Serrita: Missa do Vaqueiro. Simbolismo de Fé. Rezas de Sol e Gratidão

Enfim, compreendi que a história vem se tecendo com a força da própria vida. E por isto, disse o cantador Virgilio Siqueira, daí não ser possível guardar na própria alma a transbordante força de uma causa. Daí não ser possível retornar, afinal, a gente nem sabe ao certo se de fato partiu algum dia...

Participei do Seminário Cariri Cangaço e da Missa do Vaqueiro de Serrita, entre os dias 20 a 23 de julho. Encontro de amigos. Encontro de irmãos na Fé. Missão de Resistência, Valorização Cultural: Lá de Jijoca de Jericoacoara-Ceará Padre Fábio Mota. Helena Cancio, Rafael Lima. Zé Nobre, Kydelmir,  Paulo Vanderley. Marlinda Freitas, Maria Oliveira, Ana, amigos de Poço Redondo-Sergipe. Abraçar amigos de dezenas de Estados onde Luiz Gonzaga plantou uma voz de harmonia...e mais um reencontro com o poeta violeiro Pedro Bandeira. Pedro Bandeira, o poeta cantador é o único que ainda vive e participa do evento desde a primeira edição da Missa do Vaqueiro de Serrita.

Cada arte emociona o ser humano e maneira diferente! Literatura, pintura e escultura nos prendem por um viés racional, já a música nos fisga pelo lado emocional. Ao ouvir música penetramos no mundo das emoções, viajamos sem fronteiras.

A viagem dessa vez foi o destino Serrita, Pernambuco, município próximo a Exu, terra onde nasceu Luiz Gonzaga. Em Serrita, no sítio Lages, um primo do Rei do Baião, no ano de 1951, Raimundo Jacó, homem simples, sertanejo autêntico, tendo por roupa gibão, chapéu de couro tombou assassinado.

Logo os amigos abalados pela atrocidade criam a Missa do Vaqueiro. Luiz Gonzaga, Pedro Bandeira, João Cancio usaram a música para advertir, alertar sobre a natureza subversiva de um crime: desigualdade social, injustiça social...até hoje o simbolismo é de pedir justiça social e igualdade, fraternidade e paz.
 
Com a poesia do compositor Janduhy Finizola ao gosto do estilo e do povo desde 1971 é cantada a Missa do Vaqueiro, ato de Fé na cultuação de Raimundo Jacó.

Serrita durante um final de semana torna-se a Capital do Vaqueiro. Forró e uma gastronomia ao sabor do milho, umbuzada, queijo e carne de sol. Aproveito e saboreio uma lapada de cachaça com caju antes da missa iniciar.

Serrita enche os olhos e coração de alegria e reflexões. O poeta cantador de Viola se faz presente ao evento e o peso dos seus mais de 80 anos ilumina com uma mágica leveza rimas e versos nos improvisos da inteligência. Vaqueiros e suas mãos calejadas, rostos enrugados pelo sol iluminam almas.

Em Serrita ouvimos sanfonas tocando alto o forró e o baião. Corpo e espírito ali em comunhão. A música do Quinteto Violado é fonte de emoção. A presença de Jesus Cristo, um Jesus Sertanejo está no pão, cuscuz, rapadura e queijo repartidos/divididos na liturgia da palavras.

Emoção! Forte Emoção é que sinto na Missa do Vaqueiro ao ouvir sanfona e violeiros:
“Quarta, quinta e sexta-feira/sábado terceiro de julho/Carro de boi e poeira/cerca, aveloz, pedregulho/Só quando o domingo passa/É que volta os viajantes aos seu locais primitivos/Deixa no caminho torto/ o chão de um vaqueiro morto úmido com lágrimas dos vivos.


A Missa do Vaqueiro serve para alimentar nossa alma e nossa identidade mais brasileira. Aliás ouvi de um vaqueiro história que fiquei emocionado: de acordo com ele o aboio é um canto mágico espiritual.

E aqui um assunto místico: quando o gado passa diante do mourão onde se matou uma rês, ou está esticado um couro, é comum o gado bater as patas dianteiras no chão e chorar o sentimento pelo “irmao” morto. O boi derrama lágrimas e dá mugidos em tons graves e agudos, como só acontece nos sertões do Nordeste!


Assim eu escutei e aqui reproduzo...
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Fausto Maciel, o Piloto, tocador de zabumba é sobrinho de Luiz Gonzaga e neto de Januário

Fausto Luiz Maciel, conhecido por Piloto participou entre os dias 20 a 23 de julho do Seminário Cariri Cangaço 2017 realizado em Exu, Penambuco e na oportunidade conversamos com o sobrinho de Luiz Gonzaga e neto de Januário.

"Piloto" é filho de Muniz, irmã de Luiz Gonzaga, nascido no Crato,  Ceará, começou a acompanhar Luiz Gonzaga no ano de 1975.  Exímio tocador de sanfona sua primeira gravação com o tio foi no disco Capim Novo, em 1976. Participou de inúmeros trabalhos e viagens do tio como zabumbeiro, motorista e secretário. A partir de 1980 seguiu acompanhando Luiz Gonzaga em todos os seus trabalhos, até o ano de seu falecimento, em 1989. Atualmente mora em Petrolina/PE.

Piloto é irmão de Joquinha Gonzaga, cantor e sanfoneiro.

Conta que conheceu todos os grandes cantores da epoca, citando Jackson do Pandeiro, Ari Lobo, Abdias e Marines.  Tive momentos de muito aprendizado e vi muitos fatos e acontecimentos na carreira do meu tio.  “A gente brigava muito. Eu era perguntador e ele respondão. Com tio Gonzaga não tinha por favor; Era leve isto no Recife, dava o roteiro, de ida e volta. Eu sempre tinha uma resposta na ponta da língua".

Quando ia gravar um dos últimos discos, eu quis viajar logo para o Rio de Janeiro  com ele, que me pediu que ficasse em Exu, quando precisasse, mandava a passagem e eu iria. Avisei que fizesse isto com antecedência, porque não ia às pressas. E foi o que aconteceu. João Silva me ligou dizendo para eu pegar o ônibus que a gravação ia começar tal dia. Estava muito em cima, respondi eu não iria. E não fui”.

Revela hoje que os arroubos faziam parte da idade e uma certa imaturidade e dificuldade de compreender o humor do tio. "Mas houve momentos de muitos abraços e declarações de amor. Bons momentos e felicidades".

Motorista e zabumbeiro, Piloto afirma que durante os anos que conviveu com Gonzagão testemunhou “coisas incríveis”; “Ele foi mal assessorado quase a carreira toda. Ele não tinha visão de dinheiro. Às vezes fazia show em clube lotado, e o empresário dizia que deu prejuízo. Quando Gonzaguinha assumiu a carreira dele, tio Gonzaga teve sua fase de profissional. Passou a receber cachê adiantado".

 Piloto revela que até o final da vida Luiz Gonzaga não podia, por exemplo, ver um circo. 'Lembrava sempre quando parava e fazia o show dividindo a renda com o dono, as vezes dava toda renda ao dono, quando o circo estava com muita dificuldade. Uma vez cismou de comprar uma Kombi a álcool, ninguém conseguiu convencer ele sobre as desvantagens, da instabilidade, nada. Quando ele queria, tinha que ser”.
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A triste agonia do rio São Francisco e o descaso do Governo Federal

De acordo com publicação do Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, a defluência do reservatório de Sobradinho, na Bahia, deverá ser elevada do nível atual, de 600 metros cúbicos por segundo (m³/s) para 693 m³/s, a partir do dia 7 de agosto.

A informação foi transmitida pelos técnicos do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), após reunião de avaliação das condições hidrológicas na bacia do rio São

Francisco, promovida pela Agência Nacional de Águas (ANA) e transmitida por videoconferência para os estados da bacia do São Francisco. Havia uma previsão anterior de baixa neste final de julho, para 550m³/s, que não se confirmou.

De acordo com a informação publicada “o objetivo da elevação da vazão visa garantir a manutenção do armazenamento em torno de 15% do volume útil em Itaparica até setembro e em 10% a partir de outubro. Esse patamar deve começar a vigorar na próxima segunda-feira (07 de agosto) e se prolongando até o final do mês. Enquanto isso, a defluência de Xingó, entre Alagoas e Sergipe, deverá permanecer nos 600 m³/s, devendo ser reduzida para 550 m³/s a partir de setembro.”

De acordo com as informações do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) “não há previsão de chuvas para a bacia nos próximos sete dias e o que se apresenta é de forte estiagem nos próximos meses.” Na próxima segunda-feira (07 de agosto) haverá nova reunião para avaliação das condições hidrológicas da bacia do chamado rio da integração nacional.

Em que pese a informação de manutenção da vazão de 600 m³/s, que vem vigorando há algum tempo na Barragem de Sobradinho, no visual a situação parece ter se agravado. Em Juazeiro, o flagrante registrado na foto da prefeitura municipal, que realiza trabalhos na estruturação da escultura do Nego D água, o Velho Chico parece cada vez mais baixo.
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Livro Luiz Gonzaga, Baião, Forró e Seca analisa os três temas mais presentes na obra do sanfoneiro

Foi lançado no dia 2 de agosto, no Memorial de Medicina de Pernambuco, o livro Luiz Gonzaga: baião, forró e seca, do pesquisador, escritor, ator e radialista Renato Phaelante.

Este trabalho tem como objetivo mostrar a relação da poesia e da música de Luiz Gonzaga e seus parceiros com sua terra, sua gente, seus costumes e tradições, em um Nordeste às vezes sofrido, às vezes alegre, cheio de surpresas e de supertições. Mas, sobretudo, de um povo forte, apaixonado e crente na capacidade e no talento de seu povo.

Renato Phaelante se debruça sobre “o que considero o grande artista brasileiro. Luiz Gonzaga foi trabalhador da música, viveu 76 anos, deixou uma vasta obra, que refletiu e cantou a cultura do Brasil continental. Luiz Gonzaga, com vários parceiros, recriou a música nordestina, coletando de cada folguedo e de cada matriz cultural, uma pedra para construir a estrada de sua trajetória, andando por esse país, levando os vários sentimentos do povo brasileiro.


 Este livro reporta com propriedade o princípio da trajetória que os artistas brasileiros percorriam nas migrações para a antiga capital do País - Rio de Janeiro, com o nascimento da Era do Rádio”.

Até a década de 1940, muito pouco se sabia a respeito da cultura nordestina no Sul e Sudeste do país. Entre os poucos artistas a representarem a musicalidade da região diante do grande público estavam João Pernambuco e Manezinho Araújo, eleito o Rei da Embolada.

O surgimento de Luiz Gonzaga por meio de programas radiofônicos de auditório, portanto, foi um grande acontecimento. O início da trajetória do futuro Rei do Baião é relembrado pelo pesquisador e escritor pernambucano Renato Phaelante no livro Luiz Gonzaga: Baião, forró e seca, cujas páginas analisam os três temas mais recorrentes na obra do forrozeiro.

Fruto de pesquisas realizadas ao longo das mais de três décadas de atuação de Phaelante na Fundação Joaquim Nabuco, a publicação esquadrinha a relação entre as canções imortalizadas por Gonzaga com a realidade do povo nordestino, seus costumes e tradições. “Ao lado de parceiros musicais como João Silva e Onildo Almeida, ele cumpriu bem o seu objetivo, o seu sonho de levar para o resto do Brasil, para o Sul do país o valor, a importância do trejeito, do sotaque e do linguajar próprio do nordestino”, pontua.

Para Phaelante, a toada-baião Vozes da seca, de 1953, é um bom exemplo dos protestos encampados pelo Rei do Baião contra o sofrimento do povo nordestino. Diz a letra: “Seu ‘doutô’, os nordestino têm muita gratidão/ Pelo auxílio dos ‘sulista’ nessa seca do Sertão/ Mas ‘doutô’ uma esmola a um homem que é são/ Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”.

“Além de bem-feita, a música mostra a realidade da região, a coragem, a força e a capacidade do nordestino”, diz Renato Phaelante. Mais tarde, outras canções entoadas por Gonzaga reforçariam a temática, como Paraíba, Aquarela nordestina e A volta da Asa Branca.

Integrante da Academia de Música de Pernambuco e da Academia de Artes e Letras de Pernambuco, Phaelante é autor de livros como Fragmentos da história da Rádio Clube de Pernambuco, Compositores pernambucanos - Catálogo biográfico: Capiba é frevo, meu bem, Sátira e humor na história da MPB e O Recife na história da MPB.

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Cecilia do Acordeon e o futuro da alma sanfoneira na raiz de Luiz Gonzaga

Luiz Gonzaga tem sido nos últimos anos tema de trabalhos acadêmicos, e gradualmente sua obra vem sendo relida, ouvida, tocada. Durante o evento Cariri Cangaço, em conversa com os pesquisadores, Paulo Vanderley, José Nobre apontei o quanto a realização de um seminário é importante para a consolidação de valores culturais.

Nestes encontros surge a possibilidade de conhecer e  termos novos olhares. A obra de Luiz Gonzaga sempre vai renascer. No próximo dia 02 de agosto, completam-se 28 anos da partida física, a viagem para o sertão da eternidade do Rei do Baião. A menina Cecilia do Acordeon representa este novo olhar. Olhar da possibilidade do renascimento. O novo olhar para a vida e obra de Luiz Gonzaga. Cecília possui a humildade, sorriso, a grandeza dos trabalhadores e a vontade de vencer.

Cecília do Acordeon começou seu envolvimento com a Cultura participando e dançando no Reisado. Continua ainda hoje, brincando no Reisado e agora é a sanfoneira. Foi no Reisado Boi Surubim, conta Cecilia que ela teve o primeiro contato com a sanfona. "Foi a sanfona do Mestre Cícero que vi. Parecia me chamar e brilhar e eu chorei querendo ter uma e então fiquei apaixonada pelo som da sanfona".

Durante o Cariri Cangaço, que adotou Cecilia com seu talento e sorriso sincero, a criança contou que teve aulas de sanfona com o Mestre Cicero. "As primeiras notas da sanfona aprendi e ainda hoje busco mais conhecimento e não perco oportunidade de sempre aprender e estudar".

Cecília ganhou o Diploma Amiga do Cariri Cangaço e cantou puxou a sanfona:
"Sou bisneta de um mestre da cultura e nasci vendo o Surubim dançar. Ainda pequena com quatro anos de idade, da brincadeira comecei a participar, acompanhando o cortejo do reisado com alegria e amor no coração/.

Na temporada de 2014 o meu avô convidou um sanfoneiro para o reisado ficar mais animado. O povo dançou alegre no terreiro naquela noite. Fiquei encantada e nem dormi pois perdi o sono. Foi a primeira vez que vi de perto esse instrumento que se chama sanfona.

No outro dia eu estava decidida uma sanfona queria aprender a tocar. Fiquei insistindo com meu pai até que ele comprou uma sanfona pequena de brinquedo mesmo assim fazia fom fom e corri para pegar umas aulas com o mestre Cicero do Acordeon./

Depois foi preciso uma sanfona maior, mas meu meu pai não tinha dinheiro. Conseguimos com um bingo de um garrote e um encontro de sanfoneiros. Agora estou aprendendo a tocar com muito esforço e dedicação os estilos que gosto de cantar é Luiz Gonzaga nosso rei do baião"/.

Eu sou a Cecilia do Acordeon e da minha sanfona eu já tiro um som".

E assim ouvi no Cariri Cangaço e aqui reproduzo. Salve Salve Cecilia do Acordeon.
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Oração do Rio São Francisco em Tempos de Poucos Rios

Ás 18 horas, sempre guardo na correria da vida e do trabalho, a oração da Hora do Anjo. Estes dias olhando o Rio São Francisco ouvindo as canções de Padre Zezinho lembrei da Oração do Rio São São Francisco em tempos de poucos Rios. Assim escutei do amigo Aderaldo Luciano. Assim reproduzo:

O Rio São Francisco não nasce na Serra da Canastra. Digo isso porque a correria estressante das ruas do Rio de Janeiro me oprime. Os olhos dessas crianças nuas me espetam e essa população de rua dormindo pelas calçadas me joga contra o muro. Esse Cristo economiza abraços e atende a poucos.

Só uma coisa me alenta hoje: a saudade do meu santo rio. O Rio São Francisco, o Velho Chico, Chiquinho. Escuto o murmurar de suas verdes águas: — Deixai vir a mim as criaturas... E assim foi feito. Falar de desrespeito e depredação tornou-se obsoleto. Denunciar matanças e desmatamentos resultou nulo. Orar e orar. Pedir ao santo do seu nome a sua oração.

Lá do Cristo Redentor da cidade de Pão de Açúcar, nas Alagoas, um moleque triste escutou a confissão das águas. Segundo ele, o Velho Chico dizia: “Ó, Senhor, criador das águas, benfeitor dos peixes, escultor de barrancas e protetor de homens fazei de mim bem mais que um instrumento de tua paz. Se paz não mais tenho faz-me levar um pouquinho aos que em mim confiam. Paz para as lavadeiras que, em Própria, choram a sua fome de pão. Que, em Brejo Grande, soltam lágrimas pelos filhos mortos no sul do país. Que, em Penedo, já perderam a fé de serem tratadas como gente sã.

Onde houver o ódio dos poderosos que eu leve o amor dos pequeninos. O amor dos que cavam a terra a plantam o aipim. Dos que cavam a terra e usam-na como cama e lençol para sempre. Dos que querem terra para suas mãos, para os seus grãos, para a sua sede. O amor que não é submisso, mas escravizado. O amor que tem coragem de um dia dizer não. Coragem diante das balas e das emboscadas, das más companhias e da solidão.

Onde houver a ofensa dos governos que eu leve o perdão dos aposentados e servidores públicos. O perdão, nunca a omissão. A luta, porque perdoar não requer calar. Perdoar não quer dizer parar. Como minhas águas, tantas e tantas vezes represadas, mas nunca paradas e que, quando em minha fúria, carregam muralhas, absorvem barreiras e escandalizam Três Marias, Xingó e Paulo Afonso.

Onde houver a discórdia dos que mandam que eu leve a união dos comandados. A suprema união dos que sonham com as mudanças, dos que querem quebrar hegemonias e oligarquias. A discórdia dos reis contra a união dos plebeus. Um povo unido é força de Deus, dizia o velho bendito e sejais bendito, Senhor. A união das águas, a união das lágrimas, a união do sangue e a união dos mesmos ideais.

Onde houver a dúvida dos que fraquejam, que eu leve a fé dos que constroem seu tempo. Na adversidade, meio ao deserto e ao clima árido, a fé dos que colhem uvas e mangas em minhas margens. Dos que colhem arroz em minhas várzeas, dos que criam peixes com minhas águas em açudes feitos. A fé dos xocós lá em Poço Redondo. A fé que cria cabras nos Escuriais. Dos que colhem cajus e criam gado em Barreiras e outros cafundós.

Onde houver o erro dos governantes que eu leve a verdade de Canudos. O bom senso dos conselheiros de encontro à insanidade dos totalitários. Os canhões abrindo fendas na cidade sitiada e a verdade expondo cada vez mais a ferida da loucura na caricatura da História. O confisco da poupança e o rombo na previdência. O fim da inflação e o pão escasso, o emprego rarefeito, a dignidade estuprada em cada lar de nordestinos.

Onde houver o desespero das crianças da Candelária que eu leve a esperança das mães de Acari. E aqui, Senhor, te peço com mais fé. A dor dos deserdados, dos que perderam seus pais, filhos ou irmãos, seja de fome, doença ou assassínio, inundai-os com as águas esmeraldas da justiça. A justiça da terra e dos céus. Pintai de verde o horizonte das famílias daqueles que foram jogados mortos em minhas águas. Eles não foram poucos.

Onde houver a tristeza dos solitários que eu leve a alegria das festas de São João. Solitário eu banho muitas terras e em todas, das Gerais, do Pernambuco, das Alagoas e do Sergipe, não há tristeza ao pé da fogueira, nas núpcias entre a concertina e o repente, entre a catira e o baião.. Das festas do Divino ao Maior São João do Mundo, deixai-me levar, Senhor, o sabor de minhas águas juninas e seus fogos de artifícios.

Onde houver as trevas da ignorância que eu leve a luz do conhecimento e da sabedoria. A escuridão dos homens dementes que teimam em querer ferir-me de morte seja massacrada pela luz de um futuro negro, sem água potável, sem terra e sem ar.. Dai-me esse poder, de entrar nas mentes e nos corações, de espraiar-me pelos mil recantos dos que querem mal à nossa casinha, nossa pequena Terra. O homem sábio seja sempre sábio e contamine os povos com ensinamentos de preservação.

Ó, Senhor, dai-me vocação para consolar os que se lamentam de má sorte. Fazei-me compreender porque tanto mal há nos corações. Sobretudo, Senhor, não autorizeis que eu deixe de ser o Rio São Francisco, que há tantos anos não foge do seu leito, espalha e espelha vida em abundância. Que, embora tenha dado, quase nada recebo, que perdoando sempre, continuo sendo morto enquanto todos pensam que serei eterno.”


Fonte: Professor Doutor em Ciencia da Literatura-Aderaldo Luciano
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Brasil celebra 28 anos de saudade de Luiz Gonzaga, o sanfoneiro de alma brasileira

O Brasil celebra neste 02 de agosto os 28 anos da morte do cantor e compositor Luiz Gonzaga, o rei do baião. Luiz Gonzaga, o Lua como também era conhecido, foi essencialmente um telúrico. Ele soube como ninguém cantar o Nordeste e seus problemas. Pernambucano, nordestino, brasileiro, Luiz Gonzaga encantou o Brasil com sua música, tornando-se um daqueles que melhor souberam interpretar sua alma.

Nascido em Exu, no alto sertão de Pernambuco, na chapada do Araripe, ele ganhou o Brasil e o mundo, mas nunca se esqueceu de sua origem. Sua música, precursora da música brasileira, é algo que, embora não possa ser classificada como "de protesto", ou engajada, é, contudo, politicamente comprometida com a busca de solução para a questão regional nordestina, com o desafio de um desenvolvimento nacional mais homogêneo, mais orgânico e menos injusto, portanto.

Telúrico sem ser provinciano, Luiz Gonzaga sabia manter-se preso às circunstâncias regionais sem perder de vista o universal.

Sua sensibilidade para com os problemas sociais, sobretudo nas músicas em parceria com Zé Dantas, era evidente: prenhe de inconformismo, denúncia do abandono a que ainda hoje está sujeito pelo menos um terço da população brasileira, mormente a que vive no chamado semi-árido.

Não estaria exagerando se dissesse que Gonzaga, embora não tivesse exercido atividade política ou partidária, foi um político na acepção ampla do termo. Política, bem o sabemos, é a realização de objetivos coletivos e não se efetua apenas por meio do exercício de cargos públicos, que ele nunca teve. Política é sobretudo ação a serviço da comunidade. Como afirma Alceu Amoroso Lima, é saber, virtude e arte do bem comum.

Outro aspecto político da presença de Luiz Gonzaga foi no resgate da música popular brasileira. O vigor de suas toadas e cantorias tonificou a nossa música, retirando-a do empobrecimento cultural em que se encontrava. Sua música teve um viés nacionalista, ou melhor, brasileiríssimo, que impediu que lavrasse um processo de perda de nossa identidade cultural. Não foi uma música apenas nordestina, mas genuinamente nacional, posto que de defesa de nossas tradições e evocação de nossos valores.

Luiz Gonzaga interpretou o sofrimento e também as poucas alegrias de sua gente. Mas foi por meio de "Asa Branca" que Lua elevou à condição de epopéia a questão nordestina. Certa feita, Gilberto Freyre afirmou que o frevo "Vassourinhas" era nossa marselhesa. Poderíamos dizer, parafraseando Gilberto Freyre, que "Asa Branca" é o hino do Nordeste: o Nordeste na sua visão mais significativamente dramática, o Nordeste na aguda crise da seca.

Gilberto Amado disse a propósito da morte de sua mãe: "Apagou-se aquela luz no meio de todos nós". Para o Nordeste, e tenho certeza para todo o país, a morte de Luiz Gonzaga foi o apagar de um grande clarão. Mas com seu desaparecimento não cessou de florescer a mensagem que deixou, por meio da poesia, da música e da divulgação da cultura do Nordeste.

Em sua obra ele está vivo e vive no sertão, no pampa, na cidade grande, na boca do povo, no gemer da sanfona, no coração e na alma da gente brasileira, pois, como disse Fernando Pessoa, "quem, morrendo, deixa escrito um belo verso, deixou mais ricos os céus e a terra, e mais emotivamente misteriosa a razão de haver estrelas e gente".
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