BRAULIO TAVARES E O CALDEIRÃO DE MITOS

O escritor, poeta, compositor, pesquisador e dramaturgo paraibano Bráulio Tavares publicou em seu blog, no ano de 2029, Blog Mundo Fantasmo, algumas cenas que provocaram composições de músicas.

Confira:

Tenho visto alguns livros muito interessantes em que compositores explicam como foram criadas algumas de suas canções mais conhecidas, o processo de composição, as circunstâncias, como foi gravada a música...

Tenho alguns volumes da série de Ruy Godinho Então, foi assim? e o livro de Paulo César Pinheiro Histórias das Minhas Canções (LeYa).

Pensei comigo: está aí um bom assunto para escrever de vez em quando, porque mesmo quando as músicas não sejam grande coisa (tem as que são, e as que não são), às vezes a história lança alguma luz sobre processos criativos em si, sobre o meio musical, sobre um momento da História, e tudo isso interessa.

Minha primeira música gravada foi “Caldeirão dos Mitos”, que Elba Ramalho incluiu no seu segundo disco, Capim do Vale (1980). Foi composta, como a maioria das músicas que faço sozinho, em duas fases: primeiro a melodia, depois a letra.

A melodia era muito antiga, era dos anos 1970, quando voltei de Belo Horizonte para Campina Grande e passava o dia inteiro pegado com o violão, redescobrindo o forró e a cantoria de viola. Se bem que essa melodia, especificamente, era anotada em meus caderninhos com o título provisório de “I wanna sing this all together”, verso que misteriosamente se transformou, anos depois, em “Eu vi o céu à meia-noite”.

Esse título não era pra valer, aliás era meio chupado de uma canção dos Rolling Stones, acho que em Their Satanic Majesties Request, mas na época em que fiz essa música eu ouvia muito umas bandas menores, que tocavam no rádio. Uma delas era o Mungo Jerry, com uma canção brincalhona e simpática chamada “In the Summertime”:

https://www.youtube.com/watch?v=fZWsGf0KgQw

Uma pessoa com o mais rudimentar conhecimento musical vai dizer que as duas músicas não têm nada a ver uma com a outra, e este é um dos mistérios da criação artística. Ela se dá por uma cadeia de associações de idéias com saltos tão grandes que na quarta ou quinta parada já não se tem a menor noção de como aquilo começou.

A única coisa clara para mim era que não haveria a tal “segunda parte”, que é uma coisa da MPB e da música fonográfica em geral. Eu queria o modelo da canção folk: estrofe musical única, com sucessivas letras nas mesmas notas. É o modelo “Asa Branca”, é o modelo que o folk-rock norte-americano, Bob Dylan à frente, empregava, bebendo nas canções irlandesas e escocesas trazidas pelos colonizadores.

No São João de 1978 eu morava em Salvador, e não tinha grana para ir passar a festa junina em Campina Grande. Me veio a idéia de fazer uma música falando em São João, mas a primeira frase que me veio à mente foi “o Apocalipse de São João”. (Olha aí como funcionam as associações de idéias!).

Essa imagem me trouxe à mente o céu pegando fogo, a qual de imediato me lembrou uma espécie de trocadilho que eu já tinha usado antes, em mais de um contexto: o fato de que “corisco” quer dizer relâmpago, e “lampião” quer dizer candeeiro, ou seja, duas coisas que produzem clarão dentro da noite. Estava pronta a primeira estrofe:

Eu vi o céu à meia-noite

se avermelhando num clarão

como o incêndio anunciado

no Apocalipse de São João

porém não era nada disso

era um corisco, era um lampião.

O que faz o compositor preguiçoso? Exatamente o que eu fiz: pega a estrutura da primeira estrofe e a repete, com outros elementos, sem introduzir nenhum conceito novo. O conceito da canção (que eu poderia, se quisesse, ter expandido para 200 estrofes) era: “Eu vi uma coisa assim-assim; não era tal-e-tal-coisa da Bíblia; era tal-e-tal-coisa do Sertão”.

Claro que o conceito não é seguido de forma totalmente rígida, me permiti introduzir aqui e ali uns elementos destoantes (Inglaterra, Paris, Japão), mas é isso mesmo. O dono do poema é o poeta. Ele não precisa obedecer a regra nenhuma, nem mesmo a que ele acabou de criar. Georges Perec, um obsessivo criador de regras, pregava o conceito de “clinâmen”, e dizia: “Crie uma regra super rigorosa, e a obedeça da maneira mais fanática; depois, num ponto escolhido com cuidado, desobedeça essa regra. Produza voluntariamente uma exceção, num ponto onde seria facílimo ter continuado a fazer como antes.”

O primeiro título que dei à música depois de pronta, pegando como deixa a estrutura “eu vi isso, eu vi aquilo”, foi “Visão do Mundo”. Tá vendo como é bom continuar procurando uma segunda idéia?

Toquei essa música em público pela primeira vez em 1979, numa coletiva de compositores baianos no Teatro Castro Alves repleto, na qual entrei por obra e graça de Zelito Miranda, com quem eu estava compondo bastante na época. Eu não tinha coragem de subir no palco, mas ele praticamente me arrastou até o microfone e disse: “Vai, Galo, agora canta essa porra.”

Na primeira versão a música não tinha o “riff” entre as estrofes, que depois ficou característico, o “tãrãrã -- tãrãrã”. Este foi criado algum tempo depois, quando eu estava no Recife ensaiando para um show que fiz com outro parceiro, Zé Rocha. Ele gostava da música mas achava que era meio repetitiva (e é), era preciso dar uma encorpada nela com alguma coisa instrumental e diferente, já que a gente ia tocar com banda. E na hora mesmo do ensaio eu fiz o rasqueado veloz, 3+3 notas, que foi logo incorporado.

Cantei muito essa música em palco de bar e em mesa de bar. Em 1979, Elba Ramalho levou para a Bahia seu show Ave de Prata, no lançamento desse seu álbum de estréia, e se apresentou no Teatro Vila Velha, acompanhada pela Banda Rojão (Zé Américo, Guil Guimarães, Joca, Marcos Amma, Élber Bedaque).

Falou que queria gravar alguma coisa minha. Eu mostrei o “Caldeirão”, ela disse: “Me mande numa fita! É genial, vou gravar com certeza”. (Eu levaria alguns anos para perceber que ela diz isso com toda música minha, mas só grava de vez em quando.)

A música foi gravada para o segundo disco dela pela CBS, Capim do Vale (1980), e acabou sendo a música de abertura do Lado A, uma honra impensável para um compositor desconhecido que estava tendo uma canção gravada pela primeira vez. Ainda mais num disco que trazia Sivuca, Alceu Valença, Zé Ramalho, Pedro Osmar, Elomar...

Quando o disco saiu, toda vez que chegava gente querendo ouvir “o disco novo de Elba”, eu tirava o vinil de dentro da capa e checava toda vez o selo pra ver se meu nome continuava lá.

A gravação de Elba produziu um arranjo perfeito, com levada de arrasta-pé (que eu chamo de “marcha-quadrilha”), e a ótima idéia de começar com a música “solta”, sem ritmo, somente voz e sanfona se erguendo lentamente em meio às percussões, e só depois a banda atacando completa no “tãrãrã -- tãrãrã”.  E no meio da canção, quando fala “Era um fole de 8 baixos a tocar numa noite de forró”, a intervenção agilíssima de Abdias.

Fonte: Mundo Fantasmo: Artigos de Braulio Tavares em sua coluna diária no "Jornal da Paraíba" (Campina Grande-PB), desde o 0001 (23 de março de 2003) até o 4098 (10 de abril de 2016). Do 4099 em diante, os textos estão sendo publicados apenas neste blog, devido ao fim da publicação do jornal impresso.

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PROCISSÃO: A POÉTICA DE GILBERTO GIL E A RELIGIOSIDADE

A poética tropicalista gilbertiana teve seu início a partir da linha evolutiva propagada pela Bossa Nova que incorporou, para sua formação, outras manifestações musicais como jazz, be bop (concepção jazzística surgida por volta de 1945) e o cool jazz, que, ao contrário do hot jazz, trazia intérpretes-músicos de apurado conhecimento técnico que enriqueceram o jazz com recursos eruditos. (Campos, 1993).

A internacionalização da Bossa Nova foi devida à absorção de uma diversidade de estilos musicais que passa pelo jazz americano, por suas variações, chegando ao samba brasileiro e estabelecendo, assim, um profícuo diálogo entre eles. 

Embora, desde seus primórdios, a música popular no Brasil tenha se formado pela incorporação de recursos estrangeiros, oriundos principalmente da Europa e da África, pode-se afirmar que a grande aceitação internacional de um produto cultural tupiniquim, como o da BN, se deu pelo pioneirismo inovador de sua estética e pelo seu caráter globalizante.

Uma nova tendência musical foi introduzida pela Bossa Nova, na qual houve a inclusão de acordes com notas estranhas à harmonia, conhecidos, popularmente, como dissonantes (Campos, 1993), além de uma preocupação com o uso de letras que possuíam um caráter mais literário e poético. Observa-se uma ruptura com os padrões tradicionais vigentes e também a busca de uma nova concepção estética.

Implantada pela BN, a nova estética sofisticada e harmônica afluía para duas direções: uma voltada para o aperfeiçoamento rítmico e harmônico e outra que propunha um enfoque mais crítico dos problemas brasileiros que eram resgatados pelas letras.

A segunda vertente caminhava na direção das mesmas propostas propagadas pelo Centro Popular de Cultura (CPC) da UNE, que, entre outros objetivos, buscava a popularização da cultura, sua aproximação ao povo e a renovação dos tradicionais padrões culturais brasileiros, que permeavam as ideias difundidas pelo CPC e por seus membros.

Uma das músicas de maior sucesso do período anterior à Tropicália de Gilberto Gil, “Procissão”-19643, trazia uma determinada carga ideológica alinhada a uma interpretação marxista da religião, que estava direcionada ao abandono do homem do campo que residia no sertão nordestino e ao descaso do governo para com as causas sociais, e, por conseguinte, para com uma das camadas mais simples e esquecidas, residentes em uma área das mais carentes do País.

“As ideias da classe dominante são em cada época as ideias dominantes, isto é, a classe que constitui a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força intelectual dominante. A classe que dispõe dos meios da produção material detém ao mesmo tempo o controle sobre os meios de produção espiritual, de tal modo que, em geral, as ideias daqueles que carecem dos meios da produção espiritual ficam sujeitas a esta classe.” (Eagleton, 1999, p. 16-17).

Através da música “Procissão” – marco da produção musical anterior ao período tropicalista – inicia-se a consolidação da criação artística a ser desenvolvida por Gil, que, a partir de então, apresenta em suas composições uma elevada consistência poética. A seguir, transcreve-se a letra dessa música que marcou esse importante período e que acabou por contribuir para o aperfeiçoamento da produção cultural gilbertiana:

Olha lá vai passando a procissão

Se arrastando que nem cobra pelo chão

As pessoas que nela vão passando

Acreditam nas coisas lá do céu

As mulheres cantando tiram versos

Os homens escutando tiram chapéu

Eles vivem penando aqui na Terra

Esperando o que Jesus prometeu

E Jesus prometeu vida melhor

Pra quem vive nesse mundo sem amor

Só depois de entregar o corpo ao chão

Só depois de morrer neste sertão

Eu também tô do lado de Jesus

Só que eu acho que ele se esqueceu

De dizer que na Terra a gente tem

De arranjar um jeitinho pra viver

Muita gente se arvora a ser Deus

E promete tanta coisa pro sertão

Que vai dar um vestido pra Maria

E promete um roçado pro João

Entra ano, sai ano, e nada vem

Meu sertão continua ao deus-dará

Mas existe Jesus no firmamento

Cá na Terra isto tem que se acabar

Essa obra poética de Gilberto Gil não somente se tornou um marco no conjunto de sua obra, mas, também, nos permite mostrar a relação estreita existente entre a literatura e a religiosidade.

A ligação entre essas duas grandes áreas do saber – literatura e religião – se faz perceber logo no título da obra: “Procissão”. Ao dar esse título a sua composição, Gilberto Gil deixa explícito que sua poesia tem como base um aspecto específico da religião católica romana: uma procissão. É exatamente nesse cortejo religioso que o artista encontra ocasião para desenhar e criticar a vida sertaneja. É nesse momento solene de devoção a um santo, ou à Santíssima Trindade, em que o coração dos religiosos está cheio de fé e a boca cheia de cânticos, que Gilberto Gil sentiu que os devotos, na realidade – caminhando pelas ruas estreitas e tortuosas do sertão – estavam “penando, esperando o que Jesus prometeu”. Gilberto Gil mostra, de alguma forma, que esse momento – propício à espiritualidade, quando os olhos estão focados em uma imagem, seja ela de um santo, seja do próprio criador – diminui o poder de questionamento do penitente e o interesse deste pela transformação da realidade material; ele – o penitente – esquecido das coisas desta vida, fica como se embriagado estivesse com as coisas lá do céu.

Olha lá vai passando a procissão

(...)

As pessoas que nela vão passando

Acreditam nas coisas lá do céu

Gilberto Gil é nessa canção um sacerdote às avessas: ele se vale da religião para criticar uma sociedade imersa na religiosidade. Ele não é um sacerdote que tem a finalidade de elevar os olhos dos devotos aos céus, pelo contrário, ele quer que os mesmos baixem os olhos para a terra, para a realidade em que vivem. Ele não é um tipo messiânico que diz:

Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo mais do que o vestuário? (Evangelho de Mateus 6:25).

Ele está mais inclinado à inversão:

“Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas?” (Evangelho de Mateus 6. 26). No entanto, vocês, que trabalham de sol a sol, continuam penando aqui na terra à mercê das autoridades cegas, mudas e surdas ao clamor das necessidades.

A ligação entre a crença, a religiosidade e a situação de abandono da população do sertão nordestino e seus problemas é marcada de forma direta. Há uma relação entre as carências de uma parcela discriminada e esquecida da população e a sua necessidade de encontrar um estímulo para continuar a percorrer seu caminho, a fim de conseguir transformar sua condição miserável numa situação melhor. Nesse afã, os promesseiros colocam suas esperanças no além, no pós-morte, na vida desencarnada, na pátria celestial, no reino das luzes, no paraíso eterno.

Eles vivem penando aqui na Terra

Esperando o que Jesus prometeu

E Jesus prometeu vida melhor

Pra quem vive nesse mundo sem amor

Só depois de entregar o corpo ao chão

Só depois de morrer neste sertão

Ainda na segunda estrofe, podemos perceber que a presença da fé persiste por ser de certa forma a única fonte de esperança para a solução do grande carma do povo nordestino: a seca.

E Jesus prometeu vida melhor

Pra quem vive nesse mundo sem amor

Apesar do aparente cansaço pela demora em conseguir a melhora da situação, nota-se um contínuo sentimento religioso e a entrega total à fé e à Terra, na esperança da conquista das melhorias desejadas, ainda que para isso houvesse um alto custo – a morte.

Só depois de entregar o corpo ao chão

Só depois de morrer neste sertão

Desde seu início, a canção “Procissão” sugere forte relação entre a crença popular dos nordestinos do sertão e a esperada solução de seus problemas, como o da falta de chuva, que acarreta o sério problema da seca, que se procura amenizar através da religião. O sacerdote do mundo de cá, – Gilberto Gil –, sem a pretensão de descaracterizar a religião, por meio de sua canção, mostra que a religiosidade tem feito com que o povo vivesse anestesiado, em profunda dormência, esperando em Deus justamente aquilo que se deveria esperar das autoridades.

Eu também tô do lado de Jesus

Só que eu acho que ele se esqueceu

De dizer que na Terra a gente tem

De arranjar um jeitinho pra viver

Em sua terceira estrofe, o poema tece uma crítica às pessoas3 que se aproveitavam da difícil situação vivida pela população do sertão, por sua simplicidade4 e fragilidade sentimental, que mais afloravam quando era vislumbrada qualquer possibilidade de salvação, ou seja, de melhoria da situação estabelecida. A crítica se dirige àqueles que, a todo custo, tiram proveito das circunstâncias adversas.

Muita gente se arvora a ser Deus

E promete tanta coisa pro sertão

Que vai dar um vestido pra Maria

E promete um roçado pro João

Entra ano, sai ano, e nada vem

Meu sertão continua ao deus-dará

Mas existe Jesus no firmamento

Cá na Terra isto tem que se acabar

Nesse caso, ainda que os tempos sejam outros, não podemos deixar de lembrar a passagem bíblica em que Jesus expulsa os vendilhões do Templo (Evangelho de Marcos, capítulo 11), os quais, também, não mediam esforços para tirar proveito das circunstâncias. Há de se recordar, também, do profeta Habacuque, que, vivendo em uma época em que a decadência moral era extrema, acreditava não haver coerência entre a existência de um Deus que vê, mas não se importa e um Deus que é justo, mas que não intervém, colocando um basta nas injustiças que dominavam sobre a justiça. Habacuque, também, entendia que “Cá na terra isso tinha que se acabar”.

1.Oráculo que o profeta Habacuque viu. 2. Até quando Senhor, clamarei eu, e tu não escutarás? Ou gritarei a ti: Violência! e não salvarás? 3. Por que razão me fazes ver a iniquidade, e a opressão? Pois a destruição e a violência estão diante de mim; há também contendas, e o litígio é suscitado. 4. Por esta causa a lei se afrouxa, e a justiça nunca se manifesta; porque o ímpio cerca o justo, de sorte que a justiça é pervertida. (Habacuque. 1. 1-4)

“Procissão”, mesclada com a religiosidade, apresenta-se como uma produção de característica inspirada pela estética bossa-novista e pela convergência das ideias difundidas pelo CPC. A necessidade da modernização da MPB fez com que surgisse certa proximidade de ideias entre ambas, que posteriormente desembocariam no realismo socialista do Centro Popular de Cultura e, por conseqüência, na expressão da politização da estética.

De acordo com esse programa, o artista deveria assumir o papel de um militante político, capaz de interferir na História através de suas armas espirituais, em prol da libertação material e cultural do nosso povo. E, paralelamente, preconizava a autonomia da obra de arte como algo equivalente a um discurso que anunciava, com antecedência, transformações sociais a serem implantadas, futuramente, pela revolução social. Em contrapartida, o artista despolitizado, defensor da arte pela arte, transformava-se numa presa fácil ou numa vítima dócil, ou ainda, num instrumento da classe dominante, em função da produção de obras sintonizadas com o status quo, ou antipopulares. Além disso, os ideólogos do CPC admitiam a possibilidade de um artista reacionário ou alienado modificar seu comportamento, graças à sua conscientização política sobre o ideal de arte revolucionária (...). (Contier, 1998, p. 22-23).

Gilberto Gil e outros representantes da nova MPB abriram ampla discussão sobre a necessidade da modernização da Música Popular. Muitos se uniram às ideias revolucionárias, entre eles Caetano Veloso, Torquato Neto, Tom Zé, Capinan5. Embora tivesse parcerias com músicos da BN, o poeta Capinan encontrava-se bem alinhado à estética inspirada pelo realismo socialista do CPC de Salvador.

Observamos não só a presença do realismo socialismo mas também a convergência dessas características com as do socialismo religioso que aparece como consequência quase natural de ordem prática da teologia da cultura e seu ideal de promover a síntese entre religião e cultura. O movimento era pautado como colaborador e não adversário do marxismo; Assim, pretendia-se conferir à análise e à prática marxistas aquilo que para os marxistas era considerado quase irrelevante, passageiro e circunstancial: o fundamento religioso. 

Posto que a cultura, digo, a produção cultural apresenta-se substancialmente religiosa e intencionalmente cultural, enquanto a religião apresenta-se substancialmente religiosa e formalmente cultural, o marxismo é considerado religioso em sua essência, mas, antirreligioso em sua intenção. (Calvani, 1998, p. 62). Dessa maneira, observamos que a produção cultural de Gilberto Gil, em particular a presente na canção “Procissão”, incorpora características do socialismo religioso que aparecem como tentativa de síntese a apontar para a possibilidade de uma teoria e uma prática marxistas que sejam, ao mesmo tempo, substancialmente religiosas e intencionalmente culturais.

(Revista Brasileira-Danilo Sérgio Sorroce)

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ESPECIALISTAS RECOMENDAM REDOBRAR CUIDADOS NAS CRIAÇÕES DE CAPRINOS E OVINOS DURANTE A PANDEMIA

A pandemia de Covid-19 tem exigido mudanças de comportamento também nas propriedades criadoras de caprinos e ovinos. Porém, poucos criadores do Semiárido brasileiro têm se preocupado com as boas práticas, conforme notou um grupo de pesquisadores da Embrapa que está auxiliando e incentivando essa adoção no âmbito do Programa AgroNordeste.

Entre as recomendações preconizadas está a restrição de acesso ao rebanho de pessoas não relacionadas à criação; a proteção das instalações para evitar invasões de animais externos; a separação do rebanho por faixa etária; a limpeza das instalações com produtos adequados e várias outras. 

De acordo com os pesquisadores que têm visitado as propriedades, observa-se poucas mudanças em relação ao manejo dos animais e ao comportamento doméstico. “Não percebemos muitas alterações. Muitos manejadores não usam máscara e nem fazem a limpeza e higienização das mãos. Apenas procuram evitar aglomeração de pessoas nas instalações dos animais”, afirma Selmo Fernandes Alves, pesquisador da Embrapa Caprinos e Ovinos (CE).

Rizaldo Pinheiro, também pesquisador da Empresa, explica que até o momento não existem relatos na literatura sobre contaminação de pequenos ruminantes com o vírus SARS-CoV-2. “Entretanto, não é aconselhado que pessoas com o vírus ou apresentando sintomas da Covid-19 trabalhem com os animais”, ressalta. 

Ele afirma que algumas medidas sanitárias são necessárias não apenas para a proteção das pessoas em relação à Covid-19, mas também para a proteção dos animais e dos manejadores contra diversas enfermidades, chamadas zoonoses, que podem ser transmitidas dos animais para os humanos. Entre elas estão tuberculose, brucelose, raiva, febre aftosa, linfadenite caseosa, ectima contagioso, entre outras. As três primeiras podem representar risco à vida humana.

Os especialistas também perceberam que alguns criadores têm no dia a dia a preocupação com a sanidade. Cleuza Aparecida da Silva, do município de Zabelê (PB), afirma que existe um cuidado com os manejadores. “Tomamos todas as medidas de proteção, usando álcool em gel, máscaras, viseiras e sempre que termina o manejo, eles tomam banho e já colocam a roupa para lavar”, relata.

A presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores(as) Familiares de Tauá (CE), Elisandra Gonçalves Lima, afirma que os criadores da região adotaram novas rotinas em função da pandemia, como limpar semanalmente os espaços físicos dos animais (apriscos, currais etc.), cuidados com vacinas rigorosamente em dia, higienização das mãos ao cuidar dos animais, tirar leite e vacinar, por exemplo. 

Os pesquisadores afirmam que essas medidas sanitárias devem ser adotadas para prevenir não apenas a Covid-19 entre os trabalhadores, mas também diversas outras enfermidades que podem afetar os animais e os manejadores.

“São medidas básicas, mas existem outros cuidados que devem ser observados nas propriedades”, ressalta Alves, referindo-se a uma lista de recomendações de especialistas (veja quadro). Ele acredita que nem todos os criadores estão totalmente preparados para lidar com a nova realidade e ressalta que é necessário um trabalho de capacitação continuada com técnicos e produtores. 

“É fundamental a adoção de boas práticas agropecuárias, ambientais e sociais, como orientação para prevenir ou mitigar o aparecimento de problemas sanitários nos animais e nos seres humanos”, defende.

Práticas sanitárias recomendadas pelos especialistas:

As instalações devem ser funcionais para facilitar os manejos e minimizar o contato entre os animais e as pessoas que não sejam da propriedade, proporcionando ambiente seguro, além de evitar o acesso de outras espécies de animais às instalações de caprinos e ovinos.

O criador deve fazer anotações zootécnicas e sanitárias, documentando qualquer incidente ou caso de doença, que deverá ser tratado adequadamente com a colaboração do médico veterinário.

 Deve-se fazer a limpeza das instalações, superfícies e equipamentos com o uso de água de qualidade e desinfetantes adequados.

 É importante ter áreas específicas para cada faixa etária dos animais ou um local de transição de entrada e saída destes.

As pessoas que trabalham no manejo devem ter um local próprio para deixar suas vestimentas e calçados, para fazer a higiene pessoal e um espaço adequado para o preparo de alimentos.

Atenção especial deve ser dada ao local de armazenamento dos alimentos e o descarte correto das sobras, que atraem roedores e insetos, potenciais vetores de doenças. Esse é um ambiente ao qual os animais não devem ter acesso.

Deve-se fazer o controle de visitas para evitar aglomerações, além de impedir a entrada e permanência de pessoas com alimentos e bebidas nas instalações.

É importante realizar a seleção consciente dos resíduos sólidos e líquidos (lixo) e removê-los para destino adequado, evitando assim contaminação das pessoas e do ambiente. Cuidado também quanto aos resíduos alimentares dos animais, que podem ser contaminantes. Um grande problema ainda recorrente nas propriedades é o acúmulo do lixo e o hábito de queimá-lo. 

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SIMPÓSIO DE CULTURA ESPÍRITA DE VALE DO SÃO FRANCISCO ACONTECE ENTRE OS DIAS 27 A 29 DE AGOSTO

Será realizado, de 27 a 29 de agosto, o 28º Simpósio de Cultura Espírita do Vale do São Francisco, que este ano terá como tema "O Espiritismo e a Evangelização do Ser". Gratuito e totalmente online, o evento, transmitido no Canal do Youtube do Conselho CR17, contará com a participação de Amine Fernandes Galhego (SP), André Luiz Peixinho (BA), Caucy Rorys (DF), Flaviah Lançoni (GO), Lucas Ramos(PE), Marcel Mariano (BA) e Roberto Ferreira (SP).

A grande novidade dessa edição é que o "Espaço de Educação, Cultura e Arte para Infância", será realizado pelo Google Meet e contará com a participação do designer gráfico, autor e responsável pelo setor multimídia da Federação Espírita Brasileira – FEB, Luis Hu Rivas (RJ). Na oportunidade, a partir das 15h30 do sábado (28/08), as crianças e os pais poderão conversar diretamente com o autor das principais obras infantis espíritas, tirando dúvidas sobre os personagens e aprendendo um pouco mais sobre a Doutrina. Os pais que desejam que seus filhos compartilhem dessa experiência devem entrar em contato com a Coordenação de Infância do CR17, Íris Martins (74) 98824-0526.

O Simpósio traz também em sua programação expositores como Marco Oliveira (BA), que vai discorrer sobre "O protagonismo do jovem espírita na evangelização do ser", no sábado (28/08), pela manhã e apresentação artística de Josué Sax (BA), Eliana e Erisvaldo (PE), Moacyr Camargo (SP) e Tiago Lacerda (BA).

O 28º Simpósio de Cultura Espírita do Vale do São Francisco é uma iniciativa do Conselho Regional Espírita (CR17) com apoio Federação Espírita do Estado da Bahia (FEEB). Para mais informações ligue (74) 98801-7339 (Wilson Alves) e (74) 98831-3724 (Josenildes Barbosa).
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DOCUMENTÁRIO MOSTRA AVANÇO DA MONOCULTURA DE EUCALIPTO NA BAHIA

“Esta é uma floresta morta, um fantasma”, conta Rodrigo Santana Mãdỹ, do povo Pataxó, ao caminhar por uma área de cultivo de eucalipto no extremo sul da Bahia. Cercados pela monocultura, indígenas e agricultores familiares enfrentam os impactos do eucalipto na região. O filme MATA acompanha a trajetória de Rodrigo e Etevaldo Pereira Nunes, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), na luta pela garantia de seus territórios.

O documentário foi selecionado para a 10a edição da  de cinema. A estreia do filme acontece no dia 24/08 às 15h. Acesse a página do filme com a programação completa da mostra.

Brasil é o maior exportador de celulose do mundo e um dos maiores produtores de eucalipto para a indústria de celulose destinada à produção de papel na Europa. Com apenas 4% da cobertura original da Mata Atlântica preservada na Bahia e a substituição da vegetação nativa por “florestas plantadas” de eucalipto, os Pataxó e agricultores vivem em um cenário de seca, rios contaminados, esgotamento do solo e insegurança fundiária.

“Se aqui fosse eucalipto não tinha mais água não. Ia estar tudo seco”, conta Etevaldo. Os indígenas aguardam a demarcação de seu território, a Terra Indígena Comexatiba (Cahy-Pequi), sobreposta aos Parques Nacionais do Descobrimento e Monte Pascoal, e rodeada por plantações de eucalipto. Etevaldo, por sua vez, aguarda o título de posse definitivo de seu lote. Por meio da mobilização do MST, 2,1 mil famílias foram assentadas no extremo sul da Bahia e outras 2,7 mil estão acampadas, lutando pelo direito de ter seu lote.

“Quando a invasão colonizadora veio para cá, ela arrancou as árvores, matou o verde, plantou o chão de eucalipto e está matando a terra. A terra não tem mais força, não tem mais poder, não tem um inseto, um besourinho, não tem uma isca, não tem nada vivo. A terra está morrendo onde plantam o eucalipto”, denuncia Rodrigo Mãdỹ, em uma plantação ao lado de seu território.

“Estamos trabalhando neste filme há exatamente cinco anos. Documentamos a paisagem ao longo do tempo, as mudanças e as consequências da seca. E, não menos importante, buscamos cenas visuais fortes e combinamos isso com uma paisagem sonora que busca fazer o público se mover junto com os eucaliptos dançantes”, diz Fadnes, uma das diretoras do filme.

MATA é o primeiro longa-metragem do fotógrafo e cineasta brasileiro Fábio Nascimento, que tem uma vasta experiência na temática ambiental e já realizou trabalhos para a National Geographic, Greenpeace, Médicos sem Fronteiras, New York Times, entre outros. É também o primeiro filme da jornalista norueguesa Ingrid Fadnes, com atuação de muitos anos na América Latina em trabalhos relacionados a causas ambientais e sociais.

Para a artista, cineasta e ativista finlandesa-sami Pauliina Feodoroff, ex-líder do Conselho Sami, o filme combina jornalismo com forte expressão artística. Segundo o Films From the South, é um “documentário hiper-atual sobre a perda da diversidade de espécies”. O filme, uma produção da Boituí, tem patrocínio do FSA/BRDE, coprodução da Flume e apoio do canal CineBrasilTV, LAG e Fundo para imagem e som da Noruega.

Site oficial: https://matafilme.com/ Programação mostra Ecofalante: https://ecofalante.org.br/filme/mata

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LIDERANÇAS DA IGREJA CATÓLICA ALERTAM PARA OS RISCOS DE USINA NUCLEAR PROPOSTA PELO GOVERNO BOLSONARO

Lideranças da Igreja Católica se reuniram com parlamentares pernambucanos, ontem sexta-feira (20), para debater o projeto de instalação de uma usina nuclear e seus impactos ambientais e socioeconômicos, em Itacuruba, no sertão. O encontro aconteceu de forma virtual, por meio da plataforma Google Meet, às 19h.

A iniciativa é do arcebispo de Olinda e Recife, dom Fernando Saburido, em conjunto com o seu bispo auxiliar, dom Limacêdo Antonio da Silva, e com o bispo da Diocese de Floresta (PE), dom Gabriel Marchesi. Os religiosos convocaram e estarão presentes deputados estaduais, federais e senadores.

A criação da fonte atômica de energia foi sinalizada no Plano Nacional de Energia 2050, elaborado pelo Ministério de Minas e Energia (MME), do Governo Bolsonaro. Além de Itacuruba, outras oito localidades no Nordeste e Sudeste do país estão sendo estudadas para abrigar usinas.

De acordo com informações da Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia e divulgadas pela imprensa, a Eletronuclear já concluiu estudos que indicam Itacuruba como a área ideal para a construção do empreendimento com seis reatores às margens do Rio São Francisco e que custaria R$ 30 bilhões.

Pelo menos desde o ano passado, a Igreja com apoio dos movimentos sociais, pesquisadores e artistas vêm provocando o debate alertando toda sociedade acerca dos riscos ambientais como a morte do Rio São Francisco e os possíveis vazamentos de radiação, por exemplo. A preocupação também gira em torno do impacto social e econômico sobre as comunidades tradicionais que vivem na região.

Apesar da intenção do Governo Federal, a legislação estadual impede a instalação de uma usina atômica em Pernambuco. De acordo com o Artigo 216 da Constituição Estadual, está proibida a instalação de usinas nucleares no Estado enquanto não se esgotarem toda a capacidade de produzir energia hidrelétrica e de outras fontes.

Recentemente, a Controladoria Geral da União (CGU) ingressou no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a constitucionalidade do artigo que garante a segurança do meio ambiente e de todos que habitam no Estado.

A expectativa é de que durante a reunião com as autoridades religiosas, os deputados e senadores conheçam melhor os riscos que o empreendimento pode trazer ao estado e, dessa forma, possam se posicionar contrários à destruição de tantas vidas no sertão.

A Diocese de Floresta (PE) deu início a uma série de lives para discutir os impactos que a instalação de uma usina nuclear no município de Itacuruba, no sertão pernambucano, podem causar à população local. As transmissões serão todas as quintas-feiras, a partir das 19h30, no canal da Pastoral da Comunicação diocesana, no YouTube.

A jornada de debates teve início no último dia 22 com a discussão sobre o tema “Usina Nuclear – Riscos e falsas promessas de geração de empregos”. A iniciativa do evento tem o apoio da TV Raízes da Cultura e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), que retransmitem os debates em suas redes sociais.

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JOSÉ LAURENTINO

Embora soubesse do agravamento do estado de saúde do poeta Zé Laurentino, não deixei de sentir profundamente a notícia de sua morte, ocorrida no início da tarde de uma quinta-feira, 15 de setembro de 2016, em Campina Grande - Paraíba.

Nascido no Sítio Antas, em Puxinanã - PB, em 11 de abril de 1943, José Laurentino Silva, filho dos agricultores Antônio Laurentino de Melo e Maria José de Melo, recebeu dos repentistas a sua influência poética.

Essa influência seminal é relatada pelo próprio poeta ao contar a sua história em versos (“Minha História”) nas páginas 268 e 269 do livro “Coletânea Poética de Zé Laurentino”, lançado em 2010, pela Editora Bagaço:

Comecei a fazer versos

Aos doze anos de idade

Morando no sítio Antas

Puxinanã a cidade

Onde papai possuía

Pequena propriedade.

A casinha de papai

Era feita de alegria

Abrigo dos cantadores

Vendedores de poesia

Se uma dupla chegava

O povo se aglomerava

Tava feita a cantoria.

E eu, moleque peralta

Caçula, muito pachola

Me criei acalentado

Por acordes de viola.

Nas noites de cantoria

Eu ficava prezenteiro

Enquanto os outros meninos

Iam brincar no terreiro

Indiferentes aos versos

Beira-mar, quadrão mineiro

Eu ficava ali sentado

Boquiaberto, extasiado

Pra ouvir o violeiro. 

Apesar de dotado de grande talento para compor versos, Zé Laurentino não se tornou um cantador de viola, um improvisador. Segundo ele, isto não ocorreu porque não conseguia coordenar o canto com o tocar da viola. Tornou-se, então, um grande declamador, um dos melhores do estado da Paraíba e, talvez, do Brasil.

Iniciando a vida profissional como agricultor, Zé Laurentino estudou no Colégio Plínio Lemos, na sua cidade natal, onde durante quatro anos presidiu o Grêmio Estudantil daquele educandário. Posteriormente, foi eleito vereador e Presidente da Câmara Municipal de Puxinanã.  Ele foi, também, um dos fundadores da Associação de Repentistas e Poetas Nordestinos, tendo presidido essa entidade por dois mandatos.

Em Campina Grande, atuou como radialista na Rádio Borborema e como funcionário público concursado no Ministério da Saúde, mantendo paralelamente a sua produção poética, na qual podem ser contabilizados cordéis, livros, discos, individuais ou em parceria, além de inúmeras participações em Festivais de Repentes em todo Brasil e Santiago de Compostela, na Espanha.

De sua autoria guardo autografados e com dedicatória três CD, um deles gravado em parceria com o poeta Chico Pedrosa, e três livros: “Carta de matuto”, “Meus poemas que não foram lidos” e “Coletânea Poética de Zé Laurentino”.

Lamentavelmente, Zé Laurentino, foi mais uma vítima do alcoolismo. Assim, ele viveu seus últimos anos submetido a grandes sofrimentos originados dessa doença terrível da qual ele tinha consciência dos efeitos devastadores, conforme se pode depreender a partir do soneto de sua autoria, intitulado “Etilismo”, presente na página 63 do livro de sua autoria “Meus poemas que não foram lidos”:

“Na conversa fiada ao balcão, numa dose de Rum ou de cachaça,

vivo eu escondendo uma desgraça, uma mágoa, uma dor, uma paixão.

A tristeza ou a dor do meu irmão, que minh’alma sensível logo abraça;

ando eu escondido atrás da taça, procurando, no copo, solução.

O dia é pouco, adentro a noite mansa. O etilismo intermitente avança e quando o Sol nasce belo e reluzente, se eu parar vem a depressão alcoólica e me parece que uma coisa diabólica me convida e eu bebo novamente.”

Sensível, carismático, generoso e amigo dos amigos, Zé Laurentino era um artista que se destacava pela simplicidade no trato com as pessoas. Como poeta, ele trazia para o âmago dos seus poemas a crônica do cotidiano, as dores do mundo, as preocupações sociais, ecológicas e causos engraçados, baseados em fatos pitorescos por ele vivenciados ou colhidos em conversas de mesa de bar.

Poemas como “Matuto no futebol”, “Eu, a cama e Nobelina”, “Conversa de passageiro”, “Carona de candidato”, “Esmola pra São José” e “Carta do matuto” ficarão marcados na memória dos apologistas, assim como toda a obra do poeta que certamente continuará sendo tema de estudos acadêmicos, pois Zé Laurentino foi, sem dúvida, um dos maiores poetas populares do Brasil.

*Benedito Antonio Luciano*O autor é professor do Departamento de Engenharia Elétrica da UFCG.

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