II ENCONTRO DE SABERES DA CAATINGA SERÁ REALIZADO EM EXU, PERNAMBUCO

Parteiras, rezadores, raizeiros e estudiosos de práticas de curas ligadas à natureza, estarão, de 19 a 28 de janeiro de 2018, na Chácara Paraíso da Serra, no município de Exu (sertão de Pernambuco), para realização do II Encontro Saberes da Caatinga.

Realizado pela Rede de Agricultores Experimentadores do Araripe, com apoio de instituições como a Fundação Oswaldo Cruz, Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e o Ibama, entre outras, o Encontro tem como um dos principais objetivos incentivar e manter vivas práticas de cura (algumas milenares) que não dependem do sistema biomédico. Nesta segunda edição do evento, serão oferecidos vários serviços, oficinas de agrofloresta, extração de óleos vegetais, primeiros socorros usando óleos essenciais, arteterapia, shiatsu, cromoterapia, aromaterapia e bioenergética.

Na opinião da pesquisadora do departamento de Saúde Coletiva da Fiocruz Pernambuco Islândia Carvalho, ao apoiar o Encontro, a Fiocruz PE cumpre o seu papel social de valorização da cultura local no que tange á saúde. “Além disso, a instituição vem desenvolvendo várias pesquisas para elucidar a efetividade dessas práticas e sua potencial contribuição para a saúde da população. Para tal, residentes e mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Fundação, participarão do evento com o objetivo de sistematizar conhecimentos e produzir informações científicas sobre o tema”, afirmou.

Desde 2006, o Sistema Único de Saúde – SUS, conta com a Política de Práticas Integrativas e Complementares. Essas práticas são caracterizadas pela Organização Mundial de Saúde como Medicina Tradicional ou Medicina Complementar. Esse termo significa um conjunto diversificado de ações terapêuticas que difere da biomedicina ocidental, incluindo práticas manuais e espirituais, com ervas, partes animais e minerais, sem uso de medicamentos quimicamente purificados, além de atividades corporais, como tai chi chuan, yoga, lian gong. Outros exemplos de PICs são: acupuntura, reiki, florais e quiropraxia.

O primeiro Encontro, realizado há um ano, contou com mais de 100 benzedeiros, parteiras, raizeiros, pesquisadores e professores dos estados de Pernambuco, Ceará e Piauí. Para esta edição esse número já foi superado, tendo as inscrições sido encerradas em apenas duas semanas. A organização do evento está analisando a possibilidade de transmiti-lo via internet. 
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LUIZ GONZAGA E FAZENDA ARARIPE-150 ANOS

Em 2018, o povoado do Araripe vai completar 150 anos. A professora e escritora Thereza Oldam é conhecedora dos episódios e sentimentos que nortearam a criação, o desenvolvimento e a consolidação do território exuense. Desde a época da colonização, quando a região ainda era habitada pelos índios Ançus, do tronco da nação Cariri. Passando pela chegada de seu fundador Leonel de Alencar Rego, até os dias atuais.

A professora escreveu no ano de 1968, uma apresentação para o disco Luiz Gonzaga-São João do Araripe. Escreveu Thereza Oldam: "O Povoado do Araripe, tantas vezes cantado pelo Rei do Baião, Luiz Gonzaga, é o desdobramento da Antiga Fazenda do Barão de Exu. Domina-o até os dias atuais, a Casa Grande. de estilo Colonial e a Capela de São João Batista. O Povoado do Araripe, está situado à margem esquerda do Rio Brígida, próximo da Fazenda Caiçara, berço de Barbara de Alencar.

Para os descendentes direto dos primeiros povoadores, o São João do Araripe é único. É o culto das suas melhores tradições. Anualmente, os festejos juninos são um pretexto para a confraternização, pois no calor da fogueira, comendo milho assado, discutem política, exaltam os seus herois, choram seus mortos e pedem aos céus a oportunidade de voltar sempre, sempre ao Araripe.

Ali, no Araripe aprenderam a venerar São João Batista, ouvindo vozez de Sinhazinha e Nora, ecoando o coro da Capela. Quem dos seus desconhece o Barão do Exu, Sinhô Aires, Neném de João Moreira, Santana de Januário, Dona de Seu Sete. Qual dos seus meninos não sentiu o irresistível desejo de puxar a corda do sino da igreja?

O Povoado do Araripe é um santuário de fraternidade do presente com o passado. Seu fundador deu-lhe a fidalguia e tradição e um seu filho deu-lhe a melodia do baião, este filho é Luiz Gonzaga.

Luiz Gonzaga nasceu no Araripe e ai sempre viveu! Ninguém melhor do que ele preservou as suas tradições e podemos afirmar que Luiz Gonzaga é a encarnação do Araripe, no amor que dedica á sua terra, na exaltação de sua gente. 

Ainda menino, Luiz Gonzaga, correu por aqueles patamares, gritando o bode ou tocando forró, crepitava em seu peito a ternura do Araripe, sem saber porque. Era a voz de um pássaro, os costumes do sertão, a beleza das coisas...e fugiu...fugiu porque seu coração não comportaria aquele grito da alma. Era a voz da terra. Era a arte. 

E a arte explodiu: surgiu o artista, o Rei do Baião, o filho de Januário e Santana, o cantor do Araripe. E hoje (1968), ocasião de seu Centenário, o Povoado do Araripe recebe comovido a homenagem de Luiz Gonzaga. É uma mensagem de arte e de amor: da arte que nasceu dele e não cabe nele, do amor que o torna maior fazendo os outros felizes.

O Araripe pede a Deus para seu filho a eternidade da arte que o persegue.

Fonte: Professora e escritora Thereza Oldam, Exu, Pernambuco, 20 de fevereiro de 1968

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RANGEL ALVES DA COSTA: CARIRI CANGAÇO POÇO REDONDO 2018 TODO MUNDO CONVIDADO

Severo mandou convidar gente de todo lugar. Por aqui estarão Lili, Ivanildo e Kydelmir. Abraçar com cortesia Quirino e Célia Maria. Aplaudir em alto som Pedro Lucas, Pedro Popoff e Cecília do Acordeon. Vem gente de baixo de cima, Edivaldo, Aninha e João de Souza Lima. Levantando a poeira, Ingrid, Juliana e Professor Pereira. Desfolhando a quixabeira, chegando Coló de Arneiroz e Aderbal Nogueira. Cortando pelo estradão, avista-se Oleone, Múcio e José Bezerra Irmão. Pra ler a poesia que fiz, vem o poeta Assis. Vem Júnior Almeida e Ranaise, Franci Mary e Ana Lúcia, mas ninguém de mais astúcia neste mundo tão pequeno que o Tássio Sereno. 

Vilma Ferreira Leite arrume a mala e se ajeite pra festança ser deleite. Despontando na cancela, vem no passo o Vilela, correndo pra ser primeiro lá vem o Kiko Monteiro. Jorge Remígio, Narciso Dias, Archimedes e Elane, pra tudo correr sem pane. Luiz Ruben, Leandro Cardoso, Emanuel Arruda e Meneleu e o belo mundo tabaréu. Aline e Noádia Costa, um povo que a gente gosta. E vem Ricardo Ferraz, Luiz Augusto e muito mais. Vem Marcos de Carmelita, chega a caatinga se agita. Celsinho Rodrigues e Inácio, Jairo e o amigo Afrânio, todo mundo vai chegar para Poço Redondo abraçar. Bismarck e Paulo Gastão, o cangaço em coroação. 

Robério, Louro Teles e Divanildo, Ney Vital e Custódio, tudo paz sem ter ódio, além de Aretuza Simonetta, que carregando beleza desarma a baioneta. Camilo traz violão e Léo Cangaceiro um gibão, enquanto Verluce Ferraz de cantar será capaz. Irari vem por aqui, isso eu sei, até senti, anunciando Geovane e o poeta Verí. Sandro Alencar vai chegar e um xaxado dançar, com Lili a se rebolar até a lua brilhar. Coronel Fudenço matreiro, talvez chegue logo primeiro, assim imagino e penso. Mas Stelinha Lobão, que não é brinquedo não, já se diz com pé no sertão. Westerland também irá e todo mundo a esperar. Toda família Pandini junto ao Sertão Nordestino, desde velho a menino lá nas terras de Alcino.

E mais gente e mais nome, tendo no sertão sobrenome, na festa de zuada e estrondo: Cangaço em Poço Redondo!
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BANDA ACÚSTICO LIVE FARÁ TRIBUTO À LEGIÃO URBANA NO SÁBADO 13 DE JANEIRO

Segundo Tributo à Legião Urbana será apresentado com a Banda Acústico Live durante o show que fará uma homenagem a uma das bandas mais consagradas no Brasil do rock pop e ao vocalista Renato Russo (1960-1996). A apresentação será no próximo sábado dia 13 de janeiro, no Centro Cultural João Gilberto, a partir das 21hs.A abertura  será com o cantor Temir Santos.

A Acústico Live é uma banda de Pop rock fundada em meados dos anos 90 por Charles Eluran, Jonatas Marcelo, Marcio Alexandre, Paulo Cabral, Paulo Cesar Ribeiro na cidade de Juazeiro (BA). A banda tem um trabalho reconhecido na região, por realizar tributos homenageando grandes bandas do cenário nacional e internacional, e por tocar em bares e casas de festas.

A banda foi uma das precursoras a tocar pop rock nos bares de juazeiro e Petrolina, lotando por onde passava, a juventude da época queria algo novo, e a acústico Live se encaixava neste perfil.  

A banda foi mudando durante o tempo, com a entrada e saída de integrantes. ate encerrar as suas atividades no inicio de 2002. Passado 15 anos, Marcio reencontrou Charles na rua e disse que queria fazer um tributo a Legião Urbana, e Charles prontamente aceitou. 

Após a primeira apresentação, a Banda recebeu vários convites para fazer shows em outras cidades, mostrando que a boa musica do vale do são Francisco ainda pode ser ouvida.

Em 2018 a banda entrara em studio para gravar o seu primeiro cd.     

Acústico Live é formada porDamásio Moser-Baterista, Jonathas Marcelo– violão, F. Junior – Contra baixo, Marcio Alexandre- Vocal, violão, e Charles Eluran - Violão, Vocal.
  

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RIO SÃO FRANCISCO: SUA IMPORTÂNCIA CULTURAL, ECONÔMICA E SOCIAL ESTÃO SOB AMEAÇA

É necessário e urgente refletir sobre a relação do rio São Francisco com o conjunto de bacias hidrográficas que contribuem para a sua grandeza cultural, econômica e social.

O “Velho Chico” é um dos mais importantes rios do Brasil. Da sua nascente, em Minas Gerais, até o encontro com o mar, ele passa compondo a paisagem de diversas regiões dos estados da Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, serpenteando por mais de 500 municípios e comunidades e beneficiando 14,2 milhões de pessoas. Daí a sua denominação de rio da integração nacional.

Seu percurso de quase três mil km é um caminho revelador de histórias, pelejas, causos, amores e das religiosidades dos povos ribeirinhos. Um rio de importância econômica, social e cultural para diversas comunidades, dentre elas indígenas e quilombolas. 

Suas águas maltratadas pelo intenso processo de degradação, onde esgotos desaguam em seu leito, o desmatamento constante de suas matas ciliares, provocando o assoreamento, são expressões concretas do abuso indiscriminado sofrido pelo rio. Esse é o reflexo da maneira como o estado brasileiro administra seus recursos naturais, na contramão do discurso que o rio São Francisco é considerado um dos principais fatores de desenvolvimento da região nordeste, devido a sua importância para a agricultura e o aproveitamento da sua força para a geração de energia.

Muitas são as narrativas em torno das águas do velho Chico: a mãe d’água, o mergulhão, o cumpade d’água e o negro d'água são alguns seres imaginários que moram nas profundezas de suas águas e que costumam aparecer para pescadores. Daí a sua importância para a cultura popular. As narrativas repassadas por gerações de barqueiros, pescadores/as e ribeirinhos/as; as cantigas e rezas nas procissões das romarias da terra e das águas, por homens e mulheres carregados de simbolismos, fazem dessas iniciativas expressões de resistência e fé, percorrendo caminhos em meio à vegetação que cresce no lugar onde já foi o seu leito, para oferecer-lhe um gole d’água. 

Se o rio morre, morre com ele a cultura de um povo.

O velho Chico é também núcleos de memórias. Em cada trecho, várias histórias de vida. Na contramão da velocidade do que já foi a sua correnteza e pela abundância de suas águas e profundidade de seu leito, hoje algumas embarcações estão fixadas nas areias de suas margens. Ali se ancora também lembranças e memórias de tempo de farturas de peixes e da vida movimentada no cais.

Da poética entre as memórias e a atual situação do rio, não pode deixar de falar das situações de tantos outros rios que o alimentam, dando-lhe água de beber. Considerado como uma caixa d’agua, o cerrado baiano compõe as importantes bacias hidrográficas do Rio Grande e Rio Corrente que são ameaçadas diariamente pela monocultura e desmatamento do cerrado, como plano de “desenvolvimento” adotado pelo estado brasileiro, desde os anos 70.

Do significado inicial “rio-mar” dado pela população indígena, talvez, na atualidade, essa alcunha não corresponda mais, pois, para navegá-lo encontram-se enormes dificuldades por ter se tornado estreito e assoreado. As suas vazantes já não são tão produtivas o que diminui a produção de alimentos para sua população ribeirinha.

Diante do processo cumulativo de degradação que vive o rio e suas bacias hidrográficas, a revitalização só se dará se as populações ribeirinhas de forma organizada e mobilizada forem efetivamente protagonistas para a mudança desta realidade.

Fonte: Allan Lustosa-CNBB
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JURANI CLEMENTINO: EITA VÁRZEA ALEGRE BOA, SÓ É LONGE

O município de Várzea Alegre sempre forneceu mão de obra para diversas partes do país. Não é de hoje que dezenas de trabalhadores anualmente se dirigem para outros estados em busca de trabalho. Talvez o que se tem de mais conhecido é a relação que se estabeleceu entre São Paulo, especialmente o município de São Bernardo do Campo com Várzea Alegre. Visto que milhares de varzealegrenses se instalaram por lá, ocuparam basicamente um bairro inteiro – O Ferrazópolis, e anualmente promovem uma festa de confraternização para reunir a comunidade ali instalada. 

Vale destacar que, dada a marcante presença dos filhos de Várzea Alegre na região do ABC paulista, o filme “Peões” de Eduardo Coutinho, um dos maiores documentaristas que esse país já teve, começa exatamente no bairro do Juremal com depoimentos de ex-metalúrgicos que, nos anos 70 e 80, participaram dos movimentos grevistas em São Paulo.

No entanto, de Várzea Alegre também saiu gente para trabalhar nos seringais do Acre, nas lojas de Fortaleza, no comércio do Recife, nas plantações de algodão do Paraná, na construção civil do Rio de Janeiro e Minas Gerais, nas fazendas de gado do Pará, Maranhão, Mato Grosso, Goiás… Esta semana fiquei sabendo que no final dos anos de 1950 familiares meus foram vítima de trabalho escravo na região de Goiás. Entre esses parentes estavam uma tia de minha mãe, de nome Cecília, que foi casada com Zé Leandro, e Santinha que é tia de meu pai e viúva de Augusto Grande, um dos homens mais valentes da região. Há relatos de que, num único dia, o Augusto, durante uma briga, cortou a orelha e a garganta do desafeto e como se não bastasse ainda castrou o jumento desse pobre coitado.

Bom, mas retomando a viagem desses trabalhadores para Goiás. O grupo de varzealgrense saiu do Sítio Queixada e tomou um caminhão pau de arara onde hoje fica a BR 230. Teriam sido agenciados por um conhecido, que já havia trabalhado naquela região, mas nenhum deles sabia as condições de trabalho que os esperava por lá. A realidade só foi revelada quando, alguns dias depois, ao entrarem na fazenda perceberam que dois jagunços armados ficavam vinte e quatro horas na porteira de acesso. Foi aí que a ficha caiu. Dali eles não sairiam com facilidade. A não ser fugindo. Tratava-se de uma cilada. Então, como fugir de um lugar distante de tudo. Uma fazenda perdida no meio do país. Sem contato com ninguém. Mesmo assim, meses depois, Augusto, Zé Leandro e outros companheiros, todos de Várzea Alegre, organizaram um plano de fuga. Dois dias antes de fugir a filha de Augusto adoeceu, então ele e Santinha levaram a criança ao hospital e nunca mais voltaram pra fazenda. Mesmo assim, Zé Leandro e os demais resolveram cair na mata, no meio da noite, debaixo de chuva sujeitos a serem devorados por onças selvagens.

Vinte e quatro horas, perdidos na floresta eis que chegaram a Goianésia, município situado a cento e setenta quilômetros de Goiânia, capital do estado de Goiás. Adoentados pediram ajuda. Um dos filhos de Zé Leandro, que o acompanhava na fuga dos pais não suportou e morreu pouco depois de dar entrada no hospital da cidade. Ali mesmo eles enterraram a criança. Sem dinheiro para retornar à terra natal foram trabalhar, numa localidade vizinha, juntando areia e enchendo caminhões que seguiam para a construção de Brasília.

Depois que conseguiram o dinheiro e compararam a passagem de volta pra o Ceará, essa família não parou. Morou em São Paulo, trabalhando na construção civil, depois catando algodão nas fazendas do Paraná e há quarenta anos reside no estado do Mato Grosso. Essa é apenas uma das muitas histórias de varzealegrenses perdidos por esse país a fora. Sofrendo, lutando e repetindo aquela clássica frase que tem mil significados: Eita várzea alegre boa, só é longe.

Fonte: Jurani Clementino- Jornalista, escritor, professor
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A ESTRELA DE LUIZ GONZAGA

A geografia musical brasileira tem alguns pólos bem definidos. O hegemônico sai da Bahia e se fixa no Rio de Janeiro a partir dos anos 20, em cima do samba, choro e derivações. Durante o século 20, aliás, Bahia e Minas forneceram contingentes de músicos fundamentais, mas não chegaram a produzir música típica local -apenas recentemente, a partir do Olodum, a Bahia retomou suas raízes. Há um segundo pólo, de música caipira/sertaneja que se formou no interior de São Paulo e se espraiou pelo Triângulo Mineiro e Goiás.

Um terceiro pólo bem definido é o gaúcho, da música pampeira com influência da Argentina e do Uruguai. Recentemente, cresceu muito o pólo da música pantaneira, com nítida influência da guarânia e da música paraguaia. Persiste, no Pará, a tradição da canção brasileira, herança ainda dos tempos da borracha.

Depois do Rio de Janeiro, o grande pólo da música brasileira é Pernambuco, com duas vertentes muito nítidas. Há uma de Recife/Olinda, com seus frevos orquestrados, cirandas e maracatus, e há a vertente dita nordestina -que abarca o sertão pernambucano e os Estados limítrofes, com destaque para Paraíba e Ceará. E é aí que surge a estrela luminosa de Luiz Gonzaga, o Lula, o grande nome da modernização da música brasileira nos anos 40, ao lado de Dorival Caymmi.

Dito assim, fica meio frio e impessoal. Mas você não sabe o que era Luiz Gonzaga nos anos 50, quando ele explodiu para o Brasil. Ele corria todo o interior, fazendo shows nas praças das cidades em cima de um caminhão, patrocinado por uma multinacional da qual não me recordo o nome.
Não se tratava de um fenômeno restrito às elites intelectuais, aos universitários, aos cultivadores da chamada "boa" música.
 Cada música lançada percorria todos os estratos sociais. Lembro-me, na farmácia do meu pai, eu, com meus oito anos, sendo provocado pelo Pedro e pelo Antônio (os dois boys) por conta da música "Respeita Januário" (Gonzaga e Humberto Teixeira), homenageando Severino Januário. Januário era também o balconista da Farmácia Central.

No dia em que ele foi se apresentar em Poços de Caldas, a cidade inteira desceu para a praça. Minha mãe também desceu, comigo e minha irmã Regina, eu com sete anos, ela com cinco. Gonzaga já era conhecido da cidade, para onde encaminhou a namorada tísica, com o filho Gonzaguinha, para uma temporada de tratamento. Acabamos assistimos ao show de dentro de uma Rural Wyllis, de uns parentes dele.

Antes de lançar o baião, Gonzaga passou pelo choro. Seu estouro ocorreu com a música cantada, não apenas pelo balanço, trazendo o xaxado, o xote, o baião, mas pela temática. Com seus parceiros Zé Dantas e Humberto Teixeira, Luiz Gonzaga trouxe para a música brasileira a problemática do Nordeste, que aquela altura dominava as atenções de todos, de planejadores, como Celso Furtado, a poetas, escritores, estudantes.

Mesmo assim, o tom político de suas canções em nenhum momento se sobrepôs às qualidades musicais ou às características profundamente nordestinas. O balanço, a gozação, o uso dos termos regionais, tudo contribuiu para criar um modelo estético imbatível dentro da música brasileira, dos épicos nordestinos, como "Asa Branca", ao lirismo de "Estrada do Canindé" ("Ai, ai, que bom/ Que bom, que bom que é/ Uma estrada e uma cabocla/ Com a gente andando a pé"). Ou então o "Xote das Meninas", que fez o maior sucesso na voz de Ivon Cury, talvez o cantor de maior sucesso na segunda metade dos anos 50 -e que morreu fazendo bicos em programas humorísticos.

Pouco depois de lançada, "Asa Branca" já era um clássico. Lembro-me nos anos 60 o orgulho que nos dava o mero boato de que os Beatles iriam gravar a canção.
A relação de sucessos de Gonzaga é enorme. Há quem goste das todas, dos xotes, das músicas buliçosas. De minha parte a música que mais me tocou, meu hino nacional brasileiro do Nordeste é "Que nem jiló" (Gonzaga e Humberto Teixeira).

Fonte: Luiz Nassif-Folha São Paulo-2001
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