/Marinalva), regravada em 1986 por Sandro Becker.

“Forró na bica” fazia parte do disco Um bom forró, que sucedeu Cheguei (último álbum com o ex-marido e sanfoneiro Zezinho, lançado em 1983), e que marcou uma mudança no som da forrozeira. A partir da parceria com seu marido Aracílio Araújo, houve uma “acelerada” em geral nas músicas, que ficaram mais dançantes, trazendo o álbum Um bom forró arranjos de sanfona mais ariscos, principalmente em faixas como “Um bom forró” (João Gonçalves/Marques Irmão), “Quero me divertir” (Aracílio/Marinalva/Calisto Moreira), “A noite é minha” (Aracílio/Marinalva) e “No cheiro de forró” (Aracílio/Marinalva) – esta última regravada por Flávio José em 1991. Foi o primeiro trabalho de Marinalva com Aracílio Araújo e também com Quartinha (zabumba), que permaneceu trabalhando com ela por vários anos. “Marinalva cantava muito. Muito, muito mesmo. Era um Luiz Gonzaga de saia. No palco ela ia pra lá, pra cá, como Elba Ramalho. Além de grande artista, era uma pessoa muito legal, era minha amiga e comadre”, comenta o zabumbeiro, destacando a energia da intérprete em suas apresentações.

Após Um bom forró, a paraibana lançou Enxugue o rato (1986), que trazia a versão cantada para a faixa-título de Luiz Moreno, com participação de Abdias. O disco foi gravado no Rio de Janeiro e contou com Marcos Farias, músico, produtor e maestro, filho de Marinês, na produção (junto com seu pai Abdias) e nos arranjos. Na sequência, veio o disco Marinalva e sua gente (1987), seu melhor e mais animado trabalho dessa fase (junto com Um bom forró). Seguindo o exemplo de nomes como Jorge de Altinho e Nando Cordel, Marinalva e sua gente contou com a inserção de metais em faixas como a regravação de “Jacaré dos Homens” (Elino Julião) e o pot-pourri de abertura com “Saudade de Campina Grande” (Rosil Cavalcanti), “Não dá pé” (Cecéu) 3 e “É tempo de voltar” (Dominguinhos/Anastácia), músicas anteriormente gravadas por Marinês.

 Esse pot-pourri inclusive foi utilizado pela cantora na apresentação, em rede nacional, no programa Clube do Bolinha, da TV Bandeirantes. Marinalva e sua gente foi o último disco gravado na década pela artista, que também realizou trabalhos em álbuns de outros músicos, como no LP Merengue dela (1986) de Arlindo dos 8 Baixos, onde tocou triângulo e atuou como assistente de produção, e no LP Bom pra forrozar (1989), de Duda da Passira, cantando em uma faixa.

Foi também na década de 80 que Marinalva viu crescer sua popularidade no Nordeste. Era convidada frequentemente para programas locais de televisão, em canais como a TV Tupi de Recife, a TV Jornal do Commercio (Rede Bandeirantes) e TV Universitária. A agenda de shows também era cheia, com apresentações em diversas cidades nordestinas, sendo anunciada como uma das maiores atrações de grandes festividades. Os anúncios e notícias abaixo comprovam que Marinalva era uma das mais principais cantoras nordestinas do período:

FINAL CARREIRA: 1990 foi o ano de lançamento do LP Pra lá de bom, lançado pela Polydisc, com praticamente todas as músicas assinadas por Aracílio Araújo (com parcerias), além de “Pescador Potoqueiro” (João Silva/Messias Holanda) e “Os pernilongos” (João Gonçalves/Marinalva), ambas de duplo sentido. No ano seguinte participou do LP Daquele jeito, do cantor Agamenon Show, cantando em uma das faixas. Em 1992 veio Coração teimoso, último disco da cantora, que trouxe as versões de “Resto de amor” (Cecéu) e “A separação” (Jorge de Altinho/Feliz Barros/Gisa Rocha), sucessos com o Trio Nordestino, além da regravação de “Tarde Nordestina” (D. Matias/Naldinho). Com arranjos do acordeonista Severo, o disco mostra a cantora em plena forma, principalmente em “Coração teimoso” (João Silva), comprovando que seu talento poderia proporcionar ainda, por muitos anos, outras grandes interpretações.


As apresentações musicais de Marinalva, que àquela época normalmente contavam também com seu marido Aracílio Araújo (triângulo), Quartinha (zabumba) e Cicinho (sanfona), duraram até por volta de 1993, quando a cantora começou a enfrentar problemas de saúde. Diabética, chegou a perder parte de um dos pés, dificultando sua locomoção, especialmente em viagens. “A gente fazia muitos shows em Pernambuco e também na Bahia. Por questões de saúde, ficou difícil pra ela continuar”,

relembra Aracílio. A partir daí, Marinalva passou a se dedicar apenas ao lar, atuando esporadicamente em gravações de outros artistas, como no coro de discos de Aracílio Araújo e Santanna (ainda se apresentando como Luís de Santana), e no dueto com Ivan Ferraz em “Mané e Zabé” (Zé Dantas/Luiz Gonzaga), música que marcou a carreira de Marinês por ter sido sua primeira gravação, em 1956, cantando com Luiz Gonzaga. Em 1998 Marinalva ainda participou da décima edição do festival Forró Fest, organizado anualmente pelas TVs Cabo Branco (João Pessoa) e Paraíba (Campina Grande). Na ocasião, interpretou a canção “Mulher forrozeira”, de Aracílio Araújo, ficando com o 3ª lugar no concurso. “Ela recebeu uma sanfona avaliada em dez mil reais como prêmio”, recorda-se, com orgulho, o compositor. A música, assim como as demais finalistas, ganhou versão de estúdio, registrada no CD Forró Fest 10 anos.

Nos anos 2000, Marinalva continuou sofrendo com problemas de saúde em consequência da diabetes e praticamente não atuou artisticamente. Em 11/09/2004, por complicações decorrentes de um AVC sofrido poucos dias antes, faleceu, aos 56 anos, na cidade de Recife/PE.

VIDA FAMILIAR:  Não foi somente junto aos seus irmãos que Marinalva teve influência artística. Nos seus casamentos, a paraibana sempre se relacionou com pessoas ligadas à arte. Ainda muito jovem, em uma de suas apresentações Marinalva conheceu o artista circense Arlindo Fernandes, com quem teve seu primeiro filho, Ricardo, nascido em 1965. Pouco tempo depois, separou-se de Arlindo e passou a viver com o sanfoneiro conhecido como Gonzaguinha (que inclusive gravava com ela e tocava nos shows), com quem permaneceu cerca de cinco anos e teve o filho Ronaldo, em 1971. Logo após o nascimento de Ronaldo, no entanto, a união com Gonzaguinha foi desfeita, tanto que o garoto foi criado e registrado pelo marido seguinte de sua mãe, Zezinho (José Bernardo Filho), também acordeonista e que permaneceu com Marinalva até por volta de 1983. Zezinho também atuava artisticamente com ela nas apresentações e em vários discos – o último foi Cheguei. Com ele, a forrozeira teve duas filhas, Jussara (1978) e Janaína Maria (adotiva). Já separado de Marinalva, Zezinho, também conhecido como Zezinho do Acordeon ou Zezinho da Paraíba, destacou-se nos anos 90 na banda Mastruz com Leite, tocando por vários anos no famoso grupo. Desde aquela década radicou-se em Fortaleza/CE, onde também gravou alguns CDs em carreira solo.

Após a separação com Zezinho, Marinalva teve como marido o cantor e compositor Aracílio Araújo, com quem foi casada até o final de sua vida. Aracílio, que possui 8 CDs gravados, teve várias composições interpretadas também por diversos outros artistas, como Alceu Valença, Elba Ramalho, Fagner, Marinês, Adelmário Coelho e Flávio José. É dele a canção “Deixe o rio desaguar” (também gravada por Félix Porfírio e Flávio José, entre outros), que se tornou uma espécie de hino da transposição do rio São Francisco. Foi fundamental na carreira da esposa, atuando nos discos (desde Um bom forró até Coração teimoso) e compondo diversas canções que fizeram parte do repertório dela. O casal teve os filhos Marcílio (1985) e Marcelino (por adoção). Marcílio (zabumba e vocal) e seu irmão Ronaldo (sanfona), aliás, seguiram os passos dos pais e são músicos em Olinda, onde atuam há mais de 10 anos na banda Forró sem Fronteiras. Em relação às cidades onde residiu, Marinalva, além de Campina Grande/PB, morou em João Pessoa/PB e também, por curtos períodos, no Rio de Janeiro/RJ, Salvador/BA e Aracaju/SE. Nos anos 80 mudou-se definitivamente para Olinda/PE, sua última cidade.

DISCOGRAFIA: Para a pesquisa sobre a discografia de Marinalva, foram consultados diversos sites de música (principalmente o Forró em Vinil) e de comércio de discos, bem como jornais e acervos de colecionadores, sendo encontrados 11 LPs solo e 11 participações em coletâneas (6 delas com músicas inéditas e outras 5 com fonogramas extraídos de discos anteriores). O total de gravações, incluindo duetos em discos de outros artistas, foi de 140. Dessas, assinou como compositora, com parcerias, em 25. Teve também uma composição gravada por Arlindo dos 8 Baixos (mas não gravada por ela), totalizando 26 composições, várias delas com o marido Aracílio Araújo, que explicou que, na verdade, o processo de criação não passava pela esposa: ele fazia a canção sozinho e registrava o nome dela como co-autora. Todos esses números, entretanto, podem ser maiores, tendo em vista a escassez de fontes disponíveis para consulta.

Dos discos individuais relacionados abaixo, somente o Pra lá de bom, atualmente, não está disponível para audição nas plataformas digitais de streaming. Todos os demais, bem como algumas coletâneas, podem ser encontrados:

Discos solo

Eu também sou de lá (1970, Maraca)

Poeira do caminho (1974, CBS/Tropicana)

Viva o Nordeste (1977, Chantecler/Alvorada)

Tardes nordestinas (1978, Chantecler/Alvorada)

De rolha na boca (1980, Rozenblit)

Cheguei (1983, Rozenblit)

Um bom forró (Palco) (Não foram encontrados registros, provavelmente foi lançado em 1985)

Enxugue o rato (1986, Polygram/Memória)

Marinalva e sua gente (1987, Polydisc)

Pra lá de bom (1990, Polydisc)

Coração teimoso (1992, Somarj)

Coletâneas

O fino da roça vol. 3 (1971, Fontana)

Quermesse (1971, Fontana)

O fino da roça vol. 4 (1972, Fontana)

Quermesse vol. 2 (1972, Fontana)*

Fogo na geringonça vol. 2 (1972, Fontana)

Forró (1976, Phonogram/Polyfar)*

Canjica, pamonha, rojão (1977, Chantecler/Alvorada)

O fino do fino da roça (1979, Polygram/Sinter)*

O fino do fino da roça vol. 2 (1980, Polygram/Sinter)*

Puxando fogo (1985, Polygram/Sinter)*

Forró fest 10 anos (1998)

* Discos sem canções inéditas de Marinalva.

A FALTA DE RECONHECIMENTO: Ótimos discos, mais de 20 anos de carreira, participação em várias coletâneas e uma boa popularidade no Nordeste no período em que atuou. Isso tudo, porém, não foi suficiente para que o nome de Marinalva se tornasse conhecido nacionalmente. Mesmo quem não conhece muito bem a música nordestina certamente sabe quem é Marinês, mas, provavelmente, nunca ouviu falar em Marinalva. Alguns motivos podem explicar o fato. Primeiramente, ela surgiu artisticamente em um período em que o forró, ofuscado por gêneros diversos, era pouco valorizado fora da região nordestina. Segundo, porque lhe faltou uma melhor estrutura de apoio na carreira, um empresário ou gravadoras que investissem mais no seu talento.

“Marinalva cantava muito bem. Tinha uma voz linda, afinada, mas não tinha uma boa estrutura em volta dela. Não tinha o tirocínio artístico da irmã, por exemplo. Era um pouco desorganizada. Somente nos anos 80 é que as coisas se ajeitaram mais”, opina Aracílio Araújo, viúvo da cantora, a respeito do assunto. Além desses fatores, faltou também a Marinalva uma música que estourasse nas rádios de todo o país, como aconteceu com “Severina Xique-Xique” (João Gonçalves/Genival Lacerda) e “Prenda o Tadeu” (Antônio Sima/Clemilda), sucessos com Genival Lacerda e Clemilda, respectivamente. Essa lacuna pode ser explicada pela falta de um empenho maior por parte das gravadoras junto à mídia ou mesmo por não ter tido uma maior sorte. 

O jornalista e escritor Luís Antônio Giron, em texto publicado em 1991 na Folha de São Paulo sobre o já mencionado CD Brazil Classics 3 – Forró etc. (Matéria “David Byrne acha que o forró é uma mistura de ska com polca”, Folha de São Paulo, 19/06/1991), ao mesmo tempo em que elogia a cantora por sua interpretação de “Tarde nordestina”, sugere que a falta de sucesso da paraibana no sul se devia a sua “estigmatização pela baixa qualidade de seu repertório”, comparando-a a Clemilda. Certamente se referia às composições de duplo sentido, demonstrando desconhecer o trabalho em geral de Marinalva, já que menos de 10% das canções gravadas por ela tinham letras maliciosas. A respeito de ter sido irmã de uma cantora já famosa, claro que o fato já lhe servia como um bom cartão de visitas, mas, no geral, o parentesco não foi fundamental em sua carreira. 

“Marinalva não gostava de explorar o fato de ser irmã de Marinês, não ficava usando isso para se promover, tinha uma carreira independente. Pode escutar todos os discos de Marinês. Você não vai encontrar sequer uma participação de Marinalva”, explica Aracílio Araújo.

Todos esses aspectos abordados, no entanto, não justificam o esquecimento sobre a cantora no Nordeste, principalmente em Pernambuco, onde ela desenvolveu boa parte da carreira, e em sua terra natal. A Paraíba, berço de grandes nomes do forró como Jackson do Pandeiro e Sivuca, normalmente reconhece a importância de seus valores artísticos, mas praticamente não se fala, não se escreve e não se toca Marinalva. Até mesmo em Campina Grande seu nome é pouco citado. O Forró Fest e o Troféu Gonzagão, eventos sobre a música nordestina realizados anualmente no estado e que já homenagearam inúmeros paraibanos, nunca lembraram de Marinalva. 

Logicamente, pelo que representou, é normal que Marinês, um dos grandes pilares da história do forró, seja bem mais mencionada, mas Marinalva também merece ter seu destaque. Nunca é tarde para a arte, para que as novas gerações (re)descubram valores do passado. E, quem sabe, essa redenção não se inicie pela Paraíba – e sua gente?

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PREFEITO DE BELO JARDIM VISITA PETROLINA E EMPRESÁRIO JADIEL SANTOS SOLICITA AO PRÉ-CANDIDATO MIGUEL COELHO UM OLHAR PARA A CULTURA GONZAGUEANA

 

O prefeito Gilvandro Estrela (de Belo Jardim) esteve em Petrolina neste final de semana. O gestor ao lado do prefeito Miguel Coelho conheceu vários projetos e programas desenvolvidos na Capital do Sertão do São Francisco.

“Miguel Coelho é um exemplo de gestor para o Brasil. Vim para ver de perto e copiar as coisas boas que tem sido feito em Petrolina”, complementou Gilvandro Estrela. 

Na oportunidade o empresário Jadiel Santos, filho de Belo Jardim, porém residente em Petrolina, solicitou ao prefeito um olhar especial e com afinidade de desenvolver a cultura, exemplo, o patrimônio histórico de Exu, Pernambuco, terra de Luiz Gonzaga.

 


"Temos uma afinidade com a cultura gonzagueana, Luiz Gonzaga é filho de todo o Brasil e precisa agora e no futuro de um olhar mais profundo para o município que pode através da vida e obra de Luiz Gonzaga e do Patrimonio de Exu gerar emprega e renda, desenvolver o turismo da região  a partir da chapa da Araripe", explicou Jadiel.

Os radialistas Laetson Silva e Josa Leite, da Rádio Bitury Fm, e o empresário Giva acompanharam o encontro. O prefeito de Belo Jardim vai propor ainda este ano ao pré candidato também uma visita a Exu. "Compreendo que Luiz Gonzaga é Patrimônio do Estado de Pernambuco e do Brasil e merece mais respeito por parte dos governantes e a partir de Exu, toda uma cadeia econômica pode ser ampliada em todo o Estado', disse Gilvandro Estrela.

Miguel tem recebido nos últimos seis meses representantes de diversas regiões pernambucanas. O prefeito petrolinense agradeceu os colega do Agreste e se comprometeu a visitar Belo Jardim. 

“É sempre uma oportunidade para trocarmos ideias sobre nossas cidades e sobre como ajudar Pernambuco a retomar seu protagonismo. Belo Jardim é um municipio importante do Agreste que pretendo visitar e conhecer melhor. Agradeço a visita de Gilvandro e dos filhos de Belo Jardim, que sempre serão bem-vindos a Petrolina”, falou Miguel após as reuniões.

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O PROCESSO DE TORNAR O FORRÓ PATRIMÔNIO CULTURAL CONTINUA EM ANDAMENTO

“Agora as leis estão reconhecendo a riqueza do forró, mas ele sempre foi nosso patrimônio cultural. E quem decide isso é o povo, nenhuma lei ou decreto.” A fala de Leda Alves, estudiosa da cultura popular, rememora a resistência da comunidade forrozeira na preservação de um dos mais autênticos gêneros musicais brasileiros e nordestinos. 

Em maio de 2019, diversos agentes culturais, gestores públicos, artistas e pesquisadores do país compartilharam suas experiências e sua relação com o forró durante o seminário Forró e Patrimônio Cultural, evento que aconteceu no Recife para anunciar e celebrar que o gênero irá se tornar Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.

Após anos de iniciativas, projetos e lutas perante o poder público para a efetiva salvaguarda do forró, o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan) deu início, em 2019, à elaboração do Dossiê de Registro das Matrizes Tradicionais do Forró, procedimento técnico necessário para a inscrição do gênero no Livro das Formas de Expressão do Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. O Dossiê resultará de uma extensa pesquisa textual, audiovisual e fotográfica para catalogar e apresentar, junto ao Iphan, os aspectos históricos, sociais, culturais e musicais que envolvem as matrizes tradicionais do forró.

Assim, para dar início a essa pesquisa, o Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan (DPIIphan), em parceria com a Associação Respeita Januário (ARJ) e outras entidades do país ligadas ao forró, promoveu o seminário Forró e Patrimônio Cultural, discutindo diretamente com a comunidade forrozeira os desafios e as perspectivas da construção desse Dossiê.

Foram três dias de debates, escutas compartilhadas dos instrumentos tradicionais do forró (sanfona, sanfona de oito baixos, rabeca, zabumba) e trocas sobre as diversas formas de “fazer forró”, as quais ultrapassam a música e a dança e envolvem também a produção de festas, de acervos discográficos, de vestimentas, enfim, complexas práticas culturais atuantes em várias cidades brasileiras.

Embora o processo de salvaguarda só tenha efetivamente se iniciado em 2019– no ano em que se comemora o centenário de um dos seus expoentes, o músico Jackson do Pandeiro –, o desejo e a mobilização de tornar o forró um dos patrimônios culturais imateriais do país já existiam desde 2011, quando a comunidade forrozeira do estado da Paraíba pleiteou o primeiro pedido de reconhecimento ao Iphan.Desde então, inúmeras articulações no âmbito estadual e nacional foram feitas não só para fortalecer e valorizar o gênero, mas também para possibilitar a implantação de mais políticas públicas e espaços de difusão, assim como criar melhores condições de trabalho para a sua cadeia produtiva de músicos, dançarinos, produtores e mestres.

Para que uma expressão cultural seja registrada pelo Iphan é preciso que ela tenha continuidade histórica, relevância para a memória nacional e integre as referências culturais de grupos formadores da sociedade brasileira. O forró, considerado um dos mais legítimos estilos musicais do país, tornou-se símbolo expressivo do imaginário nordestino, atuando como difusor da identidade cultural sertaneja – tanto através da música, quanto das festividades – desde que Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira revelaram, nos anos 1940, o baião.

Em A sociologia do um gênero: o baião (Iphan-Al, 2016), o sociólogo e pesquisador Elder Maia Alves explica que, durante o processo de modernização cultural vivido no Brasil entre os anos 1930 e 1950, nenhum outro gênero musical narrou, cantou e celebrou mais o Sertão. “Foi, em grande medida, em decorrência da profusão e nacionalização do baião e da sua narrativa poético-musical que o Nordeste se definiu como região no imaginário coletivo brasileiro (…), por meio do seu interior, o sertão (o nordestino), que passou, paulatinamente, a ser percebido, narrado e consumido como o Sertão por excelência, apanágio do mundo rural brasileiro, uma espécie de síntese espacial da fome, da migração, da violência, da tenacidade e, após o advento do baião urbano-comercial, também um repertório da criatividade lúdico-musical e das criações artísticopopulares”, escreve o pesquisador.

A partir da expansão dessa criatividade musical e popular do sertão, promovida pioneiramente por Gonzaga, o forró foi incorporado por diversos outros artistas, como Genival Lacerda, Trio Nordestino, Dominguinhos, Sivuca, Jackson do Pandeiro, Marinês, que também transformaram o forró em um estilo musical nacional.

Essa difusão também se desdobrou em várias mudanças rítmicas e fonográficas, como, por exemplo, no surgimento de bandas estilizadas nos anos 1980, formadas para além da instrumentação básica do forró – que é composta pela tríade “sanfona-triângulo-zabumba” e compõe musicalmente o chamado forró pé de serra –, ou até mesmo a ausência de trios locais ou nomes do forró tradicional em grandes palcos dos arraiais, onde hoje se apresentam, em sua maioria, cantores sertanejos e grupos de forró eletrônico.

Apesar das crescentes reinvenções musicais das últimas décadas, as matrizes tradicionais do forró ainda resistem como um gênero de canção popular de massa. Além de retratar inúmeros traços da identidade sertaneja, é representado também por diversos atores envolvidos em suas celebrações e festejos durante todo o ano, em especial nos ciclos juninos que homenageiam os santos católicos e movimentam não só as capitais e municípios do interior do Nordeste, como também outras regiões do Brasil. E é essa cultura cheia de simbologias, música, dança e memória que o inventário de salvaguarda pretende registrar e resguardar para as gerações próximas.

EU PENEI, MAS AQUI CHEGUEI: A primeira solicitação de Registro das Matrizes Tradicionais do Forró como Patrimônio Cultural junto ao Iphan foi protocolada oficialmente em 2011 pela Associação Cultural Balaio Nordeste, entidade paraibana sem fins lucrativos que promove, estimula e difunde a produção artística nordestina. Com o pedido, foram anexados uma coletânea de livros, LPs e DVDs de forró e um documento com mais de 400 assinaturas de representantes das comunidades forrozeiras de todo o país com a solicitação de ações de sustentabilidade e salvaguarda do ritmo.

A pesquisadora paraibana Joana Alves, presidente da Associação Cultural Balaio Nordeste e coordenadora do Fórum Forró de Raiz – evento que também promove debates e projetos sobre o forró –, esteve à frente dessa e de inúmeras articulações com o poder público para reivindicar as demandas dos produtores e artistas do forró. Em entrevista à Continente, Joana conta como foi essa trajetória, que envolveu a promoção de debates e ações voltadas para a melhoria das condições de trabalho dos forrozeiros e pleiteou o reconhecimento das matrizes tradicionais do forró como patrimônio.

“Desde aquela época, nós discutíamos formas de levar ao poder público as necessidades da cadeia produtiva do forró e a possibilidade de sua patrimonialização. Assim, em 2011, entregamos o pedido de Registro ao Iphan, mas não tivemos sucesso”, relembra ela. 

“Em 2015, nós elaboramos uma Carta de Diretrizes para Instrução Técnica do Registro das Matrizes do Forró como Patrimônio Cultural do Brasil, que foi enviada e, portanto, aceita pelo Instituto. Desde então, continuamos nossas articulações e debates em vários encontros, fóruns e audiências públicas, como a realização dos Fóruns Nacionais do Forró, os quais possibilitaram um maior diálogo entre forrozeiros de todo o país e as instâncias governamentais – como o Iphan e suas superintendências estaduais.”

Produzida conjuntamente pelos participantes do Encontro Nacional para Salvaguarda das Matrizes do Forró, que aconteceu em 2015 na cidade de João Pessoa, Paraíba, a Carta de Diretrizes para Instrução Técnica do Registro das Matrizes do Forró tornou-se documento basilar e norteador para o Departamento de Patrimônio Imaterial do Iphan (DPI-Iphan) orientar todo processo de pesquisa que envolverá agora a produção do Dossiê de patrimonialização.

A fim de abarcar os variados elementos que contemplam o universo do forró, a Carta define os três eixos principais de direcionamento da pesquisa e produção do Registro: o primeiro eixo indica a necessidade de definição de aspectos conceituais que envolvem a complexidade das matrizes tradicionais do forró, suas danças, instrumentos, estruturas melódicas e rítmicas; o segundo abarca a territorialidade da pesquisa, ou seja, a localização e descrição dos festejos e de seus atores sociais; e o último eixo trata das perspectivas e ações de salvaguarda e sustentabilidade do forró.

Com esse direcionamento em mãos, o Iphan promoveu, no final de 2018, o edital de Chamamento Público para instrução do processo de Registro das Matrizes Tradicionais do Forró como Patrimônio Cultural do Brasil, com o objetivo de selecionar a melhor proposta para a elaboração do Dossiê em dois anos (2019-2020). Assim, a instituição selecionada foi a Associação Respeita Januário (ARJ), entidade que já possui uma vasta experiência na salvaguarda de expressões culturais pernambucanas, como caboclinho, cavalo-marinho, ciranda e reisado.

Criada nos anos 2000, a ARJ realiza pesquisas e consultorias para a divulgação e a valorização da produção musical tradicional do Nordeste, sendo composta por acadêmicos e pesquisadores das áreas de música, antropologia e ciências sociais, estudiosos também vinculados à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), entre eles o etnomusicólogo Carlos Sandroni, que coordenará a pesquisa e a produção do Dossiê de Registro das Matrizes Tradicionais do Forró.

Professor e pesquisador do Departamento de Música da UFPE, Sandroni também possui uma importante experiência na área de salvaguarda de bens imateriais, pois coordenou a pesquisa para o reconhecimento do Samba de Roda do Recôncavo Baiano como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco, em 2005. S

androni explica à Continente que o mesmo processo multidisciplinar contemplará a pesquisa do registro do forró, de modo a investigar e catalogar as diferenças entre seus os ritmos, danças e festas e festivais que acontecem no país.

“Nossa intenção é não somente descrever, com olhares interdisciplinares de diversos profissionais – da antropologia, etnomusicologia, história, música, dança, letras etc. –, como atuam os grupos detentores do forró, mas também estar em constante diálogo com eles, que tornam esse patrimônio vivo e ativo. Por isso, a pesquisa também será fruto da troca com os próprios forrozeiros, mestres, dançarinos, atores e agentes culturais, a fim de compreender o saber fazer de cada um, seus processos de produção, circulação, consumo e suas demandas”, reforça.

XOTE, MARACATU E BAIÃO: TUDO ISSO EU TROUXE NO MEU MATULÃO: Dessa forma, a primeira etapa de produção do Dossiê se dará pela preparação das equipes da ARJ que irão a campo, com discussões bibliográficas e acionamento da rede de forrozeiros existente em cada localidade. Após essa fase, haverá efetivação da própria pesquisa, com visitas e entrevistas com músicos, mestres forrozeiros, dançarinos, artesãos, produtores culturais, o que também inclui a investigação de dois ciclos anuais de festejos juninos.

Nessa perspectiva, as matrizes que serão documentadas envolvem os gêneros musicais tradicionais do forró – baião, xote, xaxado, arrastapé, rojão, coco – e suas estruturas rítmicas, melódicas e harmônicas, assim como suas danças, festas, modos de fazer, instrumentos musicais e os atores sociais do forró. Paralelo a isso, o Dossiê mapeará museus, universidades, bibliotecas, acervos públicos e particulares e coletará em arquivos, cursos, sites, blogs, comunidades virtuais, artigos, monografias, dissertações, teses, livros materiais que estejam envolvidos com o universo do forró.

A última etapa da elaboração do Dossiê de Registro das Matrizes Tradicionais do Forró se dará, enfim, com a organização de todo material produzido ao longo da pesquisa (vídeos, áudios, textos) para ser encaminhado para análise do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural do Iphan, que deliberará se o bem receberá o reconhecimento como Patrimônio Cultural do Brasil.

Segundo Sandroni, “além da elaboração deste registro, que integrará o Livro das Formas de Expressão do Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, outros materiais complementares também enriquecerão a pesquisa, entre eles um registro fotográfico, um portfólio fonográfico, uma lista de contatos de referência do forró e dois videodocumentários de caráter etnográfico”. 

O coordenador da pesquisa também ressalta que o processo de patrimonialização não se encerra com a produção desse registro: este documento deve se desdobrar também em posteriores ações de salvaguarda. “Nele haverá, além da descrição dos elementos que caracterizam as matrizes tradicionais do forró, suas transformações históricas e referências bibliográficas para pesquisas posteriores, uma avaliação das condições de risco, sustentabilidade e salvaguarda dessas matrizes”, pontua ele.

O FORRÓ JÁ COMEÇOU, VAMOS GENTE, RAPAPÉ NESSE SALÃO: Entidade responsável pela proteção e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional brasileiro desde 1937, o Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional só passou atuar no âmbito da salvaguarda de bens culturais imateriais no ano 2000, com o Decreto nº 3.551. Essa lei foi o instrumento que instituiu o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial com o objetivo de proteger, preservar e valorizar a memória dos bens simbólicos do país.

Diferentemente das ações que envolvem a patrimonialização dos bens culturais móveis e imóveis do país, como o tombamento, que é o mais antigo instrumento jurídico de proteção e conservação do Iphan, esse Decreto propõe a metodologia de patrimonialização e salvaguarda a partir da produção do Dossiê de Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial e de sua inscrição em um dos Livros de Registro, que são divididos entre categorias baseadas no tipo de expressão cultural imaterial: o Livro dos Saberes, das Celebrações, das Formas de Expressão e dos Lugares. Será no Livro das Formas de Expressão – que abarca as manifestações literárias, plásticas, cênicas, lúdicas e musicais praticadas no Brasil –, que as matrizes tradicionais do forró serão inventariadas.

De acordo com o Registro do Patrimônio Imaterial: dossiê final das atividades da Comissão e do Grupo de Trabalho Patrimônio Imaterial, relatório produzido pelo Ministério da Cultura e pelo Iphan em 2006, a salvaguarda de bens imateriais visa, além de fortalecer e dar visibilidade à complexidade e heterogeneidade dos detentores destas práticas culturais, “promover a apropriação simbólica e o uso sustentável dos recursos patrimoniais para a sua preservação e para o desenvolvimento econômico, social e cultural do país. Significa também compartilhar as responsabilidades e deveres dessa preservação e promover o acesso de todos aos direitos e benefícios que ela gera”.

Kátia Bogéa, então residente do Iphan, ressalta, em entrevista à Continente, que a entidade contabiliza hoje mais de 40 bens imateriais registrados como Patrimônio Cultural Imaterial – entre eles o Ofício das Baianas de Acarajé, o Jongo no Sudeste, a Feira de Caruaru, o Carimbó, o Maracatu Baque Solto etc. Para ela, a iniciativa de incluir o forró como um bem imaterial do país tem como objetivo aprofundar a compreensão de toda complexidade musical, histórica e cultural do gênero e gerar assim diversas ações para sua a manutenção e resistência.

“O patrimônio não é só um título: é uma política de valorização dos nossos saberes e expressões culturais, bens que são tão importantes para a formação da nossa identidade multicultural. E a patrimonialização do forró envolve uma responsabilidade conjunta, uma gestão compartilhada de salvaguarda que promova o cuidado dessa herança e dessa riqueza, que representa tanto o Nordeste e o Brasil”, afirma Kátia. “Portanto, após a efetivação do Registro das Matrizes Tradicionais do Forró no Livro de Formas de Expressão, o Iphan se tornará mediador entre a comunidade forrozeira e os órgãos e instituições de apoio, interlocutores que promoverão ações de curto, médio e longo prazo para difusão e fomento do forró.”

Nessa perspectiva, inúmeras ações de salvaguarda são esperadas como resultado da pesquisa e produção do Dossiê de Registro das Matrizes Tradicionais do Forró. Entre as práticas de sustentabilidade do gênero, faz-se necessário, primeiramente, priorizar o mapeamento e a valorização das comunidades forrozeiras que atuam no interior do Nordeste e do Brasil, onde dificilmente são contempladas por políticas públicas culturais, assim como a identificação de interlocutores da sociedade civil e dos poderes públicos que poderão mediar as políticas de patrimônio cultural promovidas pelos órgãos competentes.

Portanto, essas políticas devem promover a elaboração de projetos alinhados às urgências e demandas dessas comunidades forrozeiras, criando também centros de referências culturais voltados para a identificação, reconhecimento e salvaguarda das matrizes do forró – através de um processo contínuo e amplo.

A expectativa é de que a patrimonialização também possibilite a inserção do forró em mais festivais e festas locais que vão além do período junino, gerando mais demandas de trabalho para artistas e produtores, já que a maioria deles tem o forró como o único ofício e meio de sobrevivência. É o que acontece com o zabumbeiro pernambucano Reginaldo Pereira de Melo, mais conhecido como Quartinha, que vive de forró há 60 anos.

Ele começou a tocar zabumba na infância, aos oito anos, e, durante sua longa carreira, já acompanhou artistas importantes, como Luiz Gonzaga, Dominguinhos e a banda Quinteto Violado. Quartinha não teve estudo, mas sustentou a família e os filhos através do forró, como conta à Continente. “O forró foi o que me deu e o que me dá o pão de cada dia. E é assim com vários artistas: muitos dos colegas meus de profissão amam tocar forró e fazem disso seu único sustento. Por isso o forró nunca pode se acabar”, afirma ele.

Da mesma forma se construiu a relação entre o sanfoneiro Chambinho e o forró. Nascido em São Paulo, devido à seca do Nordeste, o sanfoneiro voltou ao Piauí para resgatar suas raízes musicais, tocando a sanfona herdada da família. Para ele, o forró já é um patrimônio do Brasil. “Eu posso dizer isso porque vivo de forró o ano todo, ele é a trilha sonora da população de janeiro a janeiro. Durante o ano todo, eu toco por esse Brasil sem sair da pisada.”

Já Maciel Salú, um dos expoentes da rabeca em Pernambuco, relembra que, no início da sua carreira, tocava triângulo e zabumba com o tio na banda Os quentes do forró. Na adolescência, aprendeu com o pai e com o avô a tocar músicas de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Trio Nordestino na rabeca – o primeiro instrumento melódico a ser usado no forró, anterior à utilização da sanfona. Em entrevista à Continente, Salú expressa seu desejo de que a salvaguarda do forró possa trazer os artistas locais aos shows promovidos pelo poder público, já que hoje eles estão sendo esquecidos nesse cenário.

“Infelizmente, os grandes mestres do forró estão perdendo espaço nas celebrações tradicionais das cidades, nas festas de Reis, das Padroeiras e no São João. Com isso, outros instrumentos típicos também vão sendo esquecidos, como a sanfona de oito baixos, os pífanos. Então, a gente espera que a patrimonialização do forró possa dar mais oportunidades a essas expressões culturais que estão sendo deixadas de lado”, reforça ele.

Conhecida como a rainha do forró, Anastácia reclama da demora de transformar o forró em Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. A cantora é também compositora de diversos forrós famosos, entre eles Eu só quero um xodó, sendo parceira de Dominguinhos em mais de 200 canções. Recifense radicada em São Paulo, Anastácia sente orgulho da marca nordestina que o forró deixa no Sudeste.

“Aqui em São Paulo, onde vivo desde 1960, a gente vê o forró na boca do povo: hoje em dia, em todo bairro tem uma festa de forró, em todo canto você encontra um salão de dança, um bar, uma casa de show que só toca forró. São quatro milhões de nordestinos que moram na cidade e estão sempre revigorando o ritmo, que antes sofria muito preconceito por ser coisa do Nordeste, mas que hoje só cresce entre o público de jovens, que também tomou gosto pelo forró”, comemora ela.

Assim, entre celebrações e expectativas de toda a comunidade forrozeira, a salvaguarda do forró deve preservar os aspectos culturais e históricos que já o constituem como um patrimônio do país. O gênero integra um imaginário coletivo e a memória social de um Brasil que vai muito além do Nordeste, carregando em suas músicas, ritmos, instrumentos e festejos não só traços da identidade e diversidade brasileira, mas, sobretudo, a sua sensibilidade artística. Logo em breve, portanto, as Matrizes Tradicionais do Forró se tornarão Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, garantindo assim que a história que compõe essa complexa expressão cultural seja uma narrativa conhecida por todos.

*Texto: PAULA MASCARENHAS, graduada em Letras pela UFBA, estudante de Jornalismo na UFPE.

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A CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO É A PRÁTICA DA AGROECOLOGIA NO BIOMA CAATINGA

No dia 3 de outubro é comemorado o Dia Nacional da Agroecologia, uma data que chama a atenção para a importância da Agroecologia na saúde da sociedade e do meio ambiente. A agroecologia se caracteriza pela produção de alimentos em harmonia com o ambiente natural, conservando a biodiversidade, diferentemente do modo mais comum de agricultura utilizada pelo agronegócio, que destrói o meio ambiente.

Na região Semiárida, a Agroecologia está presente através das práticas de Convivência com o Semiárido, que também traz como premissas a conservação do meio ambiente, Recaatingamento, produção apropriada, segurança alimentar e nutricional para as famílias, sistemas justos e sustentáveis de produção, distribuição e consumo de alimentos, dentre outras. Assim, para abordar mais sobre as inter-relações entre Convivência com o Semiárido e Agroecologia, conversamos com colaboradores e colaboradoras do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (Irpaa) que vão elucidar alguns pontos importantes sobre essa discussão, explicando que a Convivência com o Semiárido é a prática da Agroecologia no bioma caatinga.

Irpaa: A agroecologia é um conjunto amplo de diretrizes, práticas e saberes, que prezam pela produção em consonância com a preservação da vida. Aqui na nossa região, dizemos que a Agroecologia é a Convivência com o Semiárido. Quais princípios demonstram esta similaridade entre os dois conceitos?

Judenilton Souza: Na região semiárida, a Agroecologia está contemplada dentro da discussão da Convivência com o Semiárido. Não dá pra discutir as duas coisas como se fossem diferentes, uma vez que, a Convivência com Semiárido articula diversas dimensões que já estão contidas na discussão da Agroecologia. Por exemplo, se a gente pega a discussão do social que preza pela qualidade de vida, pela redução da pobreza, da miséria, as questões culturais, pensando na produção de novas formas de relações entre homens e mulheres, entre o meio ambiente, entre o natural e o social, a geração e distribuição de renda, através de uma produção apropriada e solidária, buscando a conservação e preservação dos bens naturais, principalmente, pensando o bioma Caatinga. Já, se a gente pensa a Agroecologia no bioma cerrado, ela usa os mesmos princípios, porém precisa ser contextualizada dentro daquele bioma com as particularidades das populações que vivem naquele espaço, assim como em outros biomas. Então, para cada região existem os princípios da Agroecologia que precisam ser adequados à realidade daquela região.

Então, a Convivência com o Semiárido já faz essa reflexão, buscando contextualizar as práticas agroecológicas dentro do contexto do Semiárido. Nesse sentido, a gente pode afirmar que a Agroecologia é a Convivência com o Semiárido.

Irpaa- No Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) realizado em 2014, em Juazeiro foi acordado que o termo Agroecologia no Semiárido seria chamado de Convivência com o Semiárido. O que motivou essa discussão e decisão?

Moacir Santos: O Encontro Nacional de Agroecologia de 2014 foi muito emblemático para a discussão sobre Agroecologia no Brasil, porque aqui no Semiárido estávamos passando por uma das maiores secas já vividas e, no entanto, você não tinha calamidade de fome, de morte, de imigração. As pessoas estavam no Semiárido e estavam bem, justamente, porque tinham desenvolvido técnicas de Convivência com o Semiárido que culminaram também em políticas e programas públicos de Convivência com o Semiárido. Então, tudo que o conceito de Agroecologia defende é a criação de conhecimentos a partir da experiência do povo e do conhecimento da academia e da pesquisa, que se torna política pública. E foi isso que aconteceu no Semiárido com a proposta de Convivência. Se discutia também que a Agroecologia precisa ser contextualizada ao clima e ao bioma onde ela é desenvolvida, daí se chegava à conclusão que o Semiárido brasileiro era uma das regiões onde já experimentavam o que de fato significa Agroecologia, contribuindo para o desenvolvimento legal e bom das pessoas daquela região. A partir daí, se convencionou que o Semiárido já faz Agroecologia quando faz a proposta de Convivência com o Semiárido. Convivência com o Semiárido é a prática da Agroecologia no bioma caatinga.

Irpaa- A agroecologia objetiva uma interação entre a conservação do bioma com o cultivo das culturas adotadas, na agricultura e na pecuária, por exemplo. Sendo assim, os princípios agroecológicos podem ser considerados estratégias de Convivência com o Semiárido?

André Luiz: Todos os principais fundamentos da Convivência com o Semiárido são Agroecológicos ou estão fundamentados na Agroecologia. Por exemplo, quando dizemos que as plantas cultivadas no Semiárido devem ser adaptadas ao clima queremos dizer que as mesmas devem ter uma pegada hídrica, ou seja, o que elas gastam de água, desde o preparo do solo, plantio, até chegar à mesa do consumidor final, devem ter uma pegada hídrica muito menor do que as plantas, os alimentos que são produzidos que não são adaptados ao nosso clima.

Outra questão a ser analisada é quando defendemos que no Semiárido, a criação muitas vezes é mais eficiente do que as lavouras, nós temos que analisar que para produzir alimentos para a criação nós também temos que levar em conta a adaptação dessas plantas que vão virar comida para os bichos. Então, se a cabra é mais adaptada, nós temos que produzir também alimentos para elas, já que a Caatinga só é produtiva para alimentar os pequenos ruminantes durante uma parte do ano, a outra parte do ano, nós temos que fazer estoque de alimento. Essas plantas também devem ser adaptadas, para que não tenhamos gastos com água e prejuízos ao meio ambiente.

Também quando a gente relaciona a Agroecologia e a Convivência com o Semiárido, temos que levar em conta que o bioma que os agricultores familiares usam como um pasto para os animais também precisa ser cuidado. Hoje, estamos tentando aumentar o número da realização dessa atividade que é fazer o cálculo da capacidade de suporte da área de Caatinga, ou seja, quantos animais esse pasto, essa Caatinga consegue alimentar durante um ano, sem degradar a mesma.

Irpaa- A agroecologia fortalece as técnicas do cooperativismo, associativismo e vai de encontro à prática do agronegócio, que insiste na produção de monoculturas e no uso de agrotóxicos, degradando o meio ambiente. Dessa forma, quais práticas da agroecologia, a Convivência com o Semiárido aplica em prol de proporcionar benefícios tanto sociais, quanto ambientais?

Adriana Nascimento: Dentro da Convivência com o Semiárido existem diversas práticas agroecológicas que fortalecem essa convivência. A gente traz as práticas agrícolas que se preocupam com o manejo e conservação do solo, o uso racional dos recursos hídricos, entre diversas outras ações que somam para o equilíbrio ambiental e que vem sendo realizado por agricultores e agricultoras familiares. Nesse processo, a gente traz muita questão da troca de sementes entre agricultores e agricultoras. Essa cooperação com a natureza de criação coletiva, o uso da terra coletiva. Então, pensar Agroecologia no Semiárido é pensar em produzir usando o mínimo de água possível e também utilizando o solo de maneira a preservar e potencializar a capacidade que a natureza tem. Com isso, é preciso que agricultores e agricultoras conheçam o clima, a fauna e a flora de sua comunidade, para conseguir trabalhar um cultivo e uma criação animal que adaptadas a esta região.

É geração de renda, melhoria da qualidade de vida para agricultores e agricultoras familiares, além de garantir a preservação da Caatinga, a gente também observa um trabalho do beneficiamento das frutas nativas que além de ter um extrativismo sustentável, valoriza o que é local. Tudo isso, soma para que as comunidades se tornem mais organizadas e fortalecidas, aumentando tanto a qualidade de vida das famílias, quanto à qualidade do meio ambiente onde estão inseridas.

Irpaa- O Irpaa executa o projeto Assessoria Técnica e Extensão Rural - Ater Agroecologia que visa estimular iniciativas agroecológicas, a partir de processos educacionais contextualizados, voltados para as famílias do campo, tendo como perspectiva uma assessoria técnica que valoriza os saberes populares locais e regionais, alinhando com outras formas de conhecimentos, fortalecendo a transição agroecológica nos municípios da Bahia. Assim, de que modo esse projeto colabora com a disseminação da Convivência com o Semiárido e o Bem Viver?

Alessandro Santana: As famílias e as comunidades atendidas já vêm praticando empiricamente há muito tempo a Convivência com o Semiárido. Por isso, o projeto Ater Agroecologia pretende fortalecer, dar visibilidade às experiências exitosas, promover troca de experiências através de intercâmbios sobre questões de gênero e juventude, autossustentação das famílias no campo, garantia da segurança alimentar e nutricional, inclusão sócio produtiva e melhoria da qualidade de vida. Potencializar e dar visibilidade às ações anima e fortalece as famílias para consolidar a Convivência com o Semiárido e o Bem Viver.

Irpaa- Ultimamente temos visto a mulher ocupando mais espaços nos diversos ambientes. Qual a ligação entre esse protagonismo feminino e a Convivência com o Semiárido?

Gizeli Maria: Atualmente, as mulheres vêm participando cada vez mais nesses espaços de discussão política, de organização social tanto na zona urbana quanto na zona rural. Isso reflete diretamente no protagonismo feminino, nas ações que diz respeito à Convivência com o Semiárido, já que essas mulheres protagonistas conseguem enxergar a região semiárida em que vivem com outros olhos, e tornar esse lugar, um lugar bom para viver, buscando sempre outras estratégias que possibilitam essa Convivência. Com as práticas de políticas públicas, de organização social que acontecem nas comunidades e ações, principalmente, voltadas para a Agroecologia que é um espaço onde a mulher está diretamente envolvida, fez com que a região semiárida fosse vista de outra forma pela mulher que consegue participar e provar que é possível sim, viver na região semiárida. (Texto e Foto: Eixo Educação e Comunicação)

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EM SEU PRIMEIRO LIVRO, AUTORA CONTA HISTÓRIAS REAIS DE TRABALHADORAS DA LIMPEZA URBANA DE PETROLINA E JUAZEIRO

"Margaridas" é como são chamadas as trabalhadoras da limpeza urbana desde os anos 1970, aqui no Brasil. As vidas, histórias, os sonhos, as alegrias e tristezas de oito mulheres que estão inseridas nessa profissão, nas cidades de Petrolina e Juazeiro, no Sertão do São Francisco, estão no livro-reportagem "Os Caminhos das Margaridas", da autora petrolinense e Jornalista em Multimeios, Gislaine Milca.

A obra é fruto do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)  de Gislaine Milca. A escritora se formou em 2019 pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em Juazeiro. Foi indo para as aulas, de ônibus, barquinha, de carro ou a pé, durante os cerca de cinco anos de graduação, que ela começou a perceber as mulheres que fazem a limpeza das ruas das duas cidades.

"Comecei a produzir o pré-projeto em 2017. Estava convicta do que queria. No primeiro semestre de 2018, comecei a escrever o projeto definitivo e ao mesmo tempo passei a conversar com as trabalhadoras. Conquistei a confiança delas, que aceitaram participar da pesquisa, e passei a acompanhar o dia de cada uma, desde a saída de casa até as horas em que estavam trabalhando varrendo as ruas", recorda Gislaine.

O passado, o presente e os anseios pelo futuro de oito mulheres, antes "invisíveis", se transformam em histórias da vida real no livro "O Caminho das Margaridas". E como toda e qualquer história real, a obra traz partes boas, como os laços de amizade e  o empoderamento feminino; e as ruins, como os sonhos interrompidos, o preconceito, a desvalorização e as dificuldades.  

A obra está disponível em pré-venda através deste link: 

https://bit.ly/caminhodasmargaridas.  (Fonte: Texto: Bia Braga/ASCOM)

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PESCADORES DE REMANSO FARÃO ATO EM DEFESA DO RIO SÃO FRANCISCO NO PRÓXIMO DIA 04

Na próxima segunda-feira (4), dia de São Francisco de Assis e em que celebramos o nosso Velho Chico, a Associação de Pescadores e Pescadoras de Remanso e a Colônia Z-41, com o apoio de outras entidades, irão realizar o ato "O Nosso Pescado é Saudável". 

A iniciativa surgiu após inúmeros prejuízos que os/as pescadores/as e toda essa cadeia produtiva têm tido nas últimas semanas devido à grande desinformação sobre a doença de Haff, conhecida como "doença da urina preta". O ato tem como objetivo esclarecer para a comunidade em geral a qualidade e segurança do pescado da região.

A mobilização terá início às 9h, na sede da Universidade Aberta do Brasil (UAB). Representantes das secretarias municipais de Saúde e de Aquicultura de Remanso, assim como do Serviço de Inspeção Municipal (SIM) e do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP) estarão presentes para uma roda de conversa destinada aos pescadores/as, compradores de peixe, consumidores e população em geral. Dando continuidade ao ato, das 12h às 14h, haverá uma degustação de pescados na Praça Manoel Firmo Ribeiro.

A doença de Haff é uma síndrome que causa ruptura das fibras musculares caracterizada por sintomas como dor muscular, falta de ar, perda de força no corpo e urina da cor de café. As ocorrências registradas estão associadas à ingestão de pescados, como o olho-de-boi e badejo. Este ano, a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia confirmou 13 casos da doença no estado, todos eles registrados na capital e região metropolitana.

A presidente da Associações de Pescadores e Pescadoras, Lucília Freitas, explica que a realização do ato é uma forma que a categoria encontrou para chamar a atenção dos órgãos públicos para a situação quase desesperadora dos/as trabalhadores/as que estão sem poder exercer sua atividade. Freitas comenta que informações falsas sobre a doença de Haff, as chamadas fake news, que estão circulando nas redes sociais têm afetado a pesca e o consumo do pescado no município.

"Os pescadores estão voltando sem vender o pescado, uma vez que isso acontece, a pescaria para porque não tem pra quem vender. Por conta dessa situação, o impacto já está sendo grande, afetando a economia, essa categoria de pescadores. O número de pessoas desempregadas vai ser grande porque o rio São Francisco é o nosso grande empregador", ressalta a presidente da Associação.

Oriundo de uma família de pescadores há três gerações, Ezequias Rodrigues, pescador e secretário geral da Colônia Z-41, reforça a situação que os/as pescadores/as de Remanso têm enfrentado. "Depois das fake news, o comércio do peixe entrou em decadência de forma que o pescador não consegue mais tirar o seu sustento, escoar a produção. O pescado perdeu valor e as famílias estão quase em desespero porque já tem alguns dias desse jeito", afirma Ezequias. (Texto: Comunicação CPT Juazeiro-BA / Foto: Divulgação)

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