Adeus a Antonio da Mulatinha. Agricultor, tocador de pandeiro, vendedor de cordel

Chorei! A morte esta danada "Caetana" sempre me faz chorar! 

Chorei pela falta do último abraço, a distância não permitiu: resta a lembrança do cantador, embolador Antonio da Mulatinha.

 Nascido no municipio de Esperança-Paraíba, Antonio Patrício aos 22 de outubro de 1927, irmão do também genial Dedé da Mulatinha (José Patrício) e outros nove irmãos

O motivo do sentimento é que durante quase 10 anos frenquentava a feira de Campina Grande, Paraíba e lá ainda jovem eu encontrava o vendedor de cordel Antonio da Mulatinha. Com ele aprendi os mais bonitos pensamentos, palavras e ações a favor da cultura brasileira.

Antonio da Mulatinha aprendeu apenas as primeiras letras do ABC. No entanto, estas lhe foram suficientes para ganhar o mundo e a fama, e em especial, a cultura.

Começou a cantar coco em 1940 e em 45 já publicava seu primeiro cordel: “A Viagem Sagrada”, seguindo-se outros oitenta e tantos títulos.

Campina Grande foi o lugar escolhido para viver, o bairro de Santo Antonio. Gravou dezenas de disco vinil-Lps.

Pai de dez filhos. Realizou centenas de viagens pelo Brasil afora  com seu irmão Dedé. Em 2014, Toinho da Mulatinha com então 89 anos foi homenageado pelo Museu de Arte Popular (MAPP) da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), pelos seus mais de 60 anos de atuação na cultura, como cordelista e embolador de coco. No dia do evento, Toinho falou sobre sua vida e trabalho artístico.

Os seus versos, por muitos já fora elogiado. Eis aqui um pequeno exemplo da sua versatilidade:

“Em Sodoma tão falada/
Passei uma hora só/
Lá vi a mulher de Ló/
Numa pedra transformada/
Dei uma talagada/
Com caldo de mocotó/
E saí batendo o pó/
Adiante vi Simeão/
Tomando café com pão/
Na barraca de Jacó”.

São da autoria de Antonio da Mulatinha os seguintes títulos: Morte de Rosil Cavalcanti, Almanaque pernambucano brasileiro para o ano de 1957, Campina Grande, a viola e as belezas do nordeste, O casamento de Bernardo com Maria do Saguím ou o rapaz que casou-se e correu com medo da mulher, A Paixão de Cristo, As missões de Frei Damião em Bom Jardim e a tempestade em Limoeiro, As missões de Frei Damião em Soledade e os castigos de um amancebado, O povo chora com pena do frade Frei Damião, O desastre de ônibus que atropelou uma procissão e matou vinte e três pessoas em Currais Novos, A História do desastre da Lagoa do Parque Solon de Lucena em João Pessoa, entre outros.

Abraço meu amigo...deixaste este vale de sofrimentos!
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Dominguinhos: uma imensidão de ritmo, hamonia e melodias, saudade, paixões e amores, sol, lua, solidão e silêncio

"Que saudade matadeira eu sinto no meu peito. Faço tudo para esquecer, mas não tem jeito." Este é um dos muitos versos que Dominguinhos cantou e tocou com sua sanfona, transformando-a em um instrumento da saudade, sentimento que persiste no coração de todos nós que convivemos com o cantor, compositor e instrumentista desde sua morte em 23 de julho de 2013.

Hoje 12 de fevereiro se fisicamente estivesse entre nós Dominguinhos completaria 75 anos.

Hoje convidado que fui para participar de Programas de Rádio na região do Vale do São Francisco destaquei a genialidade, simplicidade, humildade do mestre Dominguinhos. Em especial a gratidão que o discípulo tinha por Luiz Gonzaga.

Destaquei dois filmes que fala sobre vida e obra de Dominguinhos: primeiro o documentário "O milagre de Santa Luzia" (2008), de Sergio Roizenblit, no qual o instrumentista viaja pelo Brasil para mostrar as diferentes formas regionais de se tocar sanfona e os principais sanfoneiros do país.

E aquele que mais me toca: O longa metragem webserie "+Dominghinhos". Neste filme é mostrado “Um Dominguinhos que pouca gente conhece: jazzista, improvisador, seu refinamento musical, sua universalidade.

Assim era Dominguinhos. Grande, muito grande. Simples, muito simples.

Aos 6 anos, José Domingos de Morais, O Dominguinhos ganhou a primeira sanfona do pai, o mestre Chicão. Aos 8, já se apresentava com os irmãos, Morais e Valdomiro, em feiras livres e portas de hotel de Garanhuns (PE), onde nasceu em 12 fevereiro de 1941.

Dominguinhos foi nome dado por Luiz Gonzaga, com quem gravou, em 1957, Moça de Feira. “O menino chegou de um ambiente diferente e começou a viver num mundo glamourizado. Mas foi sempre na dele, sempre com esse jeitão sertanejo”, diz Gilberto Gil no primeiro episódio da web série +Dominguinhos.

A riqueza dessa história levou os músicos Mariana Aydar, Duani e Eduardo Nazarian a se associar à produtora bigBonsai para pesquisar e promover encontros entre o sanfoneiro e parceiros, antigos e jovens que tocam e contam histórias vividas nos palcos da vida.

Em uma delas, Gil lembra do tour do álbum Refazenda (1975), em que viajaram juntos mais de 20 mil quilômetros. Em certo momento, Dominguinhos pergunta: “Isso é reggae, é?”. Quando o amigo responde que sim, ele rebate: “Que reggae nada, isso aí é um xotezinho sem-vergonha”.

"Seu Domingos" é grande demais para um filme. Se o Rei do Baião levou o sertão nas costas para que um País inteiro conhecesse, Dominguinhos fez com que cada homem, nascido no canto que fosse, encontrasse o sertão que havia no próprio peito.

Antes de começar a luta contra o câncer que o submeteria a uma injustiça do destino vivida em um quarto do Hospital Sírio Libanês, convalescendo na dor física e da alma que sofria sob desavenças de familiares, Domingos recebeu uma equipe de jovens cineastas. Estavam ali para colocar a água do Rio São Francisco em uma garrafa. Ou, se fosse preciso, em duas.

Ao lado de Djavan, Domingos chorou. Estava visivelmente abatido pela doença, mais magro do que em outras cenas, e parecia sentir as próprias notas em dobro. Ali, foi dureza. Havia as vozes de Djavan e de Mayra Andrade na belíssima toada Retrato da Vida, mais o violão de Yamandú Costa e o bandolim de Hamilton de Holanda.

Seu Domingos tirou a água dos olhos e pediu a Djavan um favor com uma humildade de estraçalhar os técnicos do estúdio. "Se você tivesse trazido seu violão, eu ia pedir pra tocar uma música pra mim".

O São Francisco transbordou e os produtores, amparados perceberam que Dominguinhos precisava de mais. O que seria um filme ganhou formato de websérie e o nome de Domingos +. Dividida em oito capítulos.

No filme Um pião gira no chão de terra até que aparecem os primeiros ruídos. Um boiadeiro canta, uma ave bate as asas. O pião retorna. É uma imensidão de sol e silêncio que abrem o documentário sobre Dominguinhos. Uma solidão que ficou com ele até o final da vida, estivesse na festa dos vitoriosos que levam prêmios Grammy para casa e na colheita do feijão com o pai, nas terras de Garanhuns.

Quando a música aparece, ela vem em turbilhão. Um Dominguinhos de cabeça baixa, de pé, à frente de um grupo, tocando sua sanfona como se estivesse em transe. De olhos fechados, transpassa dedos uns sobre os outros como se tivessem vida própria, como se nem dos comandos do cérebro precisassem.

É o próprio músico quem narra sua história. Seu Domingos fala do pai que já tocava na roça, lembra de sua sanfoninha de 8 baixos e do primeiro grupo que formou com dois irmãos no Nordeste, quando tinha 8 anos. Conta das brincadeiras e dos passatempos. "Eu não matava nem passarinho, por pena." A mãe, alagoana filha de índios como o pai, teve 16 filhos, muitos dos quais "iam morrendo" e sendo enterrados em caixõezinhos que o pai já construía como um especialista.

Seu Luiz, Luiz Gonzaga, já era rei quando viu o menino pelos anos de 1946, 1947. Como fazia quando apostava em um pirralho com jeito de gente, deu a ele 300 mil réis e sua bênção. "Passamos três ou quatro meses com esse dinheiro", lembra Domingos. Logo, é Domingos, pouco tempo depois de aposentar o apelido Nenê, quem está acompanhando o próprio Gonzaga. "O caminho de todo sanfoneiro era Luiz Gonzaga, não tinha outro." Dominguinhos o segue no sucesso, e aparece em programas de TV desafiando o mestre nas mãos e nos pés, com um duelo de xaxado.

O sanfoneiro chega ao Rio de Janeiro de Garanhuns depois de uma saga de 11 dias na carroça de um caminhão.

A história segue na voz do sanfoneiro e nas imagens de encontros em estúdios, alguns dos quais aproveitados de registros para a da websérie feita antes do documentário. Nana Caymmi não consegue cantar afinada Contrato de Separação. Em frente a um Dominguinhos debilitado, ela chora sem se conter, mas segue em frente.

Dominguinhos, estudado em escolas de jazz, esmiuçado por músicos eruditos, jamais estudou partitura. Tentou fazer isso, mas abandonou as aulas "porque os livros não tinha figurinhas." 

Já consagrado, fora da sombra do Rei do Baião, foi com Gal Costa fazer shows pelo país por dois anos, acompanhado por Toninho Horta na guitarra e Robertinho Silva na bateria. "Eu já estava me sentindo um sanfoneiro pop, já estava com o cabelão black." Quando chegou 1978, veio morar em São Paulo e sentiu aflorar a solidão do sertão que havia em seu peito. Dominguinhos era um solitário, como ele mesmo diz.

Seus olhos se enchiam de água depressa, sobretudo depois que ele começou seu tratamento contra o câncer. Em uma noite, deixou o quarto do hospital com seu chapéu de vaqueiro, apertou o botão do elevador e fez o nome do pai.

Momento de emoção no filme quando Dominguinhos chega ao teatro no qual a Orquestra Jazz Sinfônica o esperava e sentou-se para tocar De Volta pro Aconchego. Quando sentiu os arranjos sinfônicos atravessando seu peito, não se conteve e chorou uma lágrima graúda, como se soubesse que, ali, era a hora de se despedir.

Levantou a cabeça, tirou o chapéu e chorou...
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Dominguinhos: deixou mais ricos os céus e a terra e mais emotivamente misteriosa a razão de haver estrelas e gente

Dia 12 fevereiro: Dominguinhos completaria 75 anos.

Dominguinhos encantou o Brasil com sua sanfona e voz, simplicidade e humildade.  Dominguinhos tornou-se um cantador que melhor soube interpretar a alma brasileira e vive na boca do povo, no puxado da sanfona em todos os recantos desse Brasil.

Garanhuns agreste de Pernambuco é o lugar onde nasceu Dominguinhos e a cidade através da Prefeitura realiza o Festival Viva Dominguinhos, este ano em sua III Edição.

O evento cria a oportunidade para discutir a Política Cultural no mundo globalizado e mais torna Garanhuns uma vitrine de atração de desenvolvimento econômico e social.

Garanhuns nesse sentido consolida um calendário que já é um dos principais acontecimentos do Nordeste.  Garanhuns firma com o Festival Viva Dominguinhos o incentivo e valorização da cultura e arte, um festival ancorado na alma e no profissionalismo do filho mais ilustre da música brasileira.

Garanhuns ao valorizar a arte, vida e obra de Dominguinhos abastece todo o Brasil, Estado, através da impressionante riqueza de ritmos, do cordel aos cantadores de viola, do aboio ao frevo, do armorial ao maracatu, do baião ao xote e xaxado,  as múltiplas variações da música nordestina/brasileira presentes na sanfona, triangulo e zabumba, “uma autêntica orquestra”, na definição de Luiz Gonzaga.

O professor paraibano, radicado no Rio de Janeiro, doutor em ciência da literatura Aderaldo Luciano, sempre me lembrou que Luiz Gonzaga foi pedra angular, referência -mor do forró, mas o Rei do Baião, não trilhava sozinho. Havia por trás de si, uma constelação de compositores, músicos, além de profícuos conhecedores do seu trabalho, amigos talhados de sol, nascidos do barro vermelho, com almas tatuadas por xique-xiques e mandacarus.

E por isto Garanhuns é o local apropriado para ser o palco capaz de reunir milhares de admiradores, com sede e fome de ouvir, cantar, silenciar, transformar e aplaudir em noites e nuances do céu estrelado sanfonado do mestre Dominguinhos, o discípulo que inovou a arte do mestre Luiz Gonzaga.

Garanhuns vai proporcionar no próximo mês de abril com o Festival Viva Dominguinhos a oportunidade de conhecermos e ampliar o debate sobre compositores, músicos, artistas que sabem divisar o Cruzeiro do Sul do Sete Estrelo e muito além disso discutir e como lidar com a máquina capitalista avassaladora dominante hoje da “indústria musical”.

Dominguinhos Vive. Garanhuns é agora um pedaço de terra de todos nós brasileiros. Dominguinhos, qual Luiz Gonzaga tornou-se uma estrela luminosa a brilhar. Como disse Fernando Pessoa, “quem, morrendo, deixa escrito um belo verso, deixou mais ricos os céus e a terra, e mais emotivamente misteriosa a razão de haver estrelas e gente”.

Viva Garanhuns. Viva o Nordeste. Viva Petrucio Amorim, Xico Bizerra, Três do Nordeste, Jorge de Altinho, Elba Ramalho, Anastácia, Paulo Vanderley, Luiz Ceará,  Quinteto Violado, Flávio Leandro, Cezinha, Flávio José, Viva o Fole de Oito Baixos, Targino Gondim... Viva o Festival Dominguinhos.
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Gibão e Chapeu de couro do Mestre Aprigio, de Ouricuri destaque na Vila Isabel

A Escola de Samba Vila Isabel desfilou na Sapucaí do Rio de Janeiro contando a vida de Miguel Arraes, político cearense, nascido no Crato, três vezes governador de Pernambuco. A escola retomou uma tradição de enredos políticos, com forte cunho social.

A comissão de frente de Jaime Arôxa trouxe um cortejo fúnebre nordestino, com corpos carregados em redes. "Não é a morte física.
É a morte pela falta da cultura, da educação. E combina com o carnaval, porque a vida retoma com a chegada da cultura", explicou Arôxa.

Para homenagear o centenário de Miguel Arraes, as mazelas sociais que ele enfrentou foram lembradas na avenida: a seca, as moradias sobre palafitas, as dificuldades dos cortadores de cana, o analfabetismo. Esses temas vieram ao lado de ícones culturais de Pernambuco, como o frevo e o bloco carnavalesco Galo da Madrugada, que mereceu um enorme carro ao fim do desfile.
 

O cantor Martinho da Vila encarnava um cangaceiro. O sambista se emocionou do começo ao fim da passagem da escola, da qual é presidente de honra e símbolo maior. Detalhe: o chapeu de couro e o gibão é confecção do artesão Mestre Aprigio.

Mestre Aprigio está em plena atividade em Ouricuri. Mestre Aprigio nasceu em Exu no dia 25 de maio de 1941. “Mestre Aprigio”, José Aprigio Lopes confecciona couro e sem nenhuma pretensão ou arrogância conta que conhece bem o repertório de Luiz Gonzaga. Ele confeccionou a partir de 1955 os chapéus de couro usados por Luiz Gonzaga.

 “Meus chapéus serviram de coroa para os dois grandes reis que conheci, veja só que privilégio, Luiz Gonzaga e Dominguinhos”, diz o Mestre Aprigio.

Nas músicas cantadas Luiz Gonzaga uma das marcas é a exaltação ao chapéu de couro e gibão. Uma das homenagens mais bonitas é  "Aquela Sanfona Branca, de Benito de Paula que foi dedicado ao Rei do Baião:

“Aquela sanfona branca
Aquele chapéu de couro
É quem meu povo proclama
Luiz Gonzaga é de ouro
Aquele tom nordestino
A voz sai do coração
É ele o rei do baião, é Luiz
É cantador do sertão
É filho de Januário
É quem canta o Juazeiro
É festa, é povo, Luiz alegria
Luiz Gonzaga é poesia”...
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Deus era um tocador de pife e foi soprando nele, num pife feito de taboca que deu vida ao homem

Minhas mais remotas lembranças de uma banda de pífanos levam-me às margens do Rio São Francisco, em Propriá, no Sergipe. Ali onde o calor entra pela boca do rio e desce sobre os viventes, devagar e sempre.

O São Francisco foi o primeiro rio que vi de verdade. Nessa primeira vez, passei sobre ele por volta das 4 da manhã. Viajava num velho ônibus da São Geraldo que vinha de Natal, no Rio Grande do Norte, passava em Campina Grande, descia por Caruaru, se mandava para dentro das Alagoas, parava em São Miguel dos Campos e caminhava para Aracaju. Antes de Aracaju, deixou-me na entrada de Propriá. Não havia ninguém me esperando. Com minha mochila, caminhei a pé por mais ou menos dois quilômetros até à Rua Japaratuba, à procura da Fraternidade Marista. Em lá chegando, sentei praça sob o comando do Irmão Salatiel.

Pois bem, desse tempo passado no Sergipe conheci todo o sertão e as cidades para baixo de Propriá. Lembro bem de Brejo Grande, onde me batizei nas curvas do rio, e de Neópolis, onde atravessei para Penedo, numa balsa barulhenta com medo de ser arrastado pelas águas.

Nessas minhas viagens, tinha eu 17 anos, escutei uma banda de pífano, banda cabaçal, zabumba, como queiram. A Briga do Cachorro Com a Onça e O Besouro Mangagá foram minha primeira aula. E ainda não ouvira falar da Banda de Pífanos de Caruaru. Aquilo arrebatou-me de tal forma que fiquei como metido em um transe. O casamento dos pífanos, um na melodia, outro numa espécie de contracanto, a zabumba marcando num compasso diferente de tudo que eu ouvira, uma caixa malassombrada marcando um xaxeado e um par de pratos como um enxame de chuveirinhos juninos.

Nunca mais parei de ouvir. Depois encontrei com João do Pife, em Caruaru e, com seus discos debaixo do braço, fui fazer uma comparação com Zé da Flauta, nos discos de Alceu Valença. Olhem bem, desculpem-me vocês aí da Bossa Nova, mas o pife é nosso. O pife é o sopro da vida, é o bicho escondido rosnando enfezado.

Tenho certeza, e vou colocar isso em um poema, viu Beto Brito, tenho certeza que Deus era um tocador de pife e foi soprando nele, num pife feito de taboca, que deu vida ao Homem com seu sopro fiel. Foi mesmo. E vou mais além em meu sonho de jeca: a trilha sonora do Universo, viu Stephen Hawking, é da Banda de Pífanos de Caruaru: é a Briga do Cachorro Com A Onça!

Fonte: Texto professor doutor em Ciencia da Literatura Aderaldo Luciano-facebook
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Aderaldo Luciano: os 10 livros livres que li

"Por volta do ano de 1972, com 8 anos, lembro-me bem que se iniciaria aí minha sina de leitor. Li avidamente durante 10 anos, sem horário para parar, nem para iniciar. Fiquei conhecido em minha cidade como o menino que não dormia e que, todos os dias, à meia-noite, fazia uma ronda pelas ruas mal assombradas. Acordava tarde, por ter adormecido mais tarde ainda.

Diziam e muitos ainda dizem que eu não gostava de trabalhar. E é verdade: eu gostava de ler. Passei à cidade a figura de um “cabra” preguiçoso. E ninguém nunca me elogiou por conta dos livros que eu lia".


Este pedaço de história é do hoje professor Aderaldo Luciano, Pós-doutorando. Fatos que merecem ser transformados em filme. Estou preparando o roteiro:

Em 1972 Aderaldo era um ajudante de feira. Um daqueles meninos que ficava por ali, aos sábados, com um balaio esperando que alguma senhora passasse e me chamasse para carregar a sua feira. Era o dia todo com balaios pesadíssimos e algum dinheiro no final do dia. Esse dinheiro servia-me para três coisas: ir ao cinema todos os dias do final de semana; fazer um lanche depois do cinema na lanchonete de Zé Nunes (onde tomei minha primeira coca-cola e detestei); e comprar gibis e revistas na banca de Seu Carneiro. Um dia, nesse mesmo ano, essa constância foi quebrada pela presença, na feira, de um homem cantando e vendendo folhetos de cordel.

Desse homem comprei o primeiro cordel: Vicente, O Rei dos Ladrões, de Manoel D’Almeida Filho. E esse foi o primeiro livro que determinou muita coisa em minha vida. A ele sou grato por tornar-me um estudioso dessa arte literária. Digo mesmo sem falsa modéstia: sou um estudioso. Não sou um curioso ou alguém que se autodetermina pesquisador. Carreguei para dentro dos meus estudos de graduação, de mestrado, de doutorado e de pós-doutorado e expandi para a vida meu deslumbramento com o cordel brasileiro, graças a esse primeiro encontro. Para mim, Vicente, O Rei dos Ladrões é o livro mais importante de minha existência como leitor.

Esse encontro se deu na infância. Ainda nessa época descobri a biblioteca do Centro Social Pio XII, pertencente à Paróquia, sob a direção do Padre Ruy. Foi meu paraíso. Todas as noites da semana, a partir das 19 horas, eu estava lá. Naquelas mesas enormes li pela primeira vez: 20 Mil Léguas Submarinas, de Júlio Verne. A aventura do Capitão Nemo, o Nautilus, Ned Land e todas as maravilhas de um mar que ficava longe de onde eu morava, mas que me seduzia de maneira estranha abriram-me a escotilha do sonho e da esperança. Li a obra completa de Júlio Verne, mas a chave mestra foi 20 Mil Léguas e sua continuação A Ilha Misteriosa. Foi o segundo livro mais importante de minha vida.

Naquela mesma biblioteca descobri a coleção completa das obras de Jorge Amado e Jubiabá marcou-me tão abruptamente que não consegui parar de ler até terminar. Pedi à moça que tomava conta da biblioteca que me deixasse levar aquele livro para casa. E secretamente ela me concedeu, contanto que eu o trouxesse de volta no outro dia para que ninguém notasse a falta do exemplar na estante. Foi a noite mais gostosa de minha vida. Ainda hoje quando vou a Salvador procuro os lugares citados pelo velho Jorge: a ladeira do Taboão, o elevador, a Barra. Portanto, Jubiabá completava a Regência Trina de meus dias como leitor. Não preciso dizer que entrei no mundo de Jorge Amado e fiquei decepcionado quando, na Faculdade, notei que ninguém estudava a obra do bom baiano.

Mas ali, no meio das estantes amarrotadas de coisas sensacionais, passeando o olhar, descobri, com o dorso voltado para dentro, como se alguém o quisesse esconder, um antigo exemplar de Zé Limeira, Poeta do Absurdo, de Orlando Tejo. Minhas mãos tremiam sacudidas pela ansiedade. Segurei aquele livro como uma joia que fosse feita de maizena, não podia esfarelar, nem deformar-se. Sentei e li, do começo, do prefácio, cada capítulo, cada verso, cada título, cada pormenor. Causou-me tamanho impacto que, trinta e poucos anos depois eu publicaria algo inspirado nele: O Auto de Zé Limeira, que transformou-se em música, em canto jogral, em trilha de minissérie na Globo, em livro, dizem, cult.

Fui orientando minhas leituras para as noites, cada vez mais aprofundadas porque o dia ficava, metade para a escola, metade para brincar. Ganhei muitas vezes o prêmio de melhor aluno. Não, eu nunca fui um aluno estudioso, nunca estudei em casa, nunca fiz exercícios, resolvia tudo, sempre, nos minutos anteriores às aulas e muita coisa entrava mesmo durante elas. Eu gostava mesmo era de ler. Me divertia. Havia uma leitura básica e outras leituras mais amenas, gibis e revistas, fotonovelas e livros de bolso (da CEDIBRA ou da Monterrey), fossem de faroeste ou ficção ou espionagem. Quando migrei da biblioteca do Padre para a Biblioteca Municipal, descobri o livro esquisito de um certo Edgar A. Poe: Histórias Extraordinárias. O Barril de Amontilado, O Poço e o Pêndulo, A Queda da Casa de Usher e todo o universo noturno como eu.

Foi arrebatador. Todos os dias lembro de Poe.

Alinhados, na mesma estante de aço, estavam Poe e Balzac. Meu Deus!? Depois de Poe entrou-me A Comédia Humana. Agradeço todos os dias ao filho da mãe que não sabendo o que fazer com os livros, com a biblioteca, amontoou-a naquele prédio da Rua do Sertão. Livros velhos, poeirentos, cheios de ácaros e que eu descobri enfileirados. Estava o sistema, muito mais que literário, balzaquiano. Sonhei dias e noites e sóis e luas com Paris. Vasculhei cada centímetro daquela coleção da antiga Editora Globo, de Porto Alegre. Foi perdido por aí que, acho, encontrei o texto A Procura do Absoluto. 


Essa novela de Balzac trucidou-me. Mas o pior que poderia me acontecer é que na cidade não havia ninguém com quem eu pudesse trocar ideias a respeito. Solitariamente eu sofria por conta de minhas leituras, sem ter com quem falar de minhas inquietações. Foi foda. Virei o menino estranho, preguiçoso e que não dormia de noite.

Já avisei aos amigos, por diversas vezes, que a cidade onde nasci, por opção de minha mãe, chama-se Areia, na Paraíba do Norte. Na biblioteca, agora meu refúgio, ao lado de Poe e Balzac, não foi difícil chegar a Borges. Estava na mesma estante aquele estranho Ficções. Caralho, meus amigos, caralho, como diria Bukowiski, num acesso furioso. 

Que coisa mais louca para minha frágil cabeça adolescente, mas que magnetismo me suspendia do chão mortal. O Milagre Secreto, O Jardim de Veredas Que se Bifurcam, As Ruínas Circulares, O Fim: que plantação mais poderosa de cravos e de rosas. Foi Borges o responsável por tudo. E fui lendo. Por essa época conheci Sebá. Agora, eu tinha com quem conversar. O que ele descobria passava para mim, o que eu descobria passava para ele.

Caminhando não sei para onde, trocava passos vagarosos. Nesse mesmo período, e parece que esses livros que nos mudam ou nos completam, vão se sucedendo assim num mesmo tempo, um tempo conspirador, aguardavam meus olhos um exemplar da primeira edição do EU, de Augusto dos Anjos. Ainda com as páginas coladas. Parece que ninguém se deixara seduzir por aquele grosso e amarelado volume. Com uma régua fui rasgando as dobraduras e de dentro delas foram saltando os sonetos mais contundentes que pude ler em toda minha vida. A poesia e a biografia do poeta raquítico faziam mais um refém. 

Decorei vários poemas e, já com um violão a tiracolo e tendo conhecido a cachaça brejeira, aliados a uma represa que queria explodir, fui acrescentando adjetivos à minha existência areense. Agora eu era o louco. Eu já estava no ensino médio. Estava me preparando para o vestibular. E aconteceu uma ruptura. Uma oportunidade de mudar de cidade, sonho que sempre acalentei. No último ano resolvi, com 16 anos, que entraria na Fraternidade Marista, em Lagoa Seca, perto de Campina Grande, e faria a experiência que me ofertaria a possibilidade de ver o outro lado do mundo. 

Fui estudar no Colégio Diocesano Pio XI, na Presidente Vargas, perto do Cine Avenida, em Campina. Eu queria fazer Comunicação Social, mas foi Adoniran, professor de História, quem, durante uma aula, falou de História da Riqueza do Homem, de Leo Huberman. Eita, piula. Saía do mundo literário, da ficção, do cordel, das aventuras, da poesia, para a reflexão histórico-social e no final do ano, nem vestibular, nem Campina. Fui-me embora para Propriá, no Sergipe, viver a vida das comunidades eclesiais de base e a Teologia da Libertação.

O Irmão Salatiel, meu superior, era assinante do Círculo do Livro, todo mês entrava livro novo em nossa casa da Rua Japaratuba. Até que, naquele dia, eu peguei Não Verás País Nenhum, de Ignácio de Loyola Brandão. Esse livro fecha a lista daqueles que muito me influenciaram e que transformaram minha vida. Este em especial por conta de eu ter me sentido durante toda a minha existência como um homem marcado: um homem com um furo na mão, uma marca que, por mais que eu tente esconder, ela grita. 

A maldição que me persegue me faz ser irmão de muitos outros homens que, neste momento, estão tentando entender sua existência. Homens que se acham especiais, mas que precisam comprar pão para comer. Homens que amam a humanidade, mas que se sentem enojados com as merdas que ela produz. Homens cheios de esperança, mas que em algum momento têm coragem de se matar. Homens que não agridem uma borboleta, mas passam ao largo de um mendigo e podem até agredi-lo. Há uma marca em nós: a marca da letra, a marca da besta, a marca do sonho, a marca do zorro. São esses meus dez livros, livres.


Fonte: Aderaldo Luciano-Professor. Pos doutorando.
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Na Serra do Araripe Pernambuco Ceará saudade da Barraca Verifique e os atuas vendedores de frutas

Quem viaja do Exu, Pernambuco para o Crato, Juazeiro do Ceará, guarda sempre na lembrança, hoje apenas recordação da "Barraca Verifique", onde Luiz Gonzaga, tomava uma bicada/lapada de Catuaba. Neste caminho duas músicas tocam: Vou pro Crato e Barraca Verifique:
"Descendo aquela ladeira,
nunca mais vou esquecer
Pedaço de chão gostoso,
na barraca verifique catuaba vou beber
Se passo por lá, tenho que parar
Pra ver seu Zé, sua mão apertar Eita catuaba boa vou correndo to à toa,
quero no Crato chegar. 

Haja o que houver sei que chego lá. Nem que eu passe o dia inteiro
eu chego no Juazeiro
pra meu padrinho visitar.



O caminho/a estrada que liga Exu ao Crato  é a via das maravilhas. As paisagens agem e ardem em eco. Quais mãos trabalharam na confecção desse origami? A planície sem fim, cada casinha perdida ao lado de um cajueiro. Estradas de terra vicinais, plantações de abacaxis, um pedaço da mata atlântica. Barraquinhas de frutas e seus sitiantes. São os vendedores de frutas na beira da
estrada.

E lembrei que Cada poeta tenta exprimir as qualidades de um determinado fruto em sextilhas, para testar o poder de concisão do verso criando uma enciclopédia dos frutos do Brasil.

Eis alguns:
Jaca
A casca é dura e furante.
o bago, doce e macio.
O caroço tem segredos,
O talo parece um rio
represando visgo e seivas
como uma mulher no cio.

Sapoti, puro desejo
Perfumoso e sensual
Mais doce do que o mel
Uma geléia real
De muitos frutos comi
Garanto não tem igual


Com carne de sol, então,
Dá "sustança" e dá calor!
Você fica em condição
Pros embates do amor!
Outra delícia, trem bão,
É fazer, dele, o licor!

O Pequi dá lá no alto,
Já me disse o chapadeiro!
Colhido, vem pro asfalto,
Com seu gosto, com seu cheiro!
De ir buscá-lo, não falto,
Todo mês de fevereiro!

O seu pé, o pequizeiro
É uma árvore bonita!
Se a seca é um braseiro
Ele não seca e não frita!
Contando, meu companheiro,
A gente nem acredita!

Por isso, meus companheiros
Com alegria, venho aqui,
Conclamar os violeiros,
Cujo talento eu já vi:
Sejamos bons brasileiros
E vamos comer Pequi!
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