RIO SÃO FRANCISCO, INSPIRAÇÃO PARA O BAIÃO E A LITERATURA BRASILEIRA

“Quando escrevo, repito o que já vivi antes. E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.  Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem”, disse certa feita o escritor mineiro João Guimarães Rosa. Não é exagero afirmar: o Velho Chico é o rio que mais inspira os artistas brasileiros. Da nascente à foz, protagoniza histórias, lendas, músicas, poemas, em uma diversidade de manifestações artísticas, da cultura popular à erudita.

Uma das maiores obras da literatura brasileira, “Grande Sertão Veredas” (1953), de Guimarães Rosa, tem o São Francisco e o sertão como metáforas: “Agora, por aqui, o senhor já viu: rio é só o São Francisco, o rio do Chico. O resto pequeno é vereda. E algum ribeirão”, escreveu ele. O rio atravessa o romance de diversas formas: é um elemento geográfico e também simbólico.

O narrador, Riobaldo, tem o rio no nome. Como um rio, Riobaldo traça o próprio rumo, sua travessia, mergulhando nas correntezas da alma. E é no São Francisco que ele e Diadorim se banham, adolescentes, numa passagem emblemática da história: a partir daquele dia tudo muda na vida de Riobaldo, que dirá: “O São Francisco partiu minha vida em duas partes”. O Velho Chico acompanha o personagem até o final do romance: nas últimas linhas, Riobaldo, “quase barranqueiro”, volta a mencioná-lo: “O Rio de São Francisco – que de tão grande se comparece – parece é um pau grosso, em pé, enorme…”.

Outro gigante da nossa literatura que homenageou o Velho Chico foi Graciliano Ramos. No conto “Canoa Furada”, presente na obra “Alexandre e outros heróis”, escrito nos anos 40, o autor alagoano narra a história do vaqueiro Alexandre, que faz a travessia do rio em uma canoa, literalmente, furada. “É o maior rio do mundo. Não se sabe onde começa, nem onde acaba, mas, na opinião dos entendidos, tem umas cem léguas de comprimento”, conta o personagem aos amigos.

Jorge Amado também se inspirou no São Francisco como cenário em “Seara Vermelha” (1946): castigados pelo sol do sertão, os personagens retirantes partem para Juazeiro, onde pegam um barco para São Paulo.

O romance de estreia do escritor mineiro Lúcio Cardoso, “Maleita” (1934), passa-se na Pirapora do final do século XIX, narrando as viagens dos tropeiros às margens do São Francisco e a fundação da cidade.

Na primeira parte do clássico “Os sertões” (1902), “Terra”, Euclides da Cunha estuda o povoamento das regiões banhadas pelo rio e a sua influência na formação étnica do sertanejo. Fala também sobre o papel do homem como agente da destruição, com as queimadas que arrasaram as florestas.

O poeta Carlos Drummond de Andrade não demonstrou muito otimismo sobre o futuro do Velho Chico: no poema “Águas e Mágoas do Rio São Francisco”, ele fala dos “desencantos, males, ofensas e rapinas que no giro de três séculos fazem secar e morrer a flor de água de um rio”.

O Rio São Francisco também é cantado por grandes nomes da Música Popular Brasileira. Luiz Gonzaga fez o “Pajeú”, aquele que “vai despejar no São Francisco”, ficar famoso no Brasil inteiro, através da canção “Riacho do Navio”, que compôs com Zé Dantas, em 1955.

É da dupla Sá&Guarabira uma das mais conhecidas canções sobre o rio, “Sobradinho”, que cita as cidades inundadas e a população expulsa pela construção das usinas hidrelétricas de Sobradinho, na década de 1970. A letra fala também da profecia de Antônio Conselheiro, de que “o sertão vai virar mar o e o mar irá virar sertão”.

Em 1984, Caetano Veloso tratou simbolicamente da rivalidade entre Juazeiro e Petrolina em “O ciúme”: “Velho Chico vens de Minas / De onde o oculto do mistério se escondeu / Sei que o levas todo em ti, não me ensinas / E eu sou só, eu só, eu só, eu”.

Mais recentemente, em 2011, Geraldo Azevedo, nascido nas margens pernambucanas do rio, fez o álbum temático “Salve o São Francisco”, com a participação de Djavan, Maria Bethânia, Dominguinhos, Geraldo Amaral, Alceu Valença, Ivete Sangalo, Moraes Moreira, também nascidos em estados banhados pelo Velho Chico e Fernanda Takai que nasceu no Amapá.

Maria Bethânia viajou pelo universo folclórico e afetivo das águas dos rios do interior do Brasil em seu CD “Pirata”, sem se esquecer, é claro, do Velho Chico. Na bela “Francisco, Francisco”, canta “barrancos, carrancas, paisagens, tantas águas corridas, lágrimas escorridas, despedidas, saudades”. A canção encerrou a novela global “Velho Chico”, de Luiz Fernando Carvalho, num adeus emocionado ao ator Domingos Montagner, que interpretou o personagem “Santo”, levado pela correnteza do rio num trágico acidente que lhe custou a vida, na região de Piranhas (AL).

Mesmo com a diversidade de autores e propostas, há um denominador comum nas obras que tem o rio São Francisco como fonte de inspiração: elas falam e mostram um Brasil real, profundo, verdadeiro. São obras que nascem de sentimentos que só os brasileiros conhecem, como um espelho que reflete nossa identidade e cultura mais genuína.

Ariano Suassuna, um dos defensores da cultura brasileira autêntica, costumava citar o crítico Alceu Amoroso Lima em seus discursos: “Do Nordeste para Minas corre um eixo que, não por acaso, segue o curso do São Francisco, o rio da unidade nacional. A esse eixo o Brasil tem que voltar de vez em quando, se não quiser se esquecer de que é Brasil”.

*Fonte: Cristiane Tassis-CHBSF
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TRABALHADORES ENFRENTAM SOL DE 38 GRAUS PARA GANHA O PÃO DE CADA DIA

Juazeiro e Petrolina. Temperatura em torno de 40 graus. Umidade relativa do ar em média de 20 porcento, considerado em situação de alerta para os cuidados com a saúde. O agente de limpeza, Elias Bernado de Souza é um trabalhador que enfrenta o estado máximo para ganhar salário e sustentar a família. "Não é fácil mas tenho uma filha e família que precisam do fruto desse trabalho", diz Elias.

São inúmeros trabalhadores, pedreiros, mototaxistas, carteiros, agentes trânsito, e dezenas de autonomos que trabalham nas ruas e avenidas enfrentando o sol escaldante. Para suportar o calor, Elias usa roupa de segurança, protetor solar e um garrafão de água. 

Na avenida Adolfo Viana, Longe da sombra e entre os entulhos da construção, pedreiros enxugam o suor para Aturar a sensação térmica beirando os 50 graus, cientificamente, a sensação térmica marca 38 graus, nesta manhã de quinta-feira (07).

Ainda na avenida Adolfo Viana, o motorista (que pediu para não ser idenficado), diz que a ganância empresarial e dos políticos faz com que ele trabalhe no ônibus sem ar-condicionado, então, o único jeito de se refrescar é jogar água no corpo e dobrar a calça até o joelho. “É um bafo tão forte quanto o que você sente quando abre o forno. Imagina sentir isso o dia inteiro”, afirmou. 

Ele cobrou uma mudança no vestuário: “Não faz o menor sentido a gente não poder usar bermuda. Mas só mesmo com o ar-condicionado resolve”.

"Sou honesto, Trabalhador e tenha certeza, tenho vergonha da maioria dos políticos que trabalham com ar condicionados e nada fazem pelo povo. Apoio Tiririca. Uma vergonha", finalizou Elias.

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CAPTAÇÃO DE ÁGUA DO RIO SÃO FRANCISCO TODA QUARTA-FEIRA SERÁ PRORROGADO ATÉ ABRIL DE 2018

O superintendente de Recursos Hídricos da ANA, Joaquim Gondim, anunciou a prorrogação da resolução que instituiu o Dia do Rio, através do qual suspende a captação de água no Velho Chico nas quartas-feiras. “A resolução será publicada ainda essa semana no Diário Oficial da União e deverá prorrogar o Dia do Rio até o final de abril do próximo ano”, anunciou Gondim. “Além disso, nos próximos dias também iremos publicar no Diário a resolução que estabelece o novo modelo de gestão das águas do São Francisco”, completou Gondim.

A prorrogação tem o objetivo de preservar os estoques de água nos reservatórios da Bacia do Rio São Francisco, a captação em corpos d’água superficiais perenes de domínio da União no manancial estão suspensas todas as quartas-feiras. A resolução é da Agência Nacional de Águas, em articulação com os estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco e usuários.

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POLIBIO ALVES, PARAIBANO DE CUBA, por Aderaldo Luciano

Morando na mesma cidade e convivendo com amigos em comum, nunca pude abraçar Políbio Alves, o poeta que aguçou meus sentidos a partir de 1982. Voltava de Sergipe para visitar minha mãe e ao mesmo tempo fugir ao alistamento militar obrigatório no Tiro de Guerra. Era a cidade de Propriá, lavada pelo Rio São Francisco, visitada pelo calor, em cujas mesas o peixe surubim, malhado como uma rês, bigodudo como um vilão do cinema, fazia vez. Nasci e sustentei-me na vida em Areia, espinhaço da Borborema, brejo frio e chuvoso, ventanias e canaviais.

O mês de fevereiro acelerava-se e havia a expectativa do famoso Festival de Artes. Desde os 10 anos que minhas visitas às bibliotecas, meu desempenho no Colégio Estadual, minha irreverência, um violão desesperado e um certo ar de contraventor criaram uma certa distância entre nós, eu e a mesmice da terra. Até que veio o Festival e ganhei de algum figurão a complacência de alguns livros, entre eles a antologia Carro de Boi, coordenada por Juca Pontes. Já pude testemunhar o valor dessa antologia para nós, os meninos desnorteados fingindo sermos poetas numa terra árida de poesia e diálogo.

Nós achávamos que éramos a nova safra, mas quão distante estávamos disso. Entre as páginas 33 e 48 do Carro de Boi situava-se a Passagem Branca, a seleta dedicada a Políbio pelo coordenador. Imprensava-se entre Jomar Souto e o próprio Juca. Só esse título já destruía toda minha pretensão, "Passagem Branca". Quantos minutos passei pensando no porquê desse título para uma seleção de poemas. Ainda agora, quando fui reler os poemas, fiquei a imaginar meu próprio imaginar naqueles dias. O "Santo Ofício" de Políbio é mesmo o remexer nas feridas do poeta. Naquele dia, fui lendo até o Triedro. Daí não passei. Naquele dia:

Na sexta-feira santa,
o poeta deliberou
o inventário do tempo.

Na sexta-feira-santa,
o poeta de Cruz das Armas
reuniu os companheiros
de farra, armou o bote.

Na sexta-feira santa
o poeta fechou os olhos,
acionou do gatilho
sua última palavra.

Às vezes fico rindo dos teóricos que se metem a decifrar o poema e a determinar o que o poeta quis dizer ou não. Lançam-se às teorias, às facções, às mais interessantes e improváveis possibilidades. No meu tempo de graduação, segurando na mão dos meus orientadores, eu observaria a repetição "Na sexta-feira santa/ o poeta..."; coletaria os verbos "deliberou", "reuniu", "armou", "fechou", "acionou". Mas, senhores, sempre fui um péssimo aluno, incapaz de interpretar o tarô poético, vivo pela emoção, pelo arrepio, pelo grito irmão, pelo despenhadeiro da dúvida, pelo universo da canção. De que me importa saber o que o poeta quis dizer. O que importa é que o poeta disse, com o dedo em riste, a cara ao tapa, a voz ao vento e a bala (palavra?) ao ouvido.

Não vem ao caso. O caso, estou contando. Naquele dia parei no Triedro, mas antes demorei-me em Teia. Porque alguns termos e temas e palavras (sememas? semantemas? sei lá o que) dialogavam com outros de Triedro. Fui alertado para a possibilidade de a obra de qualquer artista dialogar com ela mesma numa coisa chamada auto-referenciação. E a Teia reforçava o Triedro, numa encruzilhada pesada que pensei tratar-se da tentativa de suicídio. Isso naquele tempo de 34 anos atrás, em minha baixa puberdade. Eu era um detetive cuja única virtude era saber escrever o nome. Mas era assim que estava escrito:

É um corre-corre,
risco&confisco,
jogo-de-vida, um porre.

É um tiro certeiro,
uma rixa, uma teima,
lesão clara, não queima.

É uma queda, um baque,
uma fera, um ataque,
ultra-refrega, uma guerra.

Sem saber, eu era um protótipo de Mario Conde, pequeno e ínfimo, pois quando viro para a página 42 tem lá um poema chamado Repasse. Se a morte era preparada em Teia e o saque da arma em Triedro, agora o poeta dizia que eu o julgava como sendo um matador de aluguel de si mesmo. Todavia, meus amigos, tudo isso é apenas uma homenagem e uma alegria, um agradecimento e um lampejo, um muito obrigado ao poeta que encantou-me um dia e que, nesse tempo de tantas desilusões, ofertou para nós La Habana Vieja: Olhos de Ver. E Políbio Alves nem sabe que agora o leio com outros olhos e outros saberes, mas com a mesma emoção.
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VALDI GERALDO, O NEGUINHO DO FORRÓ, EXU, ALEGRIA E BELEZA DO SERTÃO

Sempre é bom lembrar: o grande celeiro de Luiz Gonzaga foi, até o final da carreira, o Nordeste. A cada viagem que fazia pela região descobria um compositor. Em Caruaru, foram Onildo Almeida e Janduhy Finizola; em Sumé, Paraíba, José Marcolino; em Pesqueira, Nelson Valença. Campina Grande, Rosil Cavalcanti.

E em Exu, na sua terra, valdi Geraldo, o Neguinho do Forró é músico, compositor de quem Luiz Gonzaga gravou a música "Nessa Estrada da Vida" em 1984 no disco, Long Play, Danado de Bom. Neguinho do Forró é um desses talentosos compositores que contribuiram com o reinado de Luiz Gonzaga. 

Valdi é compositor do sucesso da música Nessa Estrada Vida, em parceria com Aparecido José. Ao ouvir a música Luiz Gonzaga teve paixão de primeira, tarimbado, o Lua, sabia quando estava diante de uma riqueza musical, viu que melodia, ritmo e harmonia são frutos do seu Reinado. Gravou. Hoje é uma das músicas mais interpretadas no cancioneiro brasileiro. Recebeu regravações de Dominguinhos, Jorge de Altinho, Waldonis, fiéis discípulos do Rei do Baião.

Com a morte de Luiz Gonzaga, em agosto de 1989, foi também em Valdi Geraldo que o Gonzaguinha, o poeta da resistência, que por centenas de vezes caminhou nas estradas, visitando lugares e construindo sonhos no pé da serra do Araripe pensando em concretizar o projeto do Parque Asa Branca. 

Desde 1999, quando conheci, Valdi Geraldo em Exu, tenho o maior respeito e admiração por este artista. Homem de Bem. Alma de cantador. Ele, não vive comercialmente da música, é funcionário do Ministério da Saúde. Em 2012 lançou um CD, Alegria e Beleza do Sertão, uma das composições mais belas da música brasileira, que se junta a larva criativa do poeta, diga-se, um dos mais humildes, ou seja, sabe tratar o povo mais simples, assim como tanto pedia Luiz Gonzaga.

Valdi Geraldo está marcado para a eternidade e o Brasil poderia ainda em Vida ser mais grato pela trajetória desse cantor e compositor. Caruaru, Pernambuco, através do pesquisador Luiz Ferreira souberam valorizar o artista e ele, em 2014, recebeu o título troféu Orgulho de Caruaru.

Luiz Gonzaga é citado por todos os compositores como um mestre na arte de sanfonizar as canções. Sanfonizar é um termo criado pelo próprio Luiz Gonzaga. O pesquisador José Teles, afirma que a maioria dos seus parceiros de Luiz Gonzaga não escondem que cederam parceria para o Rei do Baião, porém, geralmente, suavizam a revelação com um argumento: ninguém interpretaria a composição igual a ele. Ou ressaltam o talento de Gonzagão para “sanfonizar” as composições – ou seja, como usava seus dons de arranjador para enriquecê-las.

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LUAS DE LUIZ GONZAGA, O REI TAMBÉM GRAVOU VALSAS, CHOROS, FREVO E MARACATUS

Nem só de animados baiões, xotes e xaxados viveu o reinado de Luiz Gonzaga. Quem diria, viveu Gonzagão de valsas, choros e maracatus. Pois é, Mestre Lua compôs em outros ritmos e gravou esse material entre os anos 1940 e 1950. Boa parte desse repertório está no CD Luas do Gonzaga, produzido pelo pesquisador, compositor, cantor e violonista Gereba Barreto, que descobriu essas canções em dezembro de 1985 quando comemorava os 73 anos de Luiz Gonzaga com seus amigos Gilberto Gil, Gonzaguinha, Dominguinhos, Marinês e outros, em Exu.

As músicas eram instrumentais mas ganharam letras de vários compositores com participação de cantores de renome como Gilberto Gil, Lirinha, Lenine e Margareth Menezes, Dominguinhos, Zeca Baleiro, Jair Rodrigues, Elba Ramalho, Jorge Vercillo, Flavio Venturini, Maciel Melo, Santanna e Adelmario Coelho, Ná Ozzetti, Jussara Silveira, Raimundo Fagner, além da Sinfonieta dos Devotos de Nossa Sra. Dos Prazeres e outros grandes músicos de vários Estados do país.

O projeto era também um sonho de Gonzagão, que certa vez confessou a Gereba Barreto, sentir-se desconfortável com o rótulo de ser apenas forrozeiro. A ligação entre Gereba Barreto e Mestre Lua é antiga, como descreve o produtor: “Primeiro fui fã, depois para minha completa realização, tornei-me amigo e, melhor, tenho orgulho de ter possibilitado grandes realizações em sua vida como, por exemplo, tocar pela primeira vez em 1974, para uma platéia nobre de mais de cinco mil pessoas na Concha Acústica do Teatro Castro Alves (Salvador). É bom lembrar que antes disso ele só se apresentava pela periferia de Salvador. Também proporcionei a ele seu maior público com nosso trio Carnaforró, em 1986, com 1 milhão de pessoas nos três dias do carnaval baiano inaugurando o Circuito Barra-Ondina”

Não foi um projeto fácil de ser concluído. Consumiu em torno de cinco anos entre encontrar as editoras das obras e achar o letrista adequado a cada música, para que o casamento desse certo. E deu. Entre as novas parcerias de Gonzagão estão a de Gilberto Gil no choro Treze de Dezembro (gravação inédita), Verônica (com Lirinha), Marieta (Fernando Brant), Mara (Zeca Baleiro), Luar do Nordeste (J. Velloso), Lygia (Abel Silva), Passeando em Paris (Bené Fonteles), Numa Serenata (Carlos Pitta), Pisa de Mansinho (Xico Bizerra), Sanfona Dourada (Maciel Melo) e Wanda (Tuzé de Abreu). Gereba Barreto também compôs a Suíte Lua Gonzaga, que contém fragmentos de músicas suas e do Mestre Lua, além de Sete Luas do Gonzaga (Ronaldo Bastos) e Galope Além do Mar (Capinan).

Gereba Barreto  é onsiderado músico de grande versatilidade, nasceu em Monte Santo, Bahia e tem uma lista considerável de bons serviços prestados à música brasileira. Com seu grupo Bendegó lançou cinco discos. Muitos intérpretes gravaram suas composições, entre eles, Elizeth Cardoso, Beth Carvalho, Raimundo Fagner, Amelinha, o argentino Leon Gieco e o guitarrista alemão Folkan Crieg.

Produziu arranjos para Caetano Veloso (Canto do Povo de um lugar do disco Jóia -1975) e em mais de quarenta discos. Seu primeiro disco solo foi Te Esperei (1985). A seguir vieram Cantando com a Platéia - Tom Zé e Gereba “Cantando com a Platéia” (1990), Gereba convida (1993) com as participações de 13 vozes femininas como Cássia Eller, Ná Ozzetti, Vânia Bastos, Cida Moreira e outras. 

Serenata na Umes - Gereba convida (1996), coletânea de 6 CDs gravados ao vivo com com Silvio Caldas, Arrigo Barnabé entre outros, Canudos (1997), Forró da Baronesa (2000) pela CPC-umes. Sertão 2002) e Canções que vem do Sol (2002 pela Paulus Music e “Dom Quixote xote xote” pela Por do Som (2004) .
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‘QUEM COMPREENDE MAL A ARTE, COMPREENDE MAL A SI MESMO’ – FREUD

"De que adianta falar de motivos, às vezes basta um só, às vezes nem juntando todos." [José Saramago]

Quase 90% dos brasileiros não vão aos museus, dizia uma pesquisa em 2010. Os índices melhoram um pouco em 2017, mas não muito (81% não frequentam museus, 92% preferem a tevê e outras mídias). O que nos leva a questionar a relação do brasileiro com a Arte, com este conhecimento tão importante para a compreensão do que somos, não só como brasileiros, mas como seres humanos.

As polêmicas envolvendo as quatro obras do “Queermuseu – Cartografias da Diferença na Arte Brasileira”, em Porto Alegre em meados deste 2017, ou mesmo a acusação descabida de pedofilia dentro do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), revelam não só uma incompreensão da Arte, mas uma incompreensão do que somos como sujeitos históricos, pois ao censurarmos a Arte, limitamos nossas capacidades cognitivas e de revisão/revolução da História.

Obra “Las Meninas”, de Diego Velázquez, em 1656 (Crédito: Diego Velázquez/Domínio Público)

Há uma lapidar pintura de Diego Velázquez que parece nos revelar o poder da arte, sua potencialidade e sua capacidade de nos dar motivos para reflexão além da vida comum, das discussões comezinhas, dos argumentos rasos que circulam nas mídias sociais ou na grande mídia.

A pintura é conhecida como “As Meninas” e fora terminada em 1656, em pleno Barroco espanhol. Nesse maravilhoso quadro barroco há muito o que aprender, e um dos aprendizados, um de seus motivos, é: a assertiva de que a arte é pura provocação à alma. Se a alma é pequena, não há olhos para a Arte, pois ela não se revela.

O quadro é uma incitação à inteligência, uma convocação para espíritos livres. Os traços e cores em contraste típicos do Barroco mostram o culto dos  opostos, o jogo antitético, em que a luz e o branco das crianças brincam com o escuro e preto das vestimentas dos adultos. A mãos e a testa iluminadas do pintor-personagem do quadro revelam que a iluminação está no fazer (mãos, na sensibilidade) e na razão (testa, cabeça). Mas o centro da tela não é a menina, a infanta, a princesa, filha do Rei Felipe IV. O centro do quadro está fora dele: está nos olhos do espectador. Velázquez foi genial ao pintar este quadro, pois o centro  é o paradoxo que ele nos coloca. O paradoxo da reflexão do papel da arte naquele que a lê. Assim a Arte se nos revela (paradoxo central e maior).

O centro de tudo, portanto, é o leitor dialógico, que dialoga e interage, e não o mero espectador de tevê que apenas recebe passivamente o conteúdo mastigado (sem sequer aprofundar a reflexão). A arte nos cobra dialogismo, a tevê nos dá conformismo.

Ler Arte, é compreender a si mesmo. Freud explica

Um primeiro exemplo de que arte é provocação ao espírito encontramos em Sigmund Freud, que era um grande analista de arte. Gostava e gastava tempo lendo Sir Conan Doyle, por exemplo, autor de Sherlock Holmes. E muito do que Freud usou na “Interpretação dos Sonhos” (1905) ou para formular o conceito do “Complexo de Édipo” foi retirado da Literatura, portanto, da Arte. Está em Freud a frase psicanalítica mais contundente que se possa ler sobre o que é a Arte: “Quem compreende mal a arte, compreende mal a si mesmo”. 

A sentença é acachapante, pois mostra que compreender vai muito da curiosidade do leitor de um livro, da argúcia do espectador de uma tela, da coragem da plateia de teatro, ou da reflexão de quem assiste um filme, ou na opinião de quem vê tevê, ou interage em redes sociais. Já que Arte só o é aos olhos de quem lê com vivacidade.

Um segundo exemplo, está em um dos mais cruciais pensadores do século XX, Michel Foucault, que no primeiro capítulo do livro “As palavras e as coisas” (1966) analisa a pintura de Diego Velázquez. E ao analisar, Foucault nos dá duas sentenças primorosas:

1) “Olhamos um quadro de onde o pintor nos contempla”, esta sentença lapidar de Foucault, nos mostra que o ponto de fuga do quadro está fora dele. O quadro de Velázquez quebra a “quarta parede” – termo usado no teatro, para chamar o espectador para a interação com a peça. A quebra da “quarta parede” em uma pintura é mais sutil para o leitor desatento. Talvez ele nunca note que as figuras centrais do quadro estão no espelho ao fundo da tela de Velázquez. São as silhuetas de um casal, provavelmente o rei e rainha da Espanha.

O rei e a rainha estão fora do plano do quadro, estão no lugar do contemplador da tela. Estão fora da peça, estão fora da tela. Ou seja, o rei e a rainha são os olhos do espectador (ou “Expectador”, pois está externo à tela), do leitor, daquele que sabe ler a vida na arte e arte na vida. Por isso, olhamos um quadro em que o pintor nos contempla, pois ele nos incita a pensar. E existe contemplação maior na arte quando ela nos incita a pensar, a sentir e a viver outros planos? Não há, porque Arte é reflexão e lucidez atemporal.

2) “O pintor só dirige seu olhar para nós na medida que nos encontramos no lugar de seu motivo”, esta outra sentença do pensador francês, a qual mostra que o quadro está nos chamando para o diálogo, para o DIALOGISMO, já que é a tela que nos olha. Já que é ela que ganha vida em nossos vivos olhares. Porque um objeto sem a curiosidade, a coragem investigativa ou a reflexão do leitor não é uma obra de arte, mas apenas um objeto inanimado.

Sabemos que brasileiros leem pouco. É apenas a décima atividade em uma lista de lazeres. Preferimos ficar na TV, na Internet, no WhatsApp, no Instagram e no Facebook, antes de ler um livro ou visitar um museu. Ou seja, não se pode esperar muito do brasileiro que só assiste TV como crítico de arte. Por isso é importante não nos perdermos em motivos toscos, mesquinhos, morais, superficiais e rasos, como quer qualquer grupelho incitador de ódio e ignorância.

A arte incita a reflexão, a sensibilidade e a inteligência. Faz o homem questionar seus valores morais e históricos. Provoca a alma. Nos convida para uma ética da reflexão e da interação. A arte faz parte de uma espécie de “Humanismo da Alteridade”, diria Augusto Ponzio, pensador italiano que escreveu “A Revolução Bakhtiniana” (Editora Contexto, 2008), pois nos coloca em contato com outras perspectivas, outros modos de ver, outros modos de viver (“alter“, do latim, quer dizer “outro”). Melhorando assim nossa humanidade. Pois a arte nos alarga o modo de ver.

Falar de motivos no Brasil é fácil, se ele for gerido pelo ódio, pela ignorância, aí nem precisa juntar todos os motivos, pois um já nos bastaria e nos encerraria.

Contudo, se formos falar de arte, basta um único/outro motivo para sairmos do ódio: o uso da inteligência em benefício do aprimoramento do convívio social.

Basta saber ler e estar eticamente aberto ao diálogo, saber interagir da “quarta parede”.

Pois “As meninas” do quadro de Velázquez não são as meninas pintadas, entretanto são as meninas dos olhos do espectador atento e sem preconceitos e ódios, mas livre.

Para tanto, procurar saber o porquê da Arte já seria um bom motivo. E ele paradoxalmente nos bastaria. 

Ou como diria o poeta: “A arte existe porque a vida não basta.”

**Fonte: Fabrício César de Oliveira é doutor em Linguística e Filosofia da Linguagem pela Universidade Federal de São Carlos.
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